Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
76/17.1T9CMN-H.G1
Relator: MADALENA CALDEIRA
Descritores: PAGAMENTO DE MULTA PROCESSUAL
PROVA DO PAGAMENTO
REGISTO INFORMÁTICO
DIREITO DE DEFESA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
É desproporcional e lesivo dos direitos de defesa do arguido fazer equivaler a falta de associação informática de um DUC a uma reclamação do art.º 405.º, do CPP, ao não pagamento de multa processual, quando o arguido, quatro dias após a entrada da peça, fez prova do pagamento do DUC atinente à multa devida pela entrada da reclamação do despacho que reteve um recurso no 1º dia útil após o termo ordinário e da tentativa, sem sucesso, de proceder à associação informática desse DUC à peça processual.
Decisão Texto Integral:
Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

I.1. Em 19.12.2023 foi proferido o seguinte despacho:
Referência ...40:
Uma vez que, tal como consta da informação que antecede, não se encontra paga qualquer quantia pelo ato praticado fora de prazo, indefere-se o requerido.

I.2. Recurso da decisão

Inconformado, o arguido interpôs recurso da decisão, tendo extraído da sua motivação as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):

1 O arguido apresentou reclamação da retenção do recurso de decisão que indeferiu a perícia requerida pelo arguido, pelo tribunal a quo, para o Juiz Presidente deste Venerando Tribunal, porquanto o recurso interposto de decisão justifica a sua subida imediata, nos termos do artigo 405º, nº 2, e 407.º do CPP.
2. A dita reclamação foi apresentada, ao abrigo do art. 139.º do CPC no primeiro dia de multa,11.12.2023 e o pagamento daquela foi efectuado de imediato.
3. Por comunicação datada de 14.12.2023, e na qualidade de defensora oficiosa do arguido, foi notificada para proceder ao pagamento da multa de sua responsabilidade, nos termos do disposto no arto 107º-A do C.P. Penal ( 1º dia) e do no 6, do art.o 139.º , do C.P. Civil, no prazo e montante indicados na guia que anexou.
4. A mandatária respondeu, defendendo que a quantia não é devida, uma vez que o acto foi praticado no 1.º dia e pago atempadamente o valor de 51,00€, cuja referência é ...78..., nos termos do 139.º, do CPC, sendo que ainda juntou em anexo o print screen do formulário da plataforma CITIUS, captado aquando da sua elaboração.
5. Consta dos autos a informação do dia 18.12.2023, com a referência ...71, do pré-pagamento ...78... de taxa de justiça, no montante de 51,00€, efectuado no dia 11.12.2023, com o estado “pendente” que o Senhor Escrivão esclarece, na sua informação, significar “sem processo de destino”.
6. Não é verdade que a secretaria tenha verificado que o montante devido não foi pago.
7. O que verificou foi não ter processo de destino.
8. O acto foi praticado e paga imediatamente a multa devida.
9. Só seria devido o pagamento acrescida da penalização de 25 % do valor da multa se o pagamento não tivesse sido efectuado, conforme dispõe o referido art. 139.º do CPC.
10. Está a decisão proferida ferida de erro de julgamento quando decreta “não se encontra paga qualquer quantia pelo ato praticado fora de prazo”.
11. A decisão a quo violou o art. 39.º do CPC n.º 5 e 6.
12. A decisão de que se recorre é também nula por excesso de pronúncia e por violação do princípio do contraditório originando uma decisão surpresa.
13. A mandatária nomeada foi notificada do douto despacho de que se recorre, que se fez acompanhar da informação do Senhor Escrivão, sem antes ter sido concedida a oportunidade, pelo tribunal a quo, da mesma se pronunciar a respeito.
14. Foi notificada à mandatária nomeada ao arguido, por ofício datado de 20.12.2023, com a referência n.º ...24, com o seguinte teor: “Fica V. Exª notificado, na qualidade de Defensor Oficioso do Arguido AA, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados: De todo o conteúdo do despacho proferido e ainda da referência ...38 datado 19- 12-2023, cujas cópias se anexam.”
15. Violou assim, a decisão a quo, o art. 3.º e 4.º do CPC.
16. E configura a nulidade prevista no art. 615.º do CPC.
17. A decisão a quo violou ainda o art. 154.º do CPC e n.º 1 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa.
18. Porque se encontra ferida de falta de fundamento de facto e direito, quando se limita a remeter para uma conclusão/informação.
19. Mais, a decisão indefere algo que não foi requerido.
20. A mandatária, no seu requerimento antecedente, limita-se a informar que o valor da multa está pago, juntando o correspondente comprovativo, sem nada requerer.
21. Não se alcança o propósito da decisão.
22. Desconhece-se se a mandatária está, pelo douto despacho, a ser condenada no pagamento da multa acrescida de 25% ou o douto despacho não admite a Reclamação do Arguido pela falta de pagamento da multa.
23. O despacho a quo configura a nulidade, por aplicação dos arts. 615.º, n.º 1, al.c), 2.a parte, d) e 666.º, n.º 1, 685.º do CPC.
24. Assim, atendendo a todo o exposto e aos demais elementos que V. Exas. melhor e doutamente suprirão, deve ser julgado o recurso provado e procedente revogando-se o despacho proferido.

I.3. Resposta ao recurso

O Ministério Público respondeu ao recurso no sentido da sua improcedência, tendo apresentado as seguintes CONCLUSÕES (que transcrevemos):

1. O arguido/recorrente AA reclamou do efeito devolutivo fixado ao recurso interlocutório interposto alegando que a sua retenção o tornaria absolutamente inútil, nos termos do art. 407º, n.º 1 do CPP.
2. A reclamação foi apresentada no primeiro dia de multa, alegando que a pagou de imediato e juntou o «print screen» do formulário do Citius sem menção do processo de destino, pelo que apareceria «pendente», pugnando pela nulidade da decisão que considerou não ter sido efectuado qualquer pagamento, quer por violação do referido e normativos que cita, quer por falta de fundamentação.
3. Como bem fez menção o Sr. Escrivão de Direito (referência ...38, de 19/12/2923) “Tal ato foi praticado no 1º dia a que se refere o artº. 107º -A, pelo que é devida multa, pela prática no montante de € 51,00, cfr, al. a) do referido artigo”.
4. Nos termos do art. 9 da portaria 280/2013 “O responsável pelo prévio pagamento da taxa de justiça ou de outra quantia devida a título de custas, de multa ou outra penalidade deve indicar, em campo próprio dos formulários de apresentação de peça processual constantes do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, a referência que consta do documento único de cobrança (DUC), encontrando-se dispensado de juntar ao processo o respetivo documento comprovativo do pagamento.”
5. Ora, salvo o devido respeito, ao não indicar o processo para que aquele DUC se referia nunca o Citius poderá dar como pago, já que pode ser utilizado para qualquer outro processo, conforme resulta do próprio documento (utilizável até ../../2024 – print junto pela ilustre mandatária a 15/12/2023 com a Referência ...40), pelo que o referido «print screen» só faz prova do pagamento quando associado ao processo e à multa devida, pois quando consultado pelo Sr. Escrivão a 18/12/2023 dá pendente (referência ...71).
6. De qualquer forma, como já referido em Resposta elaborada nestes autos, não se pode confundir a inutilidade absoluta do recurso com a eventual necessidade de repetição de diligências ou mesmo de anulação de processado, inclusive o próprio julgamento.
7. Como vem sendo uniformemente entendido na jurisprudência o recurso só se torna absolutamente inútil, por via da subida diferida, nos casos em que, a ser provido, o recorrente não possa aproveitar-se da decisão.
8. A não subida imediata do recurso e o eventual resultado favorável ao Recorrente de decisão posterior pode ter consequências no processo, nomeadamente ao nível de anulação da sentença, anulação parcial do julgamento e renovação de perícia ou esclarecimentos complementares de perito, mas tal não significa que o recurso perca eficácia apesar da subida diferida.
9. A prova requerida e indeferida parcialmente pode voltar a ser requerida no decurso da audiência de julgamento, se da mesma resultar insuficiência de prova quer para a acusação quer para a defesa.
10. A Mma. Juiz de Direito fundamentou a razão de ser de ordenar a perícia apenas a parte não constante da perícia já realizada, sendo um poder-dever do Tribunal, até ao encerramento do julgamento (não esqueçamos que não pediu esta perícia nem em inquérito nem em instrução).
11. Os factos são de 2014/2015 e já existe uma perícia realizada bem como outra ordenada, não tendo o arguido/recorrente concretizado a anulação de qualquer efeito garantístico em consequência do adiamento da apreciação da questão pelo tribunal superior, limitando-se a mera alegação abstrata.
Assim, e tendo em conta todo o exposto, entendemos que mantendo o efeito devolutivo ao recurso interposto, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA.

I.4. Parecer do Ministério Público

Subidos os autos a este Tribunal da Relação, em sede de parecer a que alude o art.º 416.°, do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto referiu, ora com particular relevo (transcrição):
Três verdades inabaláveis ocorrem in casu:
- O Recorrente apresentou a reclamação no primeiro dia de multa.
- O DUC do print screen junto pelo Recorrente, após pesquisa no Sistema de Custas Judiciais (SCJ), verificou-se a sua existência, como pendente.
- Tal DUC não tem indicação do processo a que se destina.

Quid juris?
Entendo que comprovada a existência do DUC, ou seja, do pagamento da multa respetiva, no Sistema de Custas Judiciais, como pendente, por não conter a indicação do processo de destino, salvo o devido respeito por entendimento contrário, deveria o Juiz a quo ter ordenado aos respetivos Serviços Informáticos de Apoio aos Tribunais a respetiva afetação aos presentes autos, uma vez que se tratou de mero lapso, suprível.

I.5. Resposta ao parecer

 Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.

I.6. Foram colhidos os Vistos e realizada a conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1.  Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sendo essas que balizam os limites do poder cognitivo do tribunal superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como ocorre por exemplo com os vícios previstos nos artigos 410.º, n.º 2, ou 379.º, n.º 1, ambos do CPP (cf. art.ºs 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, ambos do CPP).
Passamos a delimitar o thema decidendum:
- Saber se o despacho recorrido está inquinado dos vícios de excesso de pronúncia e de falta de fundamentação, além de constituir uma decisão surpresa.
- Saber se é devido o pagamento de guias referentes a multa processual devida por força do art.º 107.º-A, al. a), do CPP, pela entrada de uma peça processual no primeiro dia útil após o termo do prazo ordinário, acrescida da penalidade prevista no art.º 139.º, do CPC, quando o interessado comprova, decorridos quatro dias após a entrada da peça, ter criado e procedido ao pagamento do DUC referente à autoliquidação da multa aludida no art.º 107.º-A, do CPP, e ter procedido à tentativa de associação informática, sem sucesso, desse DUC à peça processual respetiva.

II.2. Decisão Recorrida

A decisão recorrida tem o seguinte teor (que se transcreve integralmente):
Referência ...40:
Uma vez que, tal como consta da informação que antecede, não se encontra paga qualquer quantia pelo ato praticado fora de prazo, indefere-se o requerido.
*
II.3. Ocorrências processuais relevantes

Com relevo apura-se, ainda:

1. O Recorrente apresentou reclamação para o Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães do despacho que fixou o momento da subida de um recurso.
2. Fê-lo no dia 11.12.2023, pelas 23.31 horas, ou seja, no primeiro dia após o prazo legal para o efeito, correspondente ao primeiro dia de pagamento de multa.
3. Em tal requerimento não consta nenhuma referência textual ou documental respeitante à autoliquidação da multa processual devida pela entrega da peça no primeiro dia após o termo do prazo ordinário para a entrada da reclamação.
4. Com data de 14.12.2024 o Sr. Escrivão do Juízo Central Criminal de Viana do Castelo-J... notificou o Reclamante para proceder ao pagamento da multa de € 63,75 (€ 51,00 referente a multa do art.º 107.º-A, do CPP, e € 12,74 de multa pelo artigo 139.º, do CPC, pagável até desde 14.12.2024 a 10.01.2024).
5. O Recorrente juntou aos autos, em 15.12.2023, o seguinte requerimento:
AA, arguido nos autos em epígrafe, notificado para pagar a multa vem informar que não é devida, uma vez que o acto foi praticado no 1.º dia e pago atempadamente o valor de 51,00€, cuja referência é ...78..., nos termos do 139.º, do CPC, sendo que junta em anexo print screen do formulário da plataforma CITIUS.
Junta: print screen.
[Imagem]
6. Em 18.12.2023 o Sr. Escrivão procedeu à pesquisa do DUC no Sistema de Custas Judiciais e juntou o seguinte documento, resultante da pesquisa:

[Imagem]

7.  em 19.12.2023, Sr. Escrivão exarou nos autos a seguinte informação:
Atento ao requerimento apresentado pela ilustre defensora do arguido de 15-12-2023, apresentar a seguinte informação:
A ilustre defensora do arguido em 11-12-2023, não se conformando com o douto despacho que reteve o recurso interposto, veio interpor reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães.
Tal ato foi praticado no 1º dia a que se refere o artº. 107º -A, pelo que é devida multa, pela prática no montante de € 51,00, cfr, al. a) do referido artigo.
Como a secretaria verificou que o montante devido não foi pago, deu cumprimento ao disposto no nº 6. Do artº. 139º. Do C.P. Civil ( refª. ...69, de 14-12-2023). Na sequência dessa notificação veio a ilustre defensora do arguido, através do requerimento de 15-12-2023, informar que a multa não é devida por a taxa de justiça ter sido paga atempadamente.
Dispõe o artº 9 da portaria 280/2013 que “O responsável pelo prévio pagamento da taxa de justiça ou de outra quantia devida a título de custas, de multa ou outra penalidade deve indicar, em campo próprio dos formulários de apresentação de peça processual constantes do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, a referência que consta do documento único de cobrança (DUC), encontrando-se dispensado de juntar ao processo o respetivo documento comprovativo do pagamento.”
Da consulta do formulário de apresentação da peça processual (Reclamação contra a não admissão do recurso) apresentada em 12-22-2013 (refª. ...33), não resulta indicação do pagamento da taxa de justiça paga.
O print screen junto no requerimento de 15-12-2023 não prova, em nosso entender, que o DUC foi indicado no formulário aquando da apresentação da peça processual em causa, pois, caso tivesse sido indicado no formulário, o sistema registá-lo-ia automaticamente.
O DUC a que a ilustre defensora faz referência no requerimento, após pesquisa no Sistema de Custas Judiciais (SCJ) (cfr. refª. ...71), verifica-se a existência do mesmo, sendo que se encontra pendente, ou seja, sem processo de destino.

II.3. Análise dos fundamentos do recurso

O Recorrente invoca que o despacho recorrido está inquinado dos vícios de excesso de pronúncia e de falta de fundamentação, além de constituir uma decisão surpresa.
Mais considera ter cumprido o ónus processual de autoliquidação do DUC referente à multa processual, fixada em ½ UC, devida por força do art.º 107.º-A, al. a), do CPP, pela entrada de uma peça processual no primeiro dia útil após o termo do prazo ordinário, em razão do que não lhe é exigível proceder ao pagamento de tal multa pela segunda vez, acrescida da penalidade prevista no art.º 139.º, do CPC.

1. Cumpre, previamente, enquadrar a questão em crise.

Dispõe o art.º 107.º, n.º 2, do CPP, que “os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento”.
Sem prejuízo, no n.º 5 do mesmo artigo prevê-se que “independentemente do justo impedimento, pode o ato ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações”.
Por seu turno, o art.º 107.º-A, do CPP, preceitua que “sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de atos processuais penais aplica-se o disposto nos n.ºs 5 a 7 do artigo 145.º (atualmente art.º 139.º) do Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
a) Se o acto for praticado no 1.º dia, a multa é equivalente a 0,5 UC;
b) Se o acto for praticado no 2.º dia, a multa é equivalente a 1 UC;
c) Se o acto for praticado no 3.º dia, a multa é equivalente a 2 UC.”

Prescreve o art.º 139.º, n.º 6, do CPC (ex vi dos artigos 107.º, n.º 5, e 107.º-A, do CPP), que “praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário.
Finalmente, lê-se no art.º 9.º, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, referente à tramitação eletrónica dos processos judiciais:
1 - O responsável pelo prévio pagamento da taxa de justiça ou de outra quantia devida a título de custas, de multa ou outra penalidade deve indicar, em campo próprio dos formulários de apresentação de peça processual constantes do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, a referência que consta do documento único de cobrança (DUC), encontrando-se dispensado de juntar ao processo o respetivo documento comprovativo do pagamento.
2 - Nos casos referidos no número anterior, a comprovação do prévio pagamento é efetuada automaticamente por comunicação entre o Sistema de Cobranças do Estado, o sistema informático de registo das custas processuais e o sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
Vale dizer que quando é devido o pagamento de multa processual pela entrada da peça num dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo legal, os Ilustres Mandatários estão vinculados ao ónus processual de comprovar esse pagamento através da introdução do número do Documento Único de Cobrança (DUC) no formulário digital da apresentação da peça no portal citius.
Cumprida essa obrigação, a validação das informações contidas nos DUC é automática, por via do cruzamento de dados contidos no sistema informático da entidade responsável pela receção dos pagamentos, no sistema informático de registo das custas processuais e no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais.
Não procedendo ao cumprimento desta exigência de comprovação da autoliquidação do DUC, na falta de outros elementos comprovativos do pagamento do DUC, a secção de processos não tem forma de comprovar o pagamento das taxas de justiça ou das multas cuja autoliquidação pelo interessado se impunha.
Destarte, em abstrato é facilmente admissível que devido a um qualquer problema informático o signatário da peça processual não consiga carregar no formulário digital da apresentação da peça processual do portal citius o número do Documento Único de Cobrança pago.
Nestas circunstâncias, o signatário de tal peça deverá comprovar tal pagamento por outra via, por exemplo por requerimento junto ao processo, dando conta da impossibilidade informática de associação do DUC pago, pois de outro modo não é possível à secção confirmar esse pagamento.
Dito isto, in casu, não existe controvérsia sobre o facto de a reclamação do despacho que reteve o recurso ter entrado no 1º dia útil subsequente ao termo do prazo legal, de o ato poder ser praticado nesse dia (por força do 139.º, n.º 5, do CPC, ex vi do art.º 107.º, n.º 5, do CPP) e de a sua admissão ficar dependente do pagamento de multa processual, fixada em ½ UC, nos termos do art.º 107.º-A, al. a), do CPP.
Também se tem por assente que o Recorrente não fez referência na reclamação, entrada em juízo em 11.12.2023, ao pagamento do DUC correspondente à autoliquidação da multa, tendo comprovado esse pagamento apenas em 15.12.2023 (através da junção de um print screen do formulário da plataforma citius), quando foi confrontado com uma notificação para proceder ao pagamento da mesma multa, desta feita acrescida de penalidade por falta de autoliquidação (ou do comprovativo, no caso, dessa autoliquidação), altura em que informou ter pago atempadamente o valor de € 51,00, através do DUC com a referência ...78.
Analisado esse print screen, extrai-se do mesmo a data de 11.12.2023, a hora 23.29 (ou seja, 2 minutos antes da entrada da reclamação), a referência ao DUC terminal ...78, o montante de € 51,00, o descritor no pagamento “multa” e a menção “existem alterações que ainda não foram gravadas”, de onde resulta, à evidência, que não foi submetida, pelo menos com sucesso, a associação do DUC no formulário digital da apresentação da “reclamação” do portal citius, embora tenha sido tentada.
Portanto, desse print screen não se retira a realização dessa associação, antes apenas uma aparente tentativa frustrada de a realizar.
Mas, por outro lado, comprova-se do mesmo print screen que o DUC, no montante de €51,00, foi previamente liquidado e que o Recorrente pretendeu associar o mesmo, eletronicamente, ao pagamento da multa devida pela entrega da reclamação no primeiro dia útil após o termo do prazo legal para o efeito.
Também se comprova, pelo documento aludido em supra 6. das ocorrências processuais relevantes, que o DUC foi pago em 11.12.2023, mas apenas registado no citius em 13.12.2023.
Em resumo, apura-se que Recorrente criou e pagou o DUC de € 51,00 Euros em 11.12.2023, registou-o no citius em 13.12.2023, não comprovou esse pagamento nos autos aquando da entrada em juízo da peça processual da reclamação, tendo informado o tribunal de que havia feito tal pagamento em 15.12.2013, já depois de a secção ter emitido a guia para liquidação da multa processual, acrescida da penalização de 25%, a que refere o art.º 139.º, n.º 6, do CPC.

2. Quanto aos invocados vícios de excesso de pronúncia e de falta de fundamentação, diz o Recorrente que o despacho recorrido indefere algo não pedido e, face ao seu teor, não sabe se está a ser condenado no pagamento da multa acrescida de 25% ou se o douto despacho não admite a Reclamação do Arguido pela falta de pagamento da multa.
Vejamos.
No requerimento datado de 15.12.2023, o Recorrente informa que, na sua perspetiva, a multa não é devida, porque procedeu ao pagamento do DUC, juntando um comprovativo de uma tentativa de realização da sua associação à peça da reclamação.
Considerando a notificação que lhe fora feita para pagar as guias da multa e penalidades, parece-nos claro que o requerimento tem implícito um pedido, no sentido de considerar que o pagamento da multa foi realizado tempestivamente, apesar da não associação do DUC à peça processual, por motivos informáticos.
Tal requerimento, assim interpretado, motivou a informação exarada no processo pelo Sr. Escrivão em 19.12.2023, na sequência do que foi proferido o despacho recorrido, onde se fez constar - relembrando - “Uma vez que, tal como consta da informação que antecede, não se encontra paga qualquer quantia pelo ato praticado fora de prazo, indefere-se o requerido.”
Como antes explanado, comprova-se dos autos o pagamento da aludida quantia antes da entrada da reclamação, o que faltou foi o comprovativo da associação de tal pagamento a esta peça processual, apesar da tentativa eletrónica de realizar essa associação nos termos legalmente estipulados, como resulta evidente do print screen.
Apesar de o despacho recorrido ser espartano na fundamentação, considerando a alusão nele contida à informação do Sr. Escrivão, é ainda possível extrair com segurança  que o que se pretendeu decidir foi fazer equivaler a falta de comprovativo desse pagamento na peça processual da reclamação à falta de pagamento do DUC, i. e., indeferir a implícita pretensão do ora Recorrente no sentido de ser considerado o pagamento da multa processual devida, apesar da falta de comprovação da associação desse pagamento à reclamação na própria peça processual, como imposto por lei.
Dito de outro modo, o que se decidiu foi a necessidade de pagamento das guias, nos exatos termos que delas constavam, por não estar legalmente comprovada a associação do DUC pago à multa devida pela entrada em juízo da reclamação no 1º dia posterior ao termo do prazo.
Nem outra interpretação é cabível, muito menos que o despacho possa ter rejeitado a reclamação por falta de pagamento da multa e penalidades, na medida em que o prazo para o pagamento das guias só se esgotava em janeiro de 2024.
Posto isto, o despacho recorrido não está inquinado do vício de excesso de pronúncia, nem constituiu uma decisão surpresa, dado ter-se pronunciado sobre uma pretensão implicitamente formulada pelo ora Recorrente, nem de falta de fundamentação, verificando-se, apenas, uma fundamentação deficiente, sanável por via interpretativa.

3. Aqui chegados, quid iuris?

A questão passa por saber se é legítimo e proporcional o entendimento de que a falta do comprovativo, na peça processual da reclamação, do pagamento do DUC referente à liquidação da multa (apesar de se apurar o seu pagamento e que houve uma tentativa de associação do DUC à peça processual) equivale, nos seus efeitos jurídicos, à ausência de tal pagamento. Ou se é de considerar que tal entendimento é desproporcional e viola os direitos de defesa do arguido/Recorrente, nomeadamente na vertente do direito ao recurso.
Uma leitura mais formalista - cabível nas normas habilitantes - considerará que a simples falta de associação do DUC pago à peça processual da reclamação, ainda que comprovada a tentativa de realização dessa associação, tem os mesmos efeitos legais do não pagamento.
Outra, em que se convoque o princípio da proporcionalidade, tendo como pano de fundo os direitos de defesa do arguido, mormente o direito ao recurso (art.º 32.º, n.º 1, da CRP), considerará desproporcional e lesiva desses direitos de defesa a interpretação segunda a qual (estando pago um DUC e comprovada a tentativa da sua associação à peça processual no momento processual adequado, não lograda por motivo concreto não apurado mas, ao que tudo indica, por motivos informáticos), tal falta de associação equivale, para todos os efeitos legais, ao não pagamento da multa.
Propendemos para esta segunda posição.
Não está em causa a legitimidade do legislador em impor certos ónus processuais ao arguido inerentes ao direito ao recurso, tanto mais que o ónus de pagar e comprovar o pagamento da multa processual diz respeito a uma faculdade de dar entrada de peça processual já fora do prazo legal estipulado para o efeito.
Porém, no caso concreto em apreço - e é por referência a cada situação concreta que deve ser aferido o juízo de proporcionalidade - o Recorrente cumpriu materialmente com as exigências desses ónus, i. e. comprovou o pagamento do DUC e comprovou ter tentado proceder à sua associação à peça processual 2 minutos antes do envio desta.
Não escamoteamos que o Recorrente deveria ter-se apercebido da não associação eletrónica do DUC e deveria ter prestado a informação que prestou em 15.12.2023 em data anterior, i.e. no próprio dia em que juntou a peça ou no dia posterior, assim evitando que a secção emitisse as guias para pagamento da multa acrescida da penalidade, posto que a secção não tinha forma de saber desse pagamento do DUC e, consequentemente, face aos dados disponíveis no processo, tinha, nos termos da lei, de proceder à emissão das guias.
Ainda assim, tendo em conta o comprovativo da tentativa de associação informática do DUC pago ao processo, o que ressalta é a aparência de o Recorrente ter feito todas as démarches que a lei lhe determinava, ou seja, a criação/pagamento do DUC referente à multa devida e a tentativa de associação informática do DUC à reclamação, a qual não se veio a concretizar por motivos informáticos.
Não se apura nenhuma má-fé processual na conduta do Recorrente, antes a realização dos habituais procedimentos para cumprimento do ónus processual de pagamento de uma multa processual no momento adequado.
Dito de outro modo, há uma falha processual do Recorrente, a denunciar um certo grau de negligência, quanto ao facto de ter vindo informar no processo o pagamento do DUC e a tentativa falhada da sua associação ao processo apenas 4 dias após a entrada da reclamação, mas que não chega a ser um erro grosseiro e indesculpável, antes refletindo uma negligência processual pouco significativa, a não comprometer a regularidade processual ou a velocidade do andamento do processo.
Fazer equivaler, neste contexto, a não associação do DUC ao não pagamento da multa, atendendo à gravidade das con­sequências decorrentes desta interpretação, que seria, em última instância, a rejeição da reclamação e por esta via a rejeição da sindicância de uma decisão judicial que lhe negou a subida imediata de um recurso (qualquer que seja a bondade dos argumentos aí invocados, matéria que não é objeto deste recurso), afigura-se-nos desproporcional e, nessa medida, violador dos direitos de defesa do arguido.
Termos em que se julga procedente o recurso.

III. DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida.
Sem custas (artigos 513º, n.º 1, “a contrario”, do CPP).
Notifique e D.N.