Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3695/12.9TBBRG-C.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: CIRE
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A verificação ulterior de créditos prevista no artigo 146.º e seguintes do CIRE, não tem lugar no âmbito do processo especial de revitalização criado pela Lei 16/2012, de 20 de Abril.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.


Carpintaria…, Unipessoal, Ldª, apresentou ação de verificação ulterior de créditos nos termos do artigo 146º ss do CIRE, contra:
Massa insolvente de Sociedade…, Ldª;
Devedora Sociedade…, Ldª; e
Credores reconhecidos de sociedade…, Ldª.
Alega que foi iniciado processo especial de revitalização da devedora, tendo sido nomeado administrador provisório a 23/5/2012. A reclamante não participou na fase inicial do processo nem reclamou o seu crédito ao administrador judicial. Celebrou diversos contratos com a devedora, sendo credora de 38.489,50 € mais juros.
A 25/10/2012 foi proferido o seguinte despacho:
“Indefere-se, por falta de fundamento legal, porquanto o processo especial de revitalização não comporta, no seu figurino processual, qualquer ação de verificação ulterior de créditos, devendo, isso sim, os créditos ser tempestivamente reclamados junto do Sr. Administrador Judicial Provisório (artº 17º-D, n.º 2, do CIRE)…”
Inconformada com a decisão a requerente interpôs apelação apresentando as seguintes conclusões:
A) O regime da Verificação Ulterior de Créditos previsto nos arts. 146.º e segs. Do CIRE, é aplicável ao Processo Especial de Revitalização.
B) Tal resulta, não só da interpretação sistemática daquele Código, mas também da vontade do legislador aquando da introdução daquele novo regime, que em nada visou coartar os direitos dos credores.
C) Bem como, dos princípios constitucionais de defesa da propriedade privada, da iniciativa económica e tutela do património.
D) O processo especial de revitalização não pretende restringir quaisquer direitos dos credores, pelo contrário, tem como fim fazê-los intervir na revitalização do seu devedor.
E) Apesar de o seu regime ter ínsito um espírito de desjudicialização do processo de insolvência, certo é que aos tribunais é conferida a tutela do processo, designadamente, no que respeita à sua equidade entre credores, por forma a que o processo não seja utilizado abusivamente para favorecimento de alguns.
F) Nessa tutela do processo, está inserido o regime da verificação ulterior de créditos, criado para garantir a todos os credores a reclamação dos seus créditos, dentro de um prazo tido como razoável.
G) Tal regime mais não é do que o reconhecimento de que a dimensão do país não permite aos credores se manterem a par de tudo o que acontece aos seus devedores, e da fabilidade da citação edital ou via Portal CITIUS para levar ao conhecimento destes o início de processos judiciais que têm consequências diretas nos seus créditos.
H) Assim, por coerência sistémica, há que concluir pela aplicabilidade do regime da verificação ulterior de créditos, previsto nos arts. 146.º e segs., do CIRE, ainda que mutatis mutandis, ao processo especial de revitalização previsto nos arts. 17.º-A e segs. do CIRE.
I) A Ação de Verificação Ulterior de Créditos prevista no CIRE, será o único meio processual e o idóneo para a Recorrente obter a cobrança dos seus créditos por via judicial, atendendo a que extrajudicialmente não logrou obter pagamento.
J) Por tudo o que supra se expõe, há que admitir liminarmente a ação de verificação ulterior de créditos tempestivamente interposta pela Recorrente, correndo esta os seus termos até final.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
A factualidade é a que resulta do precedente relatório.
Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa saber se o artigo 146º ss do CIRE tem aplicação no âmbito do processo de revitalização criado pela L. 16/2002 de 20/4 (artigo 1º, n.2 do CIRE, com regulamentação nos artigos 17º-A a 17º-I). Pretendeu-se instituir um processo especial de revitalização, reorientando “ o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação”, como consta da proposta de Lei nº 39/XII. O mecanismo, como se refere na proposta, pretende-se célere e eficaz, e constitui uma das concretizações de uma das medidas prevista no memorando de entendimento, conforme resolução do C.M nº 43/2011.
Este processo especial tem algum pendor extrajudicial, embora limitado, sujeito aos princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25/10, conforme nº 10 do artigo 17º-D.
Assim e além do mecanismo estritamente extrajudicial, cujos princípios orientadores constam da dita resolução do CM, criou-se este mecanismo, ainda fortemente extrajudicial, mas com algumas particularidades.
Assim, temos como principais diferenças:
- O acordo extrajudicial a que se reporta a resolução, pode ser celebrado com apenas parte dos credores não afetando os direitos dos restantes. No processo especial devem estar presentes todos os credores, (o artº 17º-D, nº 1 refere; “comunica de imediato… a todos os seus credores”), referindo o nº 6 do artigo 17º-F que a decisão do juiz (homologação do plano), vincula todos os credores, “mesmo que não hajam participado nas negociações”.
- No procedimento da resolução a suspensão das ações judiciais em curso e o obstáculo à dedução de novas ação aplica-se apenas aos credores envolvidos e decorre do período de suspensão aludido no princípio quarto. No processo especial decorre do despacho que nomeia administrador provisório (al. a) do nº 3 do 17º-C), e aplica-se a todos os credores, referindo-se apenas a ações tendo em vista cobrança de dívidas.
Coloca-se a questão de saber se é aplicável o disposto no artigo 146º ss. do CIRE – verificação ulterior de créditos. O recorrente refere que a não ser aplicável o normativo, tal redundaria num coartar os direitos dos credores e os princípios constitucionais de defesa da propriedade privada, da iniciativa económica e tutela do património. Refere que a ação de Verificação Ulterior de Créditos prevista no CIRE, será o único meio processual e o idóneo para a Recorrente obter a cobrança dos seus créditos por via judicial, atendendo a que extrajudicialmente não logrou obter pagamento.
Com o mecanismo em causa, pretendeu-se possibilitar de forma célere a consecução de um acordo entre credores e devedor, tendo em vista a permanência deste no mercado, com as vantagens daí decorrentes (elencadas na resolução do CM nº 43/2011). Apenas é aplicável a empresas que não se encontrem em situação de insolvência, tal como a define o artigo 3º, mas apenas se encontrem em situação de insolvência “meramente iminente”.
O processo em causa tem regulamentação própria, bastante simplificada, diversas e distantes da regulamentação do processo de insolvência, (situação em que a empresa não pode encontrar-se). Assim é que não está prevista a citação de credores. O que resulta do artigo 17º-D, é que o devedor deve, logo que nomeado o administrador provisório (despacho da. A) do nº 3 do 17º-C), comunicar aos restantes credores, a todos os que não hajam subscrito a declaração mencionada no nº 1 do art. 17º-C, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, prestando as demais informações que refere o normativo.
Saliente-se que nos termos do nº 11 do artigo 17º-D, o devedor, bem como os seus administradores de direito ou de facto, no caso de aquele ser uma pessoa coletiva, são solidária e civilmente responsáveis pelos prejuízos causados aos seus credores em virtude de falta ou incorreção das comunicações ou informações a estes prestadas.
O mecanismo de reclamação previsto no nº 2 do artigo 17º-D, que refere que qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, não parece ter outra função que não a de permitir a intervenção dos credores para efeitos de negociações e votação do plano.
Se a não reclamação fizesse precludir o direito do credor, que sentido teria o disposto no nº 11 do artigo 17º-D?
Note-se que o artigo 17º-F, nº 6, refere que a decisão do juiz vincula todos os credores mesmo que não hajam participado nas negociações.
Poderia pensar-se que a norma visaria apenas os credores constantes da lista definitiva (seja porque indicados pelo devedor seja porque reclamantes), tanto mais que os credores não têm que participar nas negociações, podendo optar por não o fazer – artigo 17º-D nº 7. A letra da norma, contudo aponta em sentido diverso; refere-se “os credores” e não os credores reconhecidos. Outras normas apontam no mesmo sentido, como o já referido nº 11 do artº 17º-D, e sobremaneira o nº 7 do artigo 17º-G. Refere este:
“Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina -se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º -D.”
Esta norma só pode significar que a não reclamação de crédito nos termos do artigo 17º-D, nº 2 não tem os efeitos preclusivos (ou quase preclusivos) relativamente aos créditos contra o devedor como ocorre no processo de insolvência (onde resta após o decurso do prazo de reclamação de créditos, o recurso ao artigo 146º ss ).
Sendo assim, a verificação ulterior de créditos não tem cabimento neste processo especial, e isso não prejudica em nada o credor, aplicando-se-lhe o plano aprovado e homologado.
Em apoio deste entendimento refira-se o que consta do anexo à resolução referida:
“Por outro lado, se nos casos mais simples as negociações podem envolver todos os credores, nas situações mais complexas ou com grande número de credores pode ser preferível que apenas participem os principais credores.
Nestes casos, o acordo extrajudicial que venha a ser conseguido não pode, por si só, afetar os direitos de outros credores não envolvidos nas negociações ou impor-lhes qualquer obrigação que não aceitaram, podendo ser necessário recorrer, então, aos mecanismos judiciais legalmente previstos para esse efeito.”
A resolução, ao tempo que prevê regras/princípios para os mecanismos totalmente extrajudiciais, refere que não podendo aí impor-se aos credores não envolvidos, refere que para obrigar os restantes credores, poderá ser necessário recorrer aos mecanismos judicias previstos para este efeito. Este processo pode ser um desses mecanismos, por força do disposto no nº 6 do artigo 17º-F.
Na proposta de Lei nº 39/XII refere-se:
“Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários. “

Prevê-se ainda uma tramitação bastante simplificada para a efetivação das reclamações de créditos, bem como da impugnação dos créditos reclamados, sem no entanto se fazer perigar a observância do princípio do contraditório, e definem-se prazos bastante curtos para a sedimentação dos créditos considerados definitivos, em ordem a permitir-se uma rápida tramitação deste processo especial e, assim, preservando-se a possibilidade de recuperação do devedor que se encontre envolvido no mesmo.”
Da proposta parece resultar que a sedimentação dos créditos tem como finalidade não propriamente a fixação definitiva dos débitos da requerente, mas sim permitir uma rápida tramitação do processo, ou seja, visa as negociações e aprovação do plano e não mais que isso.
Consequentemente e pelas razões expostas é de confirmar o decidido.
*
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação confirmando-se a decisão.
*
Custas pelo recorrente.

Guimarães, 2 de Maio de 2013
Antero Veiga
Maria Luísa Ramos
Raquel Rego