Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3035/21.6T8BRG.G1
Relator: MARIA EUGÉNIA PEDRO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
PRETERIÇÃO FORMALIDADES LEGAIS
NULIDADE ATÍPICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A nulidade do contrato de mediação imobiliária cominada no nº7 do art. 16 º da Lei 15/2013 de 8.2 para a preterição das formalidades estabelecidas nos nº1,2,4 e 6 do mesmo preceito legal é uma nulidade atípica que não pode ser invocada pela empresa de mediação.
II. Tendo o mediador prestado toda a actividade a que se obrigou e sendo declarada a nulidade do contrato( por vício de forma) a compensação devida à mediadora, nos termos do art. 289º do C.Civil, deve equivaler ao valor da remuneração acordada.
III. Todavia, as características especiais da prestação do mediador no contrato de mediação e da sua sinalagmaticidade colocam algumas dificuldades no apuramento do âmbito do dever de restituição decorrente do art. 289º do C.Civil.
IV. Não obstante a mediadora tenha desenvolvido a sua actividade, se não tiver sido concluído o negócio visado pelo exercício contrato de mediação, vindo a ser declarada a nulidade do contrato de mediação, não tendo tal actividade aportado qualquer benefício para o cliente, este nada tem que restituir.
Decisão Texto Integral:
Acordam o Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

M... - Invest – Mediação I..., Lda., com sede na Avenida ..., ..., ..., intentou a presente acção declarativa de condenação contra:
F... - Tecelagem, Lda., com sede na Rua ..., em ...,
peticionando   a condenação da ré a pagar-lhe  a quantia de 125.000,00 € acrescida de IVA, à taxa legal em  vigor ( correspondente a 5% do valor de 2.500.000,00 € proposto para a venda/cessão de posição contratual)  ou, em alternativa, a quantia que se vier a apurar atenta a comissão de 5%  fixada no contrato de mediação imobiliária e o valor efectivo da compra e venda/cessão da posição contratual, em qualquer dos casos acrescida de juros desde a data da celebração da venda/cessão da posição contratual até efectivo e integral pagamento.

A fundamentar tal pretensão alegou, em  síntese:
    
- Em Maio de 2020 a autora celebrou com a ré um contrato de mediação imobiliária, relativo a um prédio urbano e a um prédio misto propriedade do Banco 1..., S.A., de que a ré era locatária financeira, pelo prazo de 3 meses, renovável por igual período, no regime de exclusividade, tendo em vista a angariação de clientes interessados na compra desses imóveis ou na cessão da posição contratual que a ré detinha no aludido contrato de locação financeira;
- A autora promoveu os referidos imóveis junto dos seus clientes e publicitou-os por diversas vias, tendo surgido vários clientes interessados, nomeadamente AA, representante legal da sociedade H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A., que visitou os imóveis em 03.06.2020 e ficou de apresentar uma proposta depois de reunir com os demais sócios, o que foi comunicado ao gerente da ré, BB, que ficou igualmente de reunir com os demais sócios e ponderar a redução do preço solicitada pela H...;
- Em 20.07.2020 a ré denunciou o contrato de mediação imobiliária com efeitos a 20.08.2020;
- Tendo chegado ao seu conhecimento, em Outubro de 2020, que a referida H... iria adquirir os prédios em causa, a autora reforçou junto da ré que aquela sociedade era sua cliente e que, caso lhe transmitisse a sua posição contratual ou a propriedade dos imóveis, a autora teria direito à comissão acordada;
- A ré cedeu a sua posição contratual de locatária financeira dos referidos imóveis à sociedade H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A.;
- Com a denúncia do contrato de mediação imobiliária, a ré pretendeu “esquivar-se” ao pagamento devido e acordado com a autora.
 
Finalizou, formulando o pedido supra enunciado.
   
Citada, a ré apresentou contestação, impugnando a factualidade descrita na petição inicial e alegando, em suma:
- O contrato de mediação imobiliária foi celebrado por BB em seu próprio nome e não da ré;
- O referido contrato é nulo, pois: na data em que foi celebrado a autora não entregou ao referido BB ou à ré qualquer fotocópia do mesmo, o que só sucedeu mais tarde; dele não constam as características do imóvel que tem por objecto, os ónus e encargos que sobre este recaem, a identificação do negócio visado com a mediação, as condições de remuneração da autora, a forma de pagamento nem a identificação do angariador; do documento em causa não resulta tratar-se de um modelo validado pela Direção Geral do Consumidor; as cláusulas inseridas no referido contrato não foram previamente negociadas com a ré, configurando cláusulas contratuais gerais, os espaços em branco só foram preenchidos posteriormente pelo agente da autora e não foi prestada qualquer informação ou comunicação sobre as referidas cláusulas.
- A autora nunca desenvolveu qualquer actividade de publicitação do imóvel e promoção da sua venda e nunca comunicou à ré ou ao seu gerente a existência de interessados na aquisição do mesmo, razão pela qual a ré denunciou o referido contrato;
- Em Julho de 2020 a ré foi contactada pela H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A., que se mostrou interessada na sua aquisição, sem nunca ter mencionado que já havia visitado o imóvel, tendo sido acordada, após negociação, a cessão da posição contratual da ré no contrato de locação financeira celebrado com o Banco 1..., S.A. pelo preço de 817.100,54 €, negócio que acabou por ser concretizado em 12.10.2020 sem qualquer intervenção da autora;
- O negócio inicialmente pretendido pela ré era a venda dos imóveis, mediante liquidação da totalidade do crédito do banco, nunca tendo sido aventada pela autora a possibilidade de cessão da posição contratual, solução apenas equacionada nas diversas reuniões mantidas entre a ré e a H....
Concluiu pugnando pela improcedência da acção.
*
A autora respondeu às excepções arguidas na contestação, pugnando pela sua improcedência, acrescentando que BB se apresentou como “dono da empresa” e celebrou o contrato em nome da ré, que lhe foi entregue uma cópia do mesmo, que o formulário utilizado foi previamente submetido à aprovação do I...,IP e que o teor do contrato foi negociado, nomeadamente o regime de contratação, remuneração e prazo de duração, e explicado à ré na pessoa do seu gerente. Mais alegou que a arguição da nulidade do contrato sempre configuraria um abuso de direito, pois a ré apenas pretende furtar-se ao pagamento da comissão devida à autora, e que, de todo o modo, a eventual nulidade do contrato teria como consequência a obrigação da ré restituir à autora o equivalente aos serviços por esta prestados, ou seja, o valor da comissão acordada.
Foi proferido despacho saneador, onde se julgou válida a instância nos seus pressupostos objectivos e subjectivos, se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova, o que não foi alvo de qualquer reclamação.
 
Realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais,   foi proferida  sentença como seguinte  dispositivo :
 “ Pelo exposto, o tribunal julga a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condena a ré F... - Tecelagem, Lda. a pagar à autora M... - Invest – Mediação I..., Lda. a quantia de 40.855,03 €, acrescida do IVA devido à taxa legal, acrescida ainda de juros de mora, contados à taxa aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde 30.3.2021 até integral pagamento.
Custas por autora e ré, na proporção dos respectivos decaimentos (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.”
*
Inconformada, a R. interpôs o presente recurso,   finalizando as sua alegações, com as seguintes       
Conclusões ( transcrição)
 
1. Considerou o Meritíssimo Juiz a quo que, perante a matéria de facto dada como provada, estavam preenchidos os pressupostos quer quanto à existência do contrato, quer quanto ao nexo de causalidade, e consequente direito à remuneração da Autora o que não se aceita.
2. A Ré na sua contestação invocou nos seus artigos 17 e 18 ” Desde logo também não resulta do referido documento se são modelos validados pela Direção Geral do Consumidor, sendo que a falta dessa menção determina a nulidade do referido contrato, cfr. art. 16º da Lei 15/2013 de 08/02.
Pelo que é o referido contrato nulo o que desde já se invoca.”
3. Na douta sentença recorrida refere o Meritíssimo juiz a quo acerca da invocada nulidade do contrato, “Nos termos do artigo 16.º, n.ºs 4, do referido diploma legal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de Agosto, «[o]s modelos de contratos com cláusulas contratuais gerais de mediação imobiliária só podem ser utilizados pela empresa após aprovação prévia dos respetivos projetos pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (I...,IP)».
4. Acrescenta o n.º 6 do mesmo artigo que «[s]empre que a empresa utilize o modelo de contrato com cláusulas contratuais gerais aprovado por portaria dos membros do Governo das áreas da justiça, do imobiliário e da defesa do consumidor, está dispensada da aprovação prévia prevista no n.º 4, devendo depositar o modelo de contrato, por via preferencialmente eletrónica, junto do I...,IP»
5. O n.º 7, do mesmo artigo 16.º, sanciona com nulidade a omissão desta formalidade, com as especificidades já antes analisadas.”
6. E prosseguindo na leitura da aliás douta sentença consta o seguinte:
“No caso em apreço, a nulidade decorrente da utilização de um modelo de contrato não validado pelo I...,IP, nem depositado nesse Instituto, é inteiramente imputável à autora, nada permitindo afirmar que a ré – que pretende prevalecer- se dessa nulidade – tenha de alguma forma contribuído para a mesma, desconhecendo-se mesmo se esta se apercebeu desse vício antes de ter sido chamada a esta acção.”
7. De seguida a decisão analisa os demais vícios arguidos pela Ré, aqui recorrente quanto às demais cláusulas insertas no contrato, e em relação a essas considera que existirá abuso de direito, e que a Ré não as pode invocar como causa de nulidade do contrato.
8. Mas como já se referiu em relação à falta de comunicação ao I...,IP expressamente considera que a Ré em nada contribuiu para gerar confiança na Autora, e em como não iria invocar a referida nulidade como fez, mas acaba por daí não retirar qualquer decisão, ou seja a nulidade não foi decretada, apesar de se verificarem todos os pressupostos legais para o efeito.
9. A sentença na fundamentação confere inteira razão à Ré, e à nulidade por ela invocada, mas de seguida abstém-se de decidir em conformidade.
10. O dever de fundamentar as decisões nos termos do art. 154.º do CPC impõe-se por razões de ordem substancial – cabe ao juiz demonstrar que, da norma geral e abstrata, soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto – e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão a fim de, podendo, a impugnar.
11. Assim verifica-se a nulidade prevista no artº615 na alínea c) do nº 1 do CP Civil, ou seja a oposição entre os fundamentos e a decisão, o que constitui um vício da estrutura da decisão.
12. Padece assim a sentença recorrida de nulidade nos termos do artº 615 al. c) do C.P. Civil
13. Assim além da nulidade por falta da utilização de um modelo de contrato não validado pelo I...,IP, nem depositado nesse Instituto, também o contrato padece de nulidade por violação do conteúdo mínimo imposto pelo nº2 do artº16 da Lei 15/2013
14. De facto na sentença recorrida, e em relação a essa nulidade em concreto pronunciou-se o Meritíssimo juiz a quo no sentido em que não podia a Ré, por tal constituir abuso de direito, invocar a nulidade do contrato por falta do referido conteúdo mínimo.
15. Nos termos do artigo 334.º, o exercício de um direito é ilegítimo quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico destes.
16. Todavia a jurisprudência vem aconselhando cautela na “admissão, em termos gerais, da inalegabilidade pela parte de um vício formal do ato jurídico, decorrente da preterição das normas imperativas que, à data da respetiva celebração e com base em razões de interesse público, regem a forma do ato, acentuando que esta solução, conduzindo ao reconhecimento do vício da nulidade mas à paralisação da sua normal e típica eficácia, carece de ser aplicada com particulares cautelas, não podendo generalizar-se ou banalizar-se conforme acórdão do Tribunal da Relação de Évora – proc:186/18.8CTX.E1 de 25-03-2021, disponível em www.dgsi.pt:”
17. No caso do contrato de mediação imobiliária a lei impõe expressamente no artº 16 nº 5 - O incumprimento do disposto nos n.os 1, 2 e 4 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação.
18. Ora trata-se de uma nulidade atípica, uma vez que só o cliente ou outro terceiro interessado pode invocar a referida nulidade, e destina-se claramente a protege-los na perspetiva de consumidores.
19. Assim a Autora como empresa de mediação, e prestadora do serviço, tem que cumprir os requisitos mínimos do contrato e preenchê-los o que não sucedeu claramente no caso, não tratando de se inteirar a quem pertencia o imóvel, quem eram os titulares inscritos, se existiam ónus sobre o mesmo, descurando claramente todas as normas que regulam a sua atividade.
20. Em contrapartida por tal ação, e por violação das normas imperativas que regula a sua atividade e a forma dos contratos, é premiada com a inalegabilidade dos vícios formais pela Ré em virtude de nesta parte na sentença recorrida sem considerar que estará a agir em abuso de direito, o que não se concebe nem aceita.
21. Pelo que também o contrato padece de nulidade por violação do conteúdo mínimo imposto pelo nº2 do artº16 da Lei 15/2013, o que deve ser declarado.
22. A Lei nº 15/2013, de 8.2, prevê o contrato de mediação com cláusula de exclusividade, conferindo-lhe um regime próprio, devendo o acordo de exclusividade constar obrigatoriamente do contrato, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente (art. 16, n.º 2, al. g)).
23. No caso dos autos, e face ao alegado, cumpre considerar que o contrato de mediação em apreço é nulo (ao abrigo do disposto no art. 16, nº 5, da Lei nº 15/2013, de 8.2).
24. A declaração de nulidade tem efeito retroativo, acarretando a obrigação de restituir tudo o que houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (cfr. art. 289, nº 1, do C.C
25. Na verdade, sendo o contrato dos autos nulo e devendo considerar-se o mesmo inexistente, não pode afirmar-se que as partes estipularam o regime da exclusividade (não obstante o que consta do ponto 6. da matéria dada como provada).
26. Seria, de resto, contraditório que fossem consideradas relevantes as concretas cláusulas sendo o contrato julgado nulo, pelo que sempre terá que ser dada como não provada os pontos da matéria de facto dada como provada, nomeadamente os pontos 6º a 10º inclusive, já que face à nulidade do contrato essas cláusulas são inexistentes.
27. Sendo o contrato nulo, o regime da exclusividade está englobado no reconhecimento da nulidade.
28. A sentença recorrida baseia-se na referida cláusula de exclusividade para considerar a existência de nexo causal entre a atividade da mediadora e a conclusão do negócio, considerando que essa cláusula lhe confere uma presunção de que a celebração do negócio se deveu à atividade da Autora
29. Com o afastamento da cláusula de exclusividade devido à nulidade do contrato, sucumbem os argumentos que inverteram o ónus da prova aí referenciados.
30. Assim da matéria de facto dada como provada resulta que de facto no “No âmbito das negociações então encetadas, no dia 3 de Junho de 2020, a autora acompanhou o referido AA numa visita aos imóveis, tendo este ficado de reunir com os demais sócios da H..., para discutirem valores e apresentarem uma proposta de negócio.
31. No entanto foi dado como não provado que:“b.Que a autora tenha apresentado a proprietária dos imóveis a AA; c. Que a autora tenha dado conhecimento à ré, na pessoa do seu gerente BB, das negociações com o representante da H...; “
32. Não se verifica assim o nexo de causalidade, quando, além de acompanhar a visita, em nada contribuiu a Autora para a realização do negócio de cessão da posição contratual em 12 de outubro de 2020.
33. Tem que considerar que a Autora tinha proposto angariar compradores para os imóveis, conforme o dado como provado no ponto 2 da matéria de facto dada como provada.
34. O próprio AA no seu depoimento de 28/03/2022 às 10:27h, a instâncias da ilustre mandatária da Autora refere que adquiriu a cessão da posição contratual do imóvel, não através da Autora, mas sim do Sr. CC da ... que tinha sido o anterior dono do imóvel.
Mandatária da Autora: e depois como é que acabou por comprar este edifício AA: depois compramos através dum amigo comum do senhor da F... que se chama CC que em conversa me disse conhecia aquilo que tinha sido até ele..
35. Ora a vingar a tese vertida na douta sentença recorrida bastaria a uma imobiliária efetuar uma visita com um potencial interessado, sem que efetuasse qualquer outra démarche, para mais tarde vir invocar que foi graças a ela que o negócio se concretizou, quando em nada contribuiu para o mesmo.
36. A Autora nunca apresentou o referido AA à Ré, nunca apresentou qualquer proposta ou intermediou qualquer proposta, nunca pôs as partes em contato, e consciente desses seus deveres veio alegar que tinha apresentado à Ré o AA e que tinha dado conhecimento a BB das negociações com a H..., o que acabou por não se provar, e por não corresponder à verdade, mas seria essencial para provar o nexo causal e conferir à Autora o direito à remuneração.
37. O negócio que a Autora se propusera mediar era uma compra e venda que não ocorreu, mas sim uma cessão de posição contratual, com intervenção do banco a aceitar essa cessão.
38. Assim em relação aos factos não provados, na alínea i) deu o Meritíssimo Juíz a quo como não provado: alínea i. Que inicialmente a ré pretendesse vender os imóveis acima identificados e liquidar na totalidade o crédito do banco e que só com as diversas reuniões mantidas com a H... tenha sido pensada a solução da cedência da posição contratual; certo é que tal facto deveria ter sido dado como provado, ou pelo menos que “Que inicialmente a ré pretendesse vender os imóveis acima identificados e que com a H... tenha sido pensada a solução da cedência da posição contratual”
39. Da matéria de facto dada como provada consta no ponto 2.Em Maio de 2020, no exercício da referida atividade, a autora, por intermédio de um dos seus angariadores, contactou BB, propondo-lhe angariar interessados na compra dos seguintes imóveis.( negrito nosso)
40. A Autora propôs encontrar interessados para a compra do imóvel, não para a aquisição da posição contratual.
41. AA no seu depoimento registado no sistema “habilus media studio”, em audiência de 28/03/2022, com início às 10:27h, a instâncias da ilustre mandatária da Autora refere que o negócio era uma compra e venda por dois milhões e meio:
Mandatária da Autora: não recorda-se qual era o mediador que tipo de negócio era, se era uma compra e venda ?
AA: era compra e o valor que tinham disseram que podia fazer uma proposta mas disseram que era de dois milhões e meio.
42. DD no seu depoimento registado no sistema “habilus media studio”, em audiência de 28/03/2022, com início às 11:26 h, a instâncias da ilustre mandatária da Autora refere que o negócio era uma compra e venda, e nunca fala de cessão da posição contratual:
Mandatária da Autora: acertou no dia lá em ... ou já tinha DD: não enquanto fizemos a visita falei com o senhor BB se havia a possibilidade dele me dar a exclusividade daquilo ele disse não dou exclusividade a ninguém está aqui a placa eles colocam aqui a placa porque querem e quem me aparecer aqui com um cliente depois nós fechamos negócio, e eu disse ó senhor BB sendo um imóvel da envergadura que era e pelos valores que íamos vender o ideal seria trabalhar em exclusividade pronto é benéfico para nós para nós angariadores e benéfico para quem tá a vender é porque trabalhamos melhor o imóvel e o senhor BB
43. O negócio de cessão da posição contratual não se poderá confundir com uma compra e venda, e demonstra que o negócio visado e proposto pela Autora à Ré nunca se concretizou. A Compra e venda e a cessão da posição contratual são negócios completamente diferentes e com preços diferentes., e está dado como provado que: ponto19. Em 12 de Outubro de 2020 a ré cedeu a sua posição de locatária no contrato de locação financeira acima referido a H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A., mediante o pagamento da quantia de 817.100,54 €, conforme documento n.º ... da contestação (cfr. fls. 46 a 48), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
44. Pelo que sempre deveria ter sido dado com provado o ponto i) dos factos dados como não provados, já que a Autora propôs a compra mas o negócio que a Ré negociou e realizou posteriormente foi efetivamente a cessão da posição contratual.
45. A Autora não teve qualquer contributo na concretização da cessão da posição contratual, até porque nem se preocupou em pedir a identificação do imóvel, como é que aquele se encontrava, e se de facto se poderia fazer o negócio, já que o mesmo poderia ter um arresto, penhora, hipoteca, e nem isso se deu ao cuidado de verificar, em clara violação no disposto no artº16 nº2 da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro.
46. Não se pode aceitar que a Autora tenha contribuído para a conclusão do negócio, quando o negócio concretizado não foi a compra e venda a que se haviam proposto, o próprio adquirente em declarações nos autos indica que deixou de se interessar no negócio na altura e só mais tarde teve interesse para novo projeto, a Autora nunca apresentou qualquer interessado à Ré, nunca os pôs em contato, nunca viabilizou de qualquer forma as negociações ou interveio nas mesmas.
47. Além de se ter quebrado o laço entre a visita a inicial ao imóvel para a eventual compra e venda pelo referido AA, que mais tarde vem a outorgar uma cessão da posição contratual, o que foi confirmado pelo próprio AA, e em nada foi abalado pelas testemunhas da Autora.
48. Pelo que violou a decisão recorrida entre outros o disposto no artº 16 nº2, nº4 e 7 e 19 º da lei Lei 15/2013 de 08/02,154 C.P. Civil, 334º código civil

Termos em que, deverá ser julgado procedente o presente recurso por provado, conhecida e declarada a nulidade invocada, e revogada a sentença absolvendo-se a Ré do pedido.
                                                                       *
 A recorrida  apresentou contra- Alegações que terminam com as seguintes
Conclusões ( transcrição )
1 - Vem o Recurso interposto da decisão de 1.ª Instância a qual julgou:
“Pelo exposto, o tribunal julga a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condena a ré F... - Tecelagem, Lda. a pagar à autora M... - Invest – Mediação I..., Lda. A quantia de 40.855,03€, acrescida do IVA devido à taxa legal, acrescida ainda de juros de mora, contados à taxa legal aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde 30.03.2021 até integral pagamento.
Custas por autora e ré, na proporção dos respectivos decaimentos (cfr. Artigo 527.º, n.º 1 e 2,do Código de Processo Civil).”
2 - Entende R./Recorrente que se impunha decisão diversa da constante da sentença, alegando, que a mesma “enferma de vícios de facto e de direito”, o que conduzirá à sua invocada nulidade.
3 - Entende a Recorrente que deveria a acção ter sido julgada totalmente improcedente.
4 -  Não pode a Recorrida concordar com tal afirmação, uma vez que, dúvidas não lhe restam que  bem andou o tribunal a quo a decidir como decidiu.
5 - Não assiste qualquer razão à Recorrente, não existindo qualquer censura a fazer à douta sentença recorrida, pelo que o recurso deve improceder.
6 - A decisão de facto está de acordo com o que resultou da prova produzida, nomeadamente, de acordo com o que resulta das peças processuais, dos documentos juntos e dos depoimentos das testemunhas, bem como, da aplicação do direito que resulta da conjugação de todos estes factores.
7 - Atenta a decisão de facto constante da douta sentença recorrida, nada existe a apontar ao direito aplicado e ao sentido da sentença proferida, pelo que esta deve ser confirmada.
8 - Pelo que, deverá ser mantida na íntegra a decisão proferida pela 1.ª Instância.
9 - Considerando-se que não foi impugnada a matéria de facto terão V. Exas. que considerar como definitivamente assente a mesma.
10 - Com todas as consequências daí decorrentes, nomeadamente, a manutenção da decisão proferida na douta sentença.
11 - É a própria Recorrente que reconhece a existência do contrato de mediação imobiliária celebrado entre A./Recorrida e R./Recorrente.
12 - Salvo o devido respeito, que é muito, a ora Recorrida não pode concordar com a alegação da Recorrente de que mal andou o tribunal a quo, alegando para tal que: “A sentença na fundamentação confere inteira razão à Ré, e à nulidade por ela invocada, mas de seguida abstém-se de decidir em conformidade”.
13 - Da análise, quer dos factos dados como provados, quer do direito directamente aplicável aos presentes autos a outra solução não poderia ter chegado o Tribunal a quo.
14 – Concorda, assim, a Recorrida com a qualificação jurídica e factual efectuada pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, e com as consequências que o Mmo. Juiz do Tribunal a quo retira desses factos.
15 - Ao contrário do alegado pela Recorrente não deixou o tribunal a quo de se pronunciar sobre a alegada nulidade do contrato, decorrente da falta da prévia aprovação e/ou comunicação do contrato de mediação por si utilizado. – Cfr. n.º 4 da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de Agosto.
16 - A este respeito está plasmado na douta sentença recorrida o seguinte: “(…) Estamos, assim, em condições de afirmar que a conduta das partes, sedimentada ao longo de todo o período de vigência do contrato, criou a fundada e legitima confiança na autora de que a ré não invocaria o vício formal.
Nestes termos, em conformidade com a sólida jurisprudência antes analisada, importa considerar abusiva e, por isso, improcedente a invocação da referida nulidade formal. (…)” – sublinhado nosso.
17 - A Recorrente – tal como já havia feito na sua Contestação – transcreve parte de um Acórdão, neste caso o Acórdão proferido pelo STJ de 29 de Abril de 2021, em que é relator o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Dr. João Cura Mariano, no âmbito do processo n.º 5722/18.7T8LSB.L1.S1, mas desvirtuando/descontextualizando a decisão ali proferida.
18 - Que a respeito da nulidade invocada pela R./Recorrente refere, também, o seguinte: “(…)
Daí que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima citado, num caso de nulidade de um contrato de mediação em que o negócio mediado não se concretizou, se tenha recusado a ordenar a restituição de qualquer valor à mediadora, por força do efeito retroativo da nulidade contratual. Já quando o negócio mediado se concretiza por ação da mediadora, a nulidade do contrato pode dar origem ao dever de o cliente “restituir” o resultado bem sucedido da atividade da mediadora, pagando um valor equivalente à retribuição acordada. (sublinhado nosso).
19 - De salientar que neste excerto, o referido Acórdão remete para um outro proferido, também, pelo STJ no âmbito do Processo n.º 4498/07, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Santos Bernardino, acessível em www.dgsi.pt.
20 - Sendo certo que, naqueles autos, ao contrário do que acontece nestes, o negócio não foi concluído com o cliente angariado pela sociedade imobiliária que ali figura como A..
21 - Em conformidade com o supra exposto e, ao contrário do que é alegado pela
Recorrente não se mostra verificado o alegado vicio da sentença.
22 – Isto porque da mesma consta a decisão sobre a nulidade invocada, bem como, a fundamentação que levou a tal decisão.
23 – Não se mostrando, nem obscura ou ambígua, muito pelo contrário, é perfeitamente de fácil entendimento quer o sentido da fundamentação, quer do segmento decisório da sentença recorrida.
24 - Que, e bem, decidiu como “abusiva e, por isso, improcedente a invocação da referida nulidade formal.”
25 - Pelo que, terá, assim que improceder o presente recurso, dado que a sentença recorrida não padece do invocado vicio alegado, nomeadamente, do vicio estatuído na al. c) do art. 615.º do C.P.C..
26 - Alega, ainda, a R./Recorrente que o contrato de mediação em apreço nos presentes autos é nulo por alegada violação do conteúdo mínimo imposto pelo n.º 2 do art. 16.º da Lei 15/2013.
27 - Como supra se mencionou e resulta quer da Petição Inicial e documentos que acompanham a mesma, quer da Contestação apresentada pela ora Recorrente, quer da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo e, ainda, das Alegações de Recurso por si apresentadas, nunca a Recorrente pôs em causa a real existência do Contrato de Mediação imobiliária celebrado entre Recorrente e Recorrida.
28 - Entende é a mesma que, não obstante, ter a Recorrida prestado os seus serviços de forma correcta e com reais resultados não tem direito à remuneração acordada.
29 - Não obstante ter a Recorrente beneficiado dos serviços prestados e ter procedido à celebração de negócio com cliente angariado pela Recorrida.
30 - Como alias, resulta da sentença proferida pelo tribunal a quo que expressamente refere: “É, assim, indiscutível que ficou demonstrada a actividade do mediador e a conclusão do contrato entre o comitente e um terceiro”.
31 - Tentando socorrendo-se, para tentar fugir às suas obrigações, das mais variadas
alegações de nulidades.
32 - Sendo uma delas a alegada nulidade por “violação do conteúdo mínimo imposto pelo nº2 do artº 16 da Lei 15/2013.”
33 - Não pode a Recorrente estar mais errada a este respeito.
34 - Não colhem os argumentos da mesma plasmados quer na sua Contestação, quer nas suas alegações de recurso.
35 - Concordando-se na íntegra com o vertido na douta sentença, nomeadamente, com o seguinte: “(Assim, a ligeireza ou mesmo leviandade que caracterizou a formalização desde acordo é igualmente imputável a ambos os contratantes, que não se preocuparam em assinalar nos campos respetivos o tipo ou tipos de negócio visados com a mediação, bem como a existência ou inexistência de ónus e encargos sobre os respectivos imóveis)”.
Mas tal não impediu que ambas as partes estivessem cientes dos termos do acordo que celebraram e que tivessem sempre agido no pressuposto da validade desse acordo, inclusivamente a ré que, como vimos, embora não figure como parte no contrato celebrado por sua conta e no seu interesse, assumiu os inerentes direitos e obrigações, intervindo directamente na sua execução para declarar a sua vontade de não o renovar, mas respeitando o prazo de três meses inicialmente acordado, assim reconhecendo de forma explicita a validade do mesmo. (sublinhado nosso).
Estamos, assim, em condições de afirmar que a conduta das partes, sedimentada ao longo de todo o período de vigência do contrato, criou fundada e legítima confiança na autora de que a ré não invocaria o vício formal.
Nestes termos, em conformidade com sólida jurisprudência antes analisada, importa considerar abusiva e, por isso, improcedente a invocação da referida nulidade formal.”
36 - Pelo que, também, nesta parte terá o recurso interposto que improceder.
37 - Conforme supra se referiu e para onde, por uma questão de economia processual se remete, o contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida não é nulo.
38 - Não sendo o mesmo nulo, mante-se em vigor com todas as suas clausulas, incluindo a clausula de exclusividade.
39 - Clausula, alias, contratualizada após negociação entre as partes, conforme resultou quer da prova documental, quer da prova testemunhal.
40 - Duvidas também, não podem restar que existiu nexo de causalidade entre o trabalho desenvolvido pela Recorrida e o negócio celebrado entre a Recorrente e terceiro.
41 - Na verdade, a Recorrida desenvolveu a sua actividade de mediação imobiliária a que obrigou, posto que procedeu à promoção dos imóveis em apreço nos presentes autos juntos dos seus clientes e publicitou a sua existência para venda através de vários meios de divulgação, nomeadamente, através da internet e da colocação de uma lona junto aos imóveis – Cfr. Ponto 11 dos factos dados como provados.
42 - Na sequência de tais diligências, conseguiu angariar vários interessados na aquisição dos imóveis, entres os quais, o Exmo. Sr. AA, que contactou um colaborar da Recorrida, se apresentou como legal representante da sociedade comercial denominada H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A., fez uma visita aos imoveis na companhia de um outro colaborador da Recorrida, mostrou-se interessado na aquisição dos imóveis e ficou de reunir com os demais sócios da sociedade para apresentar uma proposta de negócio. – Cfr. Pontos 12 e 13 dos factos provados.
43 - Empresa com a qual veio a Recorrente a concretizar o negócio.
44 - Pelo que, também, nesta parte concordamos e subscrevemos a douta sentença proferida pelo tribunal a quo nomeadamente na parte em que expressamente refere o seguinte:“Voltando ao caso concreto, a factualidade apurada revela que a ré não logrou ilidir aquela presunção, antes corroborando o aludido nexo de causalidade.”
E “É, assim, indiscutível que ficou demonstrada a actividade do mediador e a conclusão do contrato entre o comitente e um terceiro”.
45 - Pelo que, bem andou o tribunal a quo a decidir no sentido que decidiu.
46 - Devendo, também, nesta parte improceder o recurso interposto.
47 - A douta decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade, contradição, nem fez uma incorreta interpretação do alegado nos articulados, nem matéria probatória, nem viola quaisquer disposições legais aplicáveis.
48 - Face ao exposto, deverá manter-se a decisão proferida.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a
decisão recorrida, assim se fazendo a sempre acostuma JUSTIÇA!
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O recurso  foi admitido como apelação, com subida imediata e  efeito meramente    devolutivo, o que foi confirmado neste  tribunal.
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Foram colhidos os vistos legais.
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Nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

II. Delimitação do objecto do processo
    
Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões :
- Verificar se a sentença enferma da nulidade apontada,
-  Apreciar a impugnação da matéria de facto
-  Saber se a invocação pela R. da nulidade formal  do  contrato consubstancia abuso de direito.
 -  Saber se a A. tem direito à  remuneração   peticionada.

III. Fundamentos de  facto

Na 1ª Instância  foi a seguinte a decisão da matéria de facto:

A. Factos provados :
1. A autora tem por objeto a atividade de mediação imobiliária, conforme documento n.º ... da petição inicial (cfr. fls. 9 a 11 do suporte físico do processo), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2. Em Maio de 2020, no exercício da referida atividade, a autora, por intermédio de um dos seus angariadores, contactou BB, propondo-lhe angariar interessados na compra dos seguintes imóveis:
- Prédio urbano, composto por edifício fabril com meia cave, destinada a armazém, piso térreo para actividade industrial, andar com escritórios, instalações sociais e andar para cozinha de tinturaria e estamparia com logradouro, sito no lugar de ..., ... ou ..., da freguesia ..., no concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial desse município sob o número ...12/... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...80 da união de freguesias ... e ...;
- Prédio misto composto por duas casas torres e térreas, uma com a área de 48 m2 e outra com a área de 133,50 m2, e quintal com a área de 618 m2 e junto terreno de cultivo eucaliptal com a área de 14.811,08 m2, sito em ..., freguesias de ... e de ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial deste município sob os números ...42/... e ...7/... e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos ...75 e ...76 da freguesia ... e na matriz predial rústica sob o artigo ...62 da união de freguesias ... e ....
3. Nessa altura a propriedade dos referidos prédios encontrava-se inscrita no registo a favor do Banco 1..., S.A.
4. Encontrava-se igualmente inscrita no registo a locação financeira dos referidos prédios a favor de F... - Tecelagem, Lda., por transmissão da posição contratual de ... – ... e Artigos T... Unipessoal, Lda., tudo conforme documentos n.º ..., ... e ... da petição inicial (cfr. fls. 12 a 17), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Na sequência de tal contacto, em 20 de Maio de 2020 foi celebrado entre a autora e o referido BB o acordo escrito junto como documento n.º ... da petição inicial (cfr. fls. 18 e 19), denominado “Contrato de Mediação Imobiliária”, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido, do qual faz parte a planta topográfica em anexo, referente aos imóveis objecto do acordo, que foi entregue pelo referido BB ao funcionário da autora.
6. O referido acordo foi celebrado pelo prazo de três meses, renovável por igual período, nos termos da sua cláusula 9.ª, e no regime de exclusividade, em conformidade com a sua cláusula 5.ª.
7. Por via desse acordo, a autora obrigou-se a tratar da promoção dos referidos imóveis e a angariar clientes interessados na sua aquisição.
8. Tendo ficado estipulado que seria devida à autora uma quantia correspondente a 5% do preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, acrescida de IVA, caso aquela conseguisse interessado na compra dos imóveis em apreço.
9. Para obrigar a ré são necessárias as assinaturas de ambos os gerentes, BB e EE, conforme documento n.º ... da contestação (cfr. fls. 40 a 43), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. BB assinou o contrato referido em 5 em nome próprio, no interesse e por conta da ré.
11. A autora começou a promover os referidos imóveis junto dos seus clientes e a publicitar a sua existência para venda por vários meios de divulgação, nomeadamente através da internet e de uma lona colocada junto aos mesmos.
12. Na sequência destas diligências surgiram vários interessados, entre eles AA, que contactou um colaborador da autora, se apresentou como representante legal da sociedade H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A. e solicitou informações sobre os imóveis, que lhe foram prestadas.
13. No âmbito das negociações então encetadas, no dia 3 de Junho de 2020, a autora acompanhou o referido AA numa visita aos imóveis, tendo este ficado de reunir com os demais sócios da H..., para discutirem valores e apresentarem uma proposta de negócio.
14. A autora continuou a promover o imóvel e a aguardar uma posição por parte do potencial comprador, no sentido de chegarem a um acordo quanto ao preço e aos demais termos do negócio.
15. A autora comunicou ao gerente da ré a existência de interessados na aquisição do imóvel e a realização de visitas ao mesmo.
16. A ré enviou à autora uma missiva, datada de 20 de Julho de 2020, a denunciar o contrato de mediação imobiliária celebrado, com efeitos a partir de 20 de Agosto de 2020, conforme documento n.º ... da petição inicial (cfr. fls. 21), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
17. Em Outubro de 2020 chegou ao conhecimento da autora que a ré iria transmitir os imóveis acima identificados e que a adquirente era a sociedade H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A.
18. Por correio electrónico datado de 02.10.2020, a autora comunicou à ré que a sociedade H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A. era sua cliente, tendo tido conhecimento dos imóveis acima identificados através da sua agência, mais solicitando que fosse tido em atenção a sua remuneração no caso de ser celebrado algum negócio, conforme documento n.º ... da petição inicial (cfr. fls. 26), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
19. Em 12 de Outubro de 2020 a ré cedeu a sua posição de locatária no contrato de locação financeira acima referido a H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A., mediante o pagamento da quantia de 817.100,54 €, conforme documento n.º ... da contestação (cfr. fls. 46 a 48), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
20. Esta transmissão da posição contratual encontra-se inscrita no registo, conforme documentos n.º ..., ... e ... da petição inicial (cfr. fls. 12 a 17).
21. AA faz parte do Conselho de Administração da referida sociedade, conforme documento n.º ... da petição inicial (cfr. fls. 22 a 25), cujo teor aqui se dá aqui por integralmente reproduzido.
22. Por carta datada de 30 de Março de 2021, a autora solicitou à ré o pagamento da comissão acordada, no valor de 5%, acrescido de IVA, sobre o valor de venda do imóvel, que se fixou em 2.500.000,00 €, o que perfaz 125.000,00 €, acrescido de IVA, conforme documento n.º ...0 da petição inicial (cfr. 27 e 28), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
23. O documento referido em 5 foi emitido pela autora, contendo partes já impressas e espaços em branco, designadamente para a identificação dos outorgantes e respetivas qualidades, identificação do imóvel, preços e outros elementos.
24. O valor dos imóveis aí indicado foi determinado pelo gerente da ré BB.
 25. As negociações entre a ré e H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A. que conduziram à cessão da posição contratual referida em 19 iniciaram-se em Julho de 2020.
26. Na data da assinatura do acordo referido em 5 foi entregue a BB um duplicado do documento assinado.
27. A cláusula 6.º do acordo referido em 5 foi comunicada ao gerente da ré e expressamente aceite por este.
28. O regime de contratação (cláusula 5.º) e o prazo de duração (cláusula 9.º) foram negociados entre as partes.
29. O teor das demais cláusulas inseridas no referido acordo foi explicado ao gerente da ré e aceite por este.
 B. FACTOS NÃO PROVADOS
Nenhum dos restantes factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa resultou provado, designadamente:
a. Que tenha ficado estipulado que a remuneração da autora seria devida logo que a venda se concretizasse;
b. Que a autora tenha apresentado a proprietária dos imóveis a AA;
c. Que a autora tenha dado conhecimento à ré, na pessoa do seu gerente BB, das negociações com o representante da H...;
d. Que a denúncia do contrato por parte da ré tivesse como objectivo obviar ao pagamento devido e acordado com a autora;
e. Que, aquando da celebração do contrato junto como documento n.º ... da petição inicial, BB se tenha apresentado como “dono” ou representante legal da ré e tenha assinado o contrato nessa qualidade;
f. Que o angariador da ré tenha comunicado a BB que não havia necessidade de colocar a identificação do imóvel ou outros dados;
g. Que os espaços em branco do documento aludido em 5 dos factos provados só tenham sido preenchidos posteriormente pelo agente da autora;
h. Que o representante da H... nunca tenha mencionado qualquer visita ao imóvel ou nunca tenha dado a indicação de o conhecer através da autora;
i. Que inicialmente a ré pretendesse vender os imóveis acima identificados e liquidar na totalidade o crédito do banco e que só com as diversas reuniões mantidas com a H... tenha sido pensada a solução da cedência da posição contratual;
j. Que o modelo utilizado no contrato referido em 5 dos factos provados tenha sido previamente submetido para aprovação do I...,IP
*
- Da nulidade da sentença

Dispõe o art. 615º, nº 1, do C.P.C., que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e)O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
   
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no citado normativo legal .
  
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença e, por isso, são apreciados em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito.   Com efeito, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por dois tipos de causas:  
a) por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou das  regras que balizam o conteúdo e os limites do poder  do juiz  no processo em que são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C.; b)  por erro no julgamento dos factos e do direito, sendo  neste caso a  consequência a respectiva revogação.
     
A ré / recorrente,  sustenta que a sentença proferida  é nula, nos termos da al.c) do art. 615º do CPC,  porquanto os fundamentos estão em  oposição com a decisão, no que respeita  à questão da nulidade formal do contrato   de mediação  decorrente da utilização de um modelo de contrato não validado  pelo I...,IP, nem depositado neste instituto.
      
Sobre este motivo de nulidade da sentença escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz  a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
  
A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artº 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente»
   
No mesmo sentido, veja-se o Ac. STJ de 20-05-2021; proc. 69/11.2TBPPS.C1.S1,  (Relator: Nuno Pinto de Oliveira)  assim sumariado: “I. — A oposição entre os fundamentos e a decisão corresponde a um vício lógico do acórdão — se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. II.— Enquanto vício lógico, a oposição entre os fundamentos e a decisão distingue-se da errada interpretação de uma determinada disposição legal, sindicável em sede de recurso.
III. — A ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.
        
Defende  a recorrente a verificação de tal nulidade da sentença, aduzindo que na  fundamentação  da sentença recorrida o Mmo Juiz a quo   concluiu que a nulidade do contrato decorrente  da utilização de um modelo de contrato não validado pelo I...,IP, nem depositado nesse Instituto, era inteiramente imputável à autora, nada permitindo afirmar que a ré – que pretende prevalecer- se dessa nulidade – tenha de alguma forma contribuído para a mesma, dando-lhe  assim  razão,  mas,  de  seguida,  se   absteve de decidir em  conformidade, não retirando  as consequências  de  tal  nulidade, daí a contradição.
  
Ora, lendo atentamente a sentença recorrida, vemos que o tribunal a quo reconheceu duas causas de nulidade  do contrato de mediação  imobiliária em apreço nos autos. A primeira decorrente da utilização de um modelo de contrato não validado pelo I...,IP, nem depositado nesse instituto e a segunda resultante da inobservância  do conteúdo mínimo imposto pelo nº2 do art. 16º da Lei 15/2003.
Relativamente à primeira a fls 89v. o Mmo Juiz a quo escreveu, de facto,“ é inteiramente imputável à autora  nada permitindo afirmar que a ré - que pretende  prevalecer-se  dessa nulidade- tenha de alguma forma contribuído para  a mesma, desconhecendo-se mesmo se esta se apercebeu desse vício antes de ter sido  chamada  à acção.”
  A seguir apreciando a segunda  ( inobservância do conteúdo  mínimo) concluiu : “ Assim , a ligeireza ou mesmo  a leviandade que caracterizou a formalização do acordo é igualmente imputável a ambos os contraentes, que não se preocuparam em assinalar nos camps respectivos o tipo ou tipos de negocio visados com a mediação, bem como a existência ou inexistência de ónus e encargos sobre os respectivos imóveis. “
  
E, logo após,  reportando-se a ambas  as causas de nulidade rematou :
“ Mas tal não impediu que ambas as partes estivessem cientes dos termos do acordo que celebraram e que tivessem sempre agido no pressuposto da validade desse acordo, inclusivamente a ré que, como vimos, embora não figure como parte no contrato celerado por sua conta e no seu interesse, assumiu os inerentes direitos e obrigações, intervindo directamente na sua execução para declarar a sua vontade de não o renovar, mas respeitando o prazo de três meses inicialmente acordado, assim reconhecendo de forma explícita a validade do mesmo.
Estamos, assim, em condições de afirmar que a conduta das partes, sedimentada ao longo de todo o período de vigência do contrato, criou fundada e legítima confiança na autora de que a ré não invocaria o vício formal.
Nestes termos, em conformidade com a sólida jurisprudência antes analisada, importa considerar abusiva e, por isso, improcedente a invocação da referida nulidade formal.”
 Ao invés do alegado pela recorrente,  não se  afirmou na sentença  no que concerne  à primeira causa de nulidade : “  Não  estando demonstrado qualquer comportamento da Ré susceptível de gerar na Autora a confiança de que a falta de aprovação pela Direcção Geral do Consumidor  do modelo do texto contratual utilizado não seria invocada, como causa de  nulidade contratual, não se verifica uma situação de abuso de direito que impeça a invocação da nulidade do contrato pela Ré com os consequentes  efeitos”.
Este parágrafo  sublinhado pela recorrente no corpo das alegações para realçar a apontada contradição   da sentença  constitui  a parte final  da  citação do Ac. do STJ de 9.04.221, proc. nº 5711/18.7T8LSB.L1.S1,  e não uma conclusão do tribunal recorrido em relação ao caso aqui em apreço, cuja apreciação é feita a seguir.
Posto isto, forçoso é concluir que não se verifica,  a invocada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e  a decisão.  O tribunal a quo considerando verificadas duas causas de nulidade formal do contrato   entendeu  que a invocação   dessa  nulidade  por parte da  ré  constituía abuso de direito, face à conduta pela mesma adoptada, e paralisando o exercício de tal direito que formalmente assistia  à R., não decretou a nulidade do contrato, inexistindo qualquer incoerência no raciocínio lógico-jurídico da sentença  recorrida.
Pode discordar-se da subsunção jurídica dos factos e  da decisão, mas tal configura erro de julgamento a apreciar em sede da aplicação do direito e não causa de nulidade da sentença, pelo que nesta parte improcede a pretensão da recorrente.

- Da Impugnação da matéria de facto

Comecemos por verificar os requisitos  legais necessários para que este Tribunal reaprecie  a decisão da matéria de facto.
   
Tais requisitos constam do art.640º do C.P.Civil que preceitua:
 
1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)  Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
  
Da norma transcrita resulta que a reapreciação da decisão da matéria de facto pelos tribunais da Relação está subordinada ao cumprimento de diversos ónus pelo recorrente, cuja explicitação tem vindo a ser feita pela doutrina e pela  jurisprudência, nomeadamente pelo STJ que no  acórdão de  21-03-3019, relatado por Rosa Tching, disponível in www.dgsi.pt,  a este propósito, decidiu o seguinte:
 “ Para efeitos do disposto nos artigos  640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir,  previstas nas alíneas a), b)  e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por  função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
  
E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos  facilitado aos meios de prova gravados relevantes  para a apreciação da impugnação deduzida.
  
Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
   
Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c)  do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada; já quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício  do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo  tribunal  de recurso.”
     
E no Ac. do STJ de 01/10/2015,  Proc. nº824/11.3TTLRS.L1.S1, relatado por Ana Luísa Geraldes, in www.dgsi.pt,  clarifica-se assim forma como o recorrente deve cumprir tais ónus  na estrutura do recurso : “I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação. IV – Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação .
Cumprindo o impugnante tais ónus, o Tribunal da Relação apreciará a impugnação devendo alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa- cf. art. 662º nº1 do CPC.”
Sobre os parâmetros  da reapreciação  pela  Relação  da  decisão da matéria de facto,   referem  A. Abrantes Geraldes e Outros  in  Recursos  em Processo Civil, Almedina, 6º edição, pág. 332, “(…) a Relação tem autonomia decisória competindo-lhe  formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daquelas que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.  
Nesta sua função de reapreciação da decisão de facto, a Relação não opera apenas em casos de erros manifestos de apreciação, mas também pode formar uma convicção diversa da 1ª instância sobre os pontos de facto impugnados, o que deve levar a nova decisão que contenha esse resultado, fundamentadamente, ou seja, com base bastante para alterar aquela que foi a convicção (errada) do juiz de 1ª instância (-erro de apreciação ou erro de julgamento).
Partindo do princípio do dispositivo, deve o recorrente indicar os meios de prova que no seu entender deviam ter feito o Tribunal “a quo” encetado caminho diverso no seu juízo probatório; contudo, o Tribunal “ad quem” não está limitado a essa indicação – que será seu ponto de partida e pode até ser o bastante- podendo e devendo se tal se impuser (além dos demais poderes conferidos em termos de retorno à primeira instância ou de oficiosidade) socorrer-se de todos os meios de prova produzidos nos autos para confirmar ou rebater a argumentação do recorrente.
É vasta  também a jurisprudência sobre esta matéria,  referindo-se,  a título exemplificativo, os seguintes acórdãos  do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); acórdãos da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt, dos quais se retiram as seguintes regras a observar  na reapreciação  da matéria de facto:
-  a Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes);
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância;
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas;
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão;
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção -obtida com benefício da imediação e oralidade- apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
*
A  R./recorrente indicando e transcrevendo passagens dos depoimentos das testemunhas  AA e DD,  pretende  que com base nos mesmos se altere a decisão relativamente aos seguintes factos dados como não provados na alínea i) que são :
Que inicialmente a ré pretendesse vender os imóveis acima identificados e liquidar na totalidade o crédito do banco e que só com as diversas reuniões mantidas com a H... tenha sido pensada a solução da cedência da posição contratual;
Preconizando que  tais  factos sejam dados como provados ou, pelo menos , que se que dê como provado “ Que inicialmente ré pretendia vender os imóveis acima identificados e  que com a H... tenha sido pensada a solução da cedência da posição contratual.”
Mostrando-se cumpridos os ónus legais, cumpre apreciar a impugnação.
No que respeita a este ponto escreveu o Mmo Juiz a quo  na motivação da sentença:
“Relativamente ao ponto i. dos factos não provados, o Tribunal considera que não se fez prova segura da factualidade aí descrita. É certo que o funcionário da autora que contactou gerente da ré se propôs angariar interessados na compra dos imóveis, no pressuposto de que este era proprietário dos mesmos, e que o preço indicado no contrato referido em 5 correspondia ao preço da venda desses imóveis, o que sugere que a ré efectivamente pretendia vender os tais imóveis, mediante liquidação da totalidade do valor devido ao locador financeiro. Mas daqui não decorre que a ré não tivesse equacionado e não estivesse predisposta, desde o início, a negociar a cessão da sua posição contratual no contrato de locação financeira, como veio a fazer, tanto mais que ela própria havia adquirido a posição contratual da primitiva locatária dos imóveis. De resto, a circunstância de tanto as partes como as testemunhas se referirem à compra e à venda dos imóveis não significa que o façam com o propósito ou, sequer, a consciência de estarem a fazer um enquadramento técnico-jurídico correcto e rigoroso, o que é demonstrado pelo facto de também se referirem à cessão da posição contratual da ré para a H... como uma compra e venda.”
Ouvimos integralmente os depoimentos das referidas testemunhas AA e FF. E  tais depoimentos  não nos permitem concluir se houve ou não  uma alteração das  intenções negociais da R.  quando entabulou negociações com a H....
A testemunha DD que foi o angariador dos imóveis disse que o preço de € 2.500.000,00   foi indicado pelo Sr. BB ( gerente da R.) para  venda e  que  este   disse ser  o proprietário, apenas se tendo apercebido que  pertenceriam à R., posteriormente, quando esta solicitou cópia legível do contrato. Mais referiu que  o Sr. BB no dia da assinatura do  contrato prometeu enviar-me a certidão predial  mas nunca o fez, apesar de ter insistido,  e como  surgiram logo vários interessados foram avançando com a promoção, descurando a obtenção da documentação dos imóveis.  Por sua vez,  a testemunha  AA  referiu que  quando visitou os imóveis  com um  agente da A.    foi informado que os imóveis estavam à venda pelo preço de €2.500.000,00 e não esclareceu o teor das negociações que  entabulou com a R.  e  vieram  a culminar na  cessão da posição contratual  da R. no contrato de locação financeira dos imóveis.
Por conseguinte,    tais depoimentos não constituem  prova  dos factos em análise que se mantêm como não provados. 
A recorrente advoga ainda que  não devem  ser  considerados  provados  os factos vertidos nos  pontos 6º a 10º inclusive. Porém, tal  decorre, em seu entender, da nulidade do contrato que determina a inexistência das respectivas cláusulas, e não de  erro  de valoração da prova, por isso, a respectiva  apreciação será feita no âmbito da   fundamentação jurídica .

IV. Fundamentação de direito

Ante os factos provados, é  indiscutível que   o contrato  celebrado entre a  autora  e BB  foi um contrato de mediação imobiliária actualmente previsto e regulado pela Lei 15/2003 de  8.2. e que,  como bem se decidiu na sentença,  a Ré responde directamente perante a Autora, porquanto BB agiu como seu mandatário e  a Ré  assumiu  através da missiva de 20 de Julho de 2020  as  obrigações  decorrentes do  contrato que aquele  celebrou por sua conta e interesse.
Na  sentença  recorrida concluiu-se, em síntese, que   não obstante a verificação de  duas causas de nulidade formal do contrato  de mediação, a invocação  dessa  nulidade  por parte da  ré  constituía abuso de direito, face à conduta pela mesma adoptada durante a vigência do  mesmo, e paralisando os efeitos  de tal nulidade, reconheceu   à A.  o direito à remuneração estipulada, em função do valor do contrato  de cessão  da posição contratual celebrado entre a R. e a H...,  considerando   que nada  na matéria de facto provada permite pôr em causa a continuidade do interesse contratual da sociedade H... gerado com intervenção da autora e  a sua  decisão de contratar, ainda que para esta decisão tenha contribuído igualmente a actividade da própria ré.
Analisadas as conclusões do recurso, vemos que a recorrente aceita serem apenas  as reconhecidas na sentença  as causas de nulidade do contrato, o que refuta é  a paralisação  dos   efeitos  legais dessa  nulidade com base  no abuso de direito, sustentando inexistir fundamento para a  aplicação deste instituto e advogando que  deve ser decretada a nulidade do contrato, considerando-se, em consequência,  como não provadas as cláusulas do mesmo, nomeadamente a relativa à exclusividade. E alegando que a sentença se baseou no funcionamento dessa cláusula para estabelecer o nexo de causalidade entre a actividade  desenvolvida pela A. e a celebração do contrato com a H..., o qual não resulta dos factos provados, tanto mais que   o contrato de mediação visava a venda dos imóveis e o contrato celebrado  foi de cessão da posição contratual,  sustenta que a acção  deve   improceder, revogando-se a sentença proferida.
Assim,  assente que está  a verificação de duas causas de nulidade  do contrato de mediação que a  ré invocou ( e apenas ela podia invocar)    importa decidir   se  face à factualidade apurada se  deve considerar abusivo o exercício de  tal direito  por parte da  R.
Na   decisão impugnada   justificou-se assim a inalegabilidade pela  R. da nulidade formal do contrato com  base  no abuso de direito:  “  No caso em apreço, a nulidade decorrente da utilização de um modelo de contrato não validado pelo I...,IP, nem depositado nesse Instituto, é inteiramente imputável à autora, nada permitindo afirmar que a ré – que pretende prevalecer-se dessa nulidade – tenha de alguma forma contribuído para a mesma, desconhecendo-se mesmo se esta se apercebeu desse vício antes de ter sido chamada a esta acção.
Mas o mesmo não se pode afirmar da inobservância do conteúdo mínimo do contrato imposto pelo n.º 2, do artigo 16.º, da Lei n.º 15/2013.
O gerente da ré, agindo por conta e no interesse desta, para além de ter recebido uma cópia do contrato que assinou (cfr. ponto 26 dos factos provados), influenciou o conteúdo desse contrato, fornecendo a planta topográfica que contribuiu para a identificação dos imóveis objecto do mesmo (cfr. ponto 5), indicando o valor dos prédios (cfr. ponto 24), negociando o conteúdo das cláusulas 5.ª e 9.ª (ponto 28), aceitando o conteúdo da cláusula 6.ª (cfr. ponto 27) e inteirando-se e aceitando o teor das demais cláusulas aí inseridas (cfr, ponto 29). Assim, a ligeireza ou mesmo leviandade que caracterizou a formalização deste acordo é igualmente imputável a ambos os contratantes, que não se preocuparam em assinalar nos campos respectivos o tipo ou tipos de negócio visados com a mediação, bem como a existência ou inexistência de ónus e encargos sobre os respectivos imóveis.
Mas tal não impediu que ambas as partes estivessem cientes dos termos do acordo que celebraram e que tivessem sempre agido no pressuposto da validade desse acordo, inclusivamente a ré que, como vimos, embora não figure como parte no contrato celerado por sua conta e no seu interesse, assumiu os inerentes direitos e obrigações, intervindo directamente na sua execução para declarar a sua vontade de não o renovar, mas respeitando o prazo de três meses inicialmente acordado, assim reconhecendo de forma explícita a validade do mesmo.
Estamos, assim, em condições de afirmar que a conduta das partes, sedimentada ao longo de todo o período de vigência do contrato, criou fundada e legítima confiança na autora de que a ré não invocaria o vício formal.
Nestes termos, em conformidade com a sólida jurisprudência antes analisada, importa considerar abusiva e, por isso, improcedente a invocação da referida nulidade formal.
Em face desta inalegabilidade dos vícios formais de que padece o contrato de mediação  imobiliária, mantém-se a conclusão a que havíamos chegado, no sentido de ser devida, a remuneração pelos serviços de mediação prestados pela autora, nos termos previstos no artigo 19.º da lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, correspondendo essa remuneração a 5% da quantia de 817.100,54 € paga à comitente, num total de 40.855,03 €, acrescida do IVA devido à taxa legal.”
Como se vê, o tribunal recorrido  concluiu que a R. agiu com abuso de direito ao invocar a nulidade formal do contrato, porquanto a mesma  através  do seu gerente  que interveio na celebração  do contrato também contribuiu para  as omissões verificadas e  durante a  sua  vigência actuou  como se o contrato fosse válido, revelando a própria comunicação de não renovação um  reconhecimento da  validade do mesmo.
Serão os factos apurados  suficientes   para   qualificar como abusiva a invocação da nulidade formal do contrato pela R. ?

Dispõe o art. 334º do C.Civil:
É ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes  ou pelo fim social  ou económico dessa direito.
Como é sabido o abuso de direito representa a fórmula mais geral de concretização do princípio da boa-fé, constituindo um notável remédio para garantir a supremacia do sistema jurídico e da Ciência do Direito sobre os infortúnios do legislador e o engenhos das partes, mas com aplicação subsidiária, desde que não haja solução adequada de Direito estrito que se imponha ao intérprete aplicar, neste sentido Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, T1, pág. 241 e 248.

E desdobra-se em quatro casos-tipo de aplicação do princípio da boa-fé, ou seja:
1. a proibição de consubstanciar, dolosamente, posições processuais;
2. a proibição de “venire contra factum proprium”;
3. a proibição de abuso de poderes processuais e,
4. a neutralização ou “suppresio”.
 
Em concreto, o “venire contra factum proprium”  a que implicitamente se apelou na sentença recorrida, concretiza-se, nomeadamente, quando é criada uma situação de aparência jurídica, em termos tais que suscita a confiança das pessoas de que a posição jurídica contrária não seria actuada, por imposição da boa-fé, implicando a demonstração, ainda que mínima, que a inactividade do lesado resultou uma expectativa fundada de que o direito não seria exercido- cfr. Menezes Cordeiro, in obra citada, pág. 250 a 252.
    
Na vertente situação, quanto à   primeira causa de nulidade, utilização de modelo  de contrato não validado pelo I...,IP  é, como bem se refere na sentença,  da inteira responsabilidade da Autora. Trata-se de uma forma de controlo prévio administrativo da validade das cláusulas contratuais gerais nos contratos de mediação. E o sancionamento  com a nulidade  do contrato do incumprimento dessa exigência da aprovação dos modelos de contratos de mediação pré-elaborados com a nulidade do contrato não aprovado, visa desincentivar a utilização de textos contratuais que não tenham sido previamente supervisionados por aquela entidade pública, contribuindo assim para uma maior segurança no comércio jurídico.  O mediador se  não quer  correr o risco de o cliente vir  invocar a nulidade do contrato,  após  ter iniciado a sua execução com os inerentes custos e despesas para o mediador, deve  providenciar  pela aprovação prévia dos modelos de contrato utilizados ou recorrer  ao modelo de contrato previsto no nº 6 do art.16  d Lei nº 15/2013 de 8.2, que foi aprovado pela Portaria 228/2018  de 13.8 que apenas terá de  depositar.
    
No que concerne aos  elementos do conteúdo  mínimo obrigatório do contrato, a omissão respeita desde logo  à identificação do negócio visado com a mediação, constando apenas   o valor do imóvel ( € 2.500.000,00), à identificação do  mesmo e à  especificação de todos os ónus ou encargos, elementos de  enorme relevância em qualquer negociação, cuja obrigatoriedade visa igualmente uma maior segurança do  mercado imobiliário e a tutela sobretudo de terceiros interessados, pois que o comitente  não pode deixar de conhecer todos os elementos relativos aos imóveis que pretende negociar.  Daí que,  o facto de  ambas as  partes  terem ficado cientes dos termos  do negócio seja  pouco relevante,  pois, a nosso ver,  a responsabilidade última  de  tal omissão é  da  A., que, nos termos do art. 17º, nº1 da Lei 15/2013, é obrigada, no momento da celebração do contrato de mediação, a certificar-se que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios  que irá promover( al.a) e  da correspondência entre as características do imóvel  objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes ( al.b). Por isso, competia à A.  antes de iniciar  a promoção do imóvel, não só exigir ao cliente  os elementos de identificação do imóvel e a indicação dos respectivos ónus, mas também  confirmar junto das entidades  públicas  as informações recebidas e não o fez, pela que a invalidade do contrato lhe é imputável.
         
Estamos perante uma invalidade atípica, estabelecida  por razões de ordem pública  relacionadas  com  a protecção do consumidor  e a regulação do mercado de mediação mobiliária, que comina com a nulidade do contrato a omissão das formalidades legais, cuja observância  impende  especialmente  sobre a empresa de mediação e, por isso, não  é invocável por esta, podendo  sê-lo, como foi, apenas pelo  cliente. 
E, salvo o devido respeito por diverso entendimento,  atentas as  referidas razões de ordem pública que lhe estão subjacentes,  a paralisação  de tal direito,  com fundamento no seu  exercício abusivo só deve ter lugar  nas situações em que é    manifesto que o comitente  pela sua  actuação  criou no mediador  a  legítima confiança de  que  não invocaria a nulidade do contrato.
Como se refere no Ac. do S.T.J de 29-04-20121, proc. 5722/18.7T8LSB.L1.S1.(Relator João Cura Mariano):” Estando  em causa a protecção da confiança, para que se justifique a sobrevivência do negócio sacrificado pela invalidade formal (nulidade), é necessário verificarem-se não só os requisitos comuns da tutela da confiança, “in casu” uma situação de confiança justificada provocada por aquele que invoca a nulidade, ou seja, pela  R./ Recorrente, e a existência de um consequente investimento pela contraparte, a  A./ Recorrida, mas também a inexistência de prejuízo para terceiros, a censurabilidade da criação da situação de confiança e a relevância do investimento na confiança.”
No presente caso, do envio pela R. da missiva, datada 20 de Julho de 2020, a comunicar à A. a não renovação do  contrato de mediação retira-se  que a  mesma nessa data considerava  válido o contrato  celebrado,  daí a  denúncia para o termo do prazo.  Porém, não sabemos se nessa  mesma  data  a R. conhecia as causas de nulidade do contrato, sendo que, pelo menos, da primeira  dificilmente podia  ter conhecimento pois trata-se de um facto inerente à organização interna da A., pelo que, não podemos, sem mais, concluir que a sua actuação  ao invocar posteriormente  a  nulidade do contrato  configura um  censurável “venire contra factum proprium.”
E  competia à A. alegar e provar  os factos   demonstrativos da contra-excepção por si invocada,   designadamente que a R.,  sabendo da nulidade do contrato, ao longo do período de execução do  mesmo   agiu   de   forma  tal  que  criou nela ( A.) a confiança fundada de que não a invocaria.  Face  ao quadro factual apurado, entendemos  que  não  está  demonstrada uma situação de  uso abusivo de direito que impeça a  invocação pela R. da nulidade do contrato e a respectiva declaração, com os efeitos inerentes.

Neste  sentido  decidiu o STJ  no já citado acórdão de 29-04-2021 e também a R.P. no acórdão de  25-01-2002, proc.70/20.5T8AND.P1( relatora  Anabela Dias da Silva), em cujo sumário consta :
 
I - Do contrato de mediação imobiliária deve constar obrigatoriamente, além do mais, “a) A identificação das características do imóvel que constitui objecto material do contrato, com especificação de todos os ónus ou encargos que sobre ele recaiam”, nos termos da al. a) do art.º 2 e do art.º 16.º da Lei n.º 15/2013, de 8.02.
II – A sua omissão acarreta a nulidade do contrato, nos termos do n.º5 de tal preceito legal.
III – A nulidade assim cominada é uma invalidade atípica, pois que não pode ser invocada pela empresa de mediação e inegavelmente foi estabelecida por razões de ordem pública, relacionadas com a protecção do consumidor e com a regulação do mercado da mediação imobiliária.
IV - Se é verdade que os réus só vieram invocar a nulidade do contrato de mediação imobiliária quando, após a cessação do contrato que os ligou à autora, por sua denúncia, e após terem concretizado o negócio que foi objecto do contrato de mediação em causa, mas sem intervenção de terceiros, foram interpelados para pagar o valor da retribuição contratada, nenhuma prova foi feita nos autos de que, desde a celebração do contrato uniu autor e réus, e durante a vigência do mesmo, os réus tenham, por qualquer modo, agido ou procedido de modo a criar uma qualquer confiança junto da autora de que não iriam invocar a nulidade do contrato.
V – Sendo assim legítima a invocação pelos réus da nulidade do contrato.”
 
Aqui  chegados,  sendo o contrato de mediação celebrado entre  A. e R. nulo e improcedendo a excepção de abuso de direito invocada pela A., impõe-se a declaração de  nulidade do mesmo e o apuramento dos respectivos efeitos.
Dispõe o art.   289º/ 1 do C. Civil: “ Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo , devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie  não for possível, o valor correspondente.”
Assim, julgado nulo o contrato  tudo funciona como se o mesmo  nunca tivesse existido, ficando as partes obrigadas a repor o que  tenham recebido.
Destarte, a declaração de  nulidade do contrato não desonera necessariamente o cliente de qualquer obrigação perante a mediadora e antes desencadeia a produção de efeitos em relação aos contraentes.
Higina Orvalho Castelo, in  Contrato de mediação imobiliária, Revista Jurídica Digital, Nov.2016, p.113, refere : “(…) quando o direito não conduz à manutenção do contrato, declarada a sua nulidade, haverá que ter em consideração o disposto no art. 289, n.º 1, do CC: a nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.   Ora, tendo sido prestada com êxito a atividade de mediação, e tendo o cliente celebrado o contrato visado graças à atuação da mediadora, creio que o melhor critério para aferir o valor do que foi prestado é fazê-lo corresponder à remuneração acordada, pois foi esta que o cliente entendeu que a atividade bem sucedida da mediadora para si valia. (…).”
 No mesmo  sentido,  de que  tendo o mediador prestado toda a actividade a que se obrigou e sendo  declarada a nulidade do contrato ( por vício de forma) a compensação devida à mediadora deve  equivaler ao valor  da remuneração/ comissão  acordada- cfr. Ac. RP de 14.1.2021, proc. 2440/18.9T8PRT.P1 ( Relator Fernando Baptista).
Assim sendo, cumpre agora verificar se  a A.. tem direito  à remuneração acordada,  não enquanto prestação decorrente do cumprimento do contrato, mas enquanto prestação correspondente  à restituição do valor da actividade prestada e que não pode ser restituída em espécie.
Todavia, as características especiais da prestação do mediador no contrato de mediação e da sua sinalagmaticidade, colocam  algumas dificuldades no apuramento do âmbito do dever de restituição, perante um contrato de mediação nulo.
No contrato de  mediação imobiliária  a remuneração, em princípio,  só  é devida com a conclusão  e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação,  ou com a celebração do contrato promessa, se assim tiver sido estipulado no contrato de mediação – nº1 do art. 19º da Lei 15/2013 de   8.2( diploma a que pertencerão os normativos  mencionados sem indicação de proveniência). Por isso, sucede, por vezes, que não obstante a actividade desenvolvida pela mediadora, não chegando a  concluir-se o negócio visado pelo exercício da mediação,   a empresa mediadora não tem direito  à remuneração acordada, sendo  a mediação uma actividade por natureza aleatória.  No entanto,  nos contratos  com cláusula de exclusividade, a remuneração da mediadora  já não depende  da celebração do contrato visado,  mas do cumprimento daquela da sua obrigação de desenvolver as ações necessárias à obtenção de efectivo interessado no negócio e de apresentação do mesmo ao cliente, não se celebrando o negócio visado por causa imputável ao cliente- nº 2 do art.19º.

No presente caso, o contrato foi celebrado com cláusula de exclusividade.  Porém, sendo  nulo,   tal cláusula, como se decidiu no  citado acórdão   do  STJ de 29-04-2021, fica também  englobada  no reconhecimento  da  nulidade e  não pode ser aplicada, pois a sua aplicação pressupõe a validade do contrato.
        
Não se trata de excluir o conteúdo do contrato dos factos provados, como defende a recorrente, pois o mesmo foi efectivamente convencionado entre as partes, a aplicação do regime da  nulidade, que destrói  retroactivamente  os  efeitos do contrato, é que acarreta a sua inaplicabilidade.
       
Neste sentido decidiu também no Ac. no Ac. da RL de 25-01-2022, proc. 6047/19.6LSB.L1.7( Relatora Conceição Saavedra), onde se refere:
Na verdade, sendo o contrato dos autos nulo, como vimos, e devendo considerar-se o mesmo inexistente, não pode afirmar-se que as partes estipularam o regime da exclusividade (não obstante o que consta do ponto 4 supra quanto ao respetivo teor). Seria, de resto, contraditório que fossem consideradas relevantes as concretas cláusulas sendo o contrato julgado nulo. Ou seja, não se nos afigura logicamente possível considerar nulo o contrato e concluir depois que as partes contrataram o regime da exclusividade (obrigatoriamente sujeito a forma escrita) como se o contrato fosse válido. Sendo o contrato nulo, o regime da exclusividade está englobado no reconhecimento da nulidade.
Assim sendo, entendemos que os efeitos da nulidade a considerar, designadamente para efeitos compensatórios, não podem ter em conta essa especificidade, não podendo retirar-se, para os fins previstos no art. 289 do C.C., que foi celebrado um contrato de mediação entre as partes sujeito ao regime da exclusividade.”
Debrucemo-nos pois sobre  a situação dos autos, em ordem a aferirmos se  face aos factos provados  é de  concluir que a A. realizou com êxito  a  actividade   visada pelo contrato de mediação celebrado com a R., assistindo-lhe  nesse caso, a título compensatório, o direito ao valor da comissão  acordada.

Recordemos os factos  provados relevantes para esta questão:
 
1. A autora tem por objeto a atividade de mediação imobiliária, conforme documento n.º ... da petição inicial (cfr. fls. 9 a 11 do suporte físico do processo), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
2. Em Maio de 2020, no exercício da referida atividade, a autora, por intermédio de um dos seus angariadores, contactou BB, propondo-lhe angariar interessados na compra dos seguintes imóveis:
- Prédio urbano, composto por edifício fabril com meia cave, destinada a armazém, piso térreo para actividade industrial, andar com escritórios, instalações sociais e andar para cozinha de tinturaria e estamparia com logradouro, sito no lugar de ..., ... ou ..., da freguesia ..., no concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial desse município sob o número ...12/... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...80 da união de freguesias ... e ...;
- Prédio misto composto por duas casas torres e térreas, uma com a área de 48 m2 e outra com a área de 133,50 m2, e quintal com a área de 618 m2 e junto terreno de cultivo eucaliptal com a área de 14.811,08 m2, sito em ..., freguesias de ... e de ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial deste município sob os números ...42/... e ...7/... e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos ...75 e ...76 da freguesia ... e na matriz predial rústica sob o artigo ...62 da união de freguesias ... e ....
3. Nessa altura a propriedade dos referidos prédios encontrava-se inscrita no registo a favor do Banco 1..., S.A.
4. Encontrava-se igualmente inscrita no registo a locação financeira dos referidos prédios a favor de F... - Tecelagem, Lda., por transmissão da posição contratual de ... – ... e Artigos T... Unipessoal, Lda., tudo conforme documentos n.º ..., ... e ... da petição inicial (cfr. fls. 12 a 17), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
 5.Na sequência de tal contacto, em 20 de Maio de 2020 foi celebrado entre a autora e o referido BB o acordo escrito junto como documento n.º ... da petição inicial (cfr. fls. 18 e 19), denominado “Contrato de Mediação Imobiliária”, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido, do qual faz parte a planta topográfica em anexo, referente aos imóveis objecto do acordo, que foi entregue pelo referido BB ao funcionário da autora.
6. O referido acordo foi celebrado pelo prazo de três meses, renovável por igual período, nos termos da sua cláusula 9.ª, e no regime de exclusividade, em conformidade com a sua cláusula 5.ª.
7. Por via desse acordo, a autora obrigou-se a tratar da promoção dos referidos imóveis e a angariar clientes interessados na sua aquisição.
8. Tendo ficado estipulado que seria devida à autora uma quantia correspondente a 5% do preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, acrescida de IVA, caso aquela conseguisse interessado na compra dos imóveis em apreço.
9. Para obrigar a ré são necessárias as assinaturas de ambos os gerentes, BB e EE, conforme documento n.º ... da contestação (cfr. fls. 40 a 43), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. BB assinou o  referido contrato referido  em nome próprio, no interesse e por conta da ré.
11. A autora começou a promover os referidos imóveis junto dos seus clientes e a publicitar a sua existência para venda por vários meios de divulgação, nomeadamente através da internet e de uma lona colocada junto aos mesmos.
12. Na sequência destas diligências surgiram vários interessados, entre eles AA, que contactou um colaborador da autora, se apresentou como representante legal da sociedade H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A. e solicitou informações sobre os imóveis, que lhe foram prestadas.
13. No âmbito das negociações então encetadas, no dia 3 de Junho de 2020, a autora acompanhou o referido AA numa visita aos imóveis, tendo este ficado de reunir com os demais sócios da H..., para discutirem valores e apresentarem uma proposta de negócio.
14. A autora continuou a promover o imóvel e a aguardar uma posição por parte do potencial comprador, no sentido de chegarem a um acordo quanto ao preço e aos demais termos do negócio.
15. A autora comunicou ao gerente da ré a existência de interessados na aquisição do imóvel e a realização de visitas ao mesmo.
16. A ré enviou à autora uma missiva, datada de 20 de Julho de 2020, a denunciar o contrato de mediação imobiliária celebrado, com efeitos a partir de 20 de Agosto de 2020, conforme documento n.º ... da petição inicial (cfr. fls. 21), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
17. Em Outubro de 2020 chegou ao conhecimento da autora que a ré iria transmitir os imóveis acima identificados e que a adquirente era a sociedade H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A.
18. Por correio electrónico datado de 02.10.2020, a autora comunicou à ré que a sociedade H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A. era sua cliente, tendo tido conhecimento dos imóveis acima identificados através da sua agência, mais solicitando que fosse tido em atenção a sua remuneração no caso de ser celebrado algum negócio, conforme documento n.º ... da petição inicial (cfr. fls. 26), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
19. Em 12 de Outubro de 2020 a ré cedeu a sua posição de locatária no contrato de locação financeira acima referido a H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A., mediante o pagamento da quantia de 817.100,54 €, conforme documento n.º ... da contestação (cfr. fls. 46 a 48), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
 21.AA faz parte do Conselho de Administração da  sociedade H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A.,
25. As negociações entre a ré e H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A. que conduziram à cessão da posição contratual referida em 19 iniciaram-se em Julho de 2020.
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Perante este quadro factual, na sentença recorrida  considerou-se existir nexo de causalidade entre  a  actividade desenvolvida  pela a A. e  a celebração do negócio  visado com a mediação, com a  seguinte argumentação:

“ Voltando ao caso concreto, a factualidade apurada revela que a ré não logrou ilidir aquela presunção (decorrente da cláusula de exclusividade), antes corroborando o aludido nexo de causalidade.
A análise desses factos confirma, desde logo, que a autora desenvolveu a actividade de mediação a que se obrigou: promoveu os imóveis em causa junto dos seus clientes e publicitou a sua existência para venda através de vários meios de divulgação, nomeadamente através da internet e de uma lona colocada junto aos mesmos (cfr. ponto 11 dos factos provados).
Aqueles factos revelam igualmente que, na sequência destas diligências, surgiram vários interessados na aquisição desses imóveis, entre eles AA, o qual contactou um colaborador da autora, a quem se apresentou como representante legal da sociedade H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A. e solicitou informações sobre os imóveis, e que, no âmbito das negociações então encetadas, no dia 3 de Junho de 2020, a autora acompanhou o referido AA numa visita aos imóveis, tendo este ficado de reunir com os demais sócios da H..., para discutirem valores e apresentarem uma proposta de negócio (cfr. pontos 12 e 13 dos factos provados).
Por fim, provou-se que em 12 de Outubro de 2020 ré cedeu a sua posição de locatária financeira dos imóveis em questão à referida H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A., mediante o pagamento da quantia de 817.100,54 € (cfr. ponto 19 dos factos provados).
É, assim, indiscutível que ficou demonstrada a actividade do mediador e a conclusão do contrato entre o comitente e um terceiro.
Mas, tendo em conta tudo quanto ficou exposto anteriormente, a mesma conclusão se impõe relativamente ao nexo de causalidade entre aquela actividade e a conclusão deste contrato.
Na verdade, os factos apurados revelam que foi na sequência da actividade de mediação desenvolvida pela autora que surgiu o terceiro interessado que acabou por adquirir o direito da ré sobre esses imóveis, ou seja, foi a actividade desenvolvida pela autora que aproximou o terceiro dos imóveis objecto de negociação.
É certo que o referido interessado ficou de apresentar uma proposta de negócio (cfr. ponto 13 dos factos provados), não se tendo apurado que o tenha feito.
É igualmente certo não ter ficado provado que a autora tenha apresentado a proprietária dos imóveis – rectius, a ré – a AA, não se tendo provado igualmente que a autora tenha dado conhecimento à ré das negociações com este representante da H....
Mas também não ficou demonstrado e, de resto, nem sequer foi alegado que as negociações entre a autora e a ré tenham sido abandonadas e que a celebração do contrato com a ré tenha ocorrido «depois, com superveniência de circunstâncias novas e em condições modificadas» - o que, de acordo Manuel Salvador, acima citado, retiraria à mediadora o direito à remuneração.
Em contrapartida, provou-se que a autora comunicou ao gerente da ré a existência de interessados na aquisição do imóvel e a realização de visitas ao mesmo (cfr. ponto 15 dos factos provados) e que, quando se apercebeu de que a ré se preparava para negociar os imóveis com a sociedade H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A., teve o cuidado de lhe comunicar que esta sociedade havia sido angariada por si e que, por isso, a celebração do contrato gerava a obrigação de pagar a comissão acordada no contrato de mediação imobiliária (cfr. pontos 17 e 18 dos factos provados), sendo certo que a celebração do contrato ocorreu 10 dias depois desta comunicação. (Deste modo, se não o soube em momento anterior – facto que também não foi alegado – a ré soube pelo menos 10 dias antes de celebrar o contrato que a sociedade H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A. havia sido angariada pela autora.)
Em suma, nada na matéria de facto apurada permite por em causa a continuidade do interesse contratual da sociedade H... gerado com intervenção da autora, pelo que nada permite considerar afastado o nexo de causalidade entre a actividade desta e a decisão daquela de contratar, ainda que para esta decisão tenha contribuído igualmente a actividade da própria ré.
É certo que o negócio celebrado se traduziu na transmissão da posição contratual da ré no contrato de locação financeira e não numa compra e venda – o que, naturalmente, teria pressuposto que a ré comprasse previamente os imóveis ao seu proprietário, o banco locatário. Mas tal circunstância revela-se inteiramente irrelevante. Por um lado, do ponto de vista da comitente, o efeito prático não é significativamente distinto. Por outro lado, nem sequer se provou que, inicialmente, a ré pretendesse vender os imóveis acima identificados e liquidar na totalidade o crédito do banco e que só com as diversas reuniões mantidas com a H... tenha sido pensada a solução da cedência da posição contratual (cfr. ponto i. dos factos não provados). De resto, se a autora encetou diligências para angariar interessados na compra dos imóveis, e não na aquisição da posição contratual de locatário financeiro, foi certamente porque o gerente da ré se apresentou como dono desses imóveis interessado na sua venda. Por fim, nada na matéria de facto apurada permite concluir que o terceiro não teria celebrado o negócio que celebrou se a ré não tivesse denunciado e contrato e encetado negociações com o terceiro em causa – não necessariamente por esta ordem, mas tudo no mês de Julho de 2020.
 É igualmente irrelevante que este negócio tenha sido celerado já depois de findo o contrato de mediação imobiliária, tendo em conta que, como vimos, o mesmo foi celebrado com o terceiro angariado pela mediadora no período de vigência do contrato de mediação (e da respectiva cláusula de exclusividade) e que as negociações directas entre a ré e o terceiro interessado se iniciaram em Julho de 2020 e, portanto, também neste período de vigência do contrato de mediação imobiliária, cuja denúncia apenas produziu efeitos em 20 de Agosto de 2020.”(…)
“Em face de tudo quanto ficou exposto, concluímos ser devida remuneração pelos serviços de mediação prestados pela autora, nos termos previstos no artigo 19.º da lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.
A autora pediu a condenação da ré a pagar-lhe, a título de remuneração, a quantia de 125.000,00 € acrescida de IVA, correspondente a 5% do valor de 2.500.000,00 € proposto para a venda/cessão de posição contratual, ou, em alternativa, a quantia que se vier a apurar atenta a comissão de 5% fixada no contrato de mediação imobiliária e o valor efectivo da compra e venda/cessão da posição contratual.
Resulta do ponto 8 dos factos provados ter ficado estipulado que seria devida à autora a quantia correspondente a 5% do preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, acrescida de IVA, caso aquela conseguisse interessado na compra dos imóveis em apreço e logo que tal venda se concretizasse.
Resulta, por sua vez, do ponto 19 dos factos provados que a ré não procedeu à venda dos imóveis em questão – o que teria pressuposto a sua prévia aquisição ao locador financeiro, como já referimos – mas sim à cessão da sua posição de locatária no contrato de locação financeira a H... - Fábrica de Algodão Hidrófilo, S.A., mediante o pagamento da quantia de 817.100,54 €.
É, portanto, sobre este valor que deve ser calculada a remuneração devida à autora. E não se diga que o valor desse contrato é superior, como procurou demonstrar a autora em sede de audiência de julgamento. Ainda que aquele valor traduza, tão-só, o montante pago à ré pela cessão da sua posição contratual e que a sociedade cessionária tenha simultaneamente assumido perante o locatário financeiro o valor das rendas e outros valores que ainda estivessem em dívida, o valor pago ao cliente da autora foi de 817.100,54 €, pelo que, nos termos estipulados, é sobre este valor que deve ser calculada a comissão acordada.
Assim, a remuneração concretamente devida corresponde a 40.855,03 € (correspondente a 5% de 817.100,54 €) acrescida do IVA devido à taxa legal.”
Com o   devido respeito, dissentimos  do entendimento expendido pelo Mmo  Juiz a quo quando afirma que a circunstância de o negócio celebrado com o terceiro angariado pela A. ter sido a transmissão da posição contratual da R. no contrato de locação financeira e não a compra e venda se revela inteiramente irrelevante.
Como resulta  claramente  dos  nºs  2,5,6,7 8, 11e 15 dos factos provados,  o contrato de  mediação celebrado   entre a A. e a R., por intermédio do gerente desta,  tinha como objectivo a venda dos imóveis, o negócio visado pelo exercício da mediação era compra e venda. E  a  autora  nos  actos de promoção que realizou informou os eventuais  interessados que os imóveis estavam  à venda pelo preço de € 2.500.000,00.
E de acordo com o preceituado no nº1 do art. 19º  da Lei 15/2013, a remuneração   da empresa mediadora é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado  pelo exercício da mediação. Como escreve, Higina Castelo, in Regime Jurídico da actividade de mediação imobiliária Anotado, 2015,p.121: “ A conclusão do contrato visado perfeito não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo mais do que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para o mediador o direito à remuneração”.
Por conseguinte,  tendo o negócio concluído entre a  R. e a H... sido a cessão da posição contratual da R. no contrato de locação financeira dos imóveis  e  não  o contrato de compra  e venda  visado  pelo  contrato de mediação celebrado entre a A. e a R.,  não é possível estabelecer um nexo de causalidade adequada entre os actos de promoção  da venda dos imóveis realizados pela A. e o negócio de cessão da posição contratual que veio a ser  concluído.  
Não se diga  que  foi a visita promovida pela A. aos imóveis de  AA, legal representante  da H..., efectuada no  dia 3 de junho de 2020, que  aproximou as  partes e  determinou a celebração do contrato de cessão da posição contratual, pois, ao invés do alegado,  a A. não provou que tivesse nessa altura apresentado AA ao gerente da R., dando-lhe conhecimento da existência de  negociações ( cfr. alíneas b e c)dos factos não provados.) Apenas se provou que comunicou  ao gerente da R. a existência de interessados na aquisição dos imóveis e a realização de visitas. E também  não se provou que  a denúncia do contrato por parte da R. teve como objectivo obviar ao pagamento devido e acordado  com a A..  E, como vimos,  nesta sede em que  por força  da nulidade do contrato se pretende  apurar se a R. teve algum benefício decorrente da actividade da A. que deva restituir, está arredada a consideração dos eventuais efeitos da cláusula de exclusividade.
Em suma , estabelecendo a lei expressamente que o direito à remuneração  da empresa mediadora nasce com a conclusão do contrato  visado  pelo exercício da mediação,  não  sendo o contrato celebrado entre a R. e a H... o contrato de compra e  venda dos imóveis  em ordem à realização do qual  a A. levou a cabo  actos de promoção no âmbito do contrato de mediação em apreço, não lhe assiste o direito a qualquer  remuneração.
Assim,  e concluindo, para o que aqui importa,  como os actos de promoção dos imóveis   realizados pela A. não visaram  o contrato  de cessão da posição contratual que veio a ser celebrado entre a H... e a R., esta não teve qualquer benefício com a actividade  por aquela desenvolvida  que  deva restituir em virtude  da nulidade do contrato, nos termos  do art. 289º do C.Civil.
Procede assim  argumentação recursiva da R., impondo-se a revogação a sentença recorrida .
 
VI. Decisão
 
Pelo exposto, os Juízes desta Secção Cível da Relação de Guimarães, acordam em julgar procedente o recurso e revogando a sentença  proferida, decidem:

- Declarar nulo por preterição das formalidades legais o contrato de mediação celebrado entre a A. M... - Invest e a R. F... - Tecelagem, Lda.,  e nada  havendo a restituir por esta última à primeira, absolve-se a mesma do pedido formulado pela A.
 Custas pela Autora em ambas as instâncias( art. 527º, nº1 1 e2 do CPCivil)
Notifique
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Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Os  Juízes Desembargadores
Relatora: Maria Eugénia Pedro
1º Adjunto : Pedro   Maurício
2ºAdjunto: José Carlos Duarte