Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HEITOR GONÇALVES | ||
Descritores: | COLISÃO DE DIREITOS DIREITO AO REPOUSO E À TRANQUILIDADE DIREITO DE TAPAGEM | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. Existindo uma colisão de direitos desiguais de espécie diferente: por um lado os direitos da autora ao repouso, ao sossego e à tranquilidade, emanação dos direitos fundamentais de personalidade; por outro lado o direito da ré à tapagem previsto pelo artigo 1356º do Cód. Civil, devem prevalecer os direitos da autora por aplicação do disposto no nº2 do artigo 335º do Código Civil. 2. O interesse tutelado pelo direito de tapagem previsto no artº 1356º do Cód. Civil, embora sendo a manifestação do direito de propriedade consagrado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, é de valor muito secundário em relação ao direito da autora ao sossego, ao repouso e à tranquilidade, condições indispensáveis à realização dos direitos fundamentais à saúde e qualidade de vida – arts 26º, 64º e 66º da Constituição da República Portuguesa, e 70º do Código Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 1ª s da relação de guimarães I. Nesta acção declarativa, A. M. demandou M. P., pedindo que esta seja condenada: a reconhecer que a autora é proprietária do prédio urbano, composto de casa de habitação e quintal, inscrito na matriz da Freguesia de ... sob o artigo …, contíguo ao prédio da ré; retirar as chapas metálicas que colocou sobre o muro divisório e não colocar pedras no orifício que existe na parede do seu prédio da ré, de modo a permitir a passagem das águas; e a indemnizar a autora pelos danos não patrimoniais que tais condutas lhe provocaram. No essencial e em síntese, a autora alegou que as chapas metálicas retiram horas de sol ao logradouro da casa; acumulam águas, bolores e geadas que prejudicam a salubridade da habitação e a sua saúde; provocam barulhos quando chove e faz vento, perturbando o sono e o repouso. Contestando, a R. alegou que as chapas metálicas, em conjunto com o muro, atingem apenas 1,80m de altura, tendo sido ali colocadas para conferir segurança ao seu prédio (que já foi assaltado por duas vezes) e impedir a colocação de lixos para o seu logradouro, visando igualmente evitar os insultos e devassa, uma vez que ambas estão de relações cortadas, e que os ruídos são provocados pelas chapas que a autora tinha no telhado do anexo contíguo à habitação da ré. II. A sentença final julgou a acção parcialmente procedente: a) Declara que a autora A. M. é legítima proprietária de um prédio urbano, composto de casa de habitação de r/c, anexo e quintal, que confronta a Norte, Nascente e Poente com rua pública e a Sul com a aqui Ré, M. P., o qual se encontra inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo …; b) Condena a ré b) a retirar, total e definitivamente, as chapas metálicas que colocou sobre o muro por si construído na estrema norte do seu prédio melhor identificado no facto descrito no ponto 4 e que confronta com o prédio da A.; e a c) retirar as pedras que colocou no orifício existente na parede do seu prédio que confronta com a rua pública e mantenha desobstruído o rego condutor da água pelo logradouro para que se escoe através dele. d) Absolve a R. dos demais pedidos formulados pela A. e) Absolvo a A. do pedido de condenação em litigância de má-fé formulado pela R. III. A ré interpôs recurso da sentença, pretendendo a sua revogação quanto ao segmento que a condena a retirar as chapas metálicas que encimam o muro divisório dos dois prédios, terminando com as seguintes conclusões: 1- Da simples análise da factualidade dada como provada e não provada, resulta não estarem demonstrados os factos que constituem a causa de pedir na presente ação, no que concerne à questão da colocação, pela ré, das chapas metálicas sobre o muro por sí construído. 2- Os temas prova levados a audiência de discussão e julgamento foram os seguintes:- As chapas metálicas colocadas sobre o muro retiram luz solar à habitação da A., facilitando a criação de humidades no interior da sua habitação e bem assim no exterior, uma vez que as paredes da casa e o pequeno corredor em cimento que vai da rua até ao interior da casa não secam, ficando o chão escorregadio e ali criando musgos e humidades, obrigando a constantes limpezas pela A. e conduzindo à degradação e insalubridade da sua habitação.- As chapas metálicas produzem barulhos ensurdecedores quando chove e faz vento, o que impede a A. de dormir e de descansar, tratando-se esta de uma pessoa com idade avançada e vários problemas de saúde. 3- Refere, porém, a douta sentença, que “Relativamente aos factos descritos em d) a g) e i) cremos que não se fez prova suficiente de que as humidades existentes no quarto da A. se devam à acumulação e infiltração de águas no prédio da A. o que não ocorreria, se inexistissem as referidas chapas metálicas. Do relatório pericial e bem assim das declarações do Sr. perito resulta que não é possível estabelecer um nexo de causalidade, sendo que como referiu o Sr. Perito, podem existir várias causas para a existência de tais humidades, como a própria construção da casa da A., os materiais usados, o tipo de solo, etc.” 4- Não se provou, por conseguinte (sendo certo que o ónus da prova impendia sobre a autora, nos termos do disposto no artigo 342º, nº 1 do código civil) a existência de um nexo de causalidade entre as humidades existentes na parede sul da casa da autora e qualquer infiltração, provocada, designadamente, pela menor exposição do passadiço aos raios solares, em consequência da colocação das chapas metálicas, conduzindo à degradação e insalubridade da sua habitação. 5- Mais refere, a douta sentença, que “Quanto ao facto descrito em h) apenas se provou os factos descritos em 12 e 13, ou seja, que apenas quando chove muito e faz muito vento, sobretudo no Inverno, as chapas produzem o referido barulho que interrompe e perturba o sono da A., por a mesma dormir no quarto contíguo à referida parede, sendo certo que tal sono e descanso já são naturalmente afetados pelos problemas de saúde de que a A. padece…” 6- Isto equivale a dizer que, em condições normais, a colocação das chapas não causa qualquer barulho incomodativo que possa afetar o sono e descanso da autora; por outro lado, o seu sono e descanso já são afectados pelos seus problemas de saúde, o que leva a concluir que, a causa da perturbação do seu sono, mesmo em situações climatéricas extraordinárias, pode não ser, fundamentalmente, e/ou exclusivamente, o ruído provocado pelas chapas. 7- Sem embargo do supra exposto, entendemos, em todo o caso, nos termos do disposto no artigo 640º, nº 1 do C.P.Civil, que, a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e, bem assim, a que foi sendo carreada para os autos, é manifestamente insuficiente para dar como provados os pontos 11 e 14 da matéria de facto. Com efeito, 8- Quer no relatório pericial, quer em sede de audiência de discussão e julgamento, o Sr. Perito esclareceu não dispor, desde logo, de meios técnicos que permitam determinar em quanto tempo de insolação diminuída se traduz a menor exposição solar do passadiço da casa da autora e, que, sobretudo no Inverno, existem outros obstáculos, designadamente, a casa da ré, que fazem, igualmente sombreamento sobre a casa da autora. 9- Mais afirmou que a existência de humidades na parede e passadiço da autora se devem, não à acumulação de geadas e chuvas causadas pela eventual menor exposição solar, antes ao tipo de solo existente no local (arenoso) e à construção (antiga) da casa. 10- Constam, ainda, dos autos, fotografias, tiradas, respetivamente, no dia da realização do exame pericial, em 29/03/2019, pelas 14.30h, em 03/10/2019, pelas 15.30h, aquando da realização da inspeção judicial ao local, onde é possível verificar que, aquela hora, e não obstante a existência das chapas, a parede sul da casa da autora está, em quase toda a sua extensão, exposta aos raios solares. Sem prescindir, 11- O tribunal deu como provados os pontos 11 e 14 da matéria de facto, com base, essencialmente, no depoimento da testemunha G. M.. Sucede, porém que, esta última, sendo professora do ensino básico, não tem, por conseguinte, conhecimentos técnicos suscetíveis de melhor esclarecer o tribunal quanto a estas questões, não conseguiu esclarecer o tribunal, com razão de ciência e de forma sustentada, das causas que geram as humidades no quarto e passadiço da casa da autora, como não conseguiu precisar, ao certo, em que altura começou a aperceber-se das mesmas. 12- Atenta a prova carreada para os autos e produzida em sede de audiência de julgamento, aqueles pontos da matéria de facto devem ser alterados, julgando-se não provados. Sem prescindir, 13- No que à colocação das chapas metálicas diz respeito, provado ficou, apenas, o ponto 12 da factualidade dada como provado, seja, que, à noite, no Inverno, quando chove muito ou há muito vento, batem nas referidas chapas, fazendo um barulho incomodativo, o qual interrompe e perturba o sono da A., a qual dorme no quarto contíguo à referida parede. Contudo, 14- Tal como ficou, igualmente provado, que a ré, é uma pessoa idosa- tem 82 anos!- doente (sofre de cancro da mama) e vive sozinha! 15- E que, a colocação, pela ré, das ditas chapas metálicas, prendeu-se com razões de privacidade e segurança (ponto 18 dos factos provados). 16- E que, a altura do muro por si construído, sem chapas, é de apenas 78 cm ( ponto 8 dos factos provados); 17- E que, o prédio rustico de que a ré é proprietária, e que vedou, ao longo de toda a sua extensão, através da colocação das referidas chapas metálicas, serve de logradouro à sua habitação, formando um conjunto com esta (ponto 23 dos factos provados). 18- Estão, pois, verificados, in casu, os pressupostos de aplicação do instituto jurídico da colisão de direitos, previsto no artigo 335º do c. Civil. 19- Sucede, porém, que, ao contrário do que ficou plasmado na douta sentença de que se recorre, o direito à reserva da intimidade da vida privada é, nos termos do disposto no artigo 80º do C. Civil, e 26º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, um direito de personalidade, pelo que, não pode ser considerado de espécie diferente relativamente ao direito da autora ao repouso. 20- Tratando-se, por conseguinte, de direitos iguais, a resolução do conflito passa, nos termos do nº 1 da supra citada norma legal, pela coordenação do exercício dos respetivos direitos, limitando-os na medida estritamente necessária para que ambos produzam igualmente o seu efeito, e não haja maiores desvantagens para uns do que para outros. 21- Afigura-se-nos, pois, que a imposição, feita à ré, no sentido de retirar as ditas chapas metálicas é uma solução cega, insensata e excessiva, no sentido em que atende, unicamente, ao pleno (e absoluto) exercício do direito da autora, impedindo, desse modo, que a ré exerça, igualmente, os seus direitos. 22- Bastaria, pois, à autora, ao menos nesses dias, dormir no outro quarto de que dispõe (tal como foi constatado pelo tribunal aquando da realização da inspeção judicial ao local, e ficou registado em ata), para evitar que o seu sono seja, eventualmente, interrompido pelo ruído produzido pela água da chuva a bater nas chapas, sem sacrifício do exercício dos (legítimos) direitos da ré. 23- Ao assim não entender, condenando, sem mais, a ré, a retirar as ditas chapas, o tribunal a quo fez uma incorreta e deficiente interpretação das normas contidas nos artigos 80º e 335º do código civil e 26º, nº 1 do Constituição da República Portuguesa, violando-as. IV. Cumpre apreciar e decidir. A recorrente pugna pela exclusão da matéria provada dos factos descritos nos pontos 11 e 14. A questão de direito suscitada prende-se em saber se a prevalência conferida na sentença aos direitos da A. em detrimento do direito da ré encerra uma incorrecta interpretação das normas contidas nos artigos 80º e 335º do Código Civil e 26º da Constituição da República Portuguesa. Vejamos o mérito da impugnação. Não foram impugnados os pontos da decisão da matéria de facto provada onde se refere que a parede Sul da casa da autora e o passadiço em cimento adjacente usado como acesso à sua habitação deixaram de ter o mesmo número de horas de exposição ao sol como anteriormente acontecia, depois de a ré ter colocado sobre o muro de vedação chapas metálicas com 1,13 metros de altura – cfr. matéria inserta nos pontos 7, 8, 9 e 10. O que a recorrente agora questiona é apenas a factualidade provada vertida nos pontos 11 e 14 (1), a qual anuncia que a referida redução da insolação facilita no Inverno a acumulação de água e geada no passadiço, e dificulta a secagem das paredes da casa da autora e do passadiço “cujo chão fica escorregadio com as águas das chuvas, as geadas e o musgo. A recorrente acha que a 1ª instância não tinha elementos suficientes para oferecer uma resposta positiva a essa matéria, e para fundamentar essa sua convicção vale-se do relatório pericial e dos esclarecimentos orais prestados pelo perito em sede de julgamento, além de pugnar pela desvalorização do depoimento da testemunha G. M. por mor de não possuir conhecimentos técnicos bastantes sobre a matéria, nem outra razão de ciência de molde a merecer a credibilidade e relevância que lhe foi atribuída. Mas, contrariamente ao que a recorrente refere nas alegações e conclusões do recurso, o perito não excluí que as chapas metálicas contribuam para o sombreamento no prédio da autora, apenas diz que lhe faltam elementos para quantificar o tempo da redução da exposição solar, e que outros obstáculos concorrerem para esse fenómeno. Atente-se que a questionada vedação é contígua e sobranceira ao prédio da autora (pegada ao passadiço e distando 97 cm da casa de habitação), e tem 2,15 metros de altura - aspectos enfatizados tanto pelo perito como pela testemunha G. M.-, razões que explicam a redução da insolação e, por consequência, a maior dificuldade na secagem do passadiço e da parte sul da casa da A. (sobretudo no Inverno, pois é do conhecimento geral que é a estação do ano em que, no interior norte, por regra a pluviosidade é mais acentuada e mais baixas as temperaturas). A testemunha G. M. aludiu de forma peremptória à produção desses efeitos na casa da autora e passadiço adjacente desde que a ré colocou as chapas metálicas sobre o muro de vedação erigido no seu prédio - “no Inverno não tem sol”; - “aquilo não tem luminosidade”, depoimento que não se pode considerar comprometido só porque se tratar de uma pessoa sem especiais conhecimentos técnicos e/ou por ser amiga da autora. O relevante é o facto de ser amiga da verdade (coisa que ressalta da coerência e objectividade do seu discurso), ter boa razão de ciência (tem uma moradia a cerca de 150 m e é visita da autora aos fins de semana desde tempos anteriores à colocação das chapas metálicas), e de as suas mensagens não serem dissonantes relativamente aos sinais transmitidos pela prova pericial e documental. Ademais, a recorrente nenhuma objecção ou vício de raciocínio assaca às razões indicadas pela Srª Juíza para o peso determinante atribuído a essa testemunha (..) “possui uma casa de fins-de-semana e férias a cerca de 150 metros da casa da A., mereceu grande credibilidade da parte do Tribunal, uma vez que a testemunha depôs com segurança, objectividade e pormenor, revelando-se conhecedora daquele local e bem assim frequentadora da casa da A. durante os referidos fins de semana, por ser também sua amiga. A testemunha relatou ao Tribunal que já presenciou os referidos barulhos nas chapas, no Inverno, os quais descreveu como sendo “incomodativos” sendo muito natural que os mesmos perturbem o sono da A. uma vez que aquela dorme no quarto contiguo àquela parede, “por ser o quarto melhor da casa”. Referiu igualmente ter visto as chapas com as marcas da água e o musgo acumulado no passadiço, o que só começou a ver há cerca de 10 ou 12 anos atrás (altura da colocação das chapas pela R.). Referiu que se as chapas não existissem a A. teria, pelo menos, no Inverno, mais algumas horas de exposição solar naquele local que é o passadiço para entrar em sua casa, sendo que com as chapas ali colocadas, aquele acesso “parece um buraco e fica escuro” para a A., pessoa de idade e doente, entrar em casa. Também a testemunha relatou o estado da A. sendo que estes factos a têm abalado bastante psicologicamente, pelo que o seu depoimento foi também relevante para prova do facto descrito em 17, sendo também certo que tais sentimentos são naturalmente provocados pela interrupção do sono”. Improcedendo a impugnação deduzida pela recorrente à decisão da matéria de facto, mantém-se estabilizada a matéria de facto provada tal como foi fixada na 1ª instância, a saber: 1. A A. é dona e legítima proprietária de um prédio urbano, composto de casa de habitação de r/c, anexo e quintal, que confronta a Norte, Nascente e Poente com rua pública e a Sul com a aqui Ré, M. P., o qual se encontra inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo …. 2. E é sua propriedade porque, por herança de seus avós, adquiriu um palheiro de pedra e telha, que demoliu há mais de 35 anos, e com materiais e jeiras pagas por si, construiu a sua casa de habitação no terreno onde aquele estava implantado. 3. Prédio que habita, onde toma as suas refeições, dorme, recebe amigos e familiares, de forma contínua e ininterrupta, pacífica, sem oposição de ninguém, designadamente da Ré, à vista de toda a gente, de boa-fé, como verdadeira proprietária, há mais de 30 anos. 4. A Ré é legítima proprietária de um prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo … e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº … o qual confronta a norte com o prédio da A. descrito em 1, de Sul com C. M., de Nascente e Poente com caminho público. 5. A delimitar o prédio da A. e o prédio rústico da Ré, existe um muro de blocos de cimento e uma rede construídos pela A. em 2000, com materiais e mão-de-obra paga por si. 6. Na sua propriedade a Ré construiu, em 2006, um muro de blocos paralelo ao muro da A., tendo para o efeito requerido a respectiva licença à Junta de Freguesia para um muro com cerca de 30m de comprimento e altura inferior a 1,20m. 7. No referido muro que construiu, a R. colocou chapa de zinco em todo o comprimento daquele, conferindo à vedação a altura total de 2,15m, a partir do passadiço da A. e de 1,91 a partir do logradouro da R. sendo que as chapas metálicas possuem a altura de 1,13m. 8. A altura do muro da R. sem as chapas, a partir do interior do prédio daquela é de cerca de 78cm. 9. Entre a vedação e a parede sul da casa da A. existe um passadiço em cimento usado para acesso ao logradouro interior e à habitação daquela. 10. Como as referidas chapas metálicas se encontram a 97cm da parede sul da casa de habitação da A. esta e o referido passadiço não ficam expostos ao mesmo número de horas de sol como anteriormente acontecia. 11. No Inverno, tanto a chuva como a geada acumulam-se mais facilmente naquele passadiço. 12. E à noite, sobretudo no Inverno, tanto quando chove muito, como quando há muito vento, a água e o vento batem nas referidas chapas, fazendo um barulho incomodativo, o qual interrompe e perturba o sono da A. por a mesma dormir no quarto contíguo à referida parede. 13. A A. é uma pessoa de idade e com vários problemas de saúde, os quais já só por si perturbam o seu sono e descanso. 14. Tendo em conta a altura das chapas em zinco e por ali não dar o mesmo número de horas de sol, não só não secam tão facilmente as paredes da casa da A., como não seca o pequeno corredor em cimento/passadiço que vai da rua pública até ao interior da sua casa de habitação, cujo chão fica escorregadio com as águas das chuvas, as geadas e o musgo. 15. Ao colocar as chapas metálicas da altura descrita em 7 e paralelas à parede da casa de habitação, estas fazem barulho que incomoda a A. quando nelas bate a chuva ou o vento, até devido ao vão que existe entre as mesmas e a casa da A. 16. A água, para além do barulho que faz ao bater nas chapas metálicas, escorre por elas abaixo, caindo no logradouro/passadiço. 17. Os factos descritos causam à A. dores de cabeça, irritação, stress. 18. A colocação pela Ré das chapas metálicas, após a construção do muro de alvenaria por si efectuado, ficou a dever-se ao facto de aquela pretender conferir maior privacidade e segurança à sua casa. 19. No logradouro da R. existe um rego ou valado com cerca de 12m de comprimento, 0,50m de largura e 0,20m de profundidade o qual se destina a conduzir as águas do prédio daquela para um tubo de descarga situado no muro exterior de vedação da R. confinante a nascente com o arruamento público. 20. A Ré colocou pedras na embocadura do supra referido tubo as quais dificultam a normal saída das águas. 21. A A., através da ora mandatária, enviou à Ré, em 11/10/2007, que a recebeu, a carta junta aos autos a fls. 16v cujo conteúdo aqui se considera integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. 22. A A. comunicou tais factos à Câmara Municipal, que lhe remeteu em 19/05/2016 as comunicações juntas aos autos a fls. 17v a 18v, ali tendo referido que as referidas chapas metálicas em cima do muro de vedação não se enquadram no art. 2º, do DL nº 555/99, alterado pelo DL nº 136/2014, de 09 de Setembro, pelo que não está sujeito a controlo prévio por parte da administração. 23. O prédio rústico da ré referido em 4 está localizado a norte, contiguamente à sua casa de habitação, a que serve de logradouro, formando um conjunto com esta. 24. Trata-se de um espaço, com cerca de sessenta a setenta metros quadrados, a que se acede pelo interior da casa, onde a ré tem árvores de fruto, plantas de jardim e uma pequena horta. 25. A parede sul da casa da autora, contígua ao passadiço referido em 9 não tem quaisquer janelas ou vãos de compartimentos rasgados para esta. 26. A A. nasceu em -/04/1941 e vive sozinha. 27. A R. nasceu em - de Julho de 1937 e vive sozinha. 28. Sofre de cancro no seio, de que anda a ser tratada em França, onde tem uma filha, ali emigrada. 29. Existem vestígios de humidade nas paredes interiores do quarto da A. do lado do referido muro. 30. A. e R. estão de relações cortadas há mais de 10 anos, tendo corrido neste Tribunal o processo nº 70/2001, tendo ali sido proferida a sentença de 04/08/2006 junta a fls. 44 e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. 31. A poente da casa da A., aquela construiu um anexo com telhado de telha, sendo que desde finais de Novembro de 2017 até ao Verão de 2018 o anexo ficou coberto com chapa de zinco, uma vez que a A. teve necessidade de retirar dali a telha para colocar no telhado da sua casa que sofreu um incêndio em 22/11/2017. 32. O prédio da A. situa-se a um nível inferior ao da R. O direito: Provou-se que a autora vive há mais de 35 anos na casa térrea que construiu, dormindo no quarto que está encostado à parede Sul, que dista 97 cm do muro em blocos erigido em 2006 pela ré no prédio rústico contíguo, e sobre o qual colocou umas chapas de zinco com 1,13 metros de altura com a finalidade de conferir maior privacidade e segurança à sua casa. Mas também se provou que essas chapas, dada a sua natureza e a forma como se encontram colocadas, fazem barulho incomodativo quando fustigadas pela chuva e pelo vento, interrompendo e perturbando o sono da A. e causando-lhe dores de cabeça, irritação e stress. Entendeu a 1ª instância que essa situação configura uma colisão de direitos: do lado da autora o direito ao repouso, ao sossego e à tranquilidade, emanação dos direitos fundamentais de personalidade; do lado da ré o direito à tapagem previsto pelo artigo 1356º do Cód. Civil. E considerando superiores os direitos da autora, fez prevalecer os direitos da autora em detrimento do direito da ré, por aplicação do disposto no nº2 do artigo 335º do Código Civil. A recorrente conclui que essa solução jurídica viola os normativos dos arts 80º e 335º do Cód. Civil e 26º da Constituição da República Portuguesa, pois do seu ponto vista são de igual valor os direitos colidentes, e sustenta que a verificada colisão deve ser resolvida nos termos do nº1, do artigo 335º do Código Civil, mantendo-se a vedação tal como está, porque basta à autora dormir noutro quarto da sua habitação para evitar que o seu sono seja interrompido pelo ruído produzido pela água de chuva a bater nas chapas. Mas equivoca-se a recorrente ao considerar o seu direito igual aos direitos de personalidade e com o mesmo valor, quando é desigual e de espécie diferente. E o interesse tutelado pelo direito de tapagem previsto no artº 1356º do Cód. Civil, embora sendo a manifestação do direito de propriedade consagrado no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, é de valor muito secundário em relação ao direito da autora ao sossego, ao repouso e à tranquilidade, condições indispensáveis à realização dos direitos fundamentais à saúde e qualidade de vida – arts 26º, 64º e 66º da Constituição da República Portuguesa, e 70º do Código Civil. A sentença recorrida sufraga um entendimento com bom abrigo nos factos e na lei, dando prevalência aos direitos de personalidade em detrimento do direito de propriedade, aliás em consonância com a jurisprudência produzida pelo Supremo Tribunal de Justiça, de que são bons exemplos os seguintes acórdãos de 13.03.1997, 01.03.2016, 22.03.2028, 28.10.2008, 18.09.2018, Ademais, a condenação da ré a retirar as chapas metálicas não representa o total sacrifício do direito da ré, antes constitui uma mera limitação na medida do estritamente necessário, pois a privacidade e segurança do prédio fica suficientemente assegurada com o muro em blocos de 78 cm de altura nele erigido, tanto mais que essa vedação é contígua a um passadiço que se localiza a uma cota inferior e a casa da autora não tem desse lado quaisquer aberturas (v.g. janelas e portas). Depois de a ré ter colocado sobre o muro as chapas metálicas, em função do aumento da altura conferido à vedação (1,13 metros), a parede Sul da casa da autora e o passadiço em cimento adjacente usado como acesso à sua casa deixaram de ter o mesmo número de horas de exposição ao sol como anteriormente acontecia, o que facilita no Inverno a acumulação de água e geada no passadiço, e dificulta a secagem da parede da casa da autora e do passadiço “cujo chão fica escorregadio com a água da chuva e as geadas”. Significa que a redução da insolação não ocorre directamente num logradouro ou em qualquer parte da habitação da casa, mas num mero acesso, pelo que só reflexamente atinge o direito à saúde da autora, e é nesse específico contexto que se aceita que o direito da autora à insolação do seu prédio e o direito da ré à tapagem são “direitos subjectivos de igual natureza, já que ambos se fundem no direito de propriedade”, e essa colisão deve ser solucionada nos termos do nº1 do artigo 335º do Cód. Civil mais uma vez mediante a referida cedência/limitação do direito de tapagem da ré, por obediência ao princípio da concordância prática previsto no nº2 do artigo 18º da CRP. Decisão: Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida. Custas pela recorrente. TRG, 22.10.2020 1 - Ponto 11. «No Inverno, tanto a chuva como a geada acumulam-se mais facilmente naquele passadiço» Ponto 14. Tendo em conta a altura das chapas em zinco e por ali não dar o mesmo número de horas de sol, não só não secam tão facilmente as paredes da casa da autora, como não seca o pequeno corredor em cimento/passadiço que vai da rua pública até ao interior da sua casa de habitação, cujo chão fica escorregadio com as águas das chuvas, as geadas e o musgo |