Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2412/06-2
Relator: ROSA TCHING
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
NEXO DE CAUSALIDADE
DANO
HONORÁRIOS
ADVOGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1º- Existe nexo de causalidade adequada entre uma conduta e o dano, quando este, pelas regras correntes da vida, é consequência daquela.
E, para que tal se verifique, não é necessário uma causalidade directa, bastando uma causalidade indirecta, que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste.

2º- São de incluir nos danos indemnizáveis os honorários pagos ao advogado desde que verificado o nexo de causalidade, directa ou indirecta, entre esta despesa e o facto ilícito.

3º- No domínio da responsabilidade civil contratual pode haver lugar a indemnização por danos morais ou não patrimoniais, sendo, porém, de exigir, um nível de gravidade danosa em regra superior ao exigível para a responsabilidade aquiliana.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


FOTO – L..., LDA.”, com sede no lugar de Petigueiras, Portuzelo, JOSÉ M... e mulher CRISTINA M..., residentes no lugar de S. Cláudio, Nogueira, MANUEL DA C... e mulher MARIA A..., moradores na Rua de Infesta, 2º, rés-do-chão direito, Meadela, todos do concelho de Viana do Castelo, vieram propor contra ”BANCO C... PORTUGUÊS, S.A.”, com sede na Praça D. João I, 28, Porto, a presente acção com processo ordinário, pedindo a condenação do Réu no pagamento das seguintes quantias:
- à 1ª Autora, € 207.500,00;
- ao 2º Autor, € 50.000,00;
- à 3ª Autora, € 10.000,00;
- ao 4º Autor, € 12.000,00; e
- à 5ª Autora, € 10.000,00.

Citado, o réu contestou, excepcionando a prescrição do direito dos autores, alegando haver abuso de direito e impugnando os factos alegados pelos autores.

Na sua resposta, os autores concluíram como na petição inicial.

Proferido despacho saneador, foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância de todo o formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto controvertida pela forma constante de fls. 326 a 329.

A final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu o Réu “BANCO C... PORTUGUÊS, S.A.” dos pedidos contra ele formulados pelos Autores “FOTO – L..., LDA.”, JOSÉ M... e mulher CRISTINA M..., MANUEL DA C... e mulher MARIA A....
Absolveu ainda os Autores do pedido de condenação, em multa e em indemnização, como litigantes de má fé.
Condenou Autores e Réu no pagamento das custas, na proporção de 9/10 e 1/10, respectivamente.

Não se conformando com esta decisão, dela apelaram os autores, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1º A autora é uma firma comercial tendo como objecto a exploração de estúdio fotográfico, comércio a retalho de material fotográfico, cuja actividade teve início em princípios de Março de 1987 (F) dos factos assentes).
2º- Entre 1987 e 1990, o volume de negócios da 1ª Autora foi aumentado (resposta ao ques. 3º).
3º- Em 06-03-1989, entre a 1ª Autora e o Réu foi celebrado um contrato de depósito bancário, à ordem que tomou o nº. de conta 006472132 (A), B), C) e D) dos factos assentes).
4º- A partir da abertura da conta a Autora passou a depositar somas sucessivas de dinheiro nessa conta ( E) dos factos assentes).
5º- Até 08 de Maio de 1980, esse depósito atingia 1.650.011$60.
6°- Entre 05 de Abril de 1989 e 08 de Maio de 1989, o Réu retirou indevidamente da referida conta a quantia total de 1.650.000$00, o que constitui violação do contrato de depósito bancário.( Ac. Rel. do Porto transcrito nesta parte na decisão recorrida).
7°- A 1ª Autora recorria, por vezes, ao crédito bancário, que lhe era concedido.
8°- O Réu comunicou ao Banco de Portugal o protesto de uma livrança de 1.200.000$00, assinada em 30 de Janeiro de 1990 pela 1ª Autora e demais Autores, com vencimento em 28-02-1990.
9°- O dinheiro depositado na referida conta era suficiente para esse pagamento, caso o Réu o não tivesse desviado.
10°- Só em 24 de Janeiro de 1992 , o Réu forneceu à 1ª autora os elementos respeitantes ao movimento da referida conta e, só por notificação judicial ( J) e L) dos factos assentes ).
11°- Em consequência do referido no n° 8 supra e al. M), deixou de ser possível à 1ª Autora obter crédito bancário.
12°- Tal circunstância afectou a aquisição de materiais para o estabelecimento da lªAutora, reduzindo em consequência o seu volume de negócios, bem como a respectiva clientela.
13°- A 1a Autora viu contra si instaurados processos executivos.
14°- Os fundamentos da presente acção, em relação à 1ª Autora são os referidos nos artigos n° 23 a 50 inclusive e 63 da p.i. e, não apenas os enunciados na decisão recorrida, e em relação aos restantes Autores os enunciados nos artigos 51° a 62° inclusive.
15°- Embora se tenha respondido negativamente a alguns factos alegados, de tal resulta apenas se terem provado tais factos, mas a verdade é que não se provou o contrário.
16° No entanto, os factos provados são susceptíveis de, por si só, induzirem à conclusão da existência do nexo causal entre a violação culposa do contrato de depósito por parte do Réu e a comunicação ao Banco de Portugal, que teve como consequência os factos enumerados nos n°s 11, 12 e 13 desta conclusão e o descalabro e falência da Autora.
17°- Conclusão a que também é possível chegar-se através de presunções naturais e que aqui também se invocam, face ao disposto nos artigos 349 e 351 ambos do C.Civil.
18°- Entre o desvio do dinheiro e a decisão da execução e embargos apensos decorreram cerca de onze anos.
19° - Assim, a prova total dos factos tornou-se muito difícil nesta acção, pelo que , invocando aqui o Ac. Rel. Porto de 18-05-78 , C.J., 1978, III Tomo, pág. 847, caberia ao Réu o ónus da prova de que foi não culpado pelos danos sofridos pelos Autores.
20°- Resumindo, os factos provados e as ilações e presunções a deles tirar são fundamento suficiente e seguro da existência do nexo causal entre os factos imputados ao Réu banco e os danos subsequentes sofridos pela 1ª Autora e indirectamente pelos 2ºs a 5° Autores e, que provavelmente não sofreriam se não fosse a lesão.
21°- Porque se não apuraram, concretamente, os danos sofridos pelos Autores deve, provado o nexo de causalidade e julgada procedente esta acção remeter-se para a execução de sentença a liquidação dos danos sofridos pelos Autores, quer patrimoniais quer não patrimoniais.
Violou a sentença recorrida os artigos 342º, n°3, 349°, 351º, 483º, 484º, 563º, 564º, nº1 e 2, 796º e 798 todos do C.Civil e artigo 661º, nº2 do C.P.Civil”.

A final, pedem seja revogada a sentença recorrida, e em consequência,, julgar-se esta acção procedente e provada e o Réu condenado nos pedidos formulados, relegando-se, porém,, para execução de sentença a liquidação dos danos causados aos Autores.

O réu contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Os factos dados como provados na 1ª instância (colocando-se entre parênteses as correspondentes alíneas dos factos assentes e números dos artigos da base instrutória) são os seguintes:
1º- Em 6 de Março de 1989, os representantes legais da Autora “FOTO – L..., LDA.”, JOSÉ M... e MANUEL DA C..., dirigiram-se ao balcão do Réu em Viana do Castelo e propuseram à respectiva gerência abertura de uma conta de depósito à ordem, a fim de a sociedade Autora movimentar, através dela, o numerário dos seus apuros diários (A).
2º- O regime então acordado com o Réu era da obrigatoriedade da exigência das duas assinaturas dos dois sócios gerentes para que a Autora pudesse levar a efeito qualquer movimento a débito nessa mesma sua conta (B).
3º- Nessa mesma altura, o contrato de depósito bancário foi reduzido a escrito, mediante a aposição das assinaturas dos dois sócios gerentes na respectiva ficha das assinaturas ( C).
4º- A conta constituída ficou com o nº006472132 (D).
5º- A partir da abertura daquela conta, a Autora “FOTO – L..., LDA.”, passou a depositar somas sucessivas de dinheiro nessa mesma conta, entregando-as no balcão do Réu em Viana do Castelo ( E).
6º- A 1ª Autora iniciou a sua actividade comercial em princípios de Março de 1987, tendo como objecto a exploração de estúdio de fotografia, comércio a retalho de material fotográfico, salão de cabeleireira e boutique para noivos e noivas, tendo como capital social 1 000 000$00 (actualmente € 4.987,92) (F).
7º- Em 30 de Janeiro de 1990, a 1ª Autora, através dos seus sócios gerentes, assinou uma livrança ao Banco Réu, no montante de 1 200 000$00, valor de um empréstimo para crédito da conta da Autora junto do mesmo Banco, e que teria o seu vencimento em 28 de Fevereiro de 1990 ( G).
8º- Na altura do vencimento desta livrança, o Banco Réu informou que, dada a sua conta não ter saldo suficiente para satisfazer o montante daquela livrança, a iria executar caso não fosse devidamente liquidada ( I).
9º- A partir de 7 de Outubro de 1991, a firma Autora remeteu ao Banco Réu diversas cartas registadas com aviso de recepção para que lhe fornecesse todos os elementos e documentos respeitantes aos movimentos da mencionada conta (J).
10º- A Autora, em 17 de Janeiro de 1992, notificou judicialmente o Banco Réu para que lhe fornecesse tais elementos e documentos e este só em 24 de Janeiro de 1992 os forneceu ( L).
11º- O Banco Réu protestou a livrança referida em G) e comunicou ao Banco de Portugal tal protesto ( M).
12º- Em 13 de Janeiro de 1992, o Banco Réu intentou, no 5º Juízo Cível do Porto, uma execução sumária (nº7017/92) contra a firma Autora e todos os sócios da mesma, com base na falta de pagamento da falada livrança de 1 200 000$00 (N).
13º- Essa execução foi depois remetida ao Tribunal Judicial de Viana do Castelo em 18 de Maio de 1992, por ser o territorialmente competente, encontrando-se apensa (O).
14º- A firma Autora deduziu embargos de executado a essa execução, .
nos quais pedia que se declarasse extinto, por compensação, o crédito do Banco Réu com o crédito que a firma Autora tinha sobre o mesmo através da conta referida, os quais foram julgados procedentes (P).
15º- Em tal decisão ficou assente que o Réu retirou da conta nº006472132 as seguintes importâncias, no total de 1 650 000$00:
a) em 5 de Abril de 1989, 200 000$00;
b) em 20 de Abril de 1989, 200 000$00;
c) em 21 de Abril de 1989, 100 000$00;
d) em 28 de Abril de 1989, 300 000$00;
e) em 8 de Maio de 1989, 850 000$00 (Q).
16º- Os Autores José, Cristina, Manuel e Maria A... deduziram embargos de executado, nos quais pediam que se declarasse extinto, por compensação, o crédito do Banco Réu com o crédito que a firma Autora tinha sobre o mesmo através da conta referida, os quais foram julgados improcedentes ( R).
17º- O Banco Réu, então exequente, promoveu penhoras não só nos bens da firma Autora, mas também dos seus sócios (S).
18º- Nos embargos de executado, a firma Autora constituiu advogado (T).
19º- Em 30 de Novembro de 2000, o Réu liquidou à firma Autora a quantia de € 5.998,90 (U).
20º- JOSÉ M... assinou em 30 de Novembro de 2000 uma declaração, em nome da 1ª Autora, em que, além do mais, se referia que, com o recebimento da quantia referida na alínea anterior, a mesma Autora renunciava a qualquer outra pretensão indemnizatória relativamente ao litígio da execução apensa (V).
21º- Conforme consta da publicação do DR de 14.02.1987, III série, nº38, na escritura de constituição da firma Autora consta que “a administração e gerência da sociedade, sua representação em juízo e fora dele, ficam a pertencer a todos os sócios, que, desde já, são nomeados gerentes. A sociedade ficará validamente responsabilizada apenas com a assinatura de dois gerentes” (X).
22º- Os Autores enviaram ao Réu a carta datada de 2 de Abril de 2001, dando conta que o sócio MANUEL DA C... não ratifica a declaração referida em V) (Z).
23º- Entre 1987 e 1990, o volume de negócios da 1ª Autora foi aumentando (3º).
24º- A 1ª Autora teve contrato de “leasing” com a F... Portuguesa, para o equipamento de revelação de fotografias e consumíveis respectivos (4º).
25º- A 1ª Autora recorria, por vezes, ao crédito bancário, que lhe era concedido (6º).
26º- As obrigações da Autora com vencimentos dos sócios gerentes e dos empregados, descontos para a Segurança Social, contribuições ao Estado, taxas camarárias, luz, água, eram satisfeitas com dinheiro diferente do depositado na conta (7º).
27º- Na sequência do aludido em M), e da comunicação do Banco de Portugal aos demais Bancos, deixou de ser possível à 1ª Autora obter crédito bancário (9º).
28º - Tal circunstância afectou a aquisição de materiais para o estabelecimento, reduzindo em consequência o volume de negócios da 1ª Autora, bem como a respectiva clientela (10º, 11º, 15º e 17º).
29º- A Autora deixou de movimentar a conta referida em D) a partir de 26 de Julho de 1990, ficando nessa altura com um saldo credor de 11$60 (12º).
30º- A execução apensa, e as penhoras aí realizadas, foram do conhecimento das pessoas das relações dos 2º a 5º Autores (16º).
31º- A 1ª Autora viu contra si instaurados processos executivos (18º).
32º- A 1 de Janeiro de 1992, a 1ª Autora entregou o estabelecimento comercial na rua Grande, nº33, Viana do Castelo, ao respectivo senhorio, cessando a sua actividade nesse local (19º).
33º- A 5ª Autora Maria Armanda era empregada na 1ª Autora (24º).
34º- Com a cessação de actividade da 1ª Autora, o 4º Autor deixou de auferir o respectivo vencimento (25º).
35º- Em 2002, o 2º Autor foi convidado pela F... para tomar conta do estabelecimento comercial Fotoquick, em Viana do Castelo (27º).
36º- A 5ª Autora deixou de trabalhar na 1ª Autora no início de 1992 (29º).
37º- Os móveis da casa dos 4º e 5ª Autores foram penhorados, o que lhes causou desgosto (30º).
38º- A 3ª Autora teve desgosto com a execução referida em N) e O) (31º).


FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.

Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se a matéria de facto provada é suficiente para determinar a responsabilização da ré pelo pagamento das indemnizações peticionadas pelos autores/apelantes.

A este respeito, considerou a Mmª Juíza a quo que os autores fundamentaram a presente acção de indemnização no facto da retirada não autorizada, pelo réu, de fundos da conta nº. 006472132 de que a 1ª autora era titular e da indevida comunicação ao Banco de Portugal do protesto de uma livrança subscrita pela 1ª autora e avalizada pelos demais autores, terem sido as únicas causas para a cessação da actividade da 1ª Autora.
Mas porque apenas se provou que aquela actuação afectou tal actividade e porque os autores não lograram provar que “a conta em causa fosse central na actividade da 1ª Autora, ou que os seus abundantes fundos servissem para movimentar os negócios da firma” (cfr. resposta negativa dada ao quesito 1º), nem que a 1ª Autora tenha ficado “impossibilitada de satisfazer os compromissos monetários imediatos do seu negócio” (cfr. resposta dada ao quesito 13º), concluiu no sentido de não haver, nos autos, matéria bastante para estabelecer o nexo de causalidade entre a actuação do Réu e os prejuízos invocados pela 1ª Autora e pelos demais autores.


Diferentemente sustentam os autores que os factos provados e as ilações e presunções a deles retirar são fundamento suficiente e seguro da existência do nexo causal entre os factos imputados ao Réu banco e os danos subsequentes sofridos pela 1ª Autora e, indirectamente, pelos 2ºs a 5° Autores.

Que dizer?

A este respeito, importa salientar que uma das traves mestras do nosso direito processual é o princípio do dispositivo, o qual faz recair sobre os interessados o ónus da iniciativa processual.
Uma das manifestações deste ónus é a necessidade de formulação do pedido que delimita a actividade do tribunal, conforme resulta dos arts. 3º, 264º, 467º, n.º1, al. e), 501º, n.º1, 659º, n.º1, 661º, n.º1 e 668º, n.º1, al. e) do C. P. Civil.
Cabe ás partes a iniciativa da instauração do pleito, sendo elas que, através do pedido e da defesa, delimitam o “thema decidendum”.
Por sua vez, a nossa lei consagra a teoria da substanciação, segundo a qual o objecto da acção é o pedido, definido através de certa causa de pedir Vide, Anselmo de Castro , in, “ Direito Processual Civil”, vol. I, pág. 207, Antunes Varela e outros, in, “Manual de Processo Civil”, pág. 711 e, entre muitos outros, os Acs. do STJ, de 26.10.75, in, BMJ, n.º 250, pág. 159 e da Relação de Coimbra, de 1.7.86, in, CJ, ano XI, tomo IV, pág. 57. .
A causa de pedir, como decorre da definição constante do art. 498º, n.º4 do C. P. Civil, é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo. Isto é, o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor e dos quais dimanarão o efeito ou efeitos jurídicos que, através do pedido formulado, pretende ver juridicamente reconhecidos Vide Manuel de Andrade, in, “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 108 e Alberto dos Reis, in, “Código de Processo Civil, Anotado”, vol. II, pág. 35..
Assim, de harmonia com a aludida teoria da consubstanciação, exige-se sempre a indicação do título (facto ou factos jurídicos) em que se baseia o autor- cfr. art. 467º, nº. 1, al. d) do C. P. Civil.
Esta exigência, no dizer de Vaz Serra In, RLJ, ano 109º, pág. 313., destina-se, além do mais a impedir que seja o demandado compelido a defender-se de toda e qualquer possível causa de pedir, só tendo de defender-se da concretamente invocada pelo autor.
No caso dos autos e conforme se vê do artigo 69º da p.i., os autores pediram a condenação do Banco Réu no pagamento dos prejuízos que este causou a cada um deles em consequência dos desvios indevidos dos depósitos existentes na conta nº. 006472132.
Mas, se é verdade que, para fundamentar os pedidos deduzidos, alegaram os autores, nos artigos 47º a 56º e 59º da p. i. que “a firma Autora viu-se obrigada a cessar a sua actividade em 01 de Janeiro de 1992”, daí advindo para a Autora Foto-L... Limitada prejuízos no montante de €200.000,00” e para os autores JOSÉ M..., MANUEL DA C... e MARIA A..., perdas de vencimentos, no montante de €50.000,00, de €12.000,00 e €10.0000,00, respectivamente, isso não significa ( tal como o afirmou a Mmª Juíza a quo) que o resultado da violação do contrato de depósito bancário por parte do réu se esgota na cessação da actividade da Autora Foto L..., Ldª.
De resto, basta ler os artigos 57º, 58º, 60º e 61º da petição inicial, para facilmente se constar que os demais danos peticionados pela autora Foto L... e pela autora, CRISTINA M... decorrem não já da alegada cessação de actividade, mas antes da instauração da execução sumária nº. 7017/92 contra os ora autores, Foto –L... Ldª e José Manuel, também ela emergente da violação do referido contrato de depósito bancário.
Quer tudo isto dizer que, no caso dos autos, a causa de pedir é complexa.
Na verdade, os pedidos de indemnização formulados pelos autores inserem-se no âmbito da responsabilidade contratual do réu, tendo como causa de pedir a violação do contrato de depósito bancário celebrado entre o Banco réu e a autora, Foto-L..., Ldª. bem como todo o conjunto de factos provenientes de tal violação e também eles geradores de danos cujo ressarcimento os autores pretendem obter através da presente acção.
Mas se é assim, vejamos, então, se estão verificados os requisitos de que a lei faz depender o reconhecimento do direito a essa indemnização, ou seja, os enunciados no art. 798º do C. Civil:
1º- o incumprimento;
2º- a ilicitude do facto danoso;
3º- a culpa, sob a forma de dolo ou negligência, do autor do facto;
4º- o prejuízo sofrido pelo credor;
5º- o nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.
Para a resolução do caso em apreço importa apenas indagar se nele concorrem os 3º, 4º e 5º dos requisitos referidos - isto é, se a conduta ilícita do réu é culposa, se causou prejuízo aos autores e, na hipótese afirmativa, se existe o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo – já que dúvidas não se levantam quanto à concorrência do facto ilícito.
Com efeito, já se mostra decidido, por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido nos autos de embargos à referida execução sumária nº. 7017/92 e já transitado em julgado, que a retirada da conta nº. 006472132, pelo ora réu, das quantias 200.000$00, 100.000$00, 300.000$00 e 850.000$00, em 5, 20,21 e 28 de Abril de 1989 e em 8 de Maio do mesmo ano, respectivamente, foi indevida, tendo, por isso, a ora autora, Foto- L... Ldª, direito à sua restituição.
Significa isto ter havido, por parte do ora réu, violação do contrato de depósito bancário celebrado entre ele e a Foto-L... Ldª.
Do mesmo modo e tendo em conta, conforme escreve, Antunes Varela In, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 3ª ed., pág. 91. , que “A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, de relação de desconformidade entre a conduta devida ( a prestação debitória) e o comportamento observado”, impõe-se concluir que tal violação é também culposa.
De resto, cumpre referir que, tratando-se de responsabilidade contratual, de harmonia com o disposto no art. 799º, nº. 1 do C. Civil, a autora, Foto-L..., Ldª, na qualidade de credora das quantias depositadas na dita conta, beneficia da presunção de culpa do banco réu/devedor.
Assim e porque, no caso dos autos, o réu nem sequer alegou a sua falta de culpa na violação do contrato de depósito bancário, ter-se-á por assente a sua culpa presumida nessa violação.
E provado que está que os autores sofreram danos, importa, agora, indagar da existência do eventual nexo de causalidade entre a referida conduta do réu e tais prejuízos.
Todavia e a este respeito, cumpre referir que, segundo a doutrina da causalidade adequada, para que um facto seja causa de um dano, é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo.
Uma conduta é causa de um resultado quando este, pelas regras correntes da vida, é consequência daquela.
Do mesmo modo, importa esclarecer que não é necessário uma causalidade directa, bastando uma causalidade indirecta, que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste.
Conforme ensina, Pereira Coelho In, “Obrigações”, pág. 166., o autor da lesão é responsável por todos os factos ulteriores que eram de esperar segundo o curso normal das coisas, ou foram especialmente favorecidos pela conduta do agente quer na sua própria verificação, quer na sua actuação concreta em relação ao dano de que se trata.
Nesta matéria apurou-se que:
- o Réu retirou da conta nº006472132 as seguintes importâncias: em 5 de Abril de 1989, 200 000$00; em 20 de Abril de 1989, 200 000$00; em 21 de Abril de 1989, 100 000$00; em 28 de Abril de 1989, 300 000$00 e em 8 de Maio de 1989, 850 000$00, no total de 16509000$00.
- Em 30 de Janeiro de 1990, a 1ª Autora, através dos seus sócios gerentes, assinou uma livrança ao Banco Réu, no montante de 1 200 000$00, valor de um empréstimo para crédito da conta da Autora junto do mesmo Banco, e que teria o seu vencimento em 28 de Fevereiro de 1990.
- Na altura do vencimento desta livrança, o Banco Réu informou que, dada a sua conta não ter saldo suficiente para satisfazer o montante daquela livrança, a iria executar caso não fosse devidamente liquidada.
- O Banco Réu protestou a livrança referida e comunicou ao Banco de Portugal tal protesto .
- Em 13 de Janeiro de 1992, o Banco Réu intentou, no 5º Juízo Cível do Porto, uma execução sumária (nº7017/92) contra a firma Autora e todos os sócios da mesma, com base na falta de pagamento da falada livrança de 1 200 000$00.
- A firma Autora deduziu embargos de executado a essa execução, nos quais pedia que se declarasse extinto, por compensação, o crédito do Banco Réu com o crédito que a firma Autora tinha sobre o mesmo através da conta referida, os quais foram julgados procedentes.
- Nos embargos de executado, a firma Autora constituiu advogado.
- Na sequência do protesto referido e da comunicação do Banco de Portugal aos demais Bancos, deixou de ser possível à 1ª Autora obter crédito bancário.
- Tal circunstância afectou a aquisição de materiais para o estabelecimento, reduzindo em consequência o volume de negócios da 1ª Autora, bem como a respectiva clientela.
- A 1ª Autora viu contra si instaurados processos executivos.
- A 1 de Janeiro de 1992, a 1ª Autora entregou o estabelecimento comercial na rua Grande, nº33, Viana do Castelo, ao respectivo senhorio, cessando a sua actividade nesse local.

Sendo este o quadro factual e não tendo os autores logrado provar que: “ A 1ª A. girava toda a sua actividade comercial, através do movimento da conta que tinha aberto no Banco R. e era com base na solidez dos seus créditos que ia movimentando os diversos negócios da firma” (resposta negativa ao artigo 1º da base instrutória); “os pagamentos das prestações” (relativas aos contratos de locação financeira de aquisição de diverso material necessário ao desenvolvimento da sua actividade leasing) “eram efectuados através da conta aberta no Banco R.” (cfr. resposta negativa ao artigo 5º da base instrutória); em consequência da retirada das referidas quantias e da comunicação ao Banco de Portugal do protesto da livrança dada à execução “A A. passou a não poder adquirir materiais para o seu estabelecimento”, “Os negócios foram a pouco e pouco decaindo, a ponto de o reduzido número de vendas que passou a ser feito no estabelecimento não serem suficientes para satisfazer os compromissos assumidos, designadamente os pagamentos das prestações de leasing”, “A A. não pode satisfazer os compromissos monetários imediatos do seu negócio, designadamente pagamento de prestações de leasing”, “A 1ª A. deixou de fazer provimentos de material para o seu estabelecimento e a clientela passou a deixar de ali fazer compras por carenciado material pretendido”; “Os fornecedores deixaram de dar crédito à A. , o material deixou de existir e os clientes desapareceram”( cfr. respostas restritivas aos artigos 10º, 11º, 15º e 17º e resposta ao artigo 13º, todos da base instrutória), diremos, em consonância com a Mmª Juíza a quo, não ser possível afirmar que a descrita conduta ilícita e culposa do réu foi causa adequada da cessação da actividade da autora Foto-L..., Ldª.
Ora, indemonstrado o nexo de causalidade entre a violação, por parte do réu, do contrato de depósito bancário e a cessação de actividade da autora Foto-L..., Ldª, arredada fica a possibilidade de fazer impender sobre o réu qualquer obrigação de indemnizar esta autora pelos danos para ela advenientes da cessação da sua actividade.
Daí ter de improceder o pedido de condenação do réu no pagamento à autora Foto-L..., Ldª da quantia de € 200.000,00.
E o mesmo vale dizer relativamente aos pedidos de condenação no réu no pagamento das quantias de € 50.000,00, € 12.000,00 e € 10.000,00 formulados, respectivamente, pelos autores JOSÉ M..., MANUEL DA C... e MARIA A....
A este respeito, lograram os autores provar que com a cessação de actividade da Autora Foto L...- Ldª, o autor Manuel Martins deixou de auferir o respectivo vencimento e a autora Maria Armanda, que era empregada da Foto- L..., Ldª, deixou de trabalhar nesta no início de 1992.
Todavia, respeitando tais pedidos a perdas de vencimentos decorrentes da cessação da actividade da autora Foto-L..., Ldª e indemonstrado que ficou que a conduta do réu foi causa determinante, directa ou indirectamente, de tal cessação de actividade, arredada fica a possibilidade de fazer recair sobre o réu a obrigação de indemnizar os autores Manuel Martins e Maria Armanda por tais danos, dada a falta de verificação de um dos requisitos indispensáveis ao accionamento da responsabilidade civil contratual, sendo certo que relativamente ao autor, José Manuel nem sequer ficou provado que o mesmo deixou de auferir qualquer vencimento desde 1992 até 2002 (cfr. resposta negativa ao artigo 25º da base instrutória) .
Mas porque no nosso direito são atendíveis as presunções judiciais, importa ainda indagar se, com recurso às regras da experiência, é possível dar-se como provado que a violação culposa do contrato de depósito por parte do Réu e a comunicação ao Banco de Portugal do protesto da livrança teve como consequência o descalabro e falência da Autora, Foto-L..., Ldª, ficando assim estabelecido o nexo causal entre os factos imputados ao banco Réu e os danos subsequentes sofridos pela 1ª Autora e, indirectamente, pelos 2ºs a 5° Autores.
O artigo 349º do Código Civil define presunções como “as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”.
Por outro lado, o artigo 351º do mesmo diploma legal, estipula que “as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”.
Como ensina Antunes Varela In, “Manual de Processo Civil”, pág. 485., “a presunção consiste na dedução, na inferência, no raciocínio lógico do qual se parte de um certo facto provado, ou conhecido, e se chega a um facto desconhecido”.
E acrescenta ainda “As presunções naturais, judiciais ou de um facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos.
Do mesmo modo, escreve Manuel de Andrade” In, “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 215 e 216. , que tais presunções são as que resultam da experiência (das máximas de experiência), do curso ou andamento natural das coisas, da normalidade dos factos (regra da vida; quod plerumque accidit), sendo livremente apreciadas pelo juiz (art. 351º)”.
Todavia, constitui entendimento praticamente unânime da jurisprudência e da doutrina que se tiver sido formulado um quesito sobre determinada matéria de facto e o tribunal de 1ª instância tiver respondido ao quesito, não pode a Relação, fora das situações previstas no citado art. 712º, n.º1 do C. P. Civil, alterar a resposta com base em qualquer presunção judicial ou máxima de experiência Cfr. Acs. do STJ, de 25.10.83, de 8. 11. 84 e de 13. 2. 85, in, respectivamente, BMJ n.º 330º, pág. 516, n.º341º, pág. 388 e n.º 344º, pág. 361; Antunes Varela, in, RLJ, ano 122º, pág. 213 e segs. e ano 123º, pág. 56 e segs. .
Ora, conforme já se deixou dito, os artigos 1º, 3º, 10º, 11º, 12º, 13º e 15º da base, que contemplavam factos demonstrativos do eventual nexo de causalidade entre os factos imputados ao réu e a cessação de actividade da autora, Foto-L..., Ldª, mereceram respostas negativas e restritivas, pelo que este Tribunal nunca poderia dar como provada a factualidade constante de tais artigos com base, unicamente, em qualquer presunção judicial.
E de nada vale o argumento avançado pelos autores/apelantes no sentido de que, tendo decorrido cerca de onze anos entre o desvio do dinheiro a e decisão da execução e embargos apensos, a prova total dos factos tornou-se muito difícil nesta acção, pelo que caberia ao Réu o ónus da prova de que não foi culpado pelos danos sofridos pelos Autores.
É que, resultando dos factos provados que a autora Foto-L..., Ldª, cessou a sua actividade em 1 de Janeiro de 1992 e que em 24 de Janeiro de 1992 o réu forneceu-lhe todos os elementos e documentos respeitantes ao movimento da referida conta, podemos concluir que a partir desta data a autora passou a ter conhecimento da retirada de fundos daquela conta por parte do réu, nada impedindo, por isso, a mesma autora de instaurar, de imediato, acção a reclamar do réu o pagamentos dos alegados danos.
Daí nenhuma censura merecer a decisão recorrida ao julgar improcedentes os pedidos de condenação do réu no pagamento aos autores Foto-L..., Ldª, JOSÉ M..., MANUEL DA C... e MARIA A... das quantias de € 200.000,00, de € 50.000,00, € 12.000,00 e € 10.000,00, respectivamente, a título de danos patrimoniais decorrentes da cessação da actividade da autora Foto-L..., Ldª.
Mas, não obstante os autores não terem logrado provar que a actuação do réu foi causa determinante da cessação da actividade desenvolvida pela autora, Foto-L..., Ldª, julgamos, porém, que a apurada conduta do réu foi causa de um dano patrimonial sofrido por esta mesma autora, pois que provado ficou que, na sequência da comunicação do protesto da livrança pelo Réu junto do Banco de Portugal, a 1ª Autora deixou de poder obter crédito bancário, o que afectou a aquisição de materiais para o estabelecimento, reduzindo o volume de negócios da 1ª Autora, bem como a respectiva clientela
E se é verdade não estarmos perante uma causalidade directa, na medida em que a redução do volume de negócios e da clientela da 1ª Autora não foi resultado imediato da violação do contrato de depósito bancário pelo réu, também não é menos verdade ocorrer uma situação de causalidade indirecta, pois foi tal actuação que proporcionou a falta de pagamento da livrança subscrita pela autora, Foto-L..., Ldª, no montante de 1 200 000$00 e com vencimento em 28 de Fevereiro de 1990, o seu subsequente protesto e comunicação disso ao Banco de Portugal e levou a que deixasse de ser possível à 1ª Autora obter crédito bancário, o que, por sua vez, conduziu à verificação do dano: afectação da aquisição de materiais para o estabelecimento com redução do volume de negócios da 1ª Autora e da respectiva clientela.
Aliás, tudo isto se torna mais evidente se tivermos em conta que, no âmbito dos embargos deduzidos pela Foto-L..., Ldª à execução contra ela instaurada, pelo ora réu, para cobrança da dita livrança, esta ora autora fez operar a compensação do crédito exequendo com a quantia de 1.650.000$00, que dispunha na conta à ordem nº. 006472132 e correspondente ao montante global das quantias que o ora réu havia retirado indevidamente daquela mesma conta.
E nem se diga, como o faz a Mmª Juíza a quo, não assumir a procedência desses embargos e da excepção de compensação qualquer relevância jurídica, pois que a autora Foto-L... Ldª não demonstrou que, mesmo sem a retirada indevida de fundos da conta pelo Réu, a mesma tivesse, no vencimento da livrança, dinheiro suficiente para o pagamento desta.
É que, a nosso ver, foi feita a prova da existência dessa quantia, porquanto a procedência dos referidos embargos e da invocada excepção de compensação, revelam que a mencionada quantia de 1.650.000$00 tanto existia à data do vencimento da livrança que à data da prolação do mencionado Acórdão da Relação do Porto (24 de Fevereiro de 2000) foi possível fazer operar com ela compensação.
Ora, provado que está o nexo de causalidade entre a actuação do réu e este dano sofrido pela autora Foto-L..., Ldª, dúvidas não restam impender sobre o réu a obrigação de indemnizar esta autora pela prática deste dano, também ele inserido no âmbito da causa de pedir invocada: responsabilidade contratual do réu por violação do contrato de depósito bancário.
Todavia e porque tal dano não se mostra quantificado nem o Tribunal dispõe de elementos bastantes para o determinar, impõe-se, nos termos do disposto no art. 661º, nº. 1 do C. P. Civil, relegar a fixação do seu montante para posterior liquidação.
E o mesmo vale dizer relativamente ao pedido de condenação do réu no pagamento das despesas feitas pela autora Foto-L..., Ldª com a constituição de mandatário forense no processo de embargos de executado.
É que sendo possível afirmar que a referida quantia de 1650.000$00 existia à data do vencimento da falada livrança e que, por isso, foi o réu que, com a instauração da referida execução, obrigou a autora Foto-L..., Ldª a deduzir embargos de executado e a constituir, para tanto, advogado, tal pedido não poderá deixar de proceder ainda que, por falta de quantificação e de elementos bastantes para o determinar, seja de relegar a fixação do seu montante para posterior liquidação, nos termos do citado art. 661º, nº. 1 do C. P. Civil.
Por fim importa referir que a circunstância de o JOSÉ M... ter assinado, em 30 de Novembro de 2000 e em nome da 1ª Autora, uma declaração que referia que, com o recebimento da quantia referida na alínea anterior, a mesma Autora renunciava a qualquer outra pretensão indemnizatória relativamente ao litígio da execução apensa, em nada colide com a procedência destes pedidos pois que, tal declaração não vincula a sociedade Foto-L..., Ldª.
É que, conforme resulta da respectiva escritura de constituição, para vincular tal sociedade necessário seria que aquela declaração tivesse sido assinada por dois dos seus gerentes.
No que respeita ao pedido de condenação do réu no pagamento da quantia de € 10.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, sofridos pela autora, Cristina Maria, cumpre referir que, não obstante não ser pacífica a aplicabilidade do direito de indemnização por danos não patrimoniais no campo da responsabilidade contratual dada a inserção sistemática do art°496° (no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos extracontratuais e pelo risco) e a ausência de norma igual, de conteúdo ou de simples remissão, no lugar destinado às consequências da falta de cumprimento ou mora das obrigações derivadas de negócio jurídico (art°798°, e segs., CC)., aderimos à orientação da jurisprudência do STJ que, compreendendo as objecções dos que defendem a definitiva arrumação do direito de indemnização pelo dano não patrimonial dentro dos muros da responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, não deixa de observar que, mormente quando são postos em crise direitos absolutos, como os da personalidade ou da propriedade, não há razão para não dar relevo ao dano não patrimonial daí derivado, tanto mais quanto é certo que as mencionadas normas dos art°798º, e segs., não o prevendo, também o não excluem.
No mesmo sentido escreveu Almeida Costa In, “Direito das Obrigações”, 1979, 3ª ed., págs. 395 e segs e 756 e segs.que “Efectivamente, embora no domínio do incumprimento das obrigações em sentido técnico se produzam tais danos com menor frequência e intensidade, podem verificar-se hipóteses em que bem se justifica uma indemnização por danos não patrimoniais dentro do critério do art. 496º”.
E o próprio art. 496º, nº. 1 do C. Civil determina que na fixação da indemnização, só deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito
De resto, já defendia Vaz Serra In, RLJ, ano 98º, págs. 276 e 277. que, para que o dano moral seja reparável, parece de exigir que ele tenha determinada gravidade, que represente um prejuízo bastante sério e de tal natureza que se justifica a sua satisfação ou compensação pecuniária.
Do mesmo modo, ensina, Antunes Varela In, “Das Obrigações em Geral”, 1996, pág. 62., que a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (tendo em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).
E deve ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ser tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
No fundo, tudo consistirá em exigir, para a responsabilidade ex contractu, um nível de gravidade danosa em regra superior ao exigível para a responsabilidade aquiliana.
De notar ainda que, que concerne aos danos de natureza não patrimonial, não há neles uma indemnização verdadeira e própria.
Há sim uma reparação, a atribuição de uma soma pecuniária que se julga adequada a compensar e reparar danos e sofrimentos através do proporcionar de um certo número de alegrias e satisfações que os minorem ou façam esquecer.
Ao contrário da indemnização, cujo objectivo é preencher uma lacuna verificada no património do lesado, a reparação destina-se a aumentar um património intacto para que, com tal aumento, o ofendido possa encontrar uma compensação para a dor.
A indemnização reveste no caso dos danos não patrimoniais uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente. Neste sentido, vide Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, I Vol.,2ª edição, pág. 483a 488.
Isto mesmo se colhe da lei, nomeadamente dos artigos 495º, 496º, n.º3 e 497º, todos do C. Civil
O montante desta compensação será fixado equitativamente pelo Tribunal e, como ensina o Prof. Antunes Varela In obra citada., deve ser calculada “em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do agente), segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização (art. 496º,n.º3 ), aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc.”.
E constitui orientação da nossa jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica nem miserabilista Neste sentido, vide Ac. do STJ, de 16.01.1993, in, CJ/STJ, ano I, tomo III, pág. 183., devendo, antes, ser significativa Neste sentido, vide Ac. do STJ, de 11.10.1994, in CJ/STJ, ano VII, tomo II, pág. 49..
No caso dos autos está provado que: o Banco Réu intentou, no 5º Juízo Cível do Porto, uma execução sumária (nº7017/92) contra a firma Autora e todos os sócios da mesma, com base na falta de pagamento da falada livrança de 1 200 000$00; o Banco Réu, então exequente, promoveu penhoras não só nos bens da firma Autora, mas também dos seus sócios; os móveis da casa dos Autores, Manuel da Costa e Maria Armanda foram penhorados, o que lhes causou desgosto; A autora, Cristina Maria teve desgosto com a execução referida; a execução apensa, e as penhoras aí realizadas, foram do conhecimento das pessoas das relações dos 2º a 5º Autores.
Ora, perante tal factualidade, julgamos que o desgosto sofrido pela autora Maria Cristina em consequência da instauração da execução, nas circunstâncias dos autos, assume gravidade merecedora da tutela do direito, atento sobretudo o facto de aquela execução se ter tornado conhecida das s pessoas das suas relações.
Mas, a nosso ver, de maior gravidade se apresenta o desgosto sentido pelos autores, Manuel da Costa e Maria Armanda, pois que viram penhorados, no âmbito da dita execução, os móveis da sua casa.
Daí que apesar de tais autores não terem formulado, expressamente, qualquer pedido de indemnização por danos não patrimoniais, não poderemos deixar de considerar tais desgostos como danos indemnizáveis.
E isto quer porque decorrem de factos alegados pelos autores na petição inicial, inserindo-se, por isso, na causa de pedir por eles invocada, quer porque a isso não obsta o disposto no art. 661º, nº. 1 do C. P. Civil, desde que a condenação se contenha nos limites do pedido global formulados por cada um daqueles autores.
Contudo, ponderando tudo à luz dos critérios apontados e reportando-nos à presente data, de harmonia com a doutrina do Acórdão para fixação de Jurisprudência, n.º4/2002 Publicado no D.R., de 27 de Junho de 2002,, n.º 146, I- A Série, pág. 5057. ,, reputamos excessiva a quantia de € 10.000,00 peticionada pela autora, Cristina Maria, e julgamos, antes, justa e equitativa, a quantia de € 2.5000,00 para compensá-la de tais danos.
Relativamente a cada um dos autores MANUEL DA C... e mulher, MARIA A..., julgamos justa e equitativa a quantia para compensar cada um deles dos danos não patrimoniais sofridos.

Assim, tendo em atenção tudo o que se deixou dito, há que julgar a acção parcialmente procedente e condenar o réu a pagar:
A- à autora Foto-L..., Ldª, as quantias que se vierem a fixar em posterior liquidação, a título de indemnização pelos prejuízos para ela advenientes da afectação da sua actividade, dada a redução do volume de negócios da 1ª Autora e da respectiva clientela, e pelas despesas efectuadas por esta autora com a constituição de advogado para dedução de embargos à referida execução.
B- à autora, CRISTINA M..., a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
C- a cada um dos autores, MANUEL DA C... e MARIA A..., a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.

Daí procederem apenas parcialmente e nos termos referidos as conclusões dos autores/apelantes.


CONCLUSÃO:
Do exposto, poderá extrair-se que:

1º- Existe nexo de causalidade adequada entre uma conduta e o dano, quando este, pelas regras correntes da vida, é consequência daquela.
E, para que tal se verifique, não é necessário uma causalidade directa, bastando uma causalidade indirecta, que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste.

2º- São de incluir nos danos indemnizáveis os honorários pagos ao advogado desde que verificado o nexo de causalidade, directa ou indirecta, entre esta despesa e o facto ilícito.

3º- No domínio da responsabilidade civil contratual pode haver lugar a indemnização por danos morais ou não patrimoniais, sendo, porém, de exigir, um nível de gravidade danosa em regra superior ao exigível para a responsabilidade aquiliana.


DECISÃO:
Pelo exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, alterando a sentença recorrida, decide-se:
I- Julgar a acção parcialmente provada e procedente e, consequentemente, condenar o réu a pagar:
A- à autora Foto-L..., Ldª, as quantias que se vierem a fixar em posterior liquidação, a título de indemnização pelos prejuízos para ela advenientes da afectação da sua actividade, dada a redução do volume de negócios da 1ª Autora e da respectiva clientela, e pelas despesas efectuadas por esta autora com a constituição de advogado para dedução de embargos à referida execução.
B- à autora, CRISTINA M..., a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da presente data e até efectivo e integral pagamento.
C- a cada um dos autores, MANUEL DA C... e MARIA A..., a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da presente data e até efectivo e integral pagamento.
II- Confirmar, em tudo o mais, a sentença recorrida.
Custas da presente apelação, a cargo dos autores e do réu, na proporção do vencido.


Guimarães, 22 de Fevereiro de 2007