Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO MATOS | ||
Descritores: | INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS REALIZADAS EM COISA ALHEIA BENFEITORIAS NECESSÁRIAS E ÚTEIS ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DIREITO DE RETENÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/19/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I. As obras e despesas realizadas em propriedade alheia com vista a conservá-la ou melhorá-la consubstanciam benfeitorias. II. São benfeitorias necessárias as obras realizadas em propriedade alheia que tenham por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, segundo um critério de normal e cuidada gestão presumida do seu dono; e são benfeitorias úteis as obras realizadas em propriedade alheia que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, tenham como resultado um efectivo aumento do seu valor. III. As benfeitorias (quer as necessárias, quer úteis que não sejam passíveis de levantamento sem detrimento da coisa onde foram realizadas) que o comodatário haja feito na coisa comodatada são indemnizáveis nos termos das regras do enriquecimento sem causa (já que, e quanto a qualquer delas, não se está perante uma situação de reparação de um dano em decorrência de um acto gerador de responsabilidade civil - seja delitual, contratual, pelo risco ou por facto lícito -, mas sim perante uma situação em que se visa obviar a um locupletamento injusto). IV. O objecto da obrigação de restituir por enriquecimento sem causa encontra-se submetido a um duplo limite: por um lado, o beneficiado deve entregar, ao empobrecido, na medida do respectivo locupletamento, isto é, atendendo-se ao seu enriquecimento patrimonial ou efectivo; e, por outro, o beneficiário nunca entregará mais do que o quantitativo do empobrecimento do lesado, caso este se mostre inferior ao seu locupletamento. V. A medida do enriquecimento do proprietário da coisa benfeitorizada (e do correlativo empobrecimento do que nela realizou benfeitorias) afere-se pela diferença entre o valor (hipotético) que a mesma teria sem quaisquer benfeitorias e o valor (real e objectivo) que tem com elas, diferença reportada ao momento em que a restituição da dita coisa deva ter lugar. VI. O direito a ser indemnizado por benfeitorias realizadas em coisa alheia só se perfectibiliza ou vence quando a entrega da mesma é exigida, o que se compreende, por ser o possuidor (que a goza) quem decide a realização daquelas, quem primeiro colhe/aproveita as respectivas vantagens e utilidades, e quem (até ao momento em que deva proceder à sua restituição) as pode vir a esgotar/exaurir VII. O direito de retenção relativo a crédito por benfeitorias só surge no momento em que surgir o dito crédito (pressupondo a sua existência e exigibilidade), só então ficando o respectivo titular legitimado a reter o imóvel onde foram realizadas. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes. * ACÓRDÃOI - RELATÓRIO 1.1. Decisão impugnada 1.1.1. AA, residente na Rua ..., em ..., ..., propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Rua ..., em ..., ..., e contra CC, residente na Rua ..., ... ..., em ..., ..., pedindo que os Réus fossem solidariamente condenados · a reconhecerem que ele próprio realizou benfeitorias necessárias e úteis, não passíveis de levantamento sem detrimento do prédio delas objecto, no valor global de € 252.012,00; · a reconhecerem que lhe assiste o direito de receber deles um crédito por ter realizado as ditas benfeitorias, no mesmo valor global de € 252.012,00, segundo as regras do enriquecimento sem causa; · e a reconhecerem que lhe assiste o direito de retenção sobre o prédio onde foram realizadas as ditas benfeitorias, até pontual, efectivo e integral pagamento da quantia de € 252.012,00. Alegou para o efeito, em síntese, serem os Réus (BB e CC) comproprietários de um prédio (que melhor identificou), parte do qual destinado a habitação e outra a escritório; e, sendo seus pais e estando divorciados entre si, ser actual intenção dos mesmos procederem à partilha dos bens comuns. Mais alegou que os Réus (BB e CC) lhe comodataram, por tempo indeterminado, parte do dito prédio, inicialmente o seu ... andar e, mais recentemente e em substituição daquele espaço, o ..., nele exercendo ele próprio a sua profissão de advogado; e que, com autorização e conhecimento dos Réus, cedeu, temporária e precariamente, o seu uso à Sociedade de Advogados que entretanto constituiu. Alegou ainda que, na vigência dos sucessivos comodatos, realizou uma série de significativas intervenções no imóvel (que discriminou), autorizadas pelos Réus (BB e CC), despendendo para o efeito € 252.012,00; e que as benfeitorias assim realizadas foram necessárias ou úteis, não podendo ser levantadas sem detrimento do imóvel, influenciando significativamente o seu valor de mercado, de € 350.000,00. Por fim, o Autor (AA) alegou que os Réus (BB e CC) não se entendem quanto ao montante concreto das benfeitorias em causa e não anuem ao seu reconhecimento extrajudicial, pese embora ainda não lhe tenham pedido a devolução do imóvel sobre o qual foram realizadas, e ele próprio não pretenda ser de imediato indemnizado do crédito que aqui invoca. 1.1.2. Pessoal e regularmente citados, os Réus (BB e CC) não apresentaram contestação. 1.1.3. Foi proferido despacho, considerando confessados os factos articulados pelo Autor (AA). 1.1.4. Apenas o Autor (AA) alegou por escrito, concluindo pela integral procedência da acção (reiterando para o efeito o já expendido na sua petição inicial). 1.1.5. Foi proferida sentença, julgando verificada nos autos a excepção dilatória de falta de interesse em agir e, em consequência, absolvendo os Réus (BB e CC) da instância. 1.1.6. Tendo o Autor (AA) interposto recurso de apelação desta decisão, onde os Réus contra-alegaram Os Réus, nas contra-alegações que apresentaram, pediram singelamente que o Tribunal ad quem «julgue a acção procedente ou improcedente conforme o que foi de Lei e que não “atire o assunto para canto” como fez a douta sentença, deixando o assunto por resolver na totalidade»., foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 20 de Janeiro de 2022, julgando-o procedente; e, em consequência, declarando «nula a sentença recorrida, por consubstanciar uma decisão-surpresa, devendo o Tribunal a quo anunciar às partes a possibilidade de vir a considerar verificada nos autos a excepção dilatória de falta de interesse em agir do Autor, convidando-as a exercer o respectivo direito de contraditório sobre esse seu possível entendimento, prosseguindo depois a acção os seus normais termos». 1.1.7. Devolvidos os autos à 1.ª Instância, foi proferido despacho, convidando as partes a pronunciarem-se sobre a eventual inexistência de interesse em agir por parte do Autor (AA). Quer este, quer os Réus (BB e CC), vieram pronunciar-se, defendendo a existência de um inequívoco conflito entre eles; e, por isso, verificado nos autos o interesse em agir do Autor (AA). 1.1.8. Foi proferido novo despacho, convidando os Réus (BB e CC) a melhor precisarem o teor da pronúncia antes feita, lendo-se nomeadamente no mesmo: «Na sequência do despacho de fls. 73, vêm os RR sustentar que, existe de facto e de direito um conflito entre estes e o Autor. Afirmam agora que não negam a existência das obras e o valor com estas o autor despendeu, mas não aceitam que as ditas obras lhe confiram qualquer direito a benfeitorias ou direito de retenção. Todavia, facto é que não deduziram contestação, da qual resulte a alegação de factos ou a invocação de qualquer instituto jurídico adequado a pôr em causa os direitos de que o autor se arroga titular e que os RR dizem que põem em causa. Assim, convido os RR a, no prazo de 5 dias, esclarecer o aparente paradoxo da sua posição, sob pena do tribunal continuar a entender que inexiste qualquer litígio real entre as partes e que a ação deverá ter uma qualquer outra insondável finalidade». 1.1.9. Os Réus (BB e CC) esclareceram então não terem contestado a realização das obras invocadas pelo Autor (AA), e o seu valor, por saberem que essa sua alegação corresponde à verdade; e, tendo mais filhos, que não querem prejudicar face ao Autor, recusarem definitivamente o reconhecimento extrajudicial de quaisquer direitos que decorram para ele daqueles factos. 1.1.10. Foi proferido despacho, convidando as partes a pronunciar-se sobre o eventual e futuro juízo de uso (por elas) anormal do processo, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Em suma, pondera o tribunal concluir pela existência de conluio entre as partes, na vertente de simulação ou fraude processual, criando as partes a aparência de um litígio inexistente, para obter sentença cujo efeito querem apenas relativamente a terceiros (os demais filhos dos RR), enganando estes, criando a aparência de um putativo direito de crédito, que querem ver reconhecido, com a chancela do tribunal, atitude processual por via da qual pretendem esconder uma óbvia (…)» 1.1.11. Quer o Autor (AA), quer os Réus (BB e CC), vieram pronunciar-se, defendendo inexistir qualquer conluio entre eles para fazerem um uso anormal do processo, requerendo ainda a realização de uma perícia, que documentasse a existência das obras referidas pelo Autor e o seu valor. Nas mesmas e respectivas pronúncias, o Autor (AA) requereu a «modificação/ampliação do pedido para que sejam ambos os RR. solidariamente e expressamente condenados a pagarem ao A. a quantia peticionada na p.i.», modificação/ampliação que os Réus (BB e CC) «declararam aceitar»; e por despacho foi deferida esta pretensão, lendo-se no mesmo que «quanto à pretendida ampliação/modificação do pedido e causa de pedir, admite-se a mesma nos termos do art. 264º do CPC». 1.1.12. Foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo os Réus (BB e CC) do pedido formulado contra eles, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Ora, das circunstâncias acima descritas, analisadas à luz de critérios de normalidade e experiência comum, formou-se na mente deste tribunal a firme convicção de que as partes, com a presente ação, mais não pretendem que, de conluio, prejudicar o futuro quinhão hereditário dos demais filhos dos RR, pelo que, em face da norma prevista no art. 612º do CPC, se impõe, declarando improcedente a ação, obstar a tal fim. II - Decisão Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a ação, absolvendo os RR do pedido contra eles formulado. (…)» 1.1.13. Tendo o Autor (AA) interposto recurso de apelação desta decisão, onde os Réus (BB e CC) não contra-alegaram, foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 30 de Junho de 2022, julgando-o procedente; e, em consequência, revogando «a sentença recorrida, ordenando o prosseguimento dos normais termos da acção». 1.1.14. Devolvidos os autos à 1.ª Instância, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo os Réus (BB e CC) do pedido formulado contra eles, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Para que se possa falar em enriquecimento sem causa é, assim, necessário que se verifique: um enriquecimento ou vantagem patrimonial para determinada esfera jurídica; um empobrecimento ou dano na esfera jurídica de outrem; a falta de causa do enriquecimento, nos termos acima referidos; a existência de um nexo entre o enriquecimento e o empobrecimento, nos termos do qual se possa afirmar que aquele foi obtido à custa deste. Na verdade, se é certo que temos por assente - na base da falta de contestação dos Réus - que, no período compreendido entre 1998 e 2018, o autor (filho dos réus) realizou obras no imóvel pertencente aos réus, ainda que se tenha apurado o custo das obras realizadas, não se apurou, quanto às obras que o autor qualifica como benfeitorias úteis, a medida da vantagem efetiva para a valorização do imóvel. Por outro lado, no que respeita ao pedido de condenação dos réus ao pagamento do custo das benfeitorias, não podemos olvidar que o prédio foi comodatado ao autor, sendo certo que o autor não terá pago qualquer importância pela utilização do prédio, ao longo daquele mesmo período, prédio esse cujo valor de mercado ascende a 350 000,00 euros. Ora, não se tendo apurado a medida da valorização efetiva do prédio, nas benfeitorias úteis, nem qual o valor locativo do prédio, não pode o tribunal concluir pela existência de enriquecimento dos réus, consubstanciado na valorização do imóvel comodatado em valor correspondente ao das benfeitorias nele incorporadas pelo autor, nem pela existência de um empobrecimento ou dano na esfera jurídica do autor que terá desembolsado o valor correspondente, nem tão-pouco que o enriquecimento haja sido obtido à custa do empobrecimento. No limite, o autor pode até ter ficado enriquecido, acaso fosse de concluir que a contrapartida que não pagou pela utilização do imóvel, ao longo de 24 anos, seria superior ao valor por si investido nas benfeitorias, diluído pelos 24 anos que utilizou gratuitamente o imóvel. Improcede, assim, a pretensão do autor de obter a condenação dos réus no pagamento do putativo crédito atinente à realização de benfeitorias, bem como o direito de retenção sobre prédio até efetivo e pontual pagamento integral desse alegado crédito. IV - Decisão Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a ação, absolvendo os RR do pedido contra eles formulado. Custas pelo autor. (…)» * 1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformado com a sentença proferida, o Autor (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse revogada e se ordenasse o prosseguimento dos autos. Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões): 1 - A douta decisão concluiu pela improcedência da ação e absolveu os RR. dos pedidos, salvo melhor entendimento, os factos assentes nos presentes autos, com o reconhecimento das benfeitorias e a recusa dos RR. em reconhecerem de forma voluntária o direito de retenção do A./recorrente e o crédito de benfeitorias realizadas no prédio de que são titulares, apesar de reconhecerem é certo a sua realização bem como o valor das mesmas representa a mesma em manifesta injustiça e contradição. 2 - A douta sentença que aqui se recorre padece de manifesta nulidade e erros de julgamento. 3 - Os RR./Recorridos mantiveram expressamente a RECUSA de reconhecerem de forma voluntária o direito de retenção do A. e o crédito de benfeitorias realizadas no prédio de que são titulares, apesar de reconhecerem é certo a sua realização bem como o valor das mesmas. 4 - A douta decisão que aqui se recorre concluiu que não se encontrava apurada a medida da valorização efetiva do prédio nas benfeitorias úteis e, por via disso o Tribunal não podia conhecer/concluir pelo enriquecimento dos RR.. 5 - A douta decisão concluiu no limite que “o autor até pode ter ficado enriquecido, acaso fosse de concluir que a contrapartida que não pagou pela utilização do imóvel, ao longo de 24 anos, seria superior ao valor por si investido nas benfeitorias, diluído pelos 24 anos que utilizou gratuitamente o imóvel.”. 6 - Entende o A./Recorrente que o Julgador a quo ao proferir a decisão nos termos em que o fez, sem previamente permitir a este o direito ao contraditório sobre tal questão -quer quanto à valorização das benfeitorias úteis no prédio e quanto ao eventual enriquecimento dos RR., violou cabalmente o disposto no artigo 3.º, número 3, do CPC, tendo o aqui A./Recorrente sido confrontado com uma nova decisão surpresa. 7 - A douta decisão que agora recorre além de violar expressamente o disposto no artigo 3.º, número 3, do CPC, incorreu também em nulidade ex vi do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, uma vez que, omitiu a prática de um ato - notificação para eventual pronúncia quanto à valorização das benfeitorias úteis no prédio e quanto ao eventual enriquecimento dos RR., - que a lei prevê expressamente, a nulidade que se invoca. 8 - A decisão que aqui se recorre constitui uma decisão-surpresa, em violação ao exercício do direito ao contraditório, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, o que se invoca e argui. 9 - Por outro lado, concomitantemente, a nulidade da própria sentença, por excesso de pronúncia, na medida em que, ao apreciar o objecto do litígio sem antes realizar audiência prévia, conheceu de questões que, por disposição legal imperativa, não estava em condições de conhecer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC. 10 - A nulidade processual da decisão judicial em causa, por preterição de uma diligência processual obrigatória, nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC, o que se verifica in casu. 11 - No caso concreto verificou-se ainda o imediato conhecimento do mérito da causa que conduziu à nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, com a inerente violação do princípio do contraditório e ofensa ao princípio da proibição de decisões surpresa (artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), obrigando à anulação do processado para a realização da diligência indevidamente omitida, sem que em tal aresto tivesse havido lugar à discussão substantiva dos fundamentos que estiveram na base da improcedência. 12 - O Julgador a quo ao proferir a decisão nos termos em que o fez, sem previamente permitir ao A./ Recorrente o direito ao contraditório e prova sobre tal questão - do apuramento da medida da valorização efectiva do prédio nas benfeitorias úteis com as obras, valor, quem as realizou e pagou, violou cabalmente o disposto no artigo 3.º, número 3, do CPC, em que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. 13 - O A./Recorrente requereu prova pericial no sentido de ser apurado o valor concreto das benfeitorias úteis; 14 - O Juiz “a quo” não tendo tomado tal iniciativa e não constando do processo todos os elementos de prova que permitam a reapreciação da matéria de facto, como aliás refere expressamente a douta decisão que aqui se recorre, nos termos do disposto no artigo 662º, nº. 2, alínea c) do CPC, deve a Relação, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida pela 1ª instância, devendo o Tribunal “a quo” ordenar oficiosamente a realização das diligências necessárias com vista a alcançar a verdade material, no âmbito do poder-dever de direcção do processo. 15 - Por douto despacho transitado em julgado a fls..., foram considerados confessados os factos alegados pelo A., entre os quais que os RR. não reconheciam o montante concreto das benfeitorias em causa e não anuíam para o reconhecimento extrajudicial, apesar de reconhecerem é certo a sua realização bem como o valor das mesmas (isto é, que terão aumentado significativamente o valor do imóvel). 16 - Dos factos confessados resulta que o A./Recorrente por comodato, entre os anos de 1998 a 2018, realizou uma série de intervenções no imóvel dos RR., com autorização de ambos, tendo despendido cerca de 252.012,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e doze cêntimos) a título de benfeitorias. 17 - O imóvel dos RR. tem um valor máximo de mercado de cerca de 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), valor este que resulta sobretudo das benfeitorias realizadas pelo A./Recorrente; 18 - Ex officio a douta sentença agora recorrida fundamenta que a ocupação do A. no prédio comodatado que: “(...) sendo certo que o autor não terá pago qualquer importância pela utilização do prédio, ao longo daquele mesmo período, prédio esse cujo valor de mercado ascende a 350 000,00 euros. Ora, não se tendo apurado a medida da valorização efetiva doprédio, nas benfeitorias úteis, nem qual o valor locativo do prédio, não pode o tribunal concluir pela existência de enriquecimento dos réus, consubstanciado na valorização do imóvel comodatado em valor correspondente ao das benfeitorias nele incorporadas pelo autor, nem pela existência de um empobrecimento ou dano na esfera jurídica do autor que terá desembolsado o valor correspondente, nem tão-pouco que o enriquecimento haja sido obtido à custa do empobrecimento. No limite, o autor pode até ter ficado enriquecido, acaso fosse de concluir que a contrapartida que não pagou pela utilização do imóvel, ao longo de 24 anos, seria superior ao valor por si investido nas benfeitorias, diluído pelos 24 anos que utilizou gratuitamente o imóvel.(...).”. 19 - O MM Julgador na douta sentença alegou um eventual contracrédito/contrapartida com a ocupação do prédio comodatado pelo A./Recorrente que não é causa objecto do lítigio, nem a causa de pedir nos presentes autos. 20 - Nos presentes autos não foi dada como provada a existência de uma eventual contrapartida com a ocupação do prédio comodatado pelo A./Recorrente. 21 - Dos factos provados não resulta qualquer contrapartida recebida pelo A. que tenha sido peticionada pelos RR., incorrendo em manifesta violação da fundamentação a douta sentença. 22 - O MM Julgador incorreu em manifesto excesso de pronúncia, uma vez que apreciou questões que não poderia tomar conhecimento e, em consequência, a douta decisão padece de nulidade que se invoca e argui para todos os legais efeitos, nos termos do disposto no artigo 615.º. n.º 1, alínea d) parte final, e n.º 1, alínea e) do CPC. 23 - Ao apreciar objecto diverso do pedido a douta decisão incorreu em nulidade, que se invoca e argui para todos os legais efeitos, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea e) ex vi artigo 609.º, n.º 1, ambos do CPC. 24 - A sentença recorrida incorreu em violação do princípio da proibição da condenação em quantidade superior ao pedido (extra vel ultra petitum), sendo por isso nula nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, e), do Código de Processo Civil. 25 - Não é verdade o referido da douta sentença em que no limite o A./recorrente possa até ter ficado enriquecido, em contrapartida pelo não pagamento na utilização do imóvel ao longo de 24 anos, seria até superior ao valor investido nas benfeitorias! 26 - A ausência dos factos declarados provados e a decisão de mérito assente em eventual “contrapartida” com o comodato a favor do A., também poderá ser compreendida como uma nulidade de sentença por contradição, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, que aqui se invoca. 27 - Caso assim não se entenda, tal querela terá de ser enquadrada numa situação de erro de julgamento, suscitando a aplicação do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC. 28 - A decisão agora recorrida não explica o porquê do reconhecimento de benfeitorias confessadas e provadas não pode o Tribunal concluir pelo enriquecimento dos RR. extravassando o objectos dos presentes autos com a mera hipotética ideia que, no limite e eventualidade, o A. poderia ter ficado enriquecido, acaso fosse de concluir que a contrapartida que não pagou pela utilização do imóvel, ao longo de 24 anos, seria superior ao valor por si investido nas benfeitorias, diluído pelos 24 anos que utilizou gratuitamente o imóvel. 29 - A douta decisão que agora se recorre é nula, quer porque os fundamentos extravasam o objecto do pedido e se pronunciou sobre questões que não deveria ter apreciado, quer por padecer de contradição entre os factos dados como assentes nos presentes autos, nos termos dos artigos 608.º, n.º 1, 615.º, n.º 1 alíneas c), d) e e) e 195.º, n.º 1 todos do CPC. 30 - A douta decisão nada referiu quanto à ampliação do pedido requerida pelo A. e ainda quanto à perícia requerida. 31 - O esclarecimento cabal da situação através das requeridas e indeferidas perícias poderia esclarecer se foram realizadas as obras, respectivo custo e valor, quem as pagou e se existe histórico documental e legal ao longo dos anos que o demonstre é absolutamente essencial quer para sustentar o pedido do autor. 32 - A douta decisão que agora se recorre concluiu que não se apurou a medida da valorização efetiva do prédio nas benfeitorias úteis, nem qual o valor locativo do prédio, tendo o MM Julgador referido que não poderia o Tribunal concluir pela existência de enriquecimento dos réus. 33 - A douta sentença violou o disposto nos artigos 6.º, 411.º, 413.º e 467.º e seguintes, todos do Código de Processo Civil, na justa medida em que entendeu injustificadamente como não atendível uma prova pericial para sustentar a realidade subjacente através da demonstração da existência das obras alegadas, respectivo valor, faturas e formas de pagamento ao longo dos anos - a essência do pedido numa palavra. 34 - A douta decisão que se recorre configura ainda uma violação do disposto no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa que a todos garante o direito à Justiça e aos Tribunais. 35 - Para além dessa violação de leis a douta decisão de que agora se recorre, a não admitir a realização das requeridas perícias para que o A. pudesse afastar objectivamente o decidido e pudesse demonstrar a veracidade dos factos por si alegados em juízo influiu no exame da causa ao não permitir a respectiva instrução e influiu também na boa decisão da causa porque decidiu sem dar oportunidade à parte de demonstrar de forma objectiva tudo o quanto alegou em juízo e, nessa medida, incorreu em nulidade que aqui expressamente se argui ex vi do disposto no artigo 195.º, do CPC. 36 - A douta sentença proferida encerra, ainda, múltiplas violações de normas jurídicas, mormente, as normas ínsitas nos artigos 216.º, 754.º, 755.º, n.º 1 alínea e), 1273.º, n.º 1, todos do CC, artigo 2.º do CPC e 20.º, da CRP. 37 - O Julgador, não fundamentou de forma alguma como atingiu a dita “convicção segura”, quando o mesmo refere não ter apurado a medida da valorização do prédio mas considera provadas as benfeitorias úteis realizadas pelo A./recorrente no valor de 252.012,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e doze euros) ao ignorar, como ignorou, a vontade do A. de demonstrar através de PROVA PERICIAL a veracidade das suas alegações e a dissipação de quaisquer dúvidas. 38 - O A. requereu in casu a realização de duas perícias (a primeira na p.i. e a segunda em requerimento ulterior) destinadas a aferir se foram realizadas obras, o respectivo valor de mercado, quem as encomendou a fornecedores e também quem ao longo dos anos as pagou. 39 - Andou mal a douta decisão que concluiu pela improcedência da ação e absolveu os RR. dos pedidos porque, salvo melhor entendimento, os factos assentes nos presentes autos, com o reconhecimento das benfeitorias e a recusa destes de reconhecerem de forma voluntária o direito de retenção do A./recorrente e o crédito de benfeitorias realizadas no prédio de que são titulares impunham decisão diversa. 40 - A douta sentença que aqui se recorre entendeu dos factos dados como confessados que o prédio tem um valor de mercado que ascende a 350.000,00 e as benfeitorias úteis no valor global de 252.012,00 que traduziram na valorização do imóvel. 41 - Por douto despacho a fls... nos presentes autos foi dado como provado a existência das benfeitorias, mas paradoxalmente extravasando o objecto do presente litígio o MM Julgador impediu o reconhecimento do direito de crédito do A., “consubstanciando na valorização do imóvel comodatado em valor correspondente ao das benfeitorias nele incorporadas pelo autor” quando nenhum contra-crédito /contrapartida pelos RR. foi peticionado nos presentes autos e/ou outra ação declarativa, por não ser essa a vontade dos mesmos. 42 - Ignoraram os presentes autos, não sendo aliás causa de pedir/objecto do litígio a questão da alegada “contrapartida” que o A. não pagou pela utilização do imóvel, que com a devida vénia viola frontalmente o regime do comodato, assim como tal questão é invocada “ex officio” à revelia da vontade das partes e dos mecanismos legais. 43 - A douta decisão encerra e traduz numa atroz injustiça ao aqui recorrente e violação de lei. 44 - As benfeitorias referidas nos presentes autos existem e foram dadas como assentes/provadas nos presentes autos. 45 - A douta decisão padece de manifesta contradição com os factos dados como provados, devendo em razão disso ser anulada nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC. 46 - A douta sentença decidiu pela improcedência da ação com suposições e contrapartidas que não se encontra no objecto dos presentes autos. 47 - No caso sub judice a ocupação do A./recorrente no prédio dos RR. é a título de comodato, facto este dado como confessado a fls... dos presentes autos. 48 - O artigo 1129.º do Código Civil dispõe que “comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir”. 49 - Nenhuma oposição foi apresentada pelos RR. quanto à ocupação do A. no imóvel sem determinação de qualquer retribuição, e sem prazo para a respectiva entrega - em virtude disso este último gastou a título de benfeitorias úteis a quantia de 252.012,00. 50 - No contrato de comodato não está estabelecida legalmente a observância de forma, pelo que o mesmo será válido independentemente da observância de qualquer forma e daí se concluir que o contrato de comodato verbal mencionado legitima a detenção que da parte do imóvel, objecto do mencionado contrato de comodato, vinha sendo feita pelo A., há mais de vinte e quatro anos. 51 - Na situação dos presentes autos as benfeitorias são úteis, dado que aumentaram o valor da coisa, não podendo ser dela separadas, na justa medida que é impossível proceder ao levantamento dos materiais incorporados pelo A. no imóvel sem detrimento deste. 52 - Resulta dos factos dados como provados que as obras realizadas vão muito além da mera conservação ou manutenção, antes melhoram e aumentam o valor do prédio. 53 - Uma situação de comodato, que é um contrato gratuito (artigo 1129.º, do Código Civil), sendo que, independentemente desse carácter gratuito, a lei consagra a possibilidade de o comodatário ser indemnizado pelo valor das benfeitorias de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, ao abrigo dos artigos 1138.º, conjugado com o 1273.º, do Código Civil. 54 - No caso dos presentes autos, para além de se ter provado que os RR. não se opuseram à realização das obras e as mesmas configurarem como benfeitorias úteis uma vez que não podem ser levantadas sem detrimento, o que confere ao A./recorrente direito a indemnização. 55 - A douta sentença concluiu que o comodatário, beneficiando das virtualidades de um contrato gratuito, não poderá exigir, de quem lhe proporciona esse benefício, uma indemnização por benfeitorias. 56 - Tal conduziria, porém, a que, afinal, de forma indirecta, se acabasse por pagar o uso da coisa, ao arrepio do inicialmente acordado e da lei. 57 - A verdade é que lei consagra, a possibilidade da indemnização por determinadas benfeitorias, segundo as regras do enriquecimento sem causa. 58 - A douta sentença de forma indirecta e ao arrepio da liberdade contratual fez com que fosse pago/compensado de forma indirecta o uso da coisa através do comodato, ao arrepio do acordado e do regime do comodato, que nunca foi acordado pelas partes, ou alegado sequer nos presentes autos. 59 - O montante da obrigação de restituição/indemnização fundada na realização de benfeitorias úteis, que não podem ser levantadas, deve corresponder ao valor do custo da execução dessas benfeitorias. 60 - Consequentemente flui da alínea e), do n.º 1, do artigo 755.º do Código Civil, que o comodatário goza do direito de retenção sobre a coisa que lhe tiver sido entregue em consequência do respetivo contrato de comodato, pelo crédito dele resultante. 61 - A douta decisão que agora se recorre violou ainda o disposto no artigo 1273.º do CC, quer o instituto jurídico do comodato, disposto no artigo 1129.º do CC, quer ainda da liberdade contratual das partes, nos termos do disposto no artigo 405.º do CC. 62 - A douta decisão ao concluir que o reconhecimento das benfeitorias que foram dadas como provadas nos presentes autos anularia uma alegada “contrapartida” que não foi peticionada pelas partes viola o regime das benfeitorias e o direito à indemnização previsto na lei, disposto nos artigos 1273.º e 1138.º, ambos do CC, quer o regime do comodato e da liberdade contratual. 63 - O A. realizou obras de tão importante vulto num imóvel tem que fazer contas e receber o que tem direito, aliás é um direito que o mesmo tem perante a lei. 64 - Não se fala de uma intervenção pontual mas de obras de fundo que mudaram completamente o universo e a realidade do imóvel matriz em muitos milhares e milhares de euros, ora benfeitorias dadas como provadas no valor de 252.012,00, num imóvel que tendo sido valorizado em razão desta tem um valor de mercado de 350.000,00 . 65 - As benfeitorias realizadas pelo A. /recorrente valorizaram o imóvel em questão cerca de 72 %. 66 - Nada é mencionado nos autos que permita a certeza da quantificação de eventual benefício do A./recorrente com a ocupação no imóvel e que eventual grandeza, sendo a conclusão da douta sentença deficiente e precipitada. 67 - Só para se perceber o legislador foi mesmo ao ponto de trazer à colação realidades não alegadas nem em discussão nos presentes autos do “enorme” valor que possa representar um comodato que é juridicamente um empréstimo gratuito. 68 - A douta sentença proferida encerra, ainda, múltiplas violações de normas jurídicas, mormente, as normas ínsitas nos artigos 216.º, 405.º, 479.º, 754.º, 755.º, n.º 1 alínea e), 1129.º, 1138.º, 1253.º, 1273.º, n.º 1, 1275.º todos do CC, artigo 2.º do CPC e 20.º, da CRP. 69 - Face ao exposto, deverá ser julgado o presente recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida, e em consequência seja ordenado o prosseguimento dos autos. * 1.2.2. Contra-alegações Os Réus (BB e CC) não contra-alegaram. * II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIRO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 – in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). . Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». , uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa). * 2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar2.2.1. Identificação das questões 2.2.1.1. Questões incluídas no objecto do recurso Mercê do exposto, três questões encontram-se neste momento submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem (sendo que a resposta afirmativa a cada uma das precedentes poderá prejudicar o conhecimento das subsequentes): 1.ª - É a decisão recorrida nula, por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão proferida (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), I parte, do CPC), e/ou por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), II parte, do CPC), e/ou por ter condenado em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. e), do CPC) ? 2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito, nomeadamente violando o princípio do contraditório (ao não ouvir previamente as partes sobre a falta de alegação de factos necessários à procedência da acção, antes de a julgar improcedente, o que consubstanciou uma decisão surpresa), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, reconhecendo a nulidade da sentença proferida, por preterição de formalidade essencial) ? 3.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito, nomeadamente considerando não se verificarem os pressupostos do enriquecimento sem causa (nomeadamente, a falta de valorização do imóvel onde foram realizadas as benfeitorias pelas quais o Autor pretende ser indemnizado, ou o empobrecimento deste), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, julgando a acção totalmente procedente) ? * 2.2.1.2. Questão excluída do objecto do recurso Invocou ainda o Autor (AA), nas suas alegações de recurso, a nulidade da sentença por lhe ter indeferido os sucessivos pedidos de realização de uma perícia ao imóvel (onde realizou as benfeitorias que invoca e sobre o qual pretende ver reconhecido o seu direito de retenção). Contudo, tendo esta sua concreta pretensão sido já formulada em anterior recurso que interpôs, foi conhecida por este Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão de 30 de Junho de 2022, onde a julgou improcedente Lê-se, a propósito, no acórdão de 30 de Junho de 2022: «Concretizando, veio o Autor (AA) recorrente arguir a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por alegada violação do art. 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC. Com efeito, e segundo ele, o Tribunal a quo teria «sumária e unilateralmente» resolvido «não conhecer das requeridas perícias, não querendo saber da efectiva existência das obras, valor actual de mercado, quem as realizou e quem as pagou». Contudo, resulta sobejamento dos autos que os mesmos não foram contestados; e, por isso, foi proferido despacho, já transitado em julgado, julgando confessados os factos articulados pelo Autor (AA). Logo, a realização das diligências probatórias que as partes tivessem requerido nos seus articulados iniciais (ou posteriormente aos mesmos) ficou necessariamente sem objecto, e por isso prejudicado o respectivo conhecimento pelo Tribunal a quo: os factos cuja prova a dita realização deveria possibilitar já se encontram assentes, por força da confissão ficta dos Réus (BB e CC). Isto mesmo foi expressamente afirmado pelo Tribunal a quo, em despacho que antecede a prolação da sentença recorrida, quando nele se lê que, como «é evidente, quanto à pretendida perícia, a diligência de prova não tem cabimento nesta fase processual, porquanto não tendo os RR contestado os factos alegados pelo autor, os mesmos foram considerados provados nos termos do art. 567º/1 do C.P.C.». Improcede, assim, o quarto fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria a sentença recorrida (por omissão de pronúncia)». (…) Concretizando, verifica-se que o Autor (AA) veio ainda defender ser a sentença recorrida nula, desta feita por consubstanciar decisão proferida depois de ter sido omitida nos autos a realização de uma perícia, reiteradamente pedida por si (capaz de demonstrar a veracidade da sua prévia alegação); e, desse modo, ter sido violado o princípio do contraditório (já que não pôde pronunciar-se previamente sobre o juízo de facto do Tribunal a quo), bem como o seu direito a produzir prova. Dir-se-á, a propósito, que as partes foram previamente ouvidas pelo Tribunal a quo, sobre a possibilidade de vir a julgar verificado nos autos um uso anormal do processo; mas esse devido cumprimento do princípio do contraditório não obrigava igualmente o Tribunal a quo a ouvi-las sobre todos os concretos argumentos (de facto e de direito), que estaria a pensar utilizar para o efeito (assegurada que estava a possibilidade da sua posterior sindicância, em sede de recurso, por aquelas) . Dir-se-á ainda que o direito das partes produzirem a respectiva prova nos autos ficou necessariamente prejudicado, por inutilidade, com a confissão ficta dos factos pelos Réus (BB e CC), conforme sobejamente já explicado supra; e, desse modo, nem podia o Tribunal a quo deferir ou ordenar a realização de qualquer perícia, sob pena da prática de um acto inútil, proibida pelo art. 130.º, do CPC. Logo, a omissão de realização de qualquer perícia nos autos não violou o princípio do contraditório, nem o direito à prova das partes (ou quaisquer outros princípios, direitos ou disposições legais). Improcede, assim, a arguição de demais nulidades que alegadamente afectariam a sentença proferida pelo Tribunal a quo (resultantes da omissão de realização de uma perícia nos autos)». . Tendo o dito acórdão transitado em julgado, não pode mais ser suscitada, conforme art. 620.º, n.º 1, do CPC. Está, assim, excluída do objecto do presente recurso. * 2.2.2. Ordem do seu conhecimento Lê-se no art. 663.º, n.º 2, do CPC, que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º». Mais se lê, no art. 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». Ora, tendo sido invocada pelo Recorrente (AA) a nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo (vício que, a verificar-se, obsta à sua validade), deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais Neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2. * III - QUESTÕES PRÉVIAS - Vícios da decisão de mérito3.1. Nulidades da decisão judicial versus Erro de julgamento 3.1.1. Distinção de vícios As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou à sua validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º, do CPC 5 Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14. Ora, não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar «Porventura esta tendência encontrará a sua raiz num modelo processual em que o decurso do prazo para a interposição de recurso apenas se iniciava depois de serem apreciadas pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas», sendo certo porém, que «há muito que foi ultrapassado esse quadro normativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 737). , desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades». Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133). * 3.1.2. Nulidades da sentença 3.1.2.1. Contradição 3.1.2.1.1. Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. c), I parte, do CPC, que «é nula a sentença quando»: . contradição - «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)». Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC, e pelo art. 205.º, n.º 1 da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões; e, por outro lado, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal [premissa maior] com os factos [premissa menor]. Reconhece-se, deste modo, que é precisamente a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado. Compreende-se, por isso, que se afirme que «os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário». Logo, «constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada» (Ac. da RG, de 14.05.2015, Manuel Bargado, Processo n.º 414/13.6TBVVD.G) No mesmo sentido, Ac. da RC, de 11.01.1994, Cardoso Albuquerque, BMJ, n.º 433, pág. 633, onde se lê que «entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição». Ainda, Ac. do STJ, de 13.02.1997, Nascimento Costa, BMJ, n.º 464, pág. 524; e Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 160. Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta: quando - embora mal - o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos (Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, 2000, pág. 298) O erro de julgamento gerador da violação de lei substantiva decompõe-se numa das seguintes vertentes: erro de determinação da norma aplicável; erro de interpretação; ou erro de aplicação do direito, isto é, erro de subsunção dos factos e do direito, ou estender-se à sua própria qualificação (conforme, e com maiores desenvolvimentos, Ac. do STJ, de 02.07.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 5024/12.2TTLSB.L1-S1). Logo, saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma Neste sentido, Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277. * 3.1.2.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)Concretizando, veio o Autor (AA) recorrente arguir a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por alegada violação do art. 615.º, n.º 1, al. c), I parte, do CPC. Com efeito, e segundo ele, a sentença teria concluído pela falta de demonstração do seu empobrecimento, valorizando para o efeito o benefício resultante da ocupação que vem fazendo do imóvel onde realizou as benfeitorias por ele invocadas, sendo que aquela ocupação foi desde logo referida como resultando de um comodato (gratuito). Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não se verifica a alegada contradição entre os fundamentos (de facto) considerados pelo Tribunal a quo e a decisão que depois proferiu: foi precisamente baseado no benefício derivado da utilização gratuita que o Autor (AA) vem fazendo do dito imóvel, onde exerce a sua actividade de advogado, que o Tribunal a quo concluiu pela falta de demonstração do seu empobrecimento (ao suportar o custo de realização de benfeitorias no dito imóvel, propriedade dos Réus), por potencialmente o referido benefício se poder encontrar compensado com o dito empobrecimento, ou ser-lhe mesmo superior. O bem ou mal fundado deste seu juízo contenderá com o respectivo acerto, ou falta dele, isto é, com um eventual erro de julgamento, mas não com qualquer contradição entre os fundamentos considerado para o efeito e a decisão final de mérito proferida. Improcede, assim, o primeiro fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria a sentença recorrida (por contradição entre os seus fundamentos e a decisão respectiva). * 3.1.2.2. Excesso de pronúncia 3.1.2.2.1. Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. d), II parte, do CPC, e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»: . excesso de pronúncia - «O juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art. 608.º, n.º 2 do CPC, que o juiz não «pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». «Questões», para este efeito, são «todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes» (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112); e não podem confundir-se «as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143) No mesmo sentido, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, 3.ª edição, Almedina, Lisboa 2001, pág. 180, onde se lê que «devem arredar-se os “argumentos” ou “raciocínios” expostos na defesa da tese de cada uma das partes, que podendo constituir “questões”, em sentido lógico ou científico, não integram matéria decisória para o juiz». Logo, «questões» são aqui os pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não também as «razões» ou os «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo). Compreende-se, por isso, que se afirme que «as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, e o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa» (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1979, pág. 220). Esta nulidade colhe o seu fundamento quer no princípio do dispositivo (que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual), quer no princípio do contraditório, com isso significando que - em sede de processo civil, onde se discutem e dirimem conflitos de natureza privada, e não pública - o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedido por uma das partes, e sem que a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. Compreende-se, por isso, que se lesse no art. 264.º, n.º 2, do anterior CPC, que «o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa»; e no art. 664.º do mesmo diploma que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º». Contudo, com a última reforma do CPC, mantendo-se o respeito pelo princípio do dispositivo, deu-se mais um passo no sentido da busca de uma justiça cada vez mais substancial/material e menos formal, lendo-se agora no art. 5.º, n.º 1 e n.º 2 do actual CPC que, cabendo às partes «alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas», serão ainda considerados pelo juiz os «factos instrumentais que resultem da instrução da causa», os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar», e - tal como outrora - os «factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções»; e mantendo-se no n.º 3 da mesma disposição que «o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito». * 3.1.2.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)Concretizando, veio o Autor (AA) recorrente arguir a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por alegada violação do art. 615.º, n.º 1, al. d), II parte, do CPC. Com efeito, e segundo ele, o Tribunal a quo, ao apreciar o objecto do litígio sem antes realizar a audiência prévia devida nos autos, teria conhecido de questões que, por disposição imperativa da lei, não estava em condições de conhecer; e teria considerado no seu juízo de improcedência da acção um alegado enriquecimento dele próprio, resultante do benefício económico que lhe adviria da utilização que vem fazendo do prédio onde realizou as benfeitorias cuja indemnização aqui reclama, quando desde logo invocou ser a mesma utilização permitida por prévio contrato de comodato (gratuito). Contudo, resulta sobejamente dos autos que os mesmos não foram contestados; e, por isso, foi proferido despacho, já transitado em julgado, julgando confessados os factos articulados pelo Autor (AA). Logo, e de acordo com a tramitação prevista no art. 567.º, do CPC, para estas situações, não se tornava necessária a realização de qualquer audiência prévia. Dir-se-á, ainda, que, de facto, o Tribunal a quo considerou, no seu juízo de improcedência da acção, que o comodato de prédio urbano, feito pelos Réus (BB e CC) a favor do Autor (AA), seu filho, durante os últimos 24 anos, equivaleria a um enriquecimento deste; e, por isso, poderia anular, ou diminuir, o empobrecimento por ele invocado (traduzido no custo das benfeitorias que realizou). Contudo, o juízo exposto não extravasa quaisquer poderes de conhecimento do Tribunal a quo, já que se alicerça exclusivamente em factos previamente alegados pelas partes e na interpretação do Direito que entendeu dever aplicar aos mesmos. Dir-se-á ainda que a consideração da gratuidade do contrato de comodato por ele alegadamente feita, para nela alicerçar o juízo de improcedência da acção, se desconforme com a correcta interpretação e aplicação do Direito aos factos, consubstancia um erro de julgamento, e não um excesso de pronúncia. Enfatiza-se, a propósito, que o Tribunal a quo, na decisão de mérito proferida, limitou-se a apreciar a única questão formulada nos autos pelo Autor (AA), isto é, o seu direito, ou a falta dele, a ser indemnizado pelos Réus (BB e CC), mercê de benfeitorias realizadas por ele próprio em prédio destes, proferindo depois decisão final conforme. Poderá, e muito legitimamente, o Autor (AA) discordar do julgamento de facto e de Direito realizados e, consequentemente, da decisão neles apoiada; mas a eventual razão que lhe possa assistir não comina de nulidade a sentença recorrida (nomeadamente, por excesso de pronúncia), justificando antes um pedido de reponderação do assim ajuizado (igualmente impetrado pelo Recorrente). Improcede, assim, o segundo fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria a sentença recorrida (por excesso de pronúncia). * 3.1.2.3. Condenação ultra petitum3.1.2.3.1. Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, que «é nula a sentença quando»: . condenação ultra petitum - «O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido». Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art. 609.º, n.º 1 do mesmo diploma que a «sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir». Precisando a proibição de condenação em quantidade superior, dir-se-á que o «objeto da sentença coincide (…) com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem além do que lhe foi pedido» (José Lebre de Freitas, António Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, Outubro de 2008, pág. 648). Contudo, o limite quantitativo da condenação é o da importância global pedida Conforme Ac. do STJ, de 15.06.1989, AJ 0A/89, pág. 13. , isto é, os limites da condenação não se reportam às parcelas em que, para demonstração do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do prejuízo Conforme Ac. da RL, de 26.05.1992, Aragão Barros, BMJ, n.º 417, pág. 812; e Ac. da RE, de 30.09.2004, Oliveira Pires, CJ, 2004, Tomo IV, pág. 248. Precisando a proibição de condenação em objecto diverso do que se pediu, dir-se-á que não se «pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, págs. 67 e 68, com bold apócrifo). Contudo, há muito que se defende que a regra enunciada no n.º 1, do art. 609.º, do CPC, deve ser interpretada em sentido flexível, de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, quando este traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo; ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo autor, não exclua uma outra abarcada por aquela (conforme Ac. do STJ, de 23.01.2004, Ferreira Girão) No mesmo sentido, Ac. da RG, de 29.04.2021, Raquel Baptista Tavares, Processo n.º 374/19.0T8VVD.G1, onde se lê que o «tribunal, em regra, não só não pode conhecer senão das questões que lhe tenham sido colocadas pelas partes, como também não pode decidir ultrapassando os limites do pedido que foi formulado, sob pena da decisão ficar afetada de nulidade. (…) Contudo é lícito ao tribunal, “através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter». Do mesmo modo o vem entendendo o STJ, na uniformização da jurisprudência que lhe incumbe fazer Veja-se, a propósito: o Assento n.º 4/95, de 28 de Março (DR, I Série A, de 17.05.1995), onde se consignou que, quando «o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no art. 289.º, n.º 1 do CC»; ou o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2001, de 23 de Janeiro (DR, I Série A, de 09.02.2001), onde se consignou que, tendo «o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (art. 616.º, n.º 1 do CC), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo art. 664.º do CPC», hoje, art. 5.º, n.º 3 do mesmo diploma. Deverá, porém, em hipóteses como estas ser assegurado o cumprimento do princípio do contraditório, salvo caso de manifesta desnecessidade, por forma a que as partes não venham a ser confrontadas com uma «decisão surpresa», isto é, com a qual não podiam contar e, por isso, não apreciaram, nomeadamente contraditando (art. 3.º, n.º 3, do CPC). * 3.1.2.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)Concretizando, veio o Autor (AA) recorrente arguir, por fim, a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por alegada violação do art. 615.º, n.º 1, al. e), do CPC. Com efeito, e segundo ele, na sua decisão o Tribunal a quo teria apreciado objecto diverso do pedido, e referido que ele próprio poderia ter ficado enriquecido, por o valor do benefício resultante da utilização gratuita do imóvel onde fez benfeitorias ser até superior a valor naquelas despendido. Contudo, coincidindo o dispositivo final da sentença recorrida com julgar «totalmente improcedente a ação, absolvendo os RR do pedido contra eles formulado», necessariamente que não pode ter condenado em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. A indevida utilização que para esse resultado possa ter feito de factos ou argumentos jurídicos não contende com a nulidade em apreciação, mas com eventual erro de julgamento. Improcede, assim, o terceiro fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria a sentença recorrida (por condenação ultra petitum). * Logo, improcede na sua totalidade a arguição de nulidades próprias, que alegadamente afectariam a sentença recorrida.* 3.2. Nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório 3.2.1.1. Princípio do contraditório Lê-se no art. 3.º, do CPC, que o «tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição» (n.º 1), só «em casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida» (n.º 2); e o «juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem» (n.º 3). Reconhece-se aqui que, estando em causa conflitos de natureza privada - e não pública - o Tribunal apenas intervém para os dirimir se previamente solicitado por uma parte, que lhe traz os factos sobre que versa o litígio e formula o pedido de tutela jurisdicional pretendido (princípio do dispositivo); e tendo depois a parte contrária o direito de sobre eles se pronunciar, sendo, porém, dever do Tribunal assegurar a possibilidade do seu exercício (princípio do contraditório). Sendo estes dois princípios basilares de todo o processo civil (ínsitos ao «processo equitativo» que o n.º 4, do art. 20.º, da CRP consagra como direito), o princípio do contraditório surge consagrado na lei processual civil quer na sua versão geral (de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio) Assim, e por sua imposição, todas as fases do processo decorrem num diálogo entre as partes, sob a direcção do juiz (v.g. articulados, audiência prévia, audiência final, recursos); e todas as diligências ou actos relacionados com a proposição ou a produção de meios de prova pressupõem o cumprimento dessa estrutura dialéctica ou bipolar (as partes podem, em igualdade de circunstâncias, apresentar todos os meios probatórios potencialmente relevantes, podem decidir fazê-lo até ao momento que considerem acentuar a sua relevância, a admissão ou produção da sua prova é feita com audiência contraditória, e podem apreciar a prova produzida por si, pelo outra parte, e pelo tribunal). Compreende-se, por isso, que se afirme que resultam «estes preceitos duma conceção moderna do princípio do contraditório, mais ampla do que a do direito anterior à sua introdução no nosso ordenamento. Não se trata já apenas de, formulando um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indirecta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 7). Neste mesmo sentido, de uma ampla consagração do princípio do contraditório, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 19; e Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, págs. 21 e 22. , quer na sua vertente especial proibitiva, de emissão de qualquer decisão-surpresa de questões de direito A vantagem deste regime, de proibição de decisões surpresa, é clara e evidente: para o julgador, «porque depois da audição das partes e de analisar iguais ou diferentes pontos de vista, pode proferir uma decisão com maior convicção e segurança»; e para as partes, «por lhes ser dada a possibilidade de apresentarem os seus argumentos a favor ou contra a decisão, de algum modo a podendo ainda influenciar», sendo que não «raras vezes acontece que na análise de determinada questão colocada ao tribunal na acção escapa à discussão um aspecto relevante e decisivo, (…) impondo-se tomá-lo em consideração na decisão a proferir» (Fernando Pereira Rodrigues, O Novo Processo Civil. Os Princípios Estruturantes, 2013, Almedina, pág. 49). Considera-se, deste modo, que só a permanente audição de ambas as partes permite que, simultaneamente: se apure a verdade (material) e se alcance a justa composição do litígio (art. 411.º, do CPC); e se controle o modo como o Tribunal exerce a sua actividade, com vista precisamente a alcançar esse fim. * 3.2.1.2. Proibição de «decisões-surpresa»Precisando a proibição de «decisões-surpresa», dir-se-á que esta «vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado (…). Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso)» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 9) No mesmo sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2013, Almedina, Outubro de 2012, págs. 27 e 28, onde se lê o «juiz pode decidir uma questão com base numa norma não invocada pelas partes (art. 5º, nº 3), mas não sem que antes estas tenham tido a possibilidade de se pronunciar sobre esse enquadramento jurídico (nº 3 ora comentado). Esta possibilidade só pode surgir depois de a potencial relevância da norma para a decisão resultar clara na ação. Para tanto, se necessário, o tribunal deverá proporcionar um contraditório específico sobre a questão. Isto vale para a decisão liminar, como vale para o despacho saneador, como vale para a sentença final». Precisando agora o que seja a «manifesta desnecessidade» de audição das partes (ou da parte contrária ao requerente), pelo Tribunal, antes de decidir (oficiosamente, ou mercê de prévio requerimento), pondera-se antes de mais que, tal «como o princípio do contraditório não deve obscurecer o objetivo da celeridade processual, também esta não pode conduzir a uma dispensa do contraditório sob o pretexto da sua desnecessidade. Tal dispensa é prevista a título excepcional, de modo a que apenas se justificará quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 20) No mesmo sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, Volume I, Almedina, Outubro de 2013, pág. 27, onde se lê que as «partes devem ter sempre a possibilidade de se pronunciar sobre as questões a decidir pelo juiz», apenas se ressalvando «as questões cuja decisão não tem, em si mesma, qualquer repercussão sobre a instância, não sendo relevante, ainda que reflexamente, para a decisão do litígio, ou que, pela sua natureza, não compreenda o contraditório prévio - por exemplo, a decisão de mero expediente ou a decisão liminar de convidar o autor a aperfeiçoar a petição». Na jurisprudência, Ac. da RG, de 04.19.2018, Eugénia Cunha, Processo n.º 533/04.0TMBRG-K.G1, onde se lê que «impõe-se afinar o conceito de "manifesta desnecessidade" tendo presente que casos existem em que, não obstante se tratar de questões processuais ou de mérito, de facto ou de direito, não suscitadas pelas partes, estas tinham obrigação de prever que o tribunal podia decidir tais questões em determinado sentido, como veio a decidir». «Pode assim não ter lugar o convite para discutir uma questão de direito quando as partes, embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação. Pode ele também não ter lugar quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida (o que sempre implicaria a irrelevância da omissão: art. 195-1) ou quando seja proferido despacho que convide uma das partes a sanar uma irregularidade (art. 146-2; art. 590-3) ou uma insuficiência expositiva (art. 590-4; art. 639-3)» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, págs. 10 e 11). Dir-se-á, porém, que, suscitando-se «dúvida sobre se existe, ou não, manifesta desnecessidade na audição das partes, por uma questão de cautela, deve optar-se pela audição, pois que se evita que as partes venham, posteriormente, invocar a nulidade da decisão por falta da sua audiência prévia» (Fernando Pereira Rodrigues, O Novo Processo Civil. Os Princípios Estruturantes, 2013, Almedina, pág. 50, com bold apócrifo). * 3.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)Concretizando, verifica-se que o Autor (AA) veio ainda defender ser a sentença recorrida nula, desta feita por consubstanciar decisão proferida depois de ter sido omitida a audição das partes sobre: a medida de valorização do imóvel onde realizou benfeitorias, mercê precisamente das mesmas (medida de valorização essa necessária para se apurar o enriquecimento dos Réus); e sobre o valor locativo do prédio (considerado pelo Tribunal a quo como representando o seu próprio enriquecimento e, por isso, podendo inclusivamente anular ou diminuir o dito enriquecimento dos Réus). Teria, desse modo, sido violado o princípio do contraditório, já que as partes não se puderam pronunciar previamente sobre o juízo de improcedência da acção que o Tribunal a quo alicerçou precisamente no desconhecimento da medida de valorização do imóvel e do seu valor locativo. Contudo, não se sufraga este seu entendimento, uma vez que, no dito juízo de improcedência da acção, o Tribunal a quo não conheceu de qualquer questão nova, limitando-se a decidir com base nos factos previamente alegados pelo Autor (AA), e de acordo com a interpretação e aplicação aos mesmos das normas de Direito que ele igualmente invocara (embora de forma divergente com o seu entendimento). Dir-se-á, ainda, que as partes foram previamente ouvidas pelo Tribunal a quo sobre a suficiência dos factos alegados e do Direito aplicável aos mesmos para a procedência da pretensão do Autor (AA), ao serem notificadas para apresentação das respectivas alegações escritas, nos termos do art. 567.º, n.º 2, do CPC. A sua posterior discordância sobre o juízo de mérito feito, em sede de sentença, pelo Tribunal a quo, e a bondade desse seu entendimento, contende com um eventual erro de julgamento, mas não com qualquer violação do princípio do contraditório, ou omissão de formalidade que, nesta fase dos autos, a lei impusesse Precisa-se que, noutra fase - de final de articulados - poderia defender-se ter sido omitida pelo Tribunal a quo a devida prolação de um despacho pré-saneador, destinado precisamente a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (conforme art. 590.º, n.º 2, al. b) e n.º 4, do CPC), as mesmas que depois, no seu posterior juízo de mérito, determinariam a improcedência da acção. Consubstanciando essa omissão uma nulidade (art. 195.º, n.º 1, do CPC), e sendo discutível se apenas do processo ou da própria decisão que se profira de seguida, é em regra tida como de conhecimento não oficioso; e aqui não foi arguida pelo Autor. No sentido exposto (embora nem sempre coincidindo quanto à concreta consequência da sua verificação): . na doutrina - Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, Almedina, Outubro de 2013, págs. 480-481; Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, págs. 47 e 48; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 635 e 636; ou António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, págs. 681 a 683. . na jurisprudência - Ac. da RL, de 20.03.2014, Isoleta Almeida Costa, Processo n.º 710/11.7TCFUN.L1-8; Ac. da RL, de 15.05.2014, Ezaguy Martins, Processo n.º 26903/13.4T2SNT.L1-2; Ac. da RG, de 19.06.2014, Isabel Rocha, Processo n.º 3552/12.7TBBCL.G1; Ac. da RP, de 26.02.2015, Pedro Martins, Processo n.º 5807/13.6TBMTS.P1; Ac. da RG, de 23.06.2016, António Beça Pereira, Processo n.º 713/14.0T8VRL.G1; Ac. da RG, de 26.01.2017, António Figueiredo de Almeida, Processo n.º 1927/14.8TBGMR.G1; Ac. da RE, de 26.10.2017, Ana Margarida Leite, Processo n.º 2929/15.2T8STR-A.E1; Ac. da RL, de 27.11.2018, Diogo Ravara, Processo n.º 1660/14.0T8OER-E.L1-7; ou Ac. da RP, de 11.01.2021, Mendes Coelho, Processo n.º 3163/19.8T8OAZ.P1. Improcede, assim, a arguição de demais nulidades que alegadamente afectariam a sentença proferida pelo Tribunal a quo. * IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOMercê da confissão ficta dos Réus (BB e CC), e conforme previamente declarado nos autos (por despacho já transitado em julgado), ficaram provados os seguintes factos articulados pelo Autor (AA): 1 - BB e CC (aqui Réus) são donos, em comum, do prédio urbano com a área total de 1921 m2, construído em 1974, sendo nessa altura a área coberta de 104 m2 e de área descoberta 1817 m2, composto por casa de ... e quintal, sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o nº ...52, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...74 (conforme «Certidão Permanente» de registo predial que é fls. 10 dos autos, e «Caderneta Predial Urbana» que é fls. 11 dos mesmo, documentos que aqui se dão por integramente reproduzidos). 2 - O prédio referido no facto anterior foi ulteriormente objecto de ampliações, sendo actualmente de maiores dimensões; e dividido em duas zonas, uma destinada a habitação (n.ºs de polícia da Rua ..., ...) e uma outra destinada a escritório (n.º de polícia ...9). 3 - Os Réus (BB e CC) foram casados entre si, encontram-se neste momento divorciados, e têm intenção de procederem à partilha de bens comuns. 4 - Os Réus (BB e CC) são pais de AA (aqui Autor). 5 - O Autor (AA) exerce desde 27 de Julho de 1998 a profissão de advogado na Comarca .... 6 - O Autor (AA) abriu o seu primeiro escritório de advocacia em 1998, no ... andar do prédio sito na Rua ... (referido no facto enunciado sob o número 1), na sequência de comodato de ambos os Réus (BB e CC), celebrado sem prazo e por tempo indeterminado, permitindo-lhe ainda esse acordo a realização de benfeitorias e a adaptação do edifício para aquele efeito. 7 - Ulteriormente o antigo escritório foi mudado dentro do mesmo edifício para o ... com o n.º de polícia ...9, da referida Rua ..., tendo sido entregue pelo Autor (AA) aos Réus (BB e CC) a parte do imóvel objecto do comodato inicial e acordado comodato desta nova área, igualmente celebrado sem prazo e por tempo indeterminado, sendo que também ao abrigo desse contrato lhe permitiram a realização de benfeitorias e a adaptação do edifício para esse efeito. 8 - Mais tarde, o Autor (AA) passou a exercer a sua actividade de advogado por intermédio da sociedade J..., Sociedade de Advogados, S..., RL, NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ...; e este, com autorização e conhecimento de ambos os Réus, cedeu temporária e precariamente o uso do imóvel a esta entidade que ainda ocupa actualmente o espaço. 9 - Durante a vigência dos acordos referidos (inicialmente do andar do n.º 35 e ulteriormente do ... do n.º 39), e entre os anos de 1998 a 2018, o Autor (AA) realizou uma série de intervenções no imóvel, sempre devidamente conhecidas e autorizado por ambos os Réus (BB e CC), que sempre aí residiram. 10 - Desde 1998 e até à presente data, o Autor (AA) realizou no imóvel referido antes as seguintes obras: 1 - Colocação de caixilharia de alumínio térmico e basculante em todo o imóvel em substituição da anterior de madeira que estava totalmente degradada, no importe de € 20.000,00 (vinte mil euros e zero cêntimos); 2 - Afundamento do poço de captação de água de argolas dos 7 metros iniciais para os 20 metros (€ 270,00 por metro linear + IVA), no importe de € 4.317,30 (quatro mil, trezentos e dezassete euros e trinta cêntimos); 3 - Colocação de electrobomba no poço, comando de ralé, bóia de enchimento automático de depósito e quadro de sondas, no importe de € 1.700,00 (mil e setecentos euros e zero cêntimos); 4 - Reformulação e construção da instalação eléctrica no andar do n.º 35 e no ... do n.º 39, com distribuição de fases, quadros novos e iluminação de emergência, no importe de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros e zero cêntimos); 5 - Abertura de valas, colocação de drenagem em areia e britas com manta geotêxtil, abertura de vala no chão da garagem e colocação de tubos drenantes para o exterior no edifício do ... do n.º 39, no importe global de € 4.000,00 (quatro mil euros e zero cêntimos); 6 - Colocação de isolamento em tela asfáltica dupla e cobertura do revestimento em cimento do ... do n.º 39, no importe global de € 10.000,00 (dez mil euros e zero cêntimos); 7 - Reparação parcial do telhado na parte norte do n.º 49, no importe global de € 3.000,00 (três mil euros e zero cêntimos); 8 - Revestimento a capoto das fachadas norte/sul do edifício do ... do n.º 39, no importe global de € 2.000,00 (dois mil euros e zero cêntimos); 9 - Ligação do saneamento do edifício e novos ramais e caixas de distribuição, no importe global de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros e zero cêntimos). 11 - As obras referidas no facto anterior serviram para conservar e melhorar o prédio, que não seria habitável e passível de normal fruição sem a sua realização. 12 - Desde 1998 e até à presente data, o Autor (AA) realizou no imóvel referido antes as seguintes obras: 1 - Instalação de condutas, instalação eléctrica, tubagens e máquinas de 17 aparelhos de ar condicionado, no importe de € 17.000,00 (dezassete mil euros e zero cêntimos); 2 - Revestimento das escadas exteriores a granito antiderrapante e colocação, no importe global de € 8.000,00 (oito mil euros e zero cêntimos); 3 - Colocação de pavimento em madeira no ... do n.º 39, no importe global de € 7.000,00 (sete mil euros e zero cêntimos); 4 - Pintura exterior do edifício, no importe global de € 6.000,00 (seis mil euros e zero cêntimos); 5 - Colocação de 2 portões automáticos na garagem e exterior, no importe global de € 3.000,00 (três mil euros e zero cêntimos); 6 - Demolição de paredes interiores a meio do edifício, remoção do pavimento dos antigos silos, tapagem da fossa auto, colocação de 5 pilares de suporte nas paredes exteriores, colocação de pilar interior em ferro para reforço da viga, no ... do n.º 39, no importe global de € 15.000,00 (quinze mil euros e zero cêntimos); 7 - Divisão actual do edifício do ... do n.º 39 em 11 salas e 2 corredores, tectos em pladur liso e de sanca na recepção e corredores, tudo em pladur com lã de vidro de alta densidade, tudo no importe global de € 40.000,00 (quarenta mil euros e zero cêntimos); 8 - Realização do jardim exterior do ... do n.º 39, no importe global de € 1.000,00 (mil euros e zero cêntimos); 9 - Realização da rega automática do jardim exterior do ... do n.º 39, no importe global de € 700,00 (setecentos euros e zero cêntimos); 10 - Realização do muro exterior e passeios do exterior do ... do n.º 39, no importe global de € 1.700,00 (mil e setecentos euros e zero cêntimos); 11 - Instalação de rede informática integrada de 1000 mps em todas as salas do edifício do ... do n.º 39, no importe global de € 8.000,00 (oito mil euros e zero cêntimos); 12 - Instalação de rede e central de alarme e de CCTV no edifício do ... do n.º 39, no importe global de € 2.000,00 (dois mil euros e zero cêntimos); 13 - Instalação de rede e central de incêndio, extintores e sinalética, no edifício do ... do n.º 39, no importe global de € 1.200,00 (mil e duzentos euros e zero cêntimos); 14 - Instalação de rede central telefónica, cablagem e fichas de manobra em todo o edifício, no importe global de € 6.000,00 (seis mil euros e zero cêntimos); 15 - Instalação de divisória vegetal em lauros a norte do n.º 39, no importe global de € 500,00 (quinhentos euros e zero cêntimos); 16 - Revestimento a granito das orlas, fachada e passeios do edifício do ... do n.º 39, no importe global de € 5.000,00 (cinco mil euros e zero cêntimos); 17 - Construção de 4 wc´s no ... do n.º 39, no importe global de € 8.000,00 (oito mil euros e zero cêntimos); 18 - Colocação de estores no edifício e eléctricos na fachada sul, ... do n.º 39, no importe global de € 5.000,00 (cinco mil euros e zero cêntimos); 19 - Carpintaria, painéis e armários, do ... do n.º 39, no importe global de € 23.000,00 (vinte e três mil euros e zero cêntimos); 20 - Pintura interior do ... do n.º 39, no importe global de € 5.000,00 (cinco mil euros e zero cêntimos); 21 - Instalação de caixas do correio em inox no n.º 35 e 39, do ..., no importe global de € 200,00 (duzentos euros e zero cêntimos); 22 - Instalação de cortinas do ... do n.º 39, no importe global de € 3.000,00 (três mil euros e zero cêntimos); 23 - Instalação de refeitório com cozinha, banca e água quente com cilindro, frigorifico de encastrar, no ... do n.º 39, no importe global de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros e zero cêntimos); 24 - Honorários com projecto e licença de construção submetidos à Câmara Municipal ..., do ... do n.º 39, no importe global de € 6.000,00 (seis mil euros e zero cêntimos); 25 - Licenças e taxas pagas à Câmara Municipal ..., do ... do n.º 39, no importe global de € 3.994,67 (três mil, novecentos e noventa e quatro euros e zero cêntimos); 26 - Honorários com projecto de interiores, no importe global de € 1.700,00 (mil e setecentos euros e zero cêntimos). 14 - As obras referidas no facto anterior, não sendo indispensáveis para a conservação e fruição do prédio, aumentaram-lhe o respectivo valor. 15 - Nenhuma das obras referidas nos factos anteriores é actualmente susceptível de levantamento do prédio sem detrimento, porque nele foram incorporadas e a ele estão materialmente ligadas com caracter de permanência. 16 - O imóvel dos Réus (BB e CC) tem um valor máximo de mercado de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros e zero cêntimos). * V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 5.1. Indemnização por benfeitorias realizadas em coisa alheia 5.1.1.1. Benfeitorias - Definição Lê-se no art. 216.º, n.º 1, do CC, que se entende por benfeitorias «todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa». Logo, benfeitorias serão as obras e despesas realizadas em propriedade alheia com vista a conservá-la ou melhorá-la. Mais se lê, no n.º 2, do art. 216.º, citado, que as benfeitorias podem: ser necessárias, quando «têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa»; úteis, «as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor»; ou voluptuárias, «as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante»). Precisando, as benfeitorias só são de qualificar como necessárias se forem indispensáveis para a conservação da coisa segundo um critério de normal e cuidada gestão presumida do seu dono Neste sentido, Ac. do STJ, de 28.05.1986, BMJ, n.º 357, pág. 440. ; e as benfeitorias só serão de qualificar como úteis se tiverem por resultado o efectivo aumento do valor objectivo da coisa onde foram realizadas, ainda que as despesas que implicaram não tenham sido importantes para evitar o prejuízo dela (isto é, mais do que o fim conseguido, importa aqui o resultado) Neste sentido, Ac. do STJ, de 08.02.2011, Sebastião Póvoas, Processo nº. 12/09 9T2STC.E1.S1. . * 5.1.1.2. Cálculo da indemnização (por benfeitorias)Lê-se no art. 1138.º, n.º 1, do CC, que o «comodatário é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má fé». Mais se lê, no art. 1273.º, do CC, que, «tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela» (n.º 1); e quando, «para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa» (n.º 2). Consagra-se, assim, uma solução de equilíbrio dos interesses dos intervenientes: as benfeitorias necessárias, dada a sua indispensabilidade, integram-se definitivamente na coisa onde se incorporaram, devendo o adquirente indemnizar porque delas beneficiou; e quanto às benfeitorias úteis, se não seria justo que o possuidor forçasse o adquirente a gastos que não queria ou não podia fazer, justo é porém que, para evitar o injusto locupletamento deste, se permita ao benfeitorizante que as levante ou, a não ser isto possível sem detrimento, que receba indemnização calculada segundo as regras do enriquecimento se causa Neste sentido, Ac. STJ, de 28.05.1986, BMJ, n.º 357, pág. 440. Logo, o direito prioritário de levantamento das benfeitorias úteis apenas cede quando esse exercício prejudicar a coisa benfeitorizada, e não quando dele resultar prejuízo para a benfeitoria. Com efeito, o que se tutela aqui é a danificação significativa Atende-se a um «dano permanente, irreparável ou dificilmente reparável do prédio», conforme Ac. do STJ, de 27.09.2012, Fernando Bento, Processo n.º 1696/08.0TBFAR.E1.S2 (onde se desenvolve e concretiza o conceito de «detrimento»). da coisa onde as benfeitorias foram implantadas, e não estas (cujo levantamento implica, em regra, senão a sua destruição, pelo menos o serem-lhe causados danos); e, assim, independentemente da situação subjectiva do possuidor, éjuridicamente irrelevante que do levantamento destas benfeitorias úteis resulte o detrimento respectivo Neste sentido: . na doutrina - Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume I, Almedina, 1964, pág. 274; ou Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 42. . na jurisprudência - Ac. do STJ, de 22.03.2018, Tomé Gomes, Processo n.º 336/13.0TBTVD.L1.S1, onde se lê que, no «respeitante ao referido detrimento, o que releva é o detrimento da coisa benfeitorizada e não o da benfeitoria naquela incorporada». . Precisa-se ainda que caberá a quem formula o pedido de indemnização pelas benfeitorias úteis o ónus de alegar e provar os factos que permitam concluir que elas não podem ser levantadas sem detrimento da coisa, uma vez que a impossibilidade de levantamento sem detrimento da coisa é facto constitutivo do respectivo direito (art. 342.º, n.º 1, do CC) Neste sentido: . na doutrina - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 42; ou Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Volume V, Almedina, pág. 31. . na jurisprudência - Ac. do STJ, de 29.05.1979, Santos Víctor, Processo n.º 067830; Ac. do STJ, de 03.04.1984, BMJ, n.º 336, pág. 20; Ac. do STJ, de 03.05.1990, Solano Viana, Processo n.º 077854; Ac. do STJ, de 26.02.1992, BMJ, n.º 414, pág. 556; Ac. do STJ, de 23.04.2002, Ferreira Ramos, Processo n.º 01A4298; Ac. do STJ, de 03.04.2003, Silva Salazar, Processo n.º 03A663; ou Ac. da RG, de 13.07.2021, Paulo Reis, Processo n.º 6438/15.1T8GMR.G1. Contudo, sendo pedido o levantamento das benfeitorias, caberá então ao dono da coisa invocar e provar o dano, como meio de oposição ao pretendido levantamento, enquanto facto impeditivo do mesmo (art. 342.º, n.º 2, do CC), com o consequente reconhecimento do direito a indemnização. Neste sentido, Ac. do STJ, de 27.04.1999, BMJ, n.º 486, pág. 273. * Uma vez assente a obrigação de indemnizar as benfeitorias - quer as necessárias, quer úteis que não sejam passíveis de levantamento sem detrimento da coisa onde foram realizadas -, serão indemnizadas (umas e outras) nos termos das regras do enriquecimento sem causa, isto é, dos arts. 479.º e 480.º, ambos do CC Neste sentido, Ac. do STJ, de 17.11.2015, José Raínho, Processo n.º 480/11.9TBMCN.P1.S1, onde se lê que «não estamos aqui perante uma situação de reparação de um dano em decorrência de um ato gerador de responsabilidade civil (seja delitual, contratual, pelo risco ou por facto lícito), mas sim perante uma situação em que se visa obviar a um locupletamento injusto. Embora o nº 1 do art. 1273º (designadamente pela circunstância de aludir a “indemnização” e de, contrariamente ao que sucede com o nº 2, não se reportar expressamente ao enriquecimento sem causa) possa dar algum suporte literal a entendimento como o que foi adotado pelo tribunal recorrido, esse seria, no entanto, um entendimento erróneo. Na realidade, também as benfeitorias necessárias têm que ser reembolsadas segundo a aplicação das regras do enriquecimento sem causa, por isso que não têm como causante qualquer ato inserível ao conceito de responsabilidade civil. Concordantemente com o que acaba de dizer-se, expendem Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit., vol. I, anotação ao art. 480º) que “a lei confere ao possuidor o direito de ser indemnizado, segundo as regras do enriquecimento sem causa, das benfeitorias necessárias que haja realizado e ainda das benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa (art. 1273º)”. E Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., pp. 515 e 516) aduz exatamente o mesmo, aí onde afirma que, tratando-se de benfeitorias necessárias ou úteis realizadas pelo possuidor, não está em causa a reparação do dano (essa reparação seria, acrescenta o ilustre professor, a finalidade própria da responsabilidade civil), mas sim “suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém à custa de outrem”. Também Menezes Leitão (Direitos Reais, 4ª ed., p. 147) significa que o reembolso das benfeitorias necessárias está igualmente submetido às regras do enriquecimento sem causa. Concordantemente, o mesmo autor expende em outro lugar (Direito das Obrigações, Vol. I, 4ª ed., pp. 413, 414 e 418) que no caso das benfeitorias úteis e necessárias a que alude o art. 1273º do CCivil se está perante um caso de enriquecimento sem causa resultante de despesas efeituadas por outrem (incremento de valor de coisas alheias), que dá origem a uma obrigação de restituir».. Assim, a indemnização compreenderá tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não foi possível, o valor correspondente, não podendo, porém, exceder a medida do locupletamento à data em que o enriquecido tenha sido citado judicialmente para restituir a coisa que deva devolver, ou em que ele tenha tido conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento. Logo, o objecto da obrigação de restituir encontra-se aqui submetido a um duplo limite: por um lado, o beneficiado deve entregar, ao empobrecido, na medida do respectivo locupletamento, isto é, atendendo-se ao seu enriquecimento patrimonial ou efectivo Compreende-se, por isso, que se afirme que «o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial operada (ou o valor correspondente, quando a restituição em espécie não seja possível).Deve restituir apenas aquilo com que efectivamente se acha enriquecido, podendo haver diferença - e diferença sensível - entre o enriquecimento do beneficiado à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento actual, referido a algum dos momentos a que mandam atender as alíneas a) e b) do artigo seguinte», nomeadamente porque entre aquele primeiro momento e este alienou gratuitamente os bens recebidos. «O enriquecimento assim delimitado corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág 466). ; e, por outro, o beneficiário nunca entregará mais do que o quantitativo do empobrecimento do lesado, caso este se mostre inferior ao seu locupletamento (já que, permitir que a obrigação de restituir fosse superior ao empobrecimento do lesado - fazendo corresponder ao superior enriquecimento do beneficiário - determinaria, por seu turno, um enriquecimento injustificado daquele primeiro) Neste sentido: . na doutrina - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 440, onde se lê que as «benfeitorias podem valer menos do que aquilo que o possuidor despendeu para as realizar e pode verificar-se também a hipótese inversa. Se, por exemplo, as benfeitorias custaram 20 e apenas valorizaram a coisa em 10, a obrigação de restituir não excederá o montante de 10, por ser este o valor com que o proprietário se enriquece à custa do possuidor. Se, ao invés, as benfeitorias custaram 10 e valorizaram a coisa em 20, o montante da restituição será igualmente de 10, visto ser esse o valor com que o proprietário normalmente se enriquecerá à custa do possuidor». . na jurisprudência - Ac. do STJ, de 22.03.2018, Tomé Gomes, Processo n.º 336/13.0TBTVD.L1.S1, onde se lê que, na «determinação do valor indemnizatório, a calcular segundo as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 479., n.º 1, por força do artigo 1273.º, n.º 2, do CC, a medida de restituição deve ser estabelecida na base de dois limites: o custo da benfeitoria, correspondente ao empobrecimento de quem a suportou e o enriquecimento do titular da coisa benfeitorizada, correspondente à valorização incorporada. Tal não significa que a medida de enriquecimento não possa equivaler ao custo da das benfeitorias; mas pode ser inferior, nunca podendo ser superior a esse custo». Verifica-se, assim, que a obrigação de restituir do instituto em causa não visa reparar o dano do lesado, empobrecido (já que esse é o fim da responsabilidade civil), mas sim suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém, à custa de outrem. Precisa-se, porém, que no caso de a indemnização se fundar no aumento de valor causado pelas benfeitorias (nomeadamente úteis, impossíveis de ser levantadas), o crédito indemnizatório não deve ser calculado mediante a diferença entre o valor que a coisa tinha quando chegou às mãos da pessoa obrigada a restituí-la e o que tem quando é devolvida, mas sim através da diferença entre o valor que a coisa teria sem as benfeitorias e o que tem com elas no momento da restituição (conforme Diez-Picazo, L., Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial, Volume III, 5.ª edição, 2008, págs. 768-769). Com efeito, é precisamente a medida dessa diferença (entre o valor que a coisa teria sem as benfeitorias na data da restituição e o valor da mesma coisa com as benfeitorias nessa data) que corresponde ao valor que o enriquecido obtém à custa do empobrecido (art. 479.º, n.º 1, do CC). A medida do enriquecimento (e do correlativo empobrecimento) é, portanto, dada pela diferença, reportada esta ao momento em que a restituição deveria ter lugar entre o valor (hipotético) que o prédio teria sem quaisquer benfeitorias e o valor (real e objectivo) que tem com as mesmas benfeitorias Neste sentido: . Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, pág. 466, onde se lê que «o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial operada (ou o valor correspondente, quando a restituição em espécie não seja possível).Deve restituir apenas aquilo com que efectivamente se acha enriquecido, podendo haver diferença - e diferença sensível - entre o enriquecimento do beneficiado à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento actual, referido a algum dos momentos a que mandam atender as alíneas a) e b) do artigo seguinte», nomeadamente porque entre aquele primeiro momento e este alienou gratuitamente os bens recebidos. «O enriquecimento assim delimitado corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada». . Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, Almedina, 2000, págs. 386-387, onde se lê que, «em se tratando de benfeitorias úteis, o enriquecimento não consiste na poupança da despesa pelo proprietário (pois este poderia não as realizar), mas antes no correspondente incremento do valor da coisa, que pode ser restituído através do ius tollendi (que corresponde à restituição em espécie, nos termos do art. 479º nº1) ou através da restituição do valor correspondente em caso de impossibilidade». * 5.1.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)5.1.2.1. Juízo do Tribunal a quo Concretizando, verifica-se que, sendo o Autor (AA) comodatário de prédio urbano de seus pais desde 1998 até à presente data, fez no mesmo diversas obras ao longo deste período, nas quais gastou a quantia global de € 252.012,00. Mais se verifica que parte dessas obras serviram para conservar e melhorar o prédio, que sem elas não seria habitável e passível da sua normal fruição, qualificando-se, por isso, como benfeitorias necessárias; e que nelas foi gasto o montante global de € 71.517,30. Verifica-se ainda que as remanescentes obras, não sendo necessárias à conservação e fruição do prédio, lhe aumentaram porém o valor, qualificando-se, por isso, como benfeitorias úteis; e que nelas foi gasto o montante global de € 180.494,70. Por fim, verifica-se que nem umas, nem outras, são neste momento susceptíveis de levantamento, sem detrimento do prédio onde se encontram incorporadas e materialmente ligadas com carácter de permanência, impondo por isso a respectiva indemnização, quando o Autor (AA) seja obrigado a entregar aos Réus (BB e CC) o dito imóvel. Com efeito, sendo o contrato de comodato por tempo indeterminado O comodato por tempo indeterminado distingue-se necessariamente do comodato vitalício ou perpétuo, sendo a admissibilidade deste último muito discutível, já que é da essência do próprio contrato em causa a obrigação de restituir a coisa (conforme arts. 1129.º e 1135.º, al. h), ambos do CC). No mesmo sentido depõe a duração máxima do contrato de locação, por 30 anos, conforme art. 1025.º, do CC, onde se lê que a «locação não pode celebrar-se por mais de 30 anos», sendo que, «quando estipulada por tempo superior, ou como contrato perpétuo, considerar-se-á reduzida àquele limite». Ora, se esta limitação legal se impõe imperativamente ao contrato de locação oneroso, não se descortinam razões para que não se tenha igualmente como aplicável ao contrato de comodato gratuito. Tender-se-ia, assim, a ver no contrato de comodato vitalício uma figura de tipo real e não obrigacional, equiparável a um quase novo direito real, nascido e tolerado com a frustração dos interesses e tutelas que se associam aos princípios da forma, da tipicidade e da publicidade dos direitos reais. Com interesse para a questão, e inclinando-se para rejeição da figura: . na doutrina - Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Volume IV, Almedina, pág. 251 e 252, onde se lê que, embora «a lei não marque, para esta hipótese, um limite à duração do uso, a verdade é que tem de considerar-se a cedência sempre limitada a certo período de tempo, sob pena de desrespeitar a função social preenchida por este contrato, cuja causa é sempre uma gentileza ou favor, não conciliável com o uso muito prolongado do imóvel. Bastará para isso pensar que um comodato muito prolongado de um imóvel converter-se-ia em doação (indirecta) do gozo da coisa, ou, se fosse para durar por toda a vida da outra parte, o comodato descaracterizar-se-ia em direito de uso e habitação»; ou António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Volume XII - Contratos em especial, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 166 e segs. . na jurisprudência - Ac. do STJ, de 12.06.1996, Sampaio da Nóvoa, Processo n.º 088392; Ac. do STJ, de 16.11.2010, Alves Velho, Processo n.º 7232/04.0TCLRS.L1.S1; Ac. do STJ, de 15.12.2011, Salazar Casanova, Processo n.º 3037/05.0TBVLG.P1.S1; Ac. do STJ, de 22.09.2016, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 1448/12.3TBTMR.E1.S1; Ac. da RC, de 24.04.2018, Moreira do Carmo, Processo n.º 2033/16.6T8CTB.C1; ou Ac. do STJ, de 14.12.2021, Maria João Vaz Tomé, Processo n.º 1580/14.9TBVNG.P1.S2. (conforme alegação expressa das partes), e parecendo resultar dos mesmos que o prédio foi cedido para uso determinado - ser sede do exercício da actividade de advogado do Autor (o que, porém, não foi expressamente alegado por elas) -, deverá este restituir o imóvel aos Réus logo que aquele uso finde (art. 1137.º, n.º 1, do CC) Neste sentido, Ac. do STJ, de 01.03.2012, Pires da Rosa, Processo n.º 689/09.5TBALM.L1.S1. Contudo, defendendo que no empréstimo «para uso determinado», a determinação do uso, contém, ela mesma, a delimitação da necessidade temporal que o comodato visa satisfazer (o uso só é determinado se o for também por tempo determinado ou, pelo menos, determinável), não sendo de considerar como determinado o uso de certa coisa se não se souber - nos casos em que o uso não vise a prática de actos concretos de execução isolada, mas de actos genéricos de execução continuada - por quanto tempo vai durar, caso em que se haverá como facultado por tempo indeterminado - Ac. da RC, de 24.04.2018, Moreira do Carmo, Processo n.º 2033/16.6T8CTB.C1. . Já se, pelo contrário, embora por tempo indeterminado e não obstante o uso que vem sendo feito do imóvel, o Autor e os Réus não acordaram inicialmente que o empréstimo daquele seria para o referido fim específico, e só para ele, terá o Autor de o restituir aos Réus logo que estes o peçam (n.º 2, do art. 1137.º, citado). Contudo, e como correctamente ajuizou o Tribunal a quo, sabendo-se que o dito prédio tem neste momento um valor máximo de mercado de € 350.000,00, com as ditas benfeitorias, e que a realização destas aumentou o seu valor, desconhece-se porém qual seria esse valor objectivo, a esta data, sem a realização delas Recorda-se que, «para ser processualmente reconhecido um crédito por benfeitorias, que têm que estar reunidos (alegados e provados) elementos factuais que permitam classificá-las como necessárias ou úteis; que permitam estabelecer o custo de cada uma delas, o valor que cada uma das despesas acrescentou à coisa e a medida do seu benefício no momento actual (data da entrega)» (Ac. do STJ, de 10.02.2015, Barateiro Martins, Processo n.º 1289/12.8TBACB.C1). Esse desconhecimento não autorizaria, porém, que se julgasse a acção improcedente com base nele, já que o apuramento do aumento do valor objectivo do prédio, em resultado da realização das benfeitorias úteis, sempre poderia ser relegado para posterior incidente de liquidação (nos termos dos arts. 358.º e seguintes, do CPC) Neste sentido (admitindo expressamente o recurso ao incidente de liquidação, para determinação do valor de benfeitorias úteis não passíveis de levantamento, de realização já provada na sentença): Ac. do STJ, de 01.03.2012, Pires da Rosa, Processo n.º 689/09.5TBALM.L1.S1; Ac. do STJ, de 27.09.2012, Fernando Bento, Processo n.º 1696/08.0TBFAR.E1.S2; Ac. do STJ, de 17.11.2015, José Raínho, Processo n.º 480/11.9TBMCN.P1.S1; Ac. do STJ, de 22.03.2018, Tomé Gomes, Processo n.º 336/13.0TBTVD.L1.S1; Ac. da RL, de 10.05.2018, Luís Correia de Mendonça, Processo n.º 869/14.1T8LSB.L1-8; Ac. do STJ, de 10.09.2020, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 19639/17.9T8LSB.L1.S1; Ac. da RL, de 10.09.2020, Laurinda Gemas, Processo n.º 1315/17.4T8ALM.L1-2; ou Ac. da RG, de 13.07.2021, Paulo Reis, Processo n.º 6438/15.1T8GMR.G1.. Dir-se-á, ainda, que não se sufraga igualmente o juízo do Tribunal a quo, quando considera poder compensar o empobrecimento do Autor (AA) (com as despesas tidas com a realização das ditas benfeitorias) com o seu enriquecimento (resultante da ocupação gratuita que vem fazendo do imóvel delas objecto, ao longo dos seus últimos 24 anos). Com efeito, não só a dita ocupação foi desde logo explicada como radicando num contrato de comodato gratuito (que, precisamente por isso, pressupõe a ausência de qualquer contrapartida), como o eventual contra-crédito que assim resultasse para os Réus teria que ter sido expressamente invocado nos autos e pedida a dita compensação, sob pena de indesculpável violação do princípio do dispositivo (arts. 3.º, n.º 1, I parte, e 266.º, n.º 1 e n.º 2, al. c), ambos do CPC). Afastam-se, assim, aqui os motivos do indeferimento da acção, invocados pelo Tribunal a quo. * 5.2.2. Juízo do Tribunal a quoContudo, existe uma outra razão para que direito de indemnização do Autor (AA) não possa ser aqui reconhecido (e/ou os Réus condenados no seu pagamento, como por eles depois peticionado, em ampliação do pedido inicial, admitida pelo Tribunal a quo): o dito direito ainda não se perfectibilizou ou é exigível. Com efeito, e conforme resulta das diversas disposições legais citadas, este direito a ser indemnizado por benfeitorias realizadas em coisa alheia só se perfectibiliza ou vence quando a entrega da mesma é exigida. Só assim se entende que: o cálculo da indemnização por benfeitorias se reporte necessariamente ao momento em que é exigida a dita entrega (arts. 479.º e 480.º, do CC) Neste sentido: . Ac. da RE, de 10.05.1977, CJ, 1977, Tomo III, págs. 546-547, onde se lê que, sem «obrigação de entrega, não haverá, pois, direito a indemnização, como implicitamente se pressupõe na economia do disposto nos arts. 1.273º a 1275º do Cód. Civil, é geralmente reconhecido e se declara mesmo expressamente no Código Civil alemão (§ 1 001)». . Ac. da RL, de 03.07.2003, Pereira Rodrigues, Processo n.º 5767/2003-6 (limitado, porém, às benfeitorias úteis) - onde se lê que o «pagamento de indemnização por benfeitorias úteis que não possam ser levantadas só pode ter lugar quando a coisa regressa à posse do seu titular, por só então se poder verificar o enriquecimento sem causa por parte deste último». ; ou que o direito de retenção que tutela esse crédito (cujo reconhecimento o Autor também pediu nos autos) só assista a quem esteja obrigado a entregar a coisa sobre a qual aquele se constitui, só excepcionalmente se admitindo o seu gozo antes do vencimento do dito crédito (arts. 754.º e 757.º, ambos do CC); ou que, na previsão processual da reconvenção, se afirme que a mesma é admissível quando «o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida» (art. 266.º, n.º 2, al. b), do CPC). Compreende-se que assim seja, já que, tendo «o possuidor o gozo da coisa, cabe-lhe, como é natural, a faculdade de nela fazer benfeitorias, que são alterações - conservações/melhoramentos - trazidos à coisa, enfim, benefícios de que o possuidor, se e enquanto continuar no gozo da coisa, é o primeiro a colher/gozar as respectivas vantagens e utilidades». Admite-se até que, «continuando o possuidor no gozo da coisa, após a realização das benfeitorias, anos a fios», se possa dar o «caso, no limite, de ter sido ele a esgotar/exaurir a totalidade das vantagens e utilidades das benfeitorias por si efectuadas» (Ac. da RC, de 10.02.2015, Barateiro Martins, Processo n.º 1289/12.8TBACB.C1). O exposto mais se justifica no contrato de comodato, de natureza gratuita: resulta do art. 1133.º, n.º 1, do CC, que, se o comodante se deve abster «de actos que impeçam ou restrinjam o uso da coisa pelo comodatário», certo é que «não é obrigado a assegurar-lhe esse uso»; e resulta do art. 1134.º, do CC, que o «comodante não responde pelos vícios ou limitações do direito nem pelos vícios da coisa, excepto quando se tiver expressamente responsabilizado ou tiver procedido com dolo». Logo, e «por força desta regra, a coisa é entregue ao comodatário tal como é ou tal como está; o comodante não está obrigado a colocar a coisa em estado adequado ao uso convencionado; o comodatário recebe a coisa tal como esta se acha, sem que exista para o comodante a obrigação de a pôr em estado de servir (cfr. Larenz, Derecho de Obligaciones. Tomo II, 1959, p. 265; Silva Pereira, Caio Mário, Instituições de Direito Civil, vol.III, 10ª ed., p. 215)»; e, «por via desta regra, é ao comodatário que compete preparar e adequar a coisa para o uso convencionado, realizando as obras para tal necessárias» (Ac. do STJ, 27.09.2012, Fernando Bento, Processo n.º 1696/08.0TBFAR.E1.S2). Justifica-se, por isso, que só no fim do contrato, quando deva entregar a coisa, é que se perfectibilize ou vença o respectivo direito à indemnização por benfeitorias que tenha realizado. Ora, em parte alguma dos autos o Autor (AA), ou os Réus (BB e CC), alegaram ter sido posto termo ao contrato de comodato, por tempo indeterminado, que celebraram, exigindo estes simultaneamente daquele a entrega do prédio dele objecto. Limitaram-se, uns e outros, a afirmar que os Réus se tinham divorciado e iriam proceder a partilhas, pretendendo todos ver os eventuais direitos que assistissem ao Autor judicialmente declarados, o que é, claramente, insuficiente para este efeito. Logo, e com este preciso fundamento (de não perfectibilização ou vencimento do direito de indemnização do Autor) apenas pode proceder o primeiro pedido formulado nos autos (de reconhecimento de ter o Autor realizado benfeitorias necessários e úteis, no prédios dos Réus, despendendo para o efeito a quantia global de € 252.012,00, benfeitorias essas que não são passíveis de levantamento sem detrimento do imóvel), improcedendo o segundo pedido formulado, com a ampliação de que depois foi alvo (de reconhecimento de um direito de crédito do Autor, de € 252.012,00, sobre os Réus, por realização das ditas benfeitorias, e condenação solidária destes no seu pagamento). * 5.2. Direito de retenção5.2.1. Definição legal Lê-se no art. 754.º, do CC, que «o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesa feitas por causa dela ou de danos por ela causados». O direito de retenção, aqui consagrado, depende assim da verificação cumulativa de três requisitos positivos: a detenção lícita de uma coisa alheia que deva ser entregue a outrem; apresentar-se o seu detentor, simultaneamente, credor da pessoa com direito à entrega; e a existência de uma conexão directa e material entre o crédito do detentor e a coisa detida, quer dizer resultante de despesas realizadas com ela ou de danos produzidos pela mesma. Precisando o primeiro requisito (detenção lícita de uma coisa alheia que deva ser entregue a outrem), dir-se-á que o direito do possuidor à indemnização pelas benfeitorias «só pode ser exercido quando o proprietário reivindica triunfantemente a coisa, sendo como que um contra-direito relativamente à pretensão reivindicatória» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 43). Precisando ainda o terceiro requisito (conexão entre os créditos reclamados e a coisa que deveria ser entregue e é retida), dir-se-á que se exige por ele que «o crédito do detentor esteja directamente conexionado com a coisa detida, devendo resultar de despesas feitas por causa dela ou por danos por ela causados». Não basta, pois, «a simples existência de um crédito a favor do detentor, nem sequer que esse crédito se relacione de uma forma ou de outra com a coisa detida»: é «imperioso que a dívida, cujo cumprimento se procura garantir com o direito de retenção, tenha tido origem na própria coisa, tendo por objecto o reembolso de despesas e ou a indemnização de danos por ela suscitados». Logo, entre «a coisa cuja restituição é pedida e o crédito deve interceder uma relação de causa a efeito, apresentando-se ambos interligados por uma autêntica conexão material ou objectiva (debitum cum rem junstum)» (Ferrer Correia e Joaquim Sousa Ribeiro, «Parecer - Direito de Retenção Empreiteiro», CJ, Ano XIII, Tomo I, p. 17, com bold apócrifo) No mesmo sentido, Menezes Leitão, Direitos Reais, Almedina, 2009, págs. 500 e segs. Contudo, o legislador entendeu ainda consagrar certos casos especiais de direito de retenção, nomeadamente porque relativamente a alguns deles não existiria, ou se diluiria, a referida conexão objectiva entre a coisa e o crédito, justificando-se, porém, a garantia (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, pág. 975). Trata-se, em regra, de créditos nascidos no seio de uma relação contratual, que necessariamente implicam um importante alargamento do campo de aplicação do direito de retenção, e da sua importância prática. São estes os casos previstos no art. 755.º, do CC, reportando-se a sua alínea e) ao «depositário e [a]o comodatário, sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues em consequência dos respectivos contratos, pelos créditos deles resultantes. Mais se lê, no art. 757.º, do CC, que o «devedor goza do direito de retenção, mesmo antes do vencimento do seu crédito, desde que entretanto se verifique alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo» (n.º 1), sendo que o «direito de retenção não depende da liquidez do crédito do respectivo titular» (n.º 2). Logo, o direito de retenção assegura créditos caracterizados pela exigibilidade, não obstando porém à sua outorga a respectiva iliquidez. * 5.2.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)Concretizando, e fazendo apelo a quanto se deixou já dito, verifica-se que, não obstante a efectiva realização, pelo Autor (AA), de benfeitorias num prédio dos Réus (BB e CC), que ocupa mercê de um contrato de comodato, este permanece vigente e eficaz, não lhe tendo sido posto termo ou exigido pelos Réus, por qualquer outro título, a restituição do imóvel dele objecto, que o Autor continua a ocupar. Ora, não se tendo ainda perfectibilizado ou vencido um direito de crédito do Autor (AA) pelas benfeitorias que nele realizou, não goza por isso de qualquer direito de retenção sobre o imóvel Neste sentido, Ac. da RG, de 08.02.2018, Maria Amália Santos, Processo n.º 96/14.8TBAMR.G1, onde se lê que o «direito de retenção da A. sobre o imóvel por crédito de benfeitorias só surge no momento em que surgir aquele crédito, pelo que só a partir dessa data fica a A. legitimada a retê-lo», por igualmente não se verificar qualquer uma das excepções previstas na lei para o efeito. Logo, e com este preciso fundamento (de não existência ou exigibilidade de qualquer direito de crédito do Autor) não pode deixar de improceder o terceiro e último pedido formulado nos autos, de reconhecimento do direito de retenção do Autor (AA) sobre o prédio dos Réus (BB e CC), onde realizou benfeitorias, até que lhe fosse pago alegado crédito relativo às mesmas, no valor de € 252.012,00. * Importa, assim, decidir em conformidade, pela parcial improcedência e pela parcial procedência do recurso do Autor (AA).* VI - DECISÃOPelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente improcedente e parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor (AA) e, em consequência, em: · Revogar parcialmente a sentença recorrida, por forma a declarar e reconhecer que o Autor (AA) realizou benfeitorias necessárias e úteis no prédio dos Réus (BB e CC), que ocupa por contrato de comodato, despendendo para o efeito a quantia de € 252.012,00, benfeitorias essas que não são passíveis de levantamento sem detrimento do dito prédio. · Confirmar o remanescente da sentença recorrida (isto é, o seu juízo de improcedência quanto aos demais pedidos formulados pelo Autor). * As custas da apelação são a cargo do Recorrente, já que, na parte em que teve vencimento, o proveito foi seu, sem dedução de qualquer oposição pelos Réus (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC).* Guimarães, 19 de Janeiro de 2023. O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes. |