Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2/16.5T8MLG.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
MEDIAÇÃO DE SEGUROS
TRANSMISSÃO DE CARTEIRA DE SEGUROS
CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE CARTEIRA DE SEGUROS
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO PELA TRANSMITENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Nos termos do art. 44º do Dec.-Lei nº 144/2006 de 31/07 a transmissão de carteira de seguros entre mediadores pressupõe a prévia comunicação escrita pelo transmitente dessa intenção às seguradoras com as quais trabalha e aos tomadores de seguros, a obtenção da concordância destes e que o transmissário se encontre em condições de poder exercer a atividade de mediação quanto aos referidos contratos de seguro.

II – Assim, o acordo escrito que alude a venda de carteira de seguros por determinado preço, pago uma parte na data desse acordo e o remanescente na data em que a transferência deve estar concluída; a diligências necessárias e exigidas pelo I.S.P. a levar a cabo pela transmitente e à restituição da quantia entregue na data do acordo em caso de não transferência de carteiras de seguros, designadamente pelo facto das companhias de seguros envolvidas não aceitarem tal transferência, terá que ser havido como contrato promessa de compra e venda de carteira de seguros.

III – Incumpre definitivamente a transmitente que não procede às comunicações previstas no nº 2 do art. 44º da Lei nº 144/2006 de 31/07 e que entretanto cancela o seu registo de mediador de seguros.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

J. E., Mediação de Seguros Unipessoal, Lda., com sede no Largo …, da união das freguesias da … e …, do concelho de Melgaço, instaurou acção declarativa com processo comum contra M. B. e marido, C. B., residentes no lugar de …, da freguesia de …, concelho de Melgaço, pedindo que:

a) se declare resolvido o contrato de compra e venda da carteira de seguros, celebrado entre a autora e a ré, em 11/10/2013, e ao qual se alude no artº 3º da petição inicial, formalizado por via do documento intitulado “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO”;
b) se condenem os réus a restituírem à autora as quantias de € 15.000,00 (€ 5.000,00 + € 10.000,00), aludida nos artº 18º, 33º e 48º da petição (quantias entregues pela autora à ré); de € 1.920,00, referida no art. 74º da petição (rendas); de € 1.269,46, referida no artº 76º (despesas com luz, agua, telefone e internet), acrescidas dos juros de mora respectivos, à taxa legal, ora de 4% ao ano, desde a citação, até efectivo e integral pagamento;
c) e, bem assim, a pagarem à autora, a título de indemnização, a quantia de € 5.000,00, à qual se alude no artº 77º e 82º da petição (prémio não recebido da Y) e a quantia de € 12.886,33, referida no artº 86º (comissões não auferidas entre finais de Janeiro de 2014 e Fevereiro de 2015), acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, de 4% ao ano, desde a citação, até efectivo e integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, a celebração com a ré de um contrato de compra e venda de carteira de seguros, que a ré não cumpriu, incorrendo em responsabilidade civil contratual, sendo que desse incumprimento advieram-lhe prejuízos.
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Os réus ofereceram contestação impugnando os factos alegados pela autora, deduzindo reconvenção nos termos da qual pediram:

- a condenação da autora no pagamento da quantia de € 42.404,87, a título de indemnização por danos emergentes e lucros cessantes decorrentes do incumprimento desta;
- mais pedem a condenação da autora em multa e indemnização como litigante de má-fé.
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A autora replicou tendo aí pedido a condenação dos réus no pagamento de multa e indemnização como litigantes de má-fé.
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Realizou-se audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto da causa e foram enunciados os temas da prova.
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Após realização de julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra:

“1. Pelo exposto, o Tribunal decide julgar improcedente, por não provada a presente acção, e, em consequência decide absolver os Réus dos pedidos contra si formulados.
2. Mais se decide julgar improcedente a reconvenção, absolvendo-se dos seus pedidos a Reconvinda.
3. Custas da acção a cargo da A.
Custas da reconvenção a cargo da Ré.
4. Registe e notifique.”
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Não se conformando com esta sentença veio a autora dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“l - decisões judiciais vão havendo que ferem o mais elementar sentimento de justiça, e a decisão recorrida é uma delas, daí o inconformismo da autora em aceitá-la, e a necessidade de trazer perante VOSSAS EXCELÊNCIAS, o caso ora em apreço, inteiramente convicta que a justiça, como se impõe, acabará por se fazer;
II - a Meritíssima Juiz a quo, manifestamente, não analisou, não ponderou, nem conjugou devidamente todos os elementos de prova existentes nos autos, não fazendo, de igual modo, a correcta subsunção da matéria fática a considerar, ao direito aplicável;
III - desde logo, fez tábua rasa da confissão dos réus expressa na contestação/reconvenção (art°s 11° e 12°) a qual foi aceite, especificadamente, pela autora na réplica (art°s 11°, 12°,13° e 14°), para não mais poder ser retirada, não lhe fazendo sequer qualquer referência na decisão recorrida;
IV - bastará no entanto tal confissão, ou até mesmo o constante do doc.n° 3, junto com a petição inicial (declaração-compromisso), para que a tese da autora venha a obter provimento;
V - a decisão recorrida, assentou apenas e tão só, na mera convicção, infundamentada, porque não suportada pela prova produzida, do julgador;
VI - contra tudo aquilo que seria expectável, a Meritíssima Juiz a quo, convenceu-se que a pretensão da autora não podia, in casu, ter acolhimento, partindo daí para ir colher à prova produzida, apenas partes que, descontextualizadas; e não compaginadas com as demais provas existentes nos autos e produzidas em sede de audiência de julgamento, pudessem sustentar essa sua convicção;
VII - apesar da completa injustiça da decisão recorrida, a autora não pode deixar aqui de frisar que, dado o modo como a audiência de julgamento, foi conduzida pela Meritíssima Juiz a quo, a improcedência da acção, tenha constituído uma surpresa para a autora;
VIII - de facto, bastará ouvir-se a gravação da audiência de julgamento, mormente as intervenções, as observações, da Meritíssima Juiz a quo, o modo exaltado, aos gritos, com que se dirigiu ao legal representante da autora, às testemunhas C. P. e S. D., rindo-se mesmo das suas afirmações, pondo, desde logo, em causa, a veracidade das mesmas, quando nada, mas mesmo nada, há que tal justifique, muito pelo contrário, para facilmente se concluir que este seria, em primeira instância, o desfecho desta acção;
IX - pelas razões assinaladas em 3.1.a), 3.1.b), 3.1.c), 3.1.d), 3.1.e), 3.1.f), 3.1.g), 3.1.h), 3.1.i), 3.1.j) e 3.1.1), aqui, por razões de economia processual, dados por integralmente reproduzidos, os pontos da matéria de facto aí assinalados, mostram-se incorrectamente dados como provados, impondo-se sejam julgados como aí apontado se deixa;
X - de igual modo, pelas razões assinaladas em 3.2.a), 3.2.b), 3.2.c), 3.2.d), 3.2.e), 3.2.f), aqui, outrossim por economia processual dados como integralmente reproduzidos, os pontos da matéria de facto assinalados mostram-se incorrectamente julgados, impondo-se darem-se os mesmos ,como provados;
XI - para além da matéria fáctica apurada resultante da procedência da impugnação da decisão sobre ela proferida, nos termos alinhados em 3.1. e 3.2. supra, impõe-se ainda dar-se como provada toda a matéria fáctica resultante da confissão dos réus vertida nos art°s 11° e 12° da contestação/reconvenção, e que expressamente aceite se mostra pela autora nos art°s 11°, 12°, 13° e 14° da réplica, para não mais poder ser retirada;
XII - de facto, os réus expressamente confessam o vertido nos art°s 1°, 3°, 4°, 5º, 6°, 7°,13°, 18°, 19°, 20°, 21°, 22°, 33°, 34° e 35°, da petição inicial, bem como o alinhado nos art°s 43°, 46°, 66° e 67°, também desse articulado, pelo que, provada por confissão também se mostra toda a matéria fáctica alinhada nesses artºs da petição inicial, e que transcrita se mostra em 4.1., supra, aqui dada por reproduzida por razões de economia processual;
XIII - também o constante de 9° da declaração-compromisso (doc. nº 3, junto com a petição inicial), terá de incluir-se em factos provados, não se descortinando, de resto, porque razão a Meritíssima Juiz a quo transcreve para a matéria de facto dada como provada todo o teor desse doc. n° 3,omitindo apenas o constante de 9° desse documento, quando é certo que o aí estipulado reveste importância fulcral para o desfecho do presente pleito;
XIV - pelas razões assinaladas em 5., supra, aqui, por razões de economia processual, dadas por reproduzidas, os elementos de prova em que a Meritíssima Juiz a quo, tal como emana da Motivação da sentença recorrida, fez assentar a sua convicção, não consentem de julgue a acção, como se julgou em primeira instância, improcedente;
XV – desde logo, o depoimento de parte da ré, está prenhe de contradições, que referenciadas em 5., supra se deixam, aqui dadas por reproduzidas, e que inquinam todo o seu depoimento;
XVI - de igual modo, o depoimento da testemunha F. P., também pelos motivos aduzidos em 5., supra, aqui dados por reproduzidos, se, por um lado, não foi desinteressado, sendo ele, como era, um dos interessados em que o negócio em causa se não consumasse, por outro, do seu depoimento, nada, em boa verdade, se extrai que possa conduzir à improcedência da tese da autora, o mesmo, de resto, sucedendo com o depoimento da testemunha F. F.:
XVII - por outro lado, não se deu qualquer crédito ao depoimento prestado pelo legal representante da autora, nem aos depoimentos das testemunhas S. D. e C. P., os quais, diga-se, não foram tratados pela Meritíssima Juiz a quo, com a urbanidade que se impõe, nada, porém, havendo, que tal justifique, bastando, para tanto, que se ouçam as gravações respectivas, para que facilmente aquilatar se possa da falta de justeza das das observações que lhes foram endereçadas e o modo como as suas declarações foram acolhidas pelo Tribunal a quo;
XVIII - pese embora a Meritíssima Juiz a quo se ter veementemente insurgido contra o depoimento da testemunha S. D., dizendo-lhe mesmo a maus modos, que não esperasse que o Tribunal acreditasse no seu depoimento, o certo é que, pelas razões apontadas em 5, supra, aqui dadas por reproduzidas, o relatado por esta testemunha ao Tribunal, mormente o episódio com o segurado P. B., viria a ser confirmado pelo ofício junto aos autos de 01.02.2018
XIX - a sentença recorrida fez ainda assentar a decisão proferida sobre a matéria de facto, em documentos destituídos de qualquer valor probatório, nomeadamente nos que se encontram juntos aos autos a fls. 320 a 324 e 327 a 330, deles extraindo conclusões e ilacções que uma análise cuidada dos mesmos, quando compaginada com os demais elementos de prova produzidos, manifestamente não consente;
XX - atenta a matéria fáctica a considerar, é por demais evidente que a procedência da presente acção se impõe;
XXI - de facto, pelas razões apontadas em 6., supra, aqui dadas por reproduzidas, mostram-se sobejamente provados os temas da prova fixados na audiência prévia de 14.09.2016 e que à autora incumbia provar;
XXII - mas mesmo que, entendido assim não venha a ser, o que se não concede e só por mera hipótese de raciocínio se coloca, então, visto o constante da declaração-compromisso (doc.nº 3, junto com a petição inicial), e pelas razões apontadas em 6., supra, aqui dadas por reproduzidas, sempre a resolução do contrato de compra e venda da carteira de seguros, com a consequente condenação dos réus a restituirem à autora aquilo que, por conta do preço dela receberam, no montante de € 15.000,00, se impõe;

XXIII - finalmente mostram-se violadas as seguintes disposições legais:

- art°s 341°, 342°, 352°, 355°, 358° nº 1.376°, 801°, 808°, todos do Cód. Civil, artº 44° n° 2 a) e b) do Dec. Lei nº 144/2006, de 31/07, com as alterações introduzidas pelo Dec.Lei n° 359/2007, de 2111 e Lei n° 46/2011, de 24/06; e
– arts 465°, do Cód. Proc. Civil.”

Pugna pela revogação da sentença recorrida que deve substituída por Acórdão que declare resolvido o negócio celebrado por autora e ré, que condene os réus a restituírem à autora de € 15.000,00.
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Foram apresentadas contra-alegações que pugnam pela confirmação da sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do/a recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Apurar se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto;
B) E se houve erro na subsunção jurídica.
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. A autora é uma sociedade comercial, unipessoal, por quotas, de responsabilidade limitada, que se dedica à actividade de mediação de seguros, actividade que exerce na sua sobredita sede, na …, encontrando-se devidamente inscrita na Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões-ASF (outrora Instituto de Seguros de Portugal) – doc. nºs 1 e 2.
2. Por seu turno, também a ré exerceu essa mesma actividade de mediação de seguros, na Rua …, também na ….
3. No exercício dessas suas actividades, entre autora e ré, em 11/10/2013, foi celebrado o contrato de compra e venda de carteira de seguros, formalizado por via do documento, intitulado de “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO”, junto como documento nº 3 com a petição inicial (fls. 14 e ss).
4. Como dessa “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO” emana, a ré, porque pretendia cancelar essa sua actividade de mediação de seguros, e, concomitantemente, a sua inscrição no Instituto de Seguros de Portugal (ora ASF), o que sucederia até finais de Janeiro de 2014, vendeu à autora a carteira de seguros de que era detentora.
5. Por essa venda ficou acordado que a autora pagaria à ré o valor correspondente a 1,5 vezes o valor ilíquido da totalidade das comissões auferidas, durante o ano de 2013.
6. Nos termos do contrato, o valor referido em 1.5. seria pago como segue:
- € 5.000,00, na data da assinatura da sobredita “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO”, ou seja, em 11/10/2013; e
- o restante, até finais de Janeiro de 2014.
7. De igual modo, ficou acordado que a venda da carteira de seguros em causa, se processaria como segue, ou seja:

a) transferindo todos os contratos de seguro para a Companhia de Seguros Y, SA, através da autora, ficando aqueles, por conseguinte, integrados e a constituir a carteira de seguros da autora (segunda declarante), o que sucederá até finais de Janeiro de 2014;
b) comprometendo-se, para esse efeito, a ré, a levar a cabo tudo quanto necessário a esse fim, designadamente propondo a todos os segurados da carteira de seguros de que era detentora, essa transferência, e na data do vencimento das apólices respectivas;
c) para esse efeito a Companhia de Seguros Y, SA criará uma conta onde ficarão todos os contratos provenientes da carteira de seguros, de que a primeira declarante (ora Ré) é detentora.
d) e, para a hipótese dessa transferência não se concretizar na sua íntegra, a ré obrigou-se a levar a cabo todos os procedimentos necessários e que exigidos fossem pelo Instituto de Seguros de Portugal (ora ASF), com vista à afectação de todos os contratos de seguros que integram a sua carteira de seguros à carteira de seguros da segunda declarante.
8. A ré obrigou-se ainda a proceder ao cancelamento da sua inscrição, como mediadora, no Instituto de Seguros de Portugal (ASF) até finais de Janeiro de 2014, data em que deveria estar operada a transferência da carteira de seguros da primeira para a segunda declarante, na sua totalidade.
9. Por via da citada “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO”, a autora obrigou-se a, durante o período de tempo em que perdurasse a transferência dos contratos de seguros, a pagar a renda do local onde a ré vinha exercendo a sua actividade de mediação de seguros, no valor de € 120,00 mensais, bem como as despesas de luz, água, telefone e internet, despendidas nesse local, e conquanto o fossem no, e por causa, do exercício dessa actividade.
10. A ré, na qualidade de transmitente, em face da acordada transmissão da carteira de seguros para a autora, não procedeu por escrito à comunicação da transmissão da carteira de seguros e com antecedência mínima de 60 dias às empresas de seguros da entidade do mediador transmissário, tendo-o feito verbalmente aos tomadores de seguros.
11. A autora, em 12/02/2014, e por conta do valor aludido em 1.6. entregou à ré mais € 10.000,00 – doc. nº 5, fls. 16 vº.
12. Pelos meses de Março/Abril de 2014 a K Seguros S.A., tendo tido conhecimento do contrato celebrado entre as partes, retirou os poderes de cobrança à sua agente/mediadora, ou seja, à aqui ré, tendo, disso, informado os respectivos clientes (os tomadores que integravam a carteira de seguros a transferir ao autor), passando, esses mesmos clientes, a ser contactados por um outro agente dessa Companhia (de igual modo a exercer a sua actividade de mediação na …).
13. Em 05/12/2014 a ré lançou mão da notificação judicial avulsa constante de fls. 21 e ss., a que a autora respondeu nos termos constantes de fls. 26 V e ss..
14. Os proventos que a ré vinha retirando da sua actividade de mediação de seguros, revertiam em proveito comum do casal composto pelos réus, destinando-se aqueles proventos a fazer face às despesas diárias, pelo menos as normais, do agregado familiar da ré, e, como tal, do réu marido, sobretudo com alimentação, saúde, vestuário e habitação.
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15. A carteira de seguros apenas podia ser transferida à medida e aquando da data do vencimento das apólices respectivas – cfr. cláusula 5ª, al. b) do contrato.
16. A ré mulher entregou o escritório ao senhorio em Dezembro de 2014 e procedeu à suspensão de inscrição de mediador de seguros no início de 2015, com data efeito a partir de 02/03/2015 (cf. doc. de fls. 319).
17. A ré mulher dedicou-se com carácter de exclusividade e escopo lucrativo à actividade de mediação de seguros, tendo estado devidamente inscrita no INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL, tendo entregue as instalações onde exercia a sua actividade ao senhorio em Dezembro de 2014.
18. Embora não tenha sido transferida a totalidade dos contratos, tal sucedeu porque clientes houve que não queriam o novo mediador (a autora) e outros que não queriam a mudar para a “COMPANHIA DE SEGUROS Y” e, outros ainda que não queriam, nem o mediador, nem a Y.
19. Para a referida transferência, a ré levou a cabo todas as diligências junto dos clientes seus segurados dando a devida nota da transferência de seguros operada na data do vencimento de cada uma das apólices que possuía.
20. Na data acordada para a conclusão do contrato, 31/01/2014, a ré obrigou-se a proceder ao cancelamento da sua inscrição como mediadora no ISP.
21. Sucedeu porém que, precisamente desde os finais de Janeiro de 2014, mas antes de 31/01/2014, a autora começou por informar a ré que iria ceder a sua posição contratual a terceiro, terceiro esse que era, pelo menos ao tempo, a namorada do legal - representante da autora, S. D., uma vez que pretendia manter-se como mediador em regime de exclusividade com a COMPANHIA DE SEGUROS “Y” e, por tal facto, não podia ser titular da carteira de clientes da ré mulher, facto este (a manutenção do regime de exclusividade da autora para com a “Companhia de Seguros Y”) que apenas foi revelado em finais de Janeiro, meses após a celebração do contrato.
22. Para o efeito, e segundo a autora, a referida S. D. iria ser proposta para tirar o curso de mediadora junto do ISP, o qual teria apenas o seu início em Abril de 2014, e que concluiria no Verão de 2014.
23. A ré mulher aguardou em conformidade as condições para se operar tal cessão, continuando a transferir a sua carteira de seguros para a autora.
24. A autora não liquidou a segunda prestação acordada na data do respectivo vencimento.
25. Por outro lado, clientes houve que não aceitaram a transferência para a autora e passaram para a concorrência.
26. Ao longo do ano de 2014 a autora começou a ver a sua carteira de clientes crescer e a ré a ver a sua a esvaziar-se dia após dia.
27. Após a celebração do contrato, mais exactamente no início do mês de Fevereiro de 2014, a ré entregou à autora, na pessoa do seu legal – representante, uma chave do escritório, para que o mesmo pudesse atender a clientela e proceder à respectiva transferência.
28. Por carta registada de 13/08/2014, e para evitar o recurso a meios judiciais, a ré interpelou a autora para o pagamento do quantitativo de € 10.677,24 e consequentemente para o integral cumprimento do contrato. (doc. 9).
29. Após a celebração do contrato, mais exactamente no início do mês de Fevereiro de 2014 a requerente entregou à autora, na pessoa do seu legal – representante, uma chave do escritório, para que o mesmo pudesse atender a clientela e proceder à respectiva transferência.
30. A autora, quando celebrou o contrato, era mediadora exclusiva da Companhia de Seguros Y e não quis nunca abdicar dessa exclusividade e pretendeu que terceiro assumisse a posição contratual.
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31. A supra referida S. D. está inscrita no Instituto de Seguros de Portugal desde 17/06/2014.
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Foram considerados não provados os seguintes factos:

2.1. A ré exerceu a actividade de mediação de seguros até Fevereiro de 2015.
2.2. O preço total do contrato celebrado entre as partes ascendeu a € 19.329,50.
2.3. A ré, começou a dar mostras de não encetar as diligências necessárias à concretização da transferência da carteira de seguros em causa: ao invés de contactar, nos termos acordados, os tomadores dos contratos de seguros a transferir para a autora, passou a ausentar-se do local (escritório) onde vinha exercendo a sua actividade (designadamente viajando para o estrangeiro), o qual, por conseguinte, amiudadas vezes passou a encontrar-se encerrado.
2.4. Chegados a finais de Janeiro de 2014 a ré não havia operado a transferência da carteira de seguros em causa para a autora.
2.5. A ré, volvidos os finais de Janeiro de 2014, continuava detentora da carteira de seguros em causa, mas, ao mesmo tempo, deu em pretender exigir do autor o pagamento do restante valor da venda da carteira de seguros, com o argumento de que havia ficado a constar da dita “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO” que esse valor seria pago até finais de Janeiro de 2014.
2.6. Malgrado isso a autora estava até disposta pagar esse valor, logo que, e ao menos, a ré enviasse, quer para as companhias de seguros, de que era mediadora, quer para os tomadores dos contratos de seguros em causa, as comunicações que se impunham, e, por isso, mesmo antes de estar integralmente operada a transferência da dita carteira de seguros.
2.7. Porém, e como a ré garantiu à autora que passaria, de imediato, a diligenciar pelo envio das reditas comunicações, esta, para evitar qualquer impasse na concretização da dita transferência, até porque, em virtude de compromissos que havia assumido, necessitava que a mesma se operasse sem mais demora, em 12/02/2014 entregou à ré mais € 10.000,00, ficando, o restante, no montante de € 4.239,50, para ser entregue aquando da concretização da transferência, para a autora, da falada carteira de seguros.
2.8. Sucede que o tempo ia transcorrendo, sem que a ré diligenciasse pelo envio das comunicações supra aludidas, de modos a que, a transferência da carteira de seguros se pudesse, finalmente, operar.
2.9. E, enquanto isso, se, por um lado, era o autor quem arcava com as despesas a que se havia obrigado por força do estipulado contratualmente, pagando a renda, a luz, a água, o telefone e internet.
2.10. Por outro, quem ia recebendo as comissões atinentes aos contratos de seguro que integravam a carteira de seguros em causa (a qual, desde finais de Janeiro de 2014, deveria ter passado a integrar a da autora), era a ré.
2.11. A ré jamais teve intenção de transferir a sua carteira de seguros e, concomitantemente, cancelar a sua inscrição no Instituto de Seguros de Portugal (ASF), voltou a estabelecer contacto com esses tomadores de seguros, incitando-os a regressarem à carteira de seguros dela, o que veio a suceder.
2.12. A ré continuou a deter a carteira de seguros objecto da redita “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO” e, concomitantemente, a auferir as comissões respectivas, atinentes aos contratos de seguros que a integram.
2.13. Durante uns 16 meses, vale dizer, desde a data da celebração da redita “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO”, até Janeiro de 2015, quem suportou as despesas com a renda, luz, água, telefone e internet, referentes ao local onde a ré exercendo vinha a sua actividade de mediação de seguros, foi a autora.
2.14. Toda a conduta da ré, supra descrita, e que culminou na revogação dos poderes de cobrança por parte da companhia de seguros K, levou a que, muitos dos segurados acabassem por transferir os seus contratos de seguro para outros mediadores.
2.15. A ré, após a outorga da falada “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO”, manteve o local onde exercendo vinha a sua actividade, amiudadas vezes, encerrado.
2.16. Em Fevereiro de 2015 deixou de exercer a sua actividade de mediação, no local, onde, e sempre, até então, o havia exercido, passando a fazê-lo na sua casa de morada, sita numa outra freguesia, a uns 10Km daquele, o que acarretando incómodos e transtornos para os segurados, vários houve que, também por esse motivo, deixaram de figurar entre os constantes da redita carteira de seguros.
2.17. A autora despendeu em rendas, a quantia total de € 1 920,00, dado que, a esse título, a autora entregou à ré, em dinheiro, e durante 16 meses, a quantia de € 120,00.
2.18. Quanto às despesas suportadas com luz, água, telefone e internet:
-em luz, o montante de € 510,65;
-em água, o valor de € 51,98;
-em telefone e internet a quantia de € 706,83, num total de € 1 269,46.
2.19. A autora, e porque havia celebrado em 11/10/2013, o contrato de compra e venda da carteira de seguros de que a ré era detentora, e nos termos constantes da dita “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO”, aquando do preenchimento do orçamento para 2014, apresentado à Companhia de Seguros Y, de que é mediadora, assumiu o compromisso de aumentar o valor da sua carteira de seguros em € 50.000,00, o que se traduziria, em receber, no ano de 2015, e por parte dessa Companhia de Seguros, e a título de prémio, a quantia de € 5.000,00.
2.20. Compromisso que se revelou impossível cumprir, na medida em que a ré jamais operou, como se lhe impunha, a transferência da sua carteira de seguros para a autora, o que redundou num prejuízo para esta, de € 5.000,00.
2.21. O autor também deixou de auferir, e desde finais de Janeiro de 2014 e, ao menos, até Janeiro de 2015, as comissões referentes aos contratos de seguros que integravam a carteira de seguros a transferir, no montante de € 12.886,33.
2.22. A autora apenas teve conhecimento do facto descrito em 12 em Setembro/Outubro de 2014.
2.23. O valor do negócio acordado por requerente e requerido ascendeu ao montante de € 21.330,01.
2.24. Os réus sofreram um prejuízo de € 48.000,00 correspondente ao valor da carteira de clientes perdida.
2.25. Já depois de ultrapassado o prazo para a conclusão do negócio, e uma vez que os meses iam passando a autora comprometeu-se ainda a, até à conclusão da transferência, compensar a ré mulher, liquidando as prestações relativas aos descontos que esta mensalmente fazia e faz junto da SEGURANÇA SOCIAL, bem como as comissões referentes às apólices pendentes vencidas e vincendas até efectivo e integral cumprimento, no decurso do ano de 2014.
2.26. A requerente teve e tem ainda que suportar o seguro de responsabilidade civil profissional enquanto mediadora de seguros, como o seguro sobre o recheio do escritório.
2.27. Em face do não cumprimento pela autora do contrato, os réus suportaram um prejuízo no montante global de € 12,404,87, nomeadamente: a) Falta de pagamento parcial do contrato celebrado - € 5.580,08; b) Comissões até 31/12/2013 - € 749.93; c) Comissões até 30/09/2014 - € 2,150,00; d) Renda do escritório respeitante aos meses de Fevereiro a Novembro de 2014 - € 720,00; e) Água, luz, telefone e internet do escritório - € 872,76; f) Segurança Social - € 1,861,30; g) Seguro de responsabilidade civil profissional - € 333,50; h) Seguro do recheio do escritório - € 87,30; i) Taxa paga ao Instituto de seguros de Portugal - € 50,00.
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A) Reapreciação da matéria de facto

Insurge-se a apelante contra o facto de o tribunal a quo não ter atendido à matéria que resulta confessada face aos art. 11º e 12º da contestação reconvenção e art. 11º a 14º da réplica, a cláusula 9ª da “declaração-compromisso”; contra os factos provados nº 10, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 30 e os factos não provados nº 2.1, 2.2, 2.3, 2.4, 2.5, 2.6, 2.8, 2.9, 2.10, 2.11, 2.12, 2.13, 2.14, 2.15, 2.17, 2.18, 2.19, 2.20, 2.21.
Os apelados pronunciaram-se pela correcta apreciação da matéria de facto pelo tribunal recorrido.

Vejamos.

O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).

Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência.

A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.

Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.

Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Assim sendo, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Tendo por base estas considerações e ouvida a prova importa analisar um a um os factos acerca dos quais a apelante discorda.
- matéria alegadamente confessada face aos art. 11º e 12º da contestação/reconvenção e art. 11º a 14º da réplica.

Nos termos do art. 574º nº 1 do C.P.C. o réu tem o dever de tomar posição perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (a qual é constituída pelos factos essenciais), e apenas quanto a estes. Nos termos do nº 3 do mesmo preceito, quando se trate de facto pessoal ou que o réu deva ter conhecimento, se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real esta declaração equivale a confissão.

Ora, “Constitui facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento, não só o ato praticado por ele ou com a sua intervenção, mas também o ato de terceiro perante ele praticado (incluindo a declaração escrita que lhe seja endereçada), ou o mero facto ocorrido na sua presença, e ainda o conhecimento de facto ocorrido na sua ausência (sem prejuízo de este, em si mesmo, não ser um facto pessoal: o réu apenas terá de tomar posição definida sobre o facto conhecimento). Pretendendo-se com a expressão “de que o réu deva ter conhecimento” cobrir os casos em que, pela natureza do facto e pelas circunstâncias concretas em que ele se produziu, o juiz deve entender, segundo o seu prudente arbítrio, usado em conformidade com as regras da experiência, que a parte dele teve conhecimento, tal expressão mais não estabelece do que a presunção de que determinado facto, não consistente em ato praticado pela própria parte, lhe é pessoal, isto é, caiu no âmbito das suas perceções, pelo que, em lugar de exprimir o segundo membro de uma dicotomia de conceitos, fundado num dever ético de conhecimento, vem apenas reforçar o conceito de facto pessoal.” – José Lebre de Freitas, Isabel Alexandre – Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., Almedina. P. 573.

Assim sendo, se é verdade que o alegado no art. 40º da p.i. – retirada de poderes de cobrança à ré – é um facto que lhe foi comunicado, logo é um facto pessoal que esta tem de conhecer, já o alegado nos art. 41º, 42º, 44º da p.i. – contactos aos clientes da ré por outro mediador da K; transferência destes seguros para outros mediadores, para a K ou para outras companhias; contactos feitos pela autora a alguns tomadores logrando a transferência de seguros para a sua carteira – não corresponde a factos essenciais (mas instrumentais) que necessariamente tenham tido a intervenção da ré, tenham sido por ela presenciados ou que deles ela tenha ou deva ter conhecimento (o art. 44º da p.i. corresponde a facto conclusivo que não deve ser atendido).

Em contrapartida o alegado no art. 46º da p.i. – a ré contactou os tomadores de seguros que haviam sido seus clientes e que haviam sido transferidos para a Y incitando-os a regressarem à sua carteira, o que veio a acontecer -, é um facto pessoal, pois só por ela podia ser praticado. Não tendo os réus cumprido o seu ónus de impugnação deste facto essencial, nos termos do nº 3 do artigo referido, o mesmo terá que ser considerado como confessado.

Assim, há que eliminar a parte final do facto não provado nº 2.11 e proceder à sua inclusão desta matéria como facto provado nº 32.
O alegado no art. 66º 2º parte da p.i. – por causa da retirada dos poderes de cobrança muitos dos segurados transferiram os contratos de seguros para outros mediadores – e que consta como facto não provado sob o ponto 2.14 não é facto pessoal que a ré deva conhecer na medida em que não corresponde a facto que necessariamente tenha tido a intervenção da ré, tenha sido por ela presenciado ou que dele ela tenha conhecimento. O alegado no art. 67º da p.i., sendo um facto conclusivo, não deve ser atendido.
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No art. 12º da contestação os réus aceitaram o alegado sob os art. 1º, 3º a 7º, 13º, 18º a 22º e 33º a 35º da p.i..

Os art. 1º, 3º a 7º, 13º da p.i. estão confessados pelos réus e correspondem aos pontos 1 a 6, 9 dos factos provados respectivamente sendo que há que aditar ao facto nº 5 a parte final do art. 5º da p.i. (e eliminar o ponto 2.2 dos factos não provados) e corrigir a redacção do facto nº 9 de molde a ser igual ao art. 13º da p.i. .

Ao aceitarem a matéria dos art. 18º a 22º da p.i. os réus reconhecem factos que lhe são desfavoráveis e favoráveis à autora, ocorrendo confissão judicial espontânea (art. 352º, 355º nº 1, 2, 356º nº 1, 357º, 358º do C.C.). Face a esta confissão é irrelevante que, mais adiante na contestação, os réus afirmem factos não compatíveis com o referido.

Assim, há que eliminar os os pontos 2.3 e 2.4 dos factos não provados e aditar esta matéria aos factos provados sob os nº 33 a 35 (a matéria dos art. 22º da p.i. consta como facto provado sob o ponto 22 ainda que uma redacção diferente e em conformidade com a prova produzida segundo a convicção do tribunal recorrido).

Ao aceitarem a matéria dos art. 33º a 35º da p.i. confessam esta matéria. Ora, o art. 33º da p.i. corresponde ao facto provado nº 11, mas há que corrigir a redacção deste. Não é de fazer constar o art. 34º da p.i. nos factos provados por encerrar matéria conclusiva. No que concerne à matéria do art. 35º da p.i., face à confissão, há que eliminar o facto não provado nº 2.8 e aditar aos factos provados sob o nº 36.

- Cl. 9ª da “Declaração-Compromisso”

Uma vez que se trata de matéria importante para a decisão da causa entendemos que é de fazer constar nos factos provados sob o nº 37 o teor daquela cláusula.

- nº 10 dos factos provados

Em face do alegado no art. 23º e 24º da p.i., da confissão parcial dos réus e da demais prova produzida - depoimento das testemunha F.F., à data comercial da K; F. P., agente associado da W; A. C., segurado – resulta que a ré não tomou a iniciativa de comunicar, por escrito ou verbalmente, a transmissão da carteira, nem às seguradoras com quem trabalhava, nem aos tomadores seus clientes pelo que se impõe a correcção da redacção deste facto nos seguintes termos:

“10. A ré, na qualidade de transmitente, não procedeu por escrito ou verbalmente à comunicação da transmissão da carteira de seguros, com antecedência mínima de 60 dias relativamente à data da transmissão, às empresas de seguros da entidade do mediador transmissário e aos tomadores de seguros.”

- ponto 15 dos factos provados

Uma vez que a redacção deste facto provado, que tem a sua origem aparentemente no art. 13º da contestação, não se mostra conforme ao teor da “Declaração-Compromisso”, há-que adoptar uma redacção em conformidade nos seguintes termos:

“15. Nos termos da cl. 5ª, al) do contrato a ré comprometeu-se designadamente a propor a todos os segurados da carteira de seguros, de que era detentora, a transferência dos mesmos na data de vencimento das apólices respectivas.”

- Pontos 16 e 17 dos factos provados

Da prova produzida não resulta, de modo algum, a data ou mês em que a ré terá procedido à entrega do seu escritório ao senhorio. Com efeito, nenhum documento neste sentido foi junto, nem o senhorio foi arrolado como testemunha.

Por outro lado, dos documentos de fls. 276/278 e 245/319 resulta que a suspensão do registo como mediador de seguros da ré foi efectuada com data efeito de 02/03/2015 e o cancelamento da inscrição ocorreu em 10/11/2016.

Pelo exposto, a primeira parte da matéria constante no ponto 16 dos factos provados tem que ser dada como não provada sob o nº 2.28 e no mais a redacção daquele facto provado deve ser corrigida nos seguintes termos:

“16. A suspensão do registo como como mediador de seguros da ré foi efectuada com data efeito de 02/03/2015 e o cancelamento da inscrição ocorreu em 10/11/2016.”
A redacção do ponto 17 dos factos provados deve ser alterada de molde a eliminar a parte final.

- Ponto 18 dos factos provados

Do conjunto da prova produzida não resulta que a razão da não transferência da totalidade da carteira tenha sido a aí referida. Nas suas declarações de parte a ré refere que a não transferência da totalidade da carteira se prendeu com o facto de a autora ser mediadora exclusiva da Y e com o facto de não lhe ter sido pago integralmente o preço acordado. O réu referiu que o motivo foi o não pagamento do preço. Acresce que, se atentarmos na redacção dos art. 31º e 32º da contestação, os réus também não referem que seja esse o motivo único referindo inclusive na parte final do art. 31º um outro motivo.

Assim sendo, há que eliminar o ponto 18 dos factos provados e a mesma matéria deve passar a constar sob o ponto 2.29 dos factos não provados.

- Ponto 19 dos factos provados

Atenta a prova produzida, designadamente a confissão dos réus da matéria constante dos art. 19º e 20º da p.i. na sua contestação, as suas declarações de parte, o depoimento das testemunhas S. D., A. C. e A. L. impõe-se eliminar este ponto dos factos provados e aditar esta matéria aos factos não provados sob o nº 2.30.

- Pontos 21, 22 e 23 dos factos provados

Concordamos com a apelante no sentido desta matéria de facto dever ser dada como não provada.

Os documentos de fls. 157 a 157V e 327 a 330 não têm, quanto a nós, a virtualidade de provar com segurança a existência de proposta de cessão da posição contratual da autora para S. D.. Desde logo, tais documentos não se mostram assinados. Por outro lado, ainda que se trate de uma minuta, não se percebe a aí referência ao pagamento de € 5.000,00 quando se provou que em Fevereiro de 2014 a autora entregou à ré mais € 10.000,00. Não se percebe igualmente a referência a despesas com a segurança social, seguro de responsabilidade civil do mediador, seguro do recheio do escritório e taxa exigida pelo ISP, o que não constava da “Declaração-Compromisso”.

Acresce que, acerca desta temática, temos as declarações dos réus (que tinham o ónus da prova) contra as declarações do legal representante da autora sendo certo que as testemunhas dos réus F. P. e A. B. nenhum conhecimento directo revelaram a este respeito.

Pelo exposto, é de eliminar estes factos da matéria de facto dada como provada e proceder à inclusão dos mesmos na matéria de facto dada como não provada sob os nº 2.31. a 2.33.

- Ponto 24 dos factos provados

É de eliminar este facto provado uma vez que se provou e consta da matéria de facto provada que a autora entregou mais € 10.000,00 à ré e que o pagamento da “segunda prestação” a que alude a Cl. 4ª da Declaração-Compromisso pressupunha que na data de 31/01/2014 já tivesse ocorrido a transferência da totalidade da carteira de seguros, o que, como vimos supra, não ocorreu. Além de que a expressão “data de vencimento” consubstancia matéria de direito que não deve constar de matéria de facto.

Assim, é de eliminar este ponto da matéria de facto provada e proceder à inclusão do mesmo nos factos não provados sob o nº 2.34.

- Ponto 25 dos factos provados

Da prova produzida – testemunha F.F. - não resulta, com efeito, que tenha havido clientes da ré que não tenham aceitado a autora como nova mediadora e que tenham tomado a iniciativa de passar para a concorrência. Como bem refere a apelante o que se apurou foi que, a dada altura, tendo tomado conhecimento do negócio, ainda que não formalmente, a K cautelosamente retirou os poderes de cobrança à ré e entregou-os a outros seus mediadores que contactaram alguns dos clientes com vista a angariá-los para os respectivos escritórios.
Assim sendo, é de eliminar este ponto da matéria de facto provada e proceder à inclusão do mesmo nos factos não provados sob o nº 2.35.

- Ponto 26 dos factos provados

Entendemos igualmente que esta matéria não se mostra provada.

A testemunha C. P., director da área de mediação da Y, foi peremptório em afirmar que o negócio não teve um reflexo significativo na carteira da autora esclarecendo que, segundo os números de que dispõe, no ano de 2014 a autora celebrou 244 contratos novos (contra os 204 de 2013) sendo que neste número se inclui os oriundos da carteira da ré e outros que nada têm a ver com esta. Mais referiu que, devido ao negócio em causa, a Y se comprometeu a pagar à autora um bónus de € 50.000,00 se obtivesse um mínimo de 120 novos contratos, número este que nunca foi atingido. O mesmo foi confirmado pelo legal representante da autora que acrescentou que, dos contratos transferidos, segundo ele 83, 47 “voltaram à base”. Face ao número total de contratos a transferir, cerca de 700, conclui-se que impacto na carteira da autora foi mínimo.

Pelo exposto, é de eliminar a primeira parte deste ponto da matéria de facto provada e proceder à inclusão do mesmo nos factos não provados sob o nº 2.36.

É de manter a segunda parte uma vez que resulta claramente da prova produzida que a carteira da ré foi-se esvaziando a partir de 2014 sendo que a explicação para este facto tenha a haver com a retirada dos poderes de cobrança pela K e a entrega dos mesmos a outros mediadores e ainda com o facto da ré ter deixado de angariar clientes novos e de celebrar novos contratos. Isto resulta das declarações de IRS (categoria B/trabalho independente sem contabilidade organizada) juntas aos autos pela ré, partindo do princípio que as mesmas tenham sido efectivamente entregues à autoridade tributária, o que não resulta das mesmas.

- Ponto 30 dos factos provados

Em conformidade com o acima referido acerca dos pontos 21, 22 e 23 dos factos provados e com os fundamentos aí referidos é de considerar não provada sob o ponto. 2.37. a segunda parte deste ponto da matéria de facto: “e não quis nunca abdicar dessa exclusividade e pretendeu que terceiro assumisse a posição contratual”.

- Ponto 2.1 dos factos não provados

Atento o teor da informação da ASF junta a fls. 245/319 – suspensão da inscrição como mediador da ré com data efeito de 02/03/2015 – e da declaração de IRS referente a 2015 resulta provada a matéria aqui referida pelo que a mesma será eliminada e passa a integrar os factos provados sob o nº 38.

- Ponto. 2.5 dos factos provados

Apurou-se que, em finais de Janeiro de 2014, a ré continuava detentora da sua carteira de seguros pelo que é de eliminar a primeira parte do ponto 2.5 dos factos não provados e incluir nos factos provados sob o ponto 39 (declarações dos réus e do legal representante da autora).

É de manter a segunda parte deste facto não provado uma vez que não se apurou o que levou a autora a fazer uma entrega de € 10.000,00 em Fevereiro de 2014 sendo que este pagamento não estava previsto no contrato (nem o legal representante da autora, nem os réus o esclareceram).

- Ponto 2.6. dos factos não provados

Entendemos que é de manter este facto como não provado uma vez que não se apurou com segurança que, se a ré tivesse efectuado as comunicações às seguradoras e tomadoras, a autora “estivesse disposta” a pagar o remanescente do preço.

- Ponto 2.9. e 2.13 dos factos não provados

Das declarações do legal representante da autora, dos réus e dos documentos juntos aos autos por autora e réus resulta que a primeira suportou parte das despesas com a renda, luz e água, telefone e internet dando cumprimento ao acordado.
Assim, é de eliminar o ponto dos facto não provados 2.9 e 2.13. e inclui-los nos factos provados sob o ponto 40 e 43, mas com a referência a “parte”.

- Ponto 2.10. dos factos não provados

É de eliminar este ponto porquanto se apurou que, no que concerne aos seguros da carteira da ré cuja transferência não ocorreu para a autora, aquela continuou a receber as comissões a que tinha direito (inclusive as comissões de cobrança até à retirada de poderes de cobrança pela K) e incluir esta matéria nos factos provados sob o ponto 41.

- Ponto 2.11. dos factos não provados

É de manter como não provado a referência ao facto da ré jamais ter tido a intenção de transferir a sua carteira de cliente e de cancelar a sua inscrição junto da AVF. Com efeito, a primeira parte é contrariada pela celebração do contrato com a autora e pela prova de que a sua intenção era deixar Portugal e emigrar para a Suíça, como veio a fazer, e a segunda é contrariada pelo facto de ter cancelado o seu registo como mediadora, ainda que em 2016 (fls. 276/278).

- Ponto 2.12. dos factos não provados

Esta matéria deve integrar os factos provados sob o ponto 42 uma vez que não há dúvidas que a transferência da carteira na sua totalidade nunca se verificou e que naturalmente a ré continuou a auferir das comissões inerentes à mesma.

- Ponto 2.14. dos factos não provados

Atento o supra referido acerca do ponto 25 dos factos provados é de eliminar este ponto da matéria de facto não provada e aditá-lo à matéria de facto provada sob o nº 44 com a seguinte redacção:

“44. Ao saber da existência de um acordo de transferência da carteira de clientes entre autora e ré a K revogou os poderes de cobrança conferidos à ré e concedeu-os a outros seus mediadores.”
- Ponto 2.15. dos factos não provados
Em conformidade com o decidido supra quanto ao facto provado nº 34 é de eliminar este ponto dos factos não provados e aditá-lo aos factos provados sob o nº 45.

- Pontos 2.17. e 2.18 dos factos não provados

Atenta a confissão da ré em sede de declarações provou-se que a autora procedeu ao pagamento da renda do escritório da ré dos meses de Outubro de 2013 a Maio de 2014 inclusive – 120,00 € x 8 = 960,00 € -; da água dos meses de Outubro de 2013 a Fevereiro de 2014 inclusive – 5,64 + 4,48 + 4,48 + 4,48 (cfr. doc. de fls. 34V a 36) -; da electricidade de 15/10/13 a 13/12/13 - € 73,17 e do telefone dos meses de Novembro de 2013 a Janeiro de 2014 – 47,90 + 63,22. Nada mais é possível dar como provado uma vez que a mera junção de facturas não prova que as mesmas tenham sido efectivamente pagas.

Assim sendo, há que eliminar os pontos 2.17. e 2.18. dos factos não provados e aditar aos factos provados um ponto sob o nº 46 nos exactos termos da confissão da ré e com a seguinte redacção:

“46. A autora suportou o pagamento da renda do escritório da autora nos meses de Outubro de 2013 a maio de 2014 inclusive (€ 120,00/mês = € 960,00); da água referente aos meses de Outubro de 2013 a Fevereiro de 2014 (€ 5,64 + 4,48 + 4,48 + 4,48); de electricidade referente a 15/10/13 a 13/12/13 (€ 73,17) e de telefone referente aos meses de Novembro de 2013 a Janeiro de 2014 (€ 47,90 + 63,22), num total de € 1.163,37.”

- Pontos 2.19. e 2.20. dos factos não provados

Tendo em atenção o depoimento da testemunha C. P. e as declarações do legal representante da autora resultou provado que este acordou com a Y que se aumentasse o valor da sua carteira de seguros em € 50.000,00 receberia um prémio ou bónus de € 5.000,00, o que não veio a verificar-se.

Assim, a matéria dos pontos 2.19 e 2.20 dos factos não provados deve ser eliminada e deve ser aditada aos factos provados sob os pontos 47 e 48. Eliminou-se a parte final do ponto 2.20. uma vez que encerra matéria conclusiva.

- Ponto 2.21. dos factos não provados

Provando-se que a transferência da carteira de clientes da ré para a autora não ocorreu na sua totalidade, mas numa ínfima parte, naturalmente que esta não auferiu as comissões referentes a esses seguros. Não se apurou, contudo, que a quantia a este título não auferida fosse de € 12.886,33, pois o documento junto a fls. 16 que foi elaborado pela ré reporta-se ao ano de 2013.

Assim, é de eliminar este ponto dos factos provados, à excepção da parte final, e aditar aos factos provados sob o nº 49.
*
Por uma questão metodológica passar-se-á a descrever a matéria de facto apurada de acordo com o decidido nesta instância:

1. A autora é uma sociedade comercial, unipessoal, por quotas, de responsabilidade limitada, que se dedica à actividade de mediação de seguros, actividade que exerce na sua sobredita sede, na Vila de …, encontrando-se devidamente inscrita na Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões-ASF (outrora Instituto de
Seguros de Portugal) – doc. nºs 1 e 2.
2. Por seu turno, também a ré exerceu essa mesma actividade de mediação de seguros, na Rua …, também na Vila ....
3. No exercício dessas suas actividades, entre autora e ré, em 11/10/2013, foi celebrado o contrato de compra e venda de carteira de seguros, formalizado por via do documento, intitulado de “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO”, junto como documento nº 3 com a petição inicial (fls. 14 e ss).
4. Como dessa “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO” emana, a ré, porque pretendia cancelar essa sua actividade de mediação de seguros, e, concomitantemente, a sua inscrição no Instituto de Seguros de Portugal (ora ASF), o que sucederia até finais de Janeiro de 2014, vendeu à autora a carteira de seguros de que era detentora.
5. Por essa venda ficou acordado que a autora pagaria à ré o valor correspondente a 1,5 vezes o valor ilíquido da totalidade das comissões auferidas, durante o ano de 2013, o qual se apurou ser de € 19.329,50.
6. Nos termos do contrato, o valor referido em 5 seria pago como segue:
- € 5.000,00, na data da assinatura da sobredita “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO”, ou seja, em 11/10/2013; e
- o restante, até finais de Janeiro de 2014.
7. De igual modo, ficou acordado que a venda da carteira de seguros em causa, se processaria como segue, ou seja:
a) transferindo todos os contratos de seguro para a Companhia de Seguros Y, SA, através da autora, ficando aqueles, por conseguinte, integrados e a constituir a carteira de seguros da autora (segunda declarante), o que sucederá até finais de Janeiro de 2014;
b) comprometendo-se, para esse efeito, a ré, a levar a cabo tudo quanto necessário a esse fim, designadamente propondo a todos os segurados da carteira de seguros de que era detentora, essa transferência, e na data do vencimento das apólices respectivas;
c) para esse efeito a Companhia de Seguros Y, SA criará uma conta onde ficarão todos os contratos provenientes da carteira de seguros, de que a primeira declarante (ora Ré) é detentora.
d) e, para a hipótese dessa transferência não se concretizar na sua íntegra, a ré obrigou-se a levar a cabo todos os procedimentos necessários e que exigidos fossem pelo Instituto de Seguros de Portugal (ora ASF), com vista à afectação de todos os contratos de seguros que integram a sua carteira de seguros à carteira de seguros da segunda declarante.
8. A ré obrigou-se ainda a proceder ao cancelamento da sua inscrição, como mediadora, no Instituto de Seguros de Portugal (ASF) até finais de Janeiro de 2014, data em que deveria estar operada a transferência da carteira de seguros da primeira para a segunda declarante, na sua totalidade.
9. Por via da citada “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO”, a autora obrigou-se a, durante o período de tempo que decorresse desde a data da sua outorga e até à concretização da redita transferência da carteira de seguros (ou seja, até finais de Janeiro de 2014), a pagar a renda do local onde a ré vinha exercendo a sua actividade de mediação de seguros, no valor de € 120,00 mensais, bem como as despesas de luz, água, telefone e internet, despendidas nesse local, e conquanto o fossem no, e por causa, do exercício dessa actividade (art. 13º da p.i.).
10. A ré, na qualidade de transmitente, não procedeu por escrito ou verbalmente à comunicação da transmissão da carteira de seguros, com antecedência mínima de 60 dias relativamente à data da transmissão, às empresas de seguros da entidade do mediador transmissário e aos tomadores de seguros.
11. A autora, em 12/02/2014, e por conta do valor aludido em 6 entregou à ré mais € 10.000,00 – doc. nº 5, fls. 16 vº.
12. Pelos meses de Março/Abril de 2014 a K Seguros, S.A., tendo tido conhecimento do contrato celebrado entre as partes, retirou os poderes de cobrança à sua agente/mediadora, ou seja, à aqui ré, tendo, disso, informado os respectivos clientes (os tomadores que integravam a carteira de seguros a transferir ao autor), passando, esses mesmos clientes, a ser contactados por um outro agente dessa Companhia (de igual modo a exercer a sua actividade de mediação na Vila ...).
13. Em 05/12/2014 a ré lançou mão da notificação judicial avulsa constante de fls. 21 e ss., a que a autora respondeu nos termos constantes de fls. 26V e ss..
14. Os proventos que a ré vinha retirando da sua actividade de mediação de seguros, revertiam em proveito comum do casal composto pelos réus, destinando-se aqueles proventos a fazer face às despesas diárias, pelo menos as normais, do agregado familiar da ré, e, como tal, do réu marido, sobretudo com alimentação, saúde, vestuário e habitação.
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15. Nos termos da cl. 5ª, al) da “Declaração-Compromisso” a ré comprometeu-se designadamente a propor a todos os segurados da carteira de seguros, de que era detentora, a transferência dos mesmos na data de vencimento das apólices respectivas.
16. A suspensão do registo como como mediador de seguros da ré foi efectuada com data efeito de 02/03/2015 e o cancelamento da inscrição ocorreu em 10/11/2016.
17. A ré mulher dedicou-se com carácter de exclusividade e escopo lucrativo à actividade de mediação de seguros, tendo estado devidamente inscrita no INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL.

20. Na data acordada para a conclusão do contrato, 31/01/2014, a ré obrigou-se a proceder ao cancelamento da sua inscrição como mediadora no ISP.

26. Ao longo do ano de 2014 a carteira da ré foi-se esvaziando.
27. Após a celebração do contrato, mais exactamente no início do mês de Fevereiro de 2014, a ré entregou à autora, na pessoa do seu legal – representante, uma chave do escritório, para que o mesmo pudesse atender a clientela e proceder à respectiva transferência.
28. Por carta registada de 13/08/2014, e para evitar o recurso a meios judiciais, a ré interpelou a autora para o pagamento do quantitativo de € 10.677,24 e consequentemente para o integral cumprimento do contrato. (doc. 9).
29. Após a celebração do contrato, mais exactamente no início do mês de Fevereiro de 2014, a requerente entregou à autora, na pessoa do seu legal – representante, uma chave do escritório, para que o mesmo pudesse atender a clientela e proceder à respectiva transferência.
30. A autora, quando celebrou o contrato, era mediadora exclusiva da Companhia de Seguros Y.
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31. A supra referida S. D. está inscrita no Instituto de Seguros de Portugal desde 17/06/2014.

32. A ré voltou a estabelecer contacto com os tomadores de seguros que haviam sido seus clientes e que foram transferidos para a Y incitando-os a regressarem à carteira de seguros dela, o que veio a suceder.
33. Com a assinatura da “Declaração-Compromisso” a ré recebeu da autora a quantia de € 5.000,00.
34. A ré começou a dar mostras de não encetar as diligências necessárias à concretização da transferência da carteira de seguros em causa: ao invés de contactar, nos termos acordados, os tomadores dos contratos de seguros a transferir para a autora, passou a ausentar-se do local (escritório) onde vinha exercendo a sua actividade (designadamente viajando para o estrangeiro), o qual, por conseguinte, amiudadas vezes passou a encontrar-se encerrado.
35. Chegados a finais de Janeiro de 2014 a ré não havia operado a transferência da carteira de seguros em causa para a autora.
36. Sucede que o tempo ia transcorrendo, sem que a ré diligenciasse pelo envio das comunicações para as companhias e para os tomadores dos seguros, de modos a que, a transferência da carteira de seguros se pudesse, finalmente, operar.
37. Na cláusula 9º da Declaração-Compromisso constam os seguintes dizeres: “Caso a transferência de carteiras de seguros da primeira para a segunda outorgante não se consume, designadamente pelo facto das companhias de seguros envolvidas não darem o seu aval, a essa referida transferência, não a aceitando, o acordado nesta declaração-compromisso fica sem efeito, e a primeira outorgante devolverá à segunda outorgante, a quantia de € 5.000,00 referida no ponto 4º, desta declaração-compromisso”.
38. A ré exerceu a actividade de mediação de seguros até Fevereiro de 2015.
39. A ré, volvidos os finais de Janeiro de 2014, continuava detentora da carteira de seguros em causa.
40. A autora arcou com parte das despesas a que se havia obrigado por força do estipulado contratualmente, pagando a renda, a luz, a água, o telefone e internet.
41. A ré foi recebendo as comissões atinentes aos contratos de seguro que integravam a carteira de seguros em causa (a qual, desde finais de Janeiro de 2014, deveria ter passado a integrar a da autora).
42. A ré continuou a deter a carteira de seguros objecto da redita “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO” e, concomitantemente, a auferir as comissões respectivas, atinentes aos contratos de seguros que a integram.
43. Durante uns 16 meses, vale dizer, desde a data da celebração da redita “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO” até Janeiro de 2015, quem suportou parte das despesas com a renda, luz, água, telefone e internet, referentes ao local onde a ré exercendo vinha a sua actividade de mediação de seguros, foi a autora.
44. Ao saber da existência de um acordo de transferência da carteira de clientes entre autora e ré a K revogou os poderes de cobrança conferidos à ré e concedeu-os a outros seus mediadores.
45. A ré, após a outorga da falada “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO”, manteve o local onde exercendo vinha a sua actividade, amiudadas vezes, encerrado.
46. A autora suportou o pagamento da renda do escritório da autora nos meses de Outubro de 2013 a maio de 2014 inclusive (€ 120,00/mês); da água referente aos meses de Outubro de 2013 a Fevereiro de 2014 (€ 5,64 + 4,48 + 4,48 + 4,48); de electricidade referente a 15/10/13 a 13/12/13 (€ 73,17) e de telefone referente aos meses de Novembro de 2013 a Janeiro de 2014 (€ 47,90 + 63,22), num total de € 1.163,37.
47. A autora, e porque havia celebrado em 11/10/2013, o contrato de compra e venda da carteira de seguros de que a ré era detentora, e nos termos constantes da dita “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO”, aquando do preenchimento do orçamento para 2014, apresentado à Companhia de Seguros Y, de que é mediadora, assumiu o compromisso de aumentar o valor da sua carteira de seguros em € 50.000,00, o que se traduziria, em receber, no ano de 2015, e por parte dessa Companhia de Seguros, e a título de prémio, a quantia de € 5.000,00.
48. Compromisso que se revelou impossível cumprir, na medida em que a ré jamais operou, como se lhe impunha, a transferência da sua carteira de seguros para a autora.
49. O autor também deixou de auferir, desde finais de Janeiro de 2014 e, ao menos, até Janeiro de 2015, as comissões referentes aos contratos de seguros que integravam a carteira de seguros a transferir.
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Foram considerados não provados os seguintes factos:

2.5. A ré, volvidos os finais de Janeiro de 2014, deu em pretender exigir da autora o pagamento do restante valor da venda da carteira de seguros, com o argumento de que havia ficado a constar da dita “DECLARAÇÃO-COMPROMISSO” que esse valor seria pago até finais de Janeiro de 2014.
2.6. Malgrado isso a autora estava até disposta pagar esse valor, logo que, e ao menos, a ré enviasse, quer para as companhias de seguros, de que era mediadora, quer para os tomadores dos contratos de seguros em causa, as comunicações que se impunham, e, por isso, mesmo antes de estar integralmente operada a transferência da dita carteira de seguros.
2.7. Porém, e como a ré garantiu à autora que passaria, de imediato, a diligenciar pelo envio das reditas comunicações, esta, para evitar qualquer impasse na concretização da dita transferência, até porque, em virtude de compromissos que havia assumido, necessitava que a mesma se operasse sem mais demora, em 12/02/2014 entregou à ré mais € 10.000,00, ficando o restante, no montante de € 4.239,50, para ser entregue aquando da concretização da transferência, para a autora, da falada carteira de seguros.

2.11. A ré jamais teve intenção de transferir a sua carteira de seguros e, concomitantemente, cancelar a sua inscrição no Instituto de Seguros de Portugal (ASF).

2.16. Em Fevereiro de 2015 deixou de exercer a sua actividade de mediação, no local, onde, e sempre, até então, o havia exercido, passando a fazê-lo na sua casa de morada, sita numa outra freguesia, a uns 10Km daquele, o que acarretando incómodos e transtornos para os segurados, vários houve que, também por esse motivo, deixaram de figurar entre os constantes da redita carteira de seguros.

2.21. O valor das comissões referentes aos contratos de seguros que integravam a carteira de seguros a transferir, no período compreendido entre finais de Janeiro de 2014 e Janeiro de 2015, fosse no montante de € 12.886,33.
2.22. A autora apenas teve conhecimento do facto descrito em 12 em Setembro/Outubro de 2014.
2.23. O valor do negócio acordado por requerente e requerido ascendeu ao montante de € 21.330,01.
2.24. Os réus sofreram um prejuízo de € 48.000,00 correspondente ao valor da carteira de clientes perdida.
2.25. Já depois de ultrapassado o prazo para a conclusão do negócio, e uma vez que os meses iam passando a autora comprometeu-se ainda a, até à conclusão da transferência, compensar a ré mulher, liquidando as prestações relativas aos descontos que esta mensalmente fazia e faz junto da SEGURANÇA SOCIAL, bem como as comissões referentes às apólices pendentes vencidas e vincendas até efectivo e integral cumprimento, no decurso do ano de 2014.
2.26. A requerente teve e tem ainda que suportar o seguro de responsabilidade civil profissional enquanto mediadora de seguros, como o seguro sobre o recheio do escritório.
2.27. Em face do não cumprimento pela autora do contrato, os réus suportaram um prejuízo no montante global de € 12,404,87, nomeadamente: a) Falta de pagamento parcial do contrato celebrado - € 5.580,08; b) Comissões até 31/12/2013 - € 749.93; c) Comissões até 30/09/2014 - € 2,150,00; d) Renda do escritório respeitante aos meses de Fevereiro a Novembro de 2014 - € 720,00; e) Água, luz, telefone e internet do escritório - € 872,76; f) Segurança Social - € 1,861,30; g) Seguro de responsabilidade civil profissional - € 333,50; h) Seguro do recheio do escritório - € 87,30; i) Taxa paga ao Instituto de Seguros de Portugal - € 50,00.
2.28. A ré mulher entregou o escritório ao senhorio em Dezembro de 2014.
2.29. Embora não tenha sido transferida a totalidade dos contratos, tal sucedeu porque clientes houve que não queriam o novo mediador (a autora), outros que não queriam a mudar para a “COMPANHIA DE SEGUROS Y” e outros ainda que não queriam, nem o mediador, nem a Y.
2.30. Para a referida transferência, a ré levou a cabo todas as diligências junto dos clientes seus segurados dando a devida nota da transferência de seguros operada na data do vencimento de cada uma das apólices que possuía.
2.31. Sucedeu porém que, precisamente desde os finais de Janeiro de 2014, mas antes de 31/01/2014, a autora começou por informar a ré que iria ceder a sua posição contratual a terceiro, terceiro esse que era, pelo menos ao tempo, a namorada do legal representante da autora, S. D., uma vez que pretendia manter-se como mediador em regime de exclusividade com a COMPANHIA DE SEGUROS “Y” e, por tal facto, não podia ser titular da carteira de clientes da ré mulher, facto este (a manutenção do regime de exclusividade da autora para com a “Companhia de Seguros Y”) que apenas foi revelado em finais de Janeiro, meses após a celebração do contrato.
2.32. Para o efeito, e segundo a autora, a referida S. D. iria ser proposta para tirar o curso de mediadora junto do ISP, o qual teria apenas o seu início em Abril de 2014, e que concluiria no Verão de 2014.
2.33. A ré mulher aguardou em conformidade as condições para se operar tal cessão, continuando a transferir a sua carteira de seguros para a autora.
2.34. A autora não liquidou a segunda prestação acordada na data do respectivo vencimento.
2.35. Por outro lado, clientes houve que não aceitaram a transferência para a autora e passaram para a concorrência.
2.36. Ao longo do ano de 2014 a autora começou a ver a sua carteira de clientes crescer.
2.37. A autora não quis nunca abdicar da exclusividade que tinha com a Companhia de Seguros Y e pretendeu que terceiro assumisse a posição contratual.
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B) Subsunção jurídica

Alterada que está a matéria de facto importa agora proceder à subsunção jurídica.
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Antes de mais, importa proceder à qualificação do contrato celebrado por autor e ré.

É jurisprudência pacífica que “Independentemente do nomen iuris que as partes dão aos contratos, na interpretação e na qualificação destes, o que conta é a vontade expressa nas respectivas declarações negociais, entendidas estas com o sentido captável pelo declaratário normal, colocado no real circunstancialismo negocial.” (Ac. da R.L. de 04/12/2007 (José Aveiro Pereira), in www.dgsi.pt).

Assim sendo, importa interpretar as cláusulas contratuais de acordo com os critérios previstos no art. 236º a 238º do C.C..

Interpretar uma declaração negocial é a actividade tendente a determinar o que as partes quiseram ou declararam querer. A regra prevista no nº 1 do art. 236º do C.C. é que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, i.e., medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real em face do comportamento do declarante. As excepções são: não poder ser imputado ao declarante razoavelmente aquele sentido (nº 1) ou o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).

Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações. (art. 237º do C.C.)

Nos negócios formais é necessário que o sentido da declaração tenho reflexo ou expressão no texto do documento (art. 238º do C.C.), não podendo tal sentido ser deduzido pelo declaratário e não pode ser imposto ao declarante. Optou nesta sede a lei por uma orientação objectiva.

Revertendo ao caso em apreço, na cláusula 2ª refere-se “(…) vende à segunda declarante, a carteira de seguros de que é detentora”, na cláusula 3ª “Por essa venda, a segunda declarante pagará à primeira, o valor correspondente a 1,5 vezes o valor ilíquido da totalidade das comissões auferidas durante o ano de 2013, pela primeira declarante”, na cláusula 5ª “A venda da carteira de seguros em causa, de que é detentora a primeira declarante, à segunda declarante, processar-se-á nos termos seguintes: a) transferindo todos os contratos de seguro para a Companhia de Seguros Y, SA, através da autora, ficando aqueles, por conseguinte, integrados e a constituir a carteira de seguros da autora (segunda declarante), o que sucederá até finais de Janeiro de 2014; b) comprometendo-se, para esse efeito, a ré, a levar a cabo tudo quanto necessário a esse fim, designadamente propondo a todos os segurados da carteira de seguros de que era detentora, essa transferência, e na data do vencimento das apólices respectivas; c) para esse efeito a Companhia de Seguros Y, SA criará uma conta onde ficarão todos os contratos provenientes da carteira de seguros, de que a primeira declarante (ora Ré) é detentora. d) e, para a hipótese dessa transferência não se concretizar na sua íntegra, a ré obrigou-se a levar a cabo todos os procedimentos necessários e que exigidos fossem pelo Instituto de Seguros de Portugal (ora ASF), com vista à afectação de todos os contratos de seguros que integram a sua carteira de seguros à carteira de seguros da segunda declarante.”; Cláusula 7ª “ A segunda declarante, e no tempo em que perdurar a transferência dos contratos de seguros (…) obriga-se a pagar a renda do local onde a primeira declarante exercendo vem a sua actividade de mediação de seguros (…), no valor de € 120,00 mensais, bem como as despesas com luz, água, telefone e internet, dispendidos no local, e conquanto o sejam no, e por causa, do exercício dessa falada actividade”; Cláusula 8ª “A primeira e segunda declarantes, comprometem-se a encetar as diligências com vista à aludida transferência dos contratos de seguro da carteira de seguros daquela, para a desta, na data da assinatura da presente declaração-compromisso, ou seja 11 de Outubro do corrente ano de 2013” e na Cláusula 9ºCaso a transferência de carteiras de seguros da primeira para a segunda outorgante não se consume, designadamente pelo facto das companhias de seguros envolvidas não darem o seu aval, a essa referida transferência, não a aceitando, o acordado nesta declaração-compromisso fica sem efeito, e a primeira outorgante devolverá à segunda outorgante, a quantia de € 5.000,00 referida no ponto 4º, desta declaração-compromisso” (sublinhado nosso).

Atento o teor do acordo, de onde resulta a intenção de compra e venda de carteira de seguros entre dois mediadores, poderíamos pensar que nos encontramos perante um “contrato de compra e venda de carteira de seguros” ou “contrato de transmissão de carteira de mediadores de seguros”.

Contudo, este contrato encontra-se previsto na lei vigente à data da sua celebração – regime jurídico do acesso e do exercício da actividade de mediação de seguros ou de resseguros, aprovado pelo Dec.-Lei nº 144/2006 de 31/07, alterado pelo Dec.-Lei nº 359/07 de 2 de Novembro, Lei nº 46/2011 de 24 de Junho, Dec.-Lei nº 1/2015 de 16 de Janeiro e Lei nº 147/2015 de 9 de Setembro – em termos não compatíveis com o teor do acordo em análise.

Antes de mais, este diploma fornece-nos as noções de “Mediação de seguros” – qualquer actividade que consista em apresentar ou propor um contrato de seguro ou praticar outro acto preparatório da sua celebração, em celebrar um contrato de seguro, ou em apoiar a gestão e execução desse contrato, em especial em caso de sinistro -; de “Mediador de Seguros” – qualquer pessoa singular ou colectiva que inicie ou exerça, mediante remuneração, a actividade de mediação de seguros; e “Carteira de seguros” – o conjunto de contratos de seguro relativamente aos quais o mediador de seguros exerce a actividade de mediação e por virtude dos quais são criados na sua esfera jurídica direitos e deveres para com empresas de seguros e tomadores de seguros.

E dispõe o art. 44º deste diploma, sob a epígrafe “Transmissão de carteira de mediador de seguros”:

1 - As carteiras de seguros são total ou parcialmente transmissíveis, por contrato escrito, devendo o transmissário encontrar-se em condições de poder exercer a actividade de mediação quanto aos referidos contratos de seguro.
2 - A transmissão de carteira de seguros a favor de mediador deve ser precedida da comunicação pelo transmitente por carta registada ou outro meio do qual fique registo escrito e com a antecedência mínima de 60 dias relativamente à data da transmissão:
a) Às empresas de seguros, da identidade do mediador transmissário;
b) Aos tomadores de seguros, dos elementos referidos no n.º 1 do artigo 32.º quanto ao mediador transmissário e do direito de poder recusar a sua intervenção nos termos do número seguinte.
3 - As empresas de seguros e os tomadores de seguros que tenham recebido a comunicação referida no número anterior têm o direito de recusar a intervenção do mediador transmissário nos respectivos contratos de seguro, devendo comunicar a recusa ao mediador transmitente até 30 dias antes da data da transmissão.
4 - A empresa de seguros que, sem adequada fundamentação, recuse a intervenção do mediador transmissário nos termos do número anterior fica sujeita ao ónus de propor ao mediador transmitente a aquisição da carteira de seguros em causa.
5 - As carteiras de seguros são também total ou parcialmente transmissíveis, por contrato escrito, a favor de empresas de seguros, desde que sejam partes em todos os contratos objecto de transmissão.
6 - A transmissão de carteira de seguros a favor de empresa de seguros deve ser precedida da comunicação ao tomador do seguro pela empresa de seguros por carta registada ou outro meio do qual fique registo escrito e com a antecedência mínima de 60 dias relativamente à data da transmissão de que deixa de existir mediador no contrato de seguro, mas que mantém o direito de escolher e nomear, nos termos legais, mediador de seguros para os seus contratos.
7 - Os efeitos da transmissão de contratos que integrem uma carteira de seguros só se produzem, relativamente a cada um deles, na sua data aniversária ou, nos contratos renováveis, na data da sua renovação. (sublinhado nosso)

Deste preceito resulta com clareza que a transmissão de seguros pressupõe a prévia comunicação pelo transmitente dessa intenção às seguradoras com as quais trabalha e aos tomadores de seguros e a obtenção da concordância destes (nº 2 e 3), e apenas num momento seguinte pode (ou não) ocorrer a efectiva transmissão da carteira de seguros para transmissário que se encontre em condições de poder exercer a actividade de mediação quanto aos referidos contratos de seguro (nº 1).

Ora, no caso em análise a ré não chegou a fazer tais comunicações que, nos termos do nº 2 do citado preceito, tinham que revestir a forma escrita (carta registada ou outro meio do qual fique registo escrito).

Assim sendo, o contrato em apreço, de modo algum, pode ser qualificado como de compra e venda de carteira de seguros.

Como qualificá-lo e que regime aplicar-lhe?

Encontramo-nos perante um contrato em que as partes, ao abrigo do princípio da autonomia privada, e dentro dos limites da lei, fixaram livremente o conteúdo do mesmo incluindo no mesmo as cláusulas que bem entenderam (art. 405º nº 1 do C.P.C.).

De qualquer modo, o conjunto das suas cláusulas, com excepção da cláusula 7ª, pode ser qualificado como um contrato promessa de compra e venda de carteira de seguro. Com efeito, das mesmas resulta que, em 11/10/2013, autora e ré comprometeram-se a celebrar no futuro, que estimaram em 31/01/2014, um contrato de compra e venda de carteira de seguros pelo preço correspondente a 1,5 vezes o valor ilíquido da totalidade das comissões auferidas durante o ano de 2013 pela ré (art. 410º do C.C.).

A cláusula 7ª – compromisso da autora em proceder ao pagamento da renda e demais despesas com o escritório da ré ainda por causa e até ao momento da efectiva transferência de carteira – não é susceptível de ser reconduzida a uma cláusula típica do contrato promessa.

No caso em apreço, não é possível falar em união de contratos uma vez que não ocorre qualquer celebração conjunta de diversos contratos coligados entre si, nem em contrato misto dado que o contrato em causa não reúne regras de dois contratos total ou parcialmente típicos (art. 405º nº 2 do C.C.). Mas podemos falar de um contrato parcialmente típico já que a reunião se faz entre regras de um contrato regulado na lei (contrato promessa) com as de outro contrato que não o está. Neste sentido vide nota de pé de página nº 423, in Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 4ª ed., Almedina, p. 196.
*
Importa agora apurar se a parte do contrato subsumível ao contrato promessa foi incumprida definitivamente e, na afirmativa, por quem.
A obrigação da autora que emergente do acordo, além da celebração do contrato definitivo, é o pagamento do preço acordado nos termos aí referidos.

No momento da assinatura da “Declaração-Compromisso” a autora procedeu à entrega à ré de € 5.000,00 e mais tarde, sem que o acordo o exigisse, de mais de € 10.000,00. Estas entregas a título de antecipação de pagamento do preço têm a natureza de sinal nos termos do art. 441º do C.C.. Este preceito afasta-se da regra prevista no art. 440º do C.C. ao prescrever que “No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Esta presunção de sinal é aplicável às quantias entregues no momento da celebração do contrato, em momento posterior (pela primeira vez ou como “reforço de sinal”), ainda que representem a totalidade do preço (Fernando de Gravato Morais, Contrato-Promessa em Geral. Contrato-Promessa em Especial, Almedina, 2009, p. 197; Ac. do S.T.J. de 06/05/2004 (Ferreira de Almeida), Ac. da R.L. de 18.03.2003 (Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt.

Uma vez que aí foi acordado que o remanescente do preço seria pago até 31/01/2014, momento em que previram que a transmissão da carteira de seguros da ré para a autora já se haveria consumado, o que não se verificou (nem nessa data, nem posteriormente) concluímos pela inexistência de qualquer incumprimento por parte da autora.

A obrigação principal da ré emergente do mesmo contrato (cfr. cláusulas 5ª d) in fine, 8ª, 9ª primeira parte) e da lei, além da celebração do contrato definitivo, é proceder às comunicações previstas no nº 2 do art. 44º do Dec.-Lei nº 144/2006 de 31 de Julho, o que aquela não fez e devia ter até 30/11/2013. Como vimos supra encontramo-nos perante uma exigência prévia que, em caso de não recusa por parte da(s) seguradora(s) e dos tomadores, permite a celebração do contrato definitivo de transmissão da carteira de seguro.

A ré defendeu-se dizendo que não fez tais comunicações a pedido da autora por esta ser mediadora exclusiva da Y. Ora, isto não se provou. Acresce que o facto da autora ser mediadora exclusiva da Y não era um problema da ré (sendo que a autora podia acordar com a Y que passava a ser, temporariamente ou não, uma “mediadora multimarcas”) pelo que não estava impedida de efectuar tais comunicações.

Importa saber se, face a este não cumprimento, a mora da ré se converteu em incumprimento definitivo.

Como é sabido a mora converte-se em incumprimento definitivo nas seguintes situações:

- se, durante a mora, o credor concede ao devedor um prazo suplementar final razoável para cumprir – interpelação admonitória – e este, mesmo assim, não cumpre;
- se, durante a mora, o credor perde interesse na prestação, o que se verifica quando a mesma deixa objectivamente de ter utilidade para si, o que é apreciado objectivamente à luz dos princípios da boa fé, segundo critérios de razoabilidade, não bastando que apenas já não a queira ou que diga que já não está interessado nela (art. 808º do C.C.);
- quando o próprio devedor declara, em termos sérios e definitivos, que não irá cumprir – declaração de não cumprimento – e o credor, em face disso, considera a obrigação definitivamente incumprida (Neste sentido vide João Calvão da Costa, in Sinal e Contrato Promessa, 12ª Edição – Revista e Aumentada, p. 140-143);
- e ainda quando a obrigação se tornou supervenientemente impossível.

No caso em apreço, uma vez que se apurou que a ré cancelou o seu registo como mediadora em 10/11/2016 e apenas nesta qualidade pode ser detentora de uma carteira de seguros susceptível de ser transferida (vide art. 56º e 57º a contrario do Dec.-Lei nº 144/2006) conclui-se que a obrigação da ré se tornou impossível verificando-se, deste modo, incumprimento definitivo da sua parte.

Face a este incumprimento definitivo e culposo da ré tem a autora direito a ver declarado resolvido o contrato celebrado em 11/10/2013 e à devolução, pelo menos, do sinal em singelo nos termos do art. 442º nº 1 do C.C. e da sua cláusula 9ª do contrato, i.e., € 15.000,00, acrescida de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
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Tendo em atenção o que deixamos dito quanto ao facto da obrigação da autora não ser susceptível de ser reconduzida a uma obrigação típica de um contrato promessa haverá que aplicar à mesma o regime geral.
Assim sendo, in casu a declaração de resolução por parte da autora não tem por efeito a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou o valor correspondente uma vez que nos encontramos perante uma obrigação própria de um contrato de execução continuada ou periódica - art. 432º nº 1, 433º, 434º nº 2, 436º nº 1 do C.C..
Pelo exposto, a quantia paga pela autora a título de rendas e demais despesas de escritório não é susceptível de lhe ser restituída.
*
Pede ainda a autora a condenação da ré no pagamento, a título de indemnização, das quantias de € 5.000,00 e de € 12.886,33 referentes a um prémio não pago pela Y e a comissões não auferidas até Fevereiro de 2015. Este pedido tem como causa de pedir a eventual responsabilidade civil contratual da ré.
Apesar da ré ter incorrido em incumprimento definitivo e culposo da obrigação que para si resultava do acordo em apreço e que se inscreve no “contrato promessa” nenhuma outra indemnização, para além da restituição do sinal, é devida pela ré à autora a título de responsabilidade civil contratual uma vez que as partes nada acordaram a esse respeito (cfr. cláusula 9ª) e a mesma não é permitida pelo disposto no art. 442º nº 4 do C.C..
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - Nos termos do art. 44º do Dec.-Lei nº 144/2006 de 31/07 a transmissão de carteira de seguros entre mediadores pressupõe a prévia comunicação escrita pelo transmitente dessa intenção às seguradoras com as quais trabalha e aos tomadores de seguros, a obtenção da concordância destes e que o transmissário se encontre em condições de poder exercer a actividade de mediação quanto aos referidos contratos de seguro.
II – Assim, o acordo escrito que alude a venda de carteira de seguros por determinado preço, pago uma parte na data desse acordo e o remanescente na data em que a transferência deve estar concluída; a diligências necessárias e exigidas pelo I.S.P. a levar a cabo pela transmitente e à restituição da quantia entregue na data do acordo em caso de não transferência de carteiras de seguros, designadamente pelo facto das companhias de seguros envolvidas não aceitarem tal transferência, terá que ser havido como contrato promessa de compra e venda de carteira de seguros.
III – Incumpre definitivamente a transmitente que não procede às comunicações previstas no nº 2 do art. 44º da Lei nº 144/2006 de 31/07 e que entretanto cancela o seu registo de mediador de seguros.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente:

Declaram resolvido a denominada “Declaração-Compromisso” celebrada por autora e ré em 11/10/2013;
Condenam os réus a restituírem à autora a quantia de € 15.000,00, acrescida de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
No mais, absolvem os réus.
Custas da acção na proporção do decaimento.
Custas da apelação pelos apelados.
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Guimarães, 27/06/2019

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade