Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO REIS | ||
Descritores: | ACOMPANHAMENTO DE MAIOR PUBLICIDADE DO PROCESSO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - A lei atribui ao Tribunal o poder-dever de apreciar da adequação e necessidade de conferir publicidade ao processo de acompanhamento de maior, podendo decidir não determinar a publicitação do início e decurso do processo em face das particulares incidências da situação em apreciação, de modo a garantir simultaneamente que a publicitação da ação ocorrerá sempre que se revelar necessária, mas que não será imposta quando as finalidades a que se destina não forem vislumbráveis no caso. II - Daí que a decisão de não determinar a publicitação do processo, ora recorrida, não excedeu os limites dos poderes-deveres legalmente conferidos ao Tribunal a quo para apreciar da adequação e necessidade de conferir publicidade ao início e ao decurso do processo de acompanhamento de maior em referência, pois dela resulta de forma expressa que o correspondente juízo prudencial e casuístico foi formulado a partir das circunstâncias de facto alegadas na petição inicial, situando-se, por isso, na margem de discricionariedade que é consentida ao juiz pelas normas que atribuem a faculdade de avaliar e decidir, em face do caso, quanto à (des)necessidade de ocorrência de publicidade, atendendo às finalidades a que se destina e porque limitada ao estritamente necessário para defender os interesses do beneficiário e/ou de terceiros. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório O Ministério Público instaurou, em 14-11-2023, ação especial para acompanhamento de maior, em relação ao requerido AA, casado, alegando, no essencial, que o mesmo padece, de modo permanente e irreversível, de doença de Parkinson, doença diagnosticada em março de 2019, com evolução rápida, encontrando-se atualmente dependente para todas as AVD, inclusive alimentação. Recebe apoio domiciliário para vestir-se e higiene. Deambula em cadeira de rodas impulsionada por terceiros. Atualmente sem equilíbrio de tronco. Não usa as mãos. Usa fralda. Espasticidade marcada apesar de tratamento regular de fisioterapia. Por razões de saúde, o requerido não é capaz de prover à sua alimentação; não conhece o valor económico das coisas; não tem capacidade para exercer qualquer atividade profissional, sendo total a sua dependência de terceiros para reger tanto a sua pessoa como a dos seus bens, mostrando-se necessário nomear quem legalmente o represente e cuide da sua pessoa e bens. Requer se decrete o acompanhamento do requerido, com aplicação das seguintes medidas: a) representação geral, sem prejuízo de uma representação mais confinada em função das necessidades que vierem a ser apuradas após a realização das diligências obrigatórias decorrentes da instrução da presente ação; b) acompanhamento e tratamento clínico, designadamente a decisão na marcação de consultas, na sua comparência às mesmas, na adesão às terapêuticas prescritas e à necessidade de intervenções cirúrgicas; impedimento de exercício de direitos pessoais, designadamente, os atos de carácter pessoal. Mais requereu a nomeação da mulher do requerido para o cargo de acompanhante, das filhas do beneficiário para o conselho de família; requereu a publicidade da decisão proferida, nos termos do disposto no artigo 893.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), em conjugação com o disposto nos artigos 153.º, 1920.º B e 1920.º C do Código Civil (CC) e artigo 1.º, n.º 1, h) do Código do Registo Civil. Após, foi proferido o seguinte despacho - de 15-11-2023 (ref. ª ...10): «(…) No caso concreto, atenta a factualidade alegada, não se justifica conceder publicidade aos autos (arts. 893º, n.º 1 e n.º 2 e 894º do Cód de Proc Civil). Cite pessoalmente o beneficiário, nos termos do disposto no art. 895º, n.º 1 e n.º 2 do Cód de Proc Civil. Na eventualidade de a citação não produzir efeitos, nomeadamente por o/a beneficiário/a se encontrar impossibilitado de a receber, cumpra o disposto no art. 21º, n.º 1 e n.º 2 do Cód de Proc Civil. (…)». Inconformado com o despacho de 15-11-2023, no segmento em que decide não se justificar conceder publicidade aos autos, dele vem apelar o Ministério Público, pugnando no sentido da sua revogação e substituição por outro que dê publicidade a esta ação, mediante publicação de anúncio em sítio oficial. O recorrente termina as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1) Em 14/11/2023, o Ministério Público nesta Comarca veio, nos termos do disposto nos artigos 138.º e 141.º, n.º 1 do Código Civil e artigos 892º e seguintes do Código de Processo Civil e artigos 3.º, n.º 1, alínea p) e 5.º, n.º 1, alínea g), ambos do Estatuto do Ministério Público, propor AÇÃO ESPECIAL DE ACOMPANHAMENTO relativamente a: AA, nascido em .../.../1952, por razões de saúde, estar totalmente impossibilitado de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos e cumprir os seus deveres, nos termos do artigo 138.º, n.º 1, do Código Civil. 2) Em 15.11.2023 (ref.ª ...10), foi proferida douta decisão seguinte (transcrição): “No caso concreto, atenta a factualidade alegada, não se justifica conceder publicidade aos autos (arts. 893º, n.º 1 e n.º 2 e 894º do Cód de Proc Civil). Cite pessoalmente o beneficiário, nos termos do disposto no art. 895º, n.º 1 e n.º 2 do Cód de Proc Civil. Na eventualidade de a citação não produzir efeitos, nomeadamente por o/a beneficiário/a se encontrar impossibilitado de a receber, cumpra o disposto no art. 21º, n.º 1 e n.º 2 do Cód de Proc Civil. * BRG, ds(processei e revi – art. 131º, n.º 5 do CPC)” 3) O presente recurso tem por OBJETO as normas contidas nos artigos 153.º do Código Civil e 893.º, n.º 1, do Código Processo Civil, cuja aplicação foi recusada na douta decisão recorrida, no segmento em que se referem à publicidade a dar ao início e ao decurso do processo. 4) Os artigos 153º, nº 1, do Código Civil e 893º, nº 1, do Código de Processo Civil conferem ao Tribunal competência para concretizar a proporcionalidade da publicidade, quer quanto à necessidade, quer quanto à adequação dos meios a utilizar, o que não permite, a nosso humilde ver, é excluir totalmente qualquer publicidade e acesso aos autos especiais de maior acompanhado. 5) A publicidade deste tipo de acções é uma verdadeira faculdade, mesmo que sujeita a controlo judicial, mas este não pode, smo, pura e simplesmente, banir aquela disponibilidade (da publicidade), como aqui ocorreu. 6) No mais, a publicidade da decisão final parece não diferir da publicidade a dar ao início e ao decurso do processo, ainda que, ao contrário desta, tenha de ser indicada no requerimento inicial (artigo 892.º, n.º 1, alínea d), do Código Processo Civil), como foi neste caso. 7) No processo de acompanhamento de maior, com efeito, há, desde logo, que procurar defender os interesses do requerido / beneficiário da ação proposta. 8) No entanto, se o processo tendente a determinar o acompanhamento de maior é, sobretudo, intentado para defesa deste, também se não podem esquecer os direitos de terceiros de boa fé que com ele possam entrar em contacto (cfr. a este propósito o disposto nos artigos 1920º-B e 1920º-C do Código Civil). 9) Não se encontrando previsto o registo, em averbamento ao assento de nascimento do beneficiário, da ação interposta com a finalidade de ver decretado o acompanhamento (v. artigos 1.º, n.º 1, alínea h), e 69.º, n.º 1, alínea g), do Código de Registo Civil), a publicidade do processo constitui a única forma de tornar cognoscível a pendência da ação de acompanhamento, o que pode ser ditado tanto pelo interesse de terceiros como do próprio beneficiário. 10) A questão da publicidade - a dar ao início, ao decurso e à decisão final do processo de acompanhamento (cfr. artigo 153º do Código Civil) - não foge a esta regra. Ela tem em vista, desde logo, a proteção dos interesses do requerido/beneficiário, por exemplo, permitindo que terceiros possam vir aos autos infirmar os pressupostos relativos à necessidade de acompanhamento. 11) Ou para permitir a anulação de negócios jurídicos praticados pelo requerido, quando o mesmo não esteja em condições de conceber e emitir uma declaração de vontade esclarecida quanto ao respetivo objeto. Ou, ainda, para permitir defender os legítimos interesses de terceiros de boa fé que não se deram conta, por razões justificadas, da condição de deficiência do requerido. 12) Há, pois, motivos ponderosos mais do que justificados para a necessidade dessa publicidade, que, mesmo assim, está nas mãos do Tribunal a quo reduzir ou permitir, mas não anular e sem qualquer consideração justificativa. 13) À semelhança de outro tipo de circunstâncias em que há igualmente lugar à publicidade/revelação, em maior ou menor grau, de dados de natureza pessoal, tais como: constituição de uma pessoa como arguida; declaração de insolvência; interdição por anomalia psíquica; declaração de não assunção de dívidas assumidas pelo cônjuge; publicitação pelo Banco de Portugal da lista de pessoas em incumprimento perante instituições bancárias; declaração de contumácia, entre outros. 14) No caso dos presentes autos, caberia, aliás, perguntar como se poderia assegurar, junto do requerido AA, dada a gravidade da sua deficiência, a consulta sobre se autorizava a divulgação da sua condição clínica para efeitos da publicidade da presente acção para o seu acompanhamento e protecção. 15) A publicidade, a que se reporta o presente recurso, não tem em vista a divulgação insidiosa da condição de deficiência do requerido, tendo em vista a sua exposição pública, mas sim assegurar uma melhor defesa da posição deste. 16) Procura-se a proibição da criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr. por todos acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de junho de 2003 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º Vol., págs. 7 e segs.). 17) Ora, no caso dos autos, a publicidade é particularmente justificada pelas particulares condições do beneficiário/requerido e determinada pela necessidade de assegurar a sua adequada proteção, quer em termos de saúde, quer em termos de património e de negócios jurídicos em que se veja envolvido. Por isso, a publicidade, neste caso, obedece a critérios legalmente definidos, prossegue razões de interesse público e é feita no interesse do próprio requerido, para além do eventual interesse de terceiros (designadamente de boa fé). Pelas razões apontadas, a publicidade dos autos não obedece a nenhum intuito discriminatório, mas sim à necessidade de acautelar o bem-estar do requerido AA e o exercício, em igualdade de circunstâncias face aos demais, dos seus direitos fundamentais. 18) É, por último, um meio idóneo a prosseguir os interesses do mesmo requerido AA e a assegurar a sua adequada proteção. 19) Acresce que, a publicitação do processo de acompanhamento não pressupõe a divulgação dos factos alegados para o justificar (artigo 892.º, n.º 1, alínea a), do Código Processo Civil). Com efeito, nenhuma das normas cuja aplicação foi recusada no douto despacho recorrido impõe a divulgação de quaisquer outros dados relativos ao processo para além daqueles que são necessários para tornar cognoscível de eventuais interessados a existência de uma ação pendente num dado tribunal destinada ao decretamento de certa(s) medida(s) de acompanhamento em benefício de determinada pessoa maior. Ademais, do ponto de vista do conteúdo da informação divulgável, a publicitação do processo especial de acompanhamento conta ainda com a importante limitação fixada pela alínea d) do n.º 2 do artigo 164.º Código Processo Civil, aditada pela Lei n.º 49/2018, que passou a incluir aquela espécie de processos no elenco daqueles relativamente aos quais a própria lei considera verificada a condição de que depende a limitação do acesso aos autos. O que se pretende significar é que o anúncio da ação, na medida em que constitui o pressuposto em que assenta o regime especial de anulabilidade dos atos praticados pelo beneficiário, se encontra estabelecido no interesse daquele. 20) Não conferir nenhuma publicidade à ação especial de acompanhamento viola o disposto no artigo 153.º do Código Civil e 893.º, n.º 1, do Código Processo Civil. 21) Termos em que o despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que dê publicidade à ação; quanto ao conteúdo da informação divulgável, limitada à difusão dos dados indispensáveis para dar a conhecer aos demais intervenientes no tráfego jurídico a pendência contra determinada pessoa de uma ação cujo desfecho pode importar consequências sobre a validade dos negócios que com ela entretanto celebrem e, correlativamente, garantir o acesso do beneficiário AA a um meio facilitado de anulação dos atos de disposição patrimonial que tiver praticado em seu prejuízo; e quanto ao meio de publicitação da ação, através de mecanismo digital de divulgação da informação (sítio oficial). § NORMAS VIOLADAS. Artigo 153.º do Código Civil e 893.º, n.º 1, do Código Processo Civil. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o recurso interposto ser julgado Totalmente procedente e, consequentemente, o despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que dê publicidade a esta ação, mediante publicação de anúncio em sítio oficial, tornando cognoscível dos demais intervenientes do tráfego jurídico que se perspetiva a aplicação de medida de acompanhamento suscetível de afetar a capacidade para o exercício de direitos patrimoniais do requerido AA, pois só assim, neste caso, a finalidade a que se destina o regime especial constante dos artigos 153.º, n.º 1, do Código Civil, e 893.º, n.º 1, do Código Processo Civil, poderá obter concretização, como se pretende com este recurso. Assim se fará Justiça, Senhores Desembargadores». Não foram apresentadas contra-alegações. Por despacho proferido em 1.ª instância, de 21-11-2023 (Ref.ª ...08), foi decidido não admitir o recurso interposto. Após reclamação, deduzida ao abrigo do disposto no artigo 643.º do CPC, este Tribunal da Relação decidiu admitir o recurso interposto, para subir de imediato, em separado dos autos principais, e com efeito meramente devolutivo. II. Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso consiste em saber: se, no âmbito do processo especial de acompanhamento de maior em referência, o Juiz podia não determinar a publicitação do início e decurso do processo, tal como sucedeu no despacho recorrido; caso se entenda que o Tribunal a quo excedeu os limites da discricionariedade a que estava sujeito, importa analisar se os autos impunham a publicitação da pendência da ação de acompanhamento em relação ao requerido, mediante publicação de anúncio em sítio oficial, conforme defende o apelante. Corridos os vistos, cumpre decidir. III. Fundamentação 1. Os factos 1.1. Os factos, as ocorrências ou incidências processuais a considerar na decisão deste recurso são as que já constam do relatório enunciado em I supra, que se dão aqui por integralmente reproduzidas, por estarem devidamente documentadas nos autos. 2. Apreciação sobre o objeto do recurso O despacho recorrido foi proferido no âmbito de um processo de acompanhamento de maior, instaurado pelo Ministério Público em benefício do requerido. Nos termos que decorrem do disposto no artigo 891.º, n.º 1 do CPC, ao processo de acompanhamento de maior é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes. Tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, em anotação a este último preceito, «a multiplicidade de circunstâncias observáveis é incompatível com uma rigidez processual, compreendendo-se, assim, a alteração do paradigma revelada pela maior aproximação ao regime dos processos de jurisdição voluntária (arts. 986º a 988º) expressamente ressalvado no n.º 1 (…). Do novo regime emerge um claro reforço dos poderes inquisitórios do juiz (art. 986º, nº2), o fortalecimento do poder de direção, que pode manifestar-se através da limitação aos meios de prova que, em concreto, se revelem necessários, e ainda a possibilidade de se alicerçar a decisão em razões de oportunidade ou de conveniência, sempre sob o signo da satisfação dos interesses do beneficiário (art. 987º). É essa alteração de paradigma que justifica que as decisões sejam suscetíveis de revisão, desde que circunstâncias supervenientes o exijam, sem prejuízo da revisão supletiva e quinquenal das medidas de acompanhamento (art. 155º do CC)»[1]. Assim, ao processo especial de acompanhamento de maiores aplicam-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de decisão e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (art.º 891.º, n.º 1), ainda que, formalmente, o processo de acompanhamento de maiores não seja considerado um processo de jurisdição voluntária, não só porque não se encontra inserido no Título XV do Livro V do Código de Processo Civil, mas também porque não há nenhuma disposição legal que o qualifique como tal[2], Como tal, por força da remissão prevista no artigo 891.º, n.º 1 do CPC para o regime dos processos de jurisdição voluntária, o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, de forma a adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sem sujeição a critérios de legalidade estrita, nos termos que resultam do disposto nos artigos 986.º a 988.º, do CPC. Ademais, «[o] regime do processo de acompanhamento de maiores atribui, especificamente, poderes de gestão processual ao juiz do processo; assim, este juiz pode decidir sobre a publicidade a dar ao início e ao decurso do processo e à decisão final (art.º 153.º, n.º 1, CC; art.º 893.º, n.º 1, e 902.º, n.º 3), as comunicações e ordens a dirigir a instituições e entidades (art.º 894.º e 902.º, n.º 3), o meio de proceder à citação do beneficiário (art.º 895.º, n.º 1), a nomeação de um ou vários peritos (art.º 897.º, n.º 1, e 899.º, n.º 1) e ainda sobre o exame do beneficiário numa clínica da especialidade (art.º 899.º, n.º 2)»[3]; O despacho liminar agora em causa incidiu especificamente sobre a publicidade a dar à ação de acompanhamento em referência, decidindo o Tribunal recorrido que não se justificava conceder publicidade ao início e decurso do processo, nos seguintes termos: «[n]o caso concreto, atenta a factualidade alegada, não se justifica conceder publicidade aos autos (arts. 893º, n.º 1 e n.º 2 e 894º do Cód de Proc Civil)». O recorrente insurge-se contra tal decisão, sustentando no essencial que «os artigos 153º, nº 1, do Código Civil e 893º, nº 1, do Código de Processo Civil conferem ao Tribunal competência para concretizar a proporcionalidade da publicidade, quer quanto à necessidade, quer quanto à adequação dos meios a utilizar, o que não permite, a nosso humilde ver, é excluir totalmente qualquer publicidade e acesso aos autos especiais de maior acompanhado», e que «[h]á, pois, motivos ponderosos mais do que justificados para a necessidade dessa publicidade, que, mesmo assim, está nas mãos do Tribunal a quo reduzir ou permitir, mas não anular e sem qualquer consideração justificativa». Com tal alegação, o apelante está a colocar em crise precisamente o condicionalismo de que a lei faz depender o uso dos poderes conferidos ao juiz para decidir sobre a publicidade a dar ao início e ao decurso do processo e à decisão final (art.º 153.º, n.º 1, CC; art.º 893.º, n.º 1, e 902.º, n.º 3) e relativamente às comunicações e ordens a dirigir a instituições e entidades (art.º 894.º e 902.º, n.º 3) importando por isso aferir se no âmbito de tais poderes cabe a possibilidade de dispensar a publicidade da ação de acompanhamento, no que se reporta ao início e decurso do processo[4], em face das circunstâncias do caso. Com a epígrafe Publicidade, dispõe o artigo 153.º do CC, na redação dada pela Lei n.º 49/2018, de 14-08: 1 - A publicidade a dar ao início, ao decurso e à decisão final do processo de acompanhamento é limitada ao estritamente necessário para defender os interesses do beneficiário ou de terceiros, sendo decidida, em cada caso, pelo tribunal. 2 - Às decisões judiciais de acompanhamento é aplicável o disposto nos artigos 1920.º-B e 1920.º-C. Também neste domínio, o artigo 893.º, n.º 1 do CPC dispõe que o juiz decide, em face do caso, que tipo de publicidade deve ser dada ao início, ao decurso e à decisão final do processo, prescrevendo o n.º 2 do mesmo preceito que, quando necessário, pode determinar-se a publicação de anúncios em sítio oficial, a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. Por sua vez, dispõe o artigo 894.º do CPC que, quando o interesse do beneficiário o justifique, o tribunal pode dirigir comunicações e ordens a instituições de crédito, a intermediários financeiros, a conservatórias do registo civil, predial ou comercial, a administrações de sociedades ou a quaisquer outras entidades. Confrontando os traços essenciais do regime relativo à publicidade da ação especial para acompanhamento de maior com os institutos da interdição e da inabilitação por aquele eliminados, refere-se no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 506/2022[5]: «Contrariamente ao que sucedia no âmbito do regime pretérito, caracterizado pela obrigatória publicitação do processo através de edital a afixar no tribunal e na sede da junta de freguesia da residência do requerido, bem como de anúncio num dos jornais mais lidos na correspondente circunscrição judicial (anterior artigo 892.º do CPC), o regime decorrente da Lei n.º 49/2018 deixou de impor qualquer um dos referidos meios de publicidade da ação, delegando no tribunal a sua escolha. Para além disso, diversificou os mecanismos ao dispor do juiz, conferindo-lhe a possibilidade de acautelar o interesse do beneficiário através de comunicações e ordens a dirigir a instituições de crédito, a intermediários financeiros, a conservatórias do registo civil, predial ou comercial, a administrações de sociedades ou a quaisquer outras entidades e, agora sobretudo no interesse de terceiros, vir a optar pela publicação de anúncios em sítio oficial a que se refere o n.º 2 do artigo 893.º do CPC assim que este preceito produza efeitos - isto é, «a partir da data da disponibilização ao público do referido portal, a qual é declarada por despacho do membro do governo responsável pela área da justiça» (artigo 25.º, n.º 2, da Lei n.º 49/2018) -, de acordo com a regulamentação que vier a constar da «portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça», ali referida, que ainda não foi publicada. Trata-se, em todo o caso, de um meio projetado para as situações mais graves, destinando-se a visitas pelos agentes especializados (“Da situação jurídica do maior acompanhado - Estudo de política legislativa relativo a um novo regime das denominadas incapacidades dos maiores”, p. 147, acessível em http://www.smmp.pt/wp-content/uploads/Estudo_Menezes-CordeiroPinto-MonteiroMTS.pdf)». Porém, à luz do regime legal em vigor, a questão de saber se a publicidade do início e/ou do decurso do processo pode ser integralmente dispensada pelo juiz tem sido objeto de controvérsia. Reconhecendo expressamente a possibilidade da dispensa de publicitação, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[6], em anotação ao artigo 893.º do CPC: «O acompanhamento visa preservar a dignidade e a autonomia do beneficiário, daí que tenha sido abolida a solução que anteriormente prescrevia a imediata publicidade à introdução da ação em juízo, com os inerentes riscos de estigmatização social. Em vez disso, cabe ao juiz ponderar se deve ser dada, ou não, alguma publicidade e, em caso afirmativo, definir a sua amplitude e os meios de difusão, nos termos do art. 153º do CC. Os processos de acompanhamento são daqueles em que a tutela da dignidade das pessoas ou da intimidade da vida privada justifica a previsão de limitações à publicidade (art. 164º, nºs 1 e 2, al. d))». Em idêntico sentido, refere Ana Luísa Santos Pinto[7]: «[q]uanto à publicidade do processo, no regime anterior, a publicidade da ação era feita através de edital e anúncio. Agora esses são dois meios possíveis de publicitação da ação, devendo o juiz ponderar a sua necessidade, em função dos interesses pessoais do beneficiário e dos interesses de terceiros a quem o processo legitimamente possa interessar (mormente, os que celebrem contratos com o beneficiário na pendência da ação de acompanhamento - cf. o n.º 1 do artigo 153.º do C.C.», mais esclarecendo que, «[q]uanto aos interesses do beneficiário, o juiz deve ter em conta o seu direito à dignidade pessoal e à privacidade, que têm tutela legal (cf., designadamente, o n.º 1 do artigo 70.º do C.C. e constitucional (cf. o artigo 1.º, o n.º 1 do artigo 12.º e o n.º 1 do artigo 26.º da Constituição). Quanto aos interesses de terceiros, há que ter em conta que a publicidade da pendência do processo tem efeitos substantivos, ao nível da anulabilidade dos atos praticados - cf. a alínea b) do n.º 1 do artigo 154.º e o n.º 3 do artigo 154.º do C.C., que se referem expressamente ao marco temporal da publicitação do início do processo»[8]. Também Margarida Paz salienta ser «claramente intenção do legislador que a publicidade seja aferida em face do caso concreto, evitando-se a estigmatização que os anúncios no jornal e os editais provocam», admitindo a possibilidade da dispensa de publicidade, em especial se estiver em causa medida ou medidas de acompanhamento que não envolvam questões patrimoniais[9]. Em sentido contrário, Nuno Luís Lopes Ribeiro considera que «não se admite a total restrição à publicidade da pendência do processo (até pelos efeitos substantivos, ao nível da anulabilidade dos actos praticados, que da mesma dependem)»[10]. Contudo, resulta manifesto que no regime jurídico do maior acompanhado, o tipo de publicidade a dar ao início e ao decurso deste, bem como à decisão final que decrete a medida de acompanhamento, não se encontra pré-determinado, sendo definido pelo juiz da causa, tendo em conta os meios de publicitação acionáveis e o que é estritamente necessário, no caso concreto, para defender os interesses do beneficiário ou de terceiros (artigos 153.º do CC e 893.º, n.º 1, do CPC), em total congruência com os princípios da subsidiariedade e da necessidade que caracterizam, o regime de proteção dos maiores acompanhados e com os critérios de oportunidade e conveniência que orientam a intervenção do juiz na tramitação do processo[11]. Neste enquadramento, assumem especial relevo as seguintes conclusões vertidas no citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 506/2022, após desenvolvida e exaustiva análise do regime em causa: “Na verdade, ao limitar a publicidade da ação ao «estritamente necessário para defender os interesses do beneficiário ou de terceiros» (artigo 153.º, n.º 2, do CC) e ao atribuir ao juiz a faculdade de decidir, «em face do caso, que tipo de publicidade deve ser dada ao início [e] ao decurso […] do processo» (artigo 893.º, n.º 1, do CPC), o legislador de 2018 restringiu por uma tripla via o alcance do regime anterior. Restringiu-o: (i) quanto à ocorrência de publicidade, na medida em que prescindiu de fazer uma ponderação em abstrato dos interesses em jogo e, tendo em conta a diversidade e versatilidade das medidas de proteção que passaram a ser admitidas, delegou essa avaliação no juiz; (ii) quanto ao conteúdo da informação divulgável, uma vez que o limitou à difusão dos dados indispensáveis para dar a conhecer aos demais intervenientes no tráfego jurídico a pendência contra determinada pessoa de uma ação cujo desfecho pode importar consequências sobre a validade dos negócios que com ela entretanto celebrem e, correlativamente, garantir o acesso do beneficiário a um meio facilitado de anulação dos atos de disposição patrimonial que tiver praticado em seu prejuízo; e (iii) quanto ao meio de publicitação da ação, já que abandonou a obrigatoriedade de afixação de edital no tribunal e na sede da junta de freguesia da residência do requerido e de publicação de anúncio num dos jornais mais lidos na correspondente circunscrição judicial, sem a substituir pela imposição de um qualquer outro mecanismo de divulgação da informação insuscetível de afastamento ou preterição, independentemente das circunstâncias do caso. (…) Na verdade, ao atribuir ao «Tribunal o poder-dever de apreciar a adequação e necessidade de publicidade» do processo de acompanhamento de maior, o legislador pretendeu assegurar que o balanceamento dos interesses em jogo - o interesse do beneficiário em ver protegida a reserva da sua vida privada sem risco de dano patrimonial relevante e o interesse dos terceiros na efetividade dos negócios em que intervenham - seja feito em concreto, tendo em conta as particulares incidências da situação sub judice, de modo a garantir simultaneamente que a publicitação da ação ocorrerá sempre que se revelar necessária, mas que não será imposta quando as finalidades a que se destina não forem vislumbráveis no caso”. Por conseguinte, à luz do regime legal em vigor e seguindo de perto o entendimento enunciado no citado acórdão do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 506/2022, cujos fundamentos entendemos de sufragar integralmente, é de concluir que a lei atribui ao tribunal o poder-dever de apreciar da adequação e necessidade de conferir publicidade ao processo de acompanhamento de maior, podendo decidir não determinar a publicitação do início e decurso do processo em face das particulares incidências da situação em apreciação, de modo a garantir simultaneamente que a publicitação da ação ocorrerá sempre que se revelar necessária, mas que não será imposta quando as finalidades a que se destina não forem vislumbráveis no caso. Como tal, entendemos que a decisão de não determinar a publicitação do processo, ora recorrida, não excedeu os limites dos poderes-deveres legalmente conferidos ao Tribunal a quo para apreciar da adequação e necessidade de conferir publicidade ao início e ao decurso do processo de acompanhamento de maior em referência, pois dela resulta de forma expressa que o correspondente juízo prudencial e casuístico foi formulado a partir das circunstâncias de facto alegadas na petição inicial, situando-se, por isso, na margem de discricionariedade que é consentida ao juiz pelas normas que atribuem a faculdade de avaliar e decidir, em face do caso, quanto à (des)necessidade de ocorrência de publicidade, atendendo às finalidades a que se destina e porque limitada ao estritamente necessário para defender os interesses do beneficiário e/ou de terceiros. Assim sendo, mostra-se necessariamente prejudicada a apreciação da solução jurídica preconizada pelo apelante, porque baseada no pressuposto de que o exercício que o juiz fez do seu poder é em si ilegal (o juiz saiu fora da gama de possibilidades de opção que a lei lhe concede), o que não sucedeu. Em qualquer caso, não se vislumbra que a factualidade alegada nos autos justifique diversa ponderação quanto à (des)necessidade de conferir publicidade à pendência do processo, quer se atenda ao interesse da pessoa objeto do processo de acompanhamento e à necessidade da sua proteção, quer se considere a necessidade de proteção de terceiros e do comércio jurídico em geral, pois de acordo com o que foi alegado pelo próprio recorrente em sede de petição inicial é patente a ausência de qualquer atividade profissional, económica, ou em geral negocial do requerido com terceiros, nem os factos permitem consubstanciar um juízo de probabilidade suficiente de tal se verificar, face à gravidade da situação de saúde alegada com referência ao beneficiário, traduzida na total dependência para todas as AVD, inclusive alimentação, com apoio domiciliário para se vestir e higiene, mais relevando a alegação de que o requerido é casado, bem como a requerida nomeação da mulher do requerido para o cargo de acompanhante e das filhas do beneficiário para o conselho de família. Daí que a decisão recorrida não mereça censura. Improcedem, assim, as correspondentes conclusões da apelação. Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida. * IV. DecisãoPelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando a decisão recorrida. Sem custas, por isenção - artigo 4.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. h), do Regulamento das Custas Processuais (RCP). Guimarães, 11 de janeiro de 2024 (Acórdão assinado digitalmente) Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator) Eva Almeida (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto) Ana Cristina Duarte (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto) [1] Cf. Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, Almedina, 2020, p. 331. [2] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais - O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, Jurisdição Civil e Processual Civil, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, fevereiro de 2019, pgs. 45-46, acessível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Regime_Maior_Acompanhado.pdf. [3] Cf. Miguel Teixeira de Sousa - obra citada - p. 44. [4] Já que, em relação à publicidade da sentença de acompanhamento, «está afastada a possibilidade de exclusão total da publicidade, pois o n.º 2 do artigo 153.º do C.C. dispõe que às decisões judiciais de acompanhamento é aplicável o disposto nos artigos 1920.º-B e 1920.º-C do mesmo Código. Assim essas decisões são publicitadas através do registo civil»; contudo, «[t]endo em conta o princípio da ponderação dos interesses do beneficiário e de terceiros, plasmado no n.º 1 do artigo 153.º do C.C., só as decisões que apliquem medidas de acompanhamento deverão ser inscritas no registo civil» - cf., Ana Luísa Santos Pinto, O regime processual do acompanhamento de maior, Revista Julgar, n.º 41 - Maio/Agosto 2020, Almedina, p. 147. [5] Relatora Joana Fernandes Costa, p. n.º 1062-A /2020, acessível em www.tribunalconstitucional.pt. [6] Obra citada, p. 334. [7] Obra citada, pgs. 147-148. [8] Obra citada, p. 148 - nota 7. [9] Cf., O Ministério Público e o Novo Regime do Maior Acompanhado - O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, Jurisdição Civil e Processual Civil, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, fevereiro de 2019, pgs. 128-129, acessível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Regime_Maior_Acompanhado.pdf. [10] Cf., O Maior Acompanhado – Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto, O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, Jurisdição Civil e Processual Civil, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, fevereiro de 2019, pg.102, acessível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Regime_Maior_Acompanhado.pdf. [11] Cf. o citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 506/2022. |