Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ALEXANDRA VIANA LOPES | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA NULIDADE POR FALTA DE FORMA ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/23/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. A falta de apreciação de um meio de prova na decisão de facto: não causa a nulidade da sentença nos termos do art.615º/1-b) do CPC; pode fundamentar um erro de julgamento de facto, a invocar na impugnação à matéria de facto, nos termos do art.640º do CPC. 2. A falta de apreciação da arguição de falta de documento para provar facto ou para tornar exigível ou líquida uma obrigação: não causa uma nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-d) do CPC, por o argumento não apreciado não corresponder a questão a decidir; pode causar um erro de julgamento de facto e/ou direito, a invocar nos termos do art.640º e/ou 639º do CPC. 3. A decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância: 3.1. Pode ser expurgada na Relação das conclusões e da matéria de direito integradas irregularmente na decisão. 3.2. Pode ser ampliada ou alterada pela Relação, em relação a factos essenciais que tenham sido alegados (art.5º/1) ou em relação a factos instrumentais, complementares ou concretizadores que possam ser considerados pelo Tribunal (art.5º/2-a) e b) do CPC), se a prova produzida o impuser (art.662º/1 do CPC): após impugnação do recorrente (art.640º do CPC); ou mediante a intervenção oficiosa da Relação (art.662º/2-c) do CPC e/ou art.607º/4-2ª parte, ex vi do art.663º/2 do CPC), podendo integrar deficiência sanável pela Relação a falta de elenco nos factos provados daqueles que foram considerados demonstrados na motivação e na fundamentação da decisão. 4. É ilegítima nos termos do art.334º do CC a arguição de nulidade do contrato de empreitada não reduzido a escrito nos termos do art.26º da Lei nº41/2015, de 3.6., por violar manifestamente a confiança criada pelos réus na sua não arguição, quando aquele foi acordado após orçamento escrito, foi executado na proporção de cerca de 96% e com acompanhamento do réu, foi pago na proporção de cerca de 85% antes da instauração da ação. 5. A falta de demonstração pelo autor/credor de cumprimento de obrigações fiscais, nomeadamente de emissão de fatura de preços pedidos, não impede a demonstração da execução e do valor do trabalho por outro meio de prova (arts.341º ss do CC), nem causa a inexigibilidade da dívida ou a sua iliquidez, sem prejuízo da comunicação daquela falta à Autoridade Tributária, nos termos do art.274º do CPC. 6. A prova pelo autor de factos constitutivos do direito invocado (acordo de empreitada, execução de trabalhos, acordo de preço orçamentado e preço praticado de trabalho suplementar) e a falta de demonstração pelos réus de factos integrativos de exceções (por falta de prova de pagamentos superiores aos imputados pelo autor; por terem deixado transitar a decisão do Tribunal a quo de exclusão da discussão de facto e de direito da sentença dos defeitos alegados pelos réus na contestação), conduz à procedência da ação na medida dos trabalhos e preços que foram provados. 7. A consideração de ilegitimidade da arguição da exceção de nulidade de contrato por falta de forma, por abuso de direito (art.334º do CC), não implica automaticamente que se considere que os réus, que a arguiram ao abrigo do seu direito de defesa, tenham desenvolvido uma atividade processual ilícita de litigância de má-fé, nos termos do art.542º/1 e 2-a) do CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: | As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte ACÓRDÃO I. Relatório: Na presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, movida por AA contra BB e mulher, CC, por petição inicial de 04.12.2018: 1. O autor: 1.1. Pediu a condenação dos réus no pagamento da quantia de €10 000,00 (dez mil euros), referente a trabalhos e materiais incorporados em obra, não pagos até à data, acrescida de juros de mora desde a sua citação até efetivo e integral pagamento. 1.2. Alegou, como fundamento: a) O autor (trabalhador de construção civil, por conta própria): a1) Apresentou, a pedido dos réus, um orçamento para a construção de uma moradia, no valor de € 68 934, 00, acrescido de IVA de mão de obra, que foi aceite por estes, com o acordo que o preço deveria ser pago parcelarmente de acordo com o andamento das obras; iniciou as obras entre março e abril de 2016 e realizou os trabalhos previstos no orçamento, à exceção da pintura final do capoto no valor de € 2 328, 00 (arts.1º a 5º e 9º-iv e 11º da petição inicial). a2) Realizou, a pedido dos réus (em relação a materiais e obras que indica), trabalhos extraorçamento com custo total de € 1211, 00, a acrescer ao orçamento inicial (arts.7º e 8º da petição inicial). b) Os réus fizeram pagamentos parcelares, no valor global de € 57 817, 00, encontrando-se por pagar o valor de € 10 000, 00 (arts.9º-III e 10º da petição inicial). c) O autor, quando as obras estavam quase terminadas e faltava apenas a pintura final exterior com valor de € 2 328, 00, solicitou aos réus o pagamento de € 10 000, 00, o que fez por várias vezes (sendo a última por carta de 27.02.2018, recebida a 01.03.2018) (arts.11º, 12º, 18º da petição inicial). d) Os réus, face à solicitação de c) supra: recusaram o pagamento da tranche em falta e pretenderam que o autor realizasse a pintura final de € 2328, 00 à sua custa; impediram que o autor concluísse os trabalhos previstos com a realização da pintura exterior, entregando a terceiro a conclusão das obras contratadas com o autor (arts.11º, 15º, 16º, 18º, 19º da petição inicial). e) Os réus acompanharam a obra (deslocavam-se constantemente ao local da obra, o réu marido ia quase todos os dias e permanecia lá várias horas), fiscalizaram-na e receberam os trabalhos realizados sem qualquer reclamação durante o decurso de toda a obra e antes do autor ter solicitado o pagamento da tranche de € 10 000, 00 (arts.21º, 22º, 24º, 25º da petição inicial). f) Todos os trabalhos executados pelo autor foram realizados de acordo com as instruções e solicitações dos réus, sobretudo do réu marido, bem como em conformidade com o previsto pelas partes (art.23º da petição inicial). 1.3. Defendeu juridicamente ter direito à satisfação do pedido com base nos arts.777º/1 e 805º/1 do CC, os arts.1207º e 1211º/2, arts.406º, 428º/1 e 762º/1 e 2 do CC; citou os Ac. RP de 03.06.2013 e Ac. STJ de 14.01.2014 sobre o reconhecimento da exceção de não cumprimento pelo empreiteiro da execução de parte da obra quando o dono da obra não fizer pagamento proporcional à parte já executada. 2. Os réus apresentam contestação e reconvenção, na qual: 2.1. Na contestação, os réus defenderam-se: 2.1.1. Por impugnação de factos alegados na petição inicial («2º São falsos os factos invocados pelo A. nos arts, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º (no sentido que se lhe quer dar), 13º a 17º, 18º, 19º, 20º, 23º, 24º a 27º, 28º, 29º, 30º, 31º e 32º, não se aceitando o que o A. invoca nos arts. 33º a 36º, todos da petição inicial, os quais se deixam expressa e especificadamente impugnados.»), acrescida da declaração que deveria ser valorada a falta de junção pelo autor (que reclama a execução de trabalhos no exercício da sua atividade profissional) de documento contabilística e fiscalmente relevante (fatura ou outro), no qual o mesmo pudesse assentar a sua pretensão (arts.1º a 5º da contestação). 2.1.2. Por exceção, na qual: a) Arguiram a nulidade do contrato de empreitada, por falta de redução a escrito, em referência ao art.26º da Lei nº41/2015, de 3 de junho, e à Portaria nº17/2004, de 10 de janeiro (arts.6º a 20º da contestação). b) Defenderam o incumprimento do contrato, alegando: b1) Que o autor: não concluiu os trabalhos que compunham a empreitada ao abandonar a obra em setembro de 2017, retirando máquinas, atavios, equipamentos e utensílios e não mais ali aparecendo; executou trabalhos (exteriores e interiores) sem conformidade aos projetos aprovados (que consultou previamente e tinha na sua posse) e em violação de regras de construção conhecidas pelos construtores, padecendo aqueles de defeitos ostensivos (elencados nos arts.24º e 25º da contestação) que carecem de diversas correções (arts.23º a 25º, 26º a 28º, 34º a 36º, 51º da contestação). b2) Que os réus, por carta registada de 01.02.2018, junta sob o doc.1: denunciaram os defeitos ao autor registados no relatório pericial de 22.01.2022 (arts.23º a 25º da contestação); informaram-no, face ao referido abandono dos trabalhos referido de 34º a 36º, que, se não os retomasse no prazo de 8 dias, considerariam que havia abandono da obra (arts.37º e 38º da contestação). b3) Que o autor respondeu aos réus, exigindo-lhes o valor de € 10 000, 00 para retomar os trabalhos (art.39º da contestação). b4) Que os réus, por carta de 22.01.2018 junta sob o doc.3: deram ao autor nova oportunidade de retomar os trabalhos num novo prazo, sem que o mesmo o tivesse feito; explicaram-lhe que a quantia pedida não lhe era devida, uma vez que acertaram entre todos que o valor final a pagar sê-lo-ia no final da execução dos trabalhos contratados (arts.40º, 41º e 52º da contestação). b5) Que os réus, por inúmeras vezes, interpelaram o autor verbalmente para concluir a obra e corrigir os defeitos dos trabalhos executados em desconformidade com o projeto, sem sucesso, uma vez que o autor, apesar das oportunidades que lhe foram dadas, não mais apareceu na obra e deixou-a ao abandono (arts.49º e 50º da contestação). b6) Que, face ao abandono da obra, os réus resolveram o contrato com justa causa, por incumprimento definitivo, não estando obrigados a interpelá-lo para reparar defeitos (conforme Ac. STJ de 06.03.2007, proc.07A074). c) Alegaram, como exceções de pagamento: c1) Que a 21.02.2018 já haviam pago o valor de € 59 374, 35 e fizeram pagamentos diretos aos fornecedores no valor de € 4 887, 40 (arts.43º e 45º da contestação). c2) Que os materiais, trabalhos e mão de obra indicados no art.7º da petição inicial (relativamente aos trabalhos suplementares) foram totalmente pagos pelos réus (arts.29º e 30º da contestação). d) Defenderam que o autor reclamou uma dívida sem prova documental- sem juntar pelo menos os comprovativos de aquisição de materiais e do seu pagamento e sem prova que lhe seja devida alguma coisa a título de mão de obra (arts.32º e 33º da contestação). e) Concluíram que nada tinham a pagar, tendo em conta: que o valor total do orçamento era de € 68 450, 00 + IVA de mão de obra, que perfez o valor global de € 546, 00 (face aos doc. 4, 5 e 6 que junta), pelo que o valor total a receber se tivesse acabado os trabalhos seria € 68 996, 00; que, face ao pagamento do valor de € 59 374, 35 e ao desconto dos pagamentos diretos aos fornecedores de € 4 887, 40, estava apenas por pagar, se o trabalho tivesse sido concluído, o valor de € 4 734, 25; que para a realização dos trabalhos não realizados e para a correção de avarias é necessário um valor não inferior a € 15 000, 00, razão pela qual nada mais têm a pagar (arts.43º a 48º da contestação). 2.2. Deduziram reconvenção, na qual pediram a condenação do autor/reconvindo a pagar: a quantia adequada à realização de trabalhos não executados e à correção de defeitos, quantia essa a peticionar em articulado superveniente; a pagar a cada um dos reconvintes o valor de € 1 000, 00 por danos não patrimoniais. 2.3. Pediram a condenação do autor como litigante de má-fé, a pagar multa e indemnização a favor dos réus, em valor não inferior a € 250, 00 para cada um deles, por entenderem que o autor litigou sem fundamento e contra os factos por si vividos, sabidos e conhecidos. 3. O autor respondeu à contestação e reconvenção, na qual: 3.1. Em relação à contestação: a) Impugnou os seus art.23º a 53º (art.3º da resposta). b) Defendeu que os réus abusam do direito com a arguição da nulidade do contrato de empreitada, uma vez que aceitaram o orçamento e as obras, cuja execução leva a que não possam ser restituídas (arts.11º a 18º da resposta). 3.2. Em relação à reconvenção: impugnou os factos alegados e defendeu que a mesma não é legalmente admissível (arts.1º a 10º da contestação). 3.3. Em relação à litigância de má-fé: recusou a sua condenação como litigante de má-fé; defendeu que os réus litigam de má fé por não lhe quererem pagar o que devem (arts.19º a 34º da resposta) e pediu a sua condenação como tal, em multa e em indemnização em valor não inferior a € 2 500, 00. 4. Os réus contraditaram o pedido de condenação em litigância de má-fé, opondo-se ao mesmo, reiterando que foi o autor que abandonou a obra, apesar das oportunidades que lhe deram para a retomar. 5. Proferiu-se despacho na fase de saneamento, no qual o Tribunal a quo: fixou à causa o valor de € 10 000, 00; indeferiu a admissão da reconvenção; procedeu a saneamento tabelar; marcou audiência de julgamento. 6. Iniciada a audiência: foi a mesma interrompida no início para a produção prévia de prova pericial (período no qual: realizou-se a 1ª perícia; realizou-se a 2ª perícia, que veio a ser admitida por acórdão da Relação que revogou despacho de indeferimento da sua realização); foram apreciados, ainda e após, requerimentos de prova. 7. De seguida, realizou-se a audiência final. 8. A 06.03.2024 foi proferida sentença com procedência parcial da ação, na qual o Tribunal a quo: 8.1. […] 8.2. […] 8.3. Decidiu em «VI. Decisão»: «Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, julgam-se os autos nos seguintes termos: I) Julgo improcedente a excepção de nulidade do contrato de empreitada por falta de forma escrita; II) Condeno os Réus no pagamento ao Autor da quantia de €9.516,00 (nove mil quinhentos e dezasseis euros – por não se incluir o valor do IVA invocado pelo Autor) acrescido dos juros de mora à taxa legal aplicável, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; III) Condeno os Réus como litigantes de má-fé em indeminização a favor do Autor na quantia de €2.000,00 (dois mil euros); IV) Julgo improcedente o pedido de condenação do Autor como litigante de má-fé. * Notifique e registeCustas na proporção do decaimento das partes.». 9. Os réus interpuseram recurso, no qual apresentaram as seguintes conclusões: «1ª Os RR/Recorrentes não se podem conformar com a decisão sob recurso, seja quanto à matéria de facto provada e não provada, seja quanto ao direito. 2ª Razão pela qual, entendem, sempre com o devido respeito, que a Mmª Juiz “a quo” fez uma errónea interpretação dos factos e do direito, tendo incorrido em erro no julgamento, para além de ocorrer o vicio da omissão de pronuncia. 3ª Os RR. recorrentes entendem que não foram provados os factos a que se referem os pontos 8., 9. e 15º da matéria de facto provada. 4ª Pelo contrário, entendem que ficaram provados os factos 2, 4, 5, 6 e 9 da matéria de facto não provada na sentença. 5ª Quanto aos factos provados que vão impugnados através do presente recurso, entendem os recorrentes, desde logo, que a Mmª Juiz “a quo” não podia concluir como concluiu, estarem em divida os trabalhos extraorçamento no valor de 1.211,00 € (os referidos no art. 7º da petição inicial), porquanto à mingua de qualquer documento, fatura ou outro, emitido pelo recorrido e tendo em consideração a afirmação dos réus de que não deviam aquele valor, competia àquele o ónus da prova de que aquele valor lhe era devido, nos termos do disposto no nº 2, do art. 344º, do Cód. Civil, não tendo, porém, produzido qualquer prova desse concreto facto. 6ª Tal como se vê do artigo 7º da, aliás, douta petição inicial, os valores extraorçamento dizem respeito a materiais e mão de obra. 7ª Ora, tal como referiu o recorrido no seu depoimento acima transcrito (sessão da audiência de 11.11.2022, de 00:21:03 a 00:23:28), os materiais eram facturados pelos fornecedores em nome do recorrente varão, que os pagava diretamente, com o que, não faz qualquer sentido que, quanto aos materiais a que ali se refere o A., não tenha sido observada a mesma pratica, sendo certo ainda que, tal como se referiu, não existe qualquer documento ou outra prova de suporte daquele valor de 1.211,00 €. 8ª Valor que, diz também respeito a mão de obra – vide ponto “5” do art. 7º da petição –, não se descriminando nem se tendo apurado, qual o concreto débito que à mesma diz respeito, o que implica a iliquidez desse valor e, por conseguinte, sem prejuízo do que atrás já se referiu, a sua inexigibilidade aos recorrentes. 9ª Face ao exposto, a matéria do ponto 8 e da al. II), do ponto 9 dos factos provados, não pode, em nosso entender e sempre com o devido respeito, manter-se naquela epigrafe (factos provados), devendo transitar para os factos não provados. 10ª Pelo contrário, a matéria dos pontos 4 e 5 dos factos não provados na sentença, deve transitar para os factos provados, com exceção, quanto ao primeiro, da expressão “em dinheiro a pedido do Autor”. 11ª Quanto ao valor de 484,00 € que o A. reclama sob o ponto I), do art. 9º a petição, o Tribunal “a quo”, considera que o mesmo não foi pago – ponto I), do facto provado 9. 12ª Após requerimento dos réus/recorrentes na audiência de julgamento de 11.03.2022, para que o A./recorrido juntasse ao processo o documento, fatura ou outro, onde assenta o pedido do pagamento do valor que reclama de 10.000,00 €, o mesmo, através de requerimento de 07.04.2022, refª ...16, junta as faturas nºs. ...8, ...9, ...0 e ...1. 13ª Porém, na sequência da junção desses documentos, os RR./recorrentes juntam aos autos os recibos nºs. ..., ..., ... e ..., comprovativos do pagamento daquelas facturas. 14ª Ora, a emissão pelo A./recorrido daqueles recibos, porque integram a declaração por parte dele de factos contrários à sua pretensão, fazem prova quanto à realidade desses factos, criando a favor dos recorrentes a presunção do pagamento, presunção que não foi ilidida. 15ª Não podia, pois, o Tribunal “a quo” dar como provada a matéria do ponto 9., al. I), dos factos provados, quanto ao valor do IVA da mão de obra de 484,00 € porquanto, o contrário resulta dos preditos recibos emitidos pelo A./recorrido e juntos pelos réus/recorrentes. 16ª O Tribunal “a quo” não podia considerar o valor de 2.328,00 € mencionados pelo A./recorrido, a título de trabalhos a menos, ou seja, trabalhos que integram o contrato de empreitada e que o mesmo não efetuou, em concreto, quanto à colocação e pintura do “capoto” – ponto 9., al. IV), dos factos provados. 17ª O referido valor, na versão do A./recorrido, diz respeito a material e mão de obra – conf. depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento de 11.11.2022, 00:24:55 a 00:26:18, acima transcrito –, não tendo o mesmo esclarecido qual o concreto valor de uma coisa e outra, nem, tão pouco, se o mesmo foi calculado com ou sem IVA. 18ª Pela sua parte, os réus/recorrentes juntaram à sua contestação como “Doc. 10”, a factura de 19.06.2018, no valor de 4.196,76 €, valor que pagaram para retificar os erros dos trabalhos efetuados pelo A./recorrido na colocação do capoto e para concluir essa parte da obra, factura que constitui um meio de prova e, quanto à qual, o tribunal “a quo” não chega sequer a pronunciar-se, incorrendo na nulidade da sentença, prevista na al. b), do nº 1, do art. 615º, do C. P. Civil. 19ª A testemunha DD, responsável técnico da obra, refere na sessão de 12.01.2024, na parte do depoimento que acima se transcreve (00:15:56 a 00:16:38), que o capoto foi mal executado, mal terminado, mal acabado. Portanto, não havia acabamento do capoto. 20ª Atenta a circunstância a que nos vimos referindo e a confissão parcial do A./recorrido, associada ao documento junto como “Doc. 10” à contestação, o Tribunal “a quo” deveria ter considerado que o valor que os réus/recorrentes gastaram na reparação e conclusão do capoto foi de 4.196,76 €, valor a descontar ao eventual crédito do A./recorrido, dando, assim, como provado o ponto 2. da matéria de facto não provada e alterando o ponto 9, IV), da matéria de facto provada, passando a ali constar o redito valor de 4.196,76 €, ao invés do valor de 2.328,00 €. 21ª Muito antes de o A./recorrido ter pedido aos RR./recorrentes o pagamento do valor de 10.000 € em causa nos presentes autos, já haviam ocorrido várias reclamações por parte dos donos da obra, por si e interpostamente, tal como resulta do depoimento da testemunha, DD, na sessão de 12.04.2024 (00:10:02 a 00:10:45 e de 00:11:00 a 00:12:46), acima transcrito, que até acrescenta que, fruto dessas reclamações, passou a ser mal recebido na obra pelo A./recorrido. 22ª Não pode, pois, prevalecer a afirmação da Mmª Juiz “a quo” na sentença sob recurso, de que as reclamações só ocorreram após o A./recorrido exigir dos RR./recorrentes o valor de 10.000,00 €, afirmação que parece querer significar que as reclamações se destinaram a que os recorridos não cumprissem com as obrigações de pagamento, que lhes fossem exigíveis. 23ª É o próprio A./recorrido quem, no seu depoimento e a instâncias da Mmª Juiz “a quo”, afirma ter saído da obra em setembro/outubro de 2017 – vide depoimento prestado na sessão de 11.11.2022, 00:40:04 a 00:44:34. 24ª As cartas que lhe foram remetidas pelos RR./recorrentes e que, constituem o “Doc. 2” e o “Doc. 3” juntos à contestação, comprovam que interpelaram o A./recorrido para retomar os trabalhos, ao que o mesmo recusou, afirmando que só o faria caso lhe fosse pago o valor de 10.000,00 €, que veio a reclamar na presente acção. 25ª Visto o depoimento do A./recorrido e os documentos mencionados, é bem evidente que os recorrentes não impediram o A. de continuar a obra, tendo sido o mesmo a abandoná-la voluntariamente, obra de onde já havia removido as suas máquinas, pelo menos, em setembro/outubro de 2017, para, posteriormente, remover todos os demais atavios. 26ª Significa, pois, que o ponto 15. da matéria de facto provada, deve ser alterado no sentido de ali passar a constar que “O Autor abandonou a obra em setembro/outubro de 2017, dali retirando as máquinas, para depois retirar todos os equipamentos e utensílios que lhe pertenciam,designadamente,betoneiras,escorase andaimes”. 27ª Tal como referem os réus/recorrentes no art. 4º da sua contestação, o A./recorrido não apresenta qualquer documento, contabilístico ou jurídica e fiscalmente relevante, que fundamente a sua pretensão de receber a quantia de 10.000,00 €, nem, tão pouco, esclarece de forma percetível o critério de determinação daquele valor. 28ª Inclusive, no seu depoimento na sessão de 11.11.2022, acima parcialmente transcrito (00:15:18 a 00:16:50), a instâncias do seu Ilustre Mandatário, nada esclarece a propósito do valor que reclama, a não ser afirmar que o mesmo lhe é devido. 29ª Porém, o A./recorrido refere naquele seu depoimento que … E era muito valor, para o trabalho que era preciso fazer. Eu nem exigi o valor total exigi um adiantamento. 30ª Ora, ao que se entende daquele depoimento, os 10.000,00 € pedidos pelo recorrido aos recorrentes destinavam-se a um adiantamento para os trabalhos a realizar e não aos trabalhos realizados. 31ª Encontrando-se provado que, desde aquele pedido do predito adiantamento, mais nenhum trabalho foi efetuado pelo A. recorrido e destinando-se o valor pedido a trabalhos a efetuar, é inevitável concluir que nada lhe é devido. 32ª Em todo o caso, tendo os recorrentes invocado a inexistência de qualquer documento que suporte o aludido pedido do recorrido, deveria a Mmª Juiz “a quo” ter-se pronunciado sobre essa concreta questão. Não o tendo feito, salvo o devido respeito, a sentença sob recurso é nula, nos termos do disposto na al. d), do nº 1, do art. 615º, do C. P. Civil. 33ª Destarte, a emissão de factura com a descriminação do respetivo IVA, nomeadamente, do referente à mão de obra, constitui condição da exigibilidade do crédito reclamado pelo recorrido, pelo que, não tendo a mesma sido emitida, não é exigível aos recorrentes o reclamado valor. 34ª Face ao que atrás se expos, a existir qualquer obrigação dos recorrentes para com o recorrido, a mesma é ilíquida, não podendo ser-lhes exigido qualquer valor, sem que se proceda à sua liquidação. 35ª Enquanto tal não ocorrer, se for esse o caso, ou seja, enquanto não ocorrer a liquidação do eventual valor devido, não podem ser exigidos os respetivos juros. 36ª A Mmª Juiz “a quo” condena os recorrentes em indemnização como litigantes de má fé, com fundamento no facto de invocarem a nulidade do contrato de empreitada em causa, por inobservância da forma legalmente exigida. 37ª Quanto a esta concreta questão, não obstante ter sido julgada improcedente aquela predita nulidade, a verdade é que esse segmento decisório não encontra qualquer fundamento na sentença sob recurso, com o que, nesta parte a mesma é nula, de harmonia com o disposto na al. b), do nº 1, do art. 615º, do C. P. Civil. 38ª Com efeito, a Mmª Juiz “a quo” aborda o referido vicio tão só de forma inadequadamente perfunctória, sem que justifique excecionar aquele contrato da disciplina legal do art. 26º, da Lei nº 41/2015, de 03 de junho, que impõe a forma escrita. 39ª O vicio existe e deveria, como deverá nesta sede de recurso, ser decretado, com o que o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação do direito ao julgar improcedente a invocada nulidade. 40ª Em todo o caso, a invocação desse vicio por parte dos recorrentes, não significa que os mesmos ponham em causa o acordo contratual que com o recorrido celebraram. 41ª Destarte, se no decurso desse acordo e não obstante a nulidade do contrato de empreitada, se concluir que os recorridos são devedores de qualquer quantia ao recorrente, sempre terão de a pagar ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, o que, aliás, tem sido decidido unanimemente pela Jurisprudência. 42ª O mesmo é dizer que, ao contrário do que parece ter entendido a Mmª Juiz “a quo”, os recorrentes não alegam a nulidade do contrato de empreitada com vista a não pagarem ao recorrente o valor que viesse a demonstrar-se ser-lhe devido, mas antes no intuito de trazerem à discussão da causa todas as questões de facto e de direito, relevantes para a sua boa apreciação e decisão. 43ª De modo que, é absolutamente legitima e não constitui qualquer ato de má fé processual, a invocação da nulidade processual do contrato de empreitada, constituindo antes pelo contrário, um direito dos recorrentes, no exercício do seu legitimo direito de defesa. 44ª A sentença sob recurso, para além de fazer uma errada interpretação e aplicação do direito, viola, entre outras, as disposições dos nº. 4, do art. 607º e nº.2, do art. 608º, ambos do Cód. Proc. Civil; do nº 1, do art. 376º e nº 1, do art. 350º, ambos do Código Civil; e, do art. 26º, da Lei nº 41/2015, de 03 de junho. 45ª A sentença sob recurso é nula, nos termos do disposto nas als. b) e d), do nº 1, do art. 615º do C. P. Civil. NESTES TERMOS E nos melhores de Direito que V. Exªs melhor e doutamente suprirão, deve ser o presente recurso julgado totalmente procedente, com as consequências que, consoante os casos, lhe caibam, nos termos da lei. ASSIM SE FARÁ A HABITUAL JUSTIÇA». 10. O autor/recorrido respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões: «1.ª) O recorrido/Autor perfilha o entendimento, salvaguardado o devido respeito, naturalmente, de que não tem procedência o recurso em causa, por carecer o mesmo de fundamentos válidos, factual e juridicamente. 2.ª) Por outro lado, entende o recorrido que, aquilo que os recorrentes vêm tentar no presente caso é, verdadeiramente, um novo julgamento da matéria de facto, à face da interpretação que mais lhes convenha, o que, como é óbvio, lhes está vedado legalmente e não tem assim qualquer viabilidade, nem pode, obviamente, ser consentida tal situação. 3.ª) Com efeito, os factos que vieram a ser considerados como provados pelo tribunal “a quo” foram-no após uma ponderação manifestamente aprofundada, criteriosa e lógica, tendo em devida consideração todos os meios de prova obtidos no decurso da instrução do processo, e designadamente tendo em conta criteriosamente a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e toda a prova documental constante dos autos, bem como assim os demais meios de prova de que deitou mão o Tribunal para a douta sentença que veio a ser proferida a final – cfr., por bem elucidativo, o douto ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO de 25-03-2010, proc. nº 3941/06.8TBSTS.P1, na página informática do IGFEJ, com texto integral. 4.ª) Posto o que, dever-se-á, antes de mais, recordar quais os factos que, efetivamente, veio o tribunal “a quo” a considerar como plenamente PROVADOS, e como tal constantes da sentença proferida nos autos, aqui considerados como integralmente reproduzidos para todos os efeitos. 5.ª) Em relação à convicção do Tribunal para a decisão sobre a referida matéria de facto, desde logo é mencionado na douta sentença que: “Para julgar os factos nos termos acabados de expor, o Tribunal procedeu à apreciação conjunta e crítica da prova documental e pericial junta aos presentes autos, com o teor dos respectivos articulados e a prova produzida em sede de audiência de julgamento.” 6.ª) Após o que, o Tribunal a quo passou a descrever com a devida minúcia como foi percorrido o itinerário da análise do que estava em julgamento e que levou à decisão final proferida, que poderá ser descrito como segue no que concerne aos itens ou pontos principais em discussão pelas partes: 7.ª) I)-RELATIVAMENTE À RECONVENÇÃO DOS RR.: Em virtude de a reconvenção não ter sido admitida, “ficou apenas por decidir quanto à contestação apresentada a excepção da nulidade do contrato de empreitada por falta de forma conforme invocado, bem como os valores alegadamente em dívida segundo o Autor e os alegados pelos Réus a título de impugnação.” 8.ª) II)-PINTURA E CAPOTO: Quanto à questão da não aplicação do capoto ficou logo admitida pelo Autor e confirmada pelos relatórios periciais realizados nos autos (que são unânimes quanto a este ponto), pelo que ficou como única questão pendente quanto a esta matéria o valor da aplicação do capoto, pois o Autor entendeu ser de €2.328,00, mas das perícias dos autos resulta da primeira que o valor será de €1.750,00 e a segunda no valor de €2.500,00. (cfr. fls. 68 e 123v dos autos): e por isso, atendendo ao valor estabelecido pelas duas perícias, na douta sentença veio a ser considerado efetivamente, não a média das duas aludidas perícias, mas sim o valor indicado pelo Autor (bem superior a uma eventual média das referidas perícias), ou seja, o valor de €2.328,00. 9.ª) III)-ALEGADOS DEFEITOS INVOCADOS PELOS RR.: Os alegados defeitos invocados pelos RR., face à não admissão da reconvenção, não foram considerados para os autos, independentemente das conclusões retiradas nos relatórios periciais. 10.ª) Mais sucedendo que: nunca existiu qualquer reclamação sobre a obra, nem mesmo no livro de obras o qual deve existir sempre em todas as obras, tendo apenas a questão de reclamação sobre a obra “sido invocada pelos Réus após a exigência da tranche pelo Autor de €10.000,00, referente aos valores indicados por este” (...) ; “diga-se que transparece aqui, um claro abuso de direito pelos Réus. O abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito de forma anormal, quanto à sua intensidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiro e a criar uma desproporção entre a utilidade do exercício do direito e as consequências decorrentes desse exercício. Por via deste instituto tutela-se uma situação em que a aplicação de um preceito legal numa concreta situação da relação jurídica, se revela injusta e fere o sentido de justiça dominante. (...) Tendo os Réus solicitado a realização das obras extra-orçamento, realizadas e supervisionadas pelo Réu e o Arquiteto conforme admitiram, sem nunca terem reclamado ou se insurgido da realização das mesmas, ao levantarem apenas a final, depois de quase concluída a obra orçamentada (moradia em grosso), dizer que, afinal, não as têm de pagar porque o Autor abandonou a obra ou por estarem mal executadas, ou ainda por as terem pago anteriormente, sem disso fazerem prova, considera-se que estão os Réus a incorrer num claro abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium. (...)” 11.ª) Em face de tudo isso, tendo extraído o Tribunal a seguinte ilação ou conclusão inequívoca: “Conclui-se que toda esta obra foi realizada pelo Autor com base no orçamento junto aos autos e nos serviços extra solicitados pelos Réus.” 12.ª) IV)-RELATIVAMENTE À INVOCADA NULIDADE DO CONTRATO DE EMPREITADA POR FALTA DE FORMA: A esse respeito, a douta sentença considerou ser inaceitável a postura ou conduta dos Réus, por inicialmente invocarem a nulidade do contrato de empreitada por falta de forma e posteriormente impugnarem “factos relativos à empreitada que acabam por aceitar conforme decorre da impugnação constante da contestação”. 13.ª) Com efeito, entendeu o Tribunal que tendo os Réus invocado a exceção de nulidade do contrato de empreitada por falta de forma, quando após na contestação os próprios admitem a sua existência, revela uma clara má-fé destes na forma dolosa como litigaram. O que não pode deixar de ser inequivocamente censurável esta forma de defesa: por tais motivos, tendo concluído o Tribunal ser de inteira justiça a condenação dos Réus como litigantes de má-fé. 14.ª) Perante o exposto, mais considerou o Tribunal estarmos nos autos “perante uma clara situação de abuso de direito. Face não só à defesa dolosa apresentada pelos Réus na contestação, porquanto alé, de invocarem a nulidade referida, logo de seguida em sede de impugnação até admitem que afinal há um contrato de empreitada, admitindo que aceitaram o orçamento junto pelo Autor na petição inicial. O que não pode deixar de ser inequivocamente censurável esta forma de defesa, razão pela qual se condenou, conforme consta acima, os Réus como litigantes má fé e no pagamento da indemnização a favor do Autor na quantia de €2.000,00 (dois mil euros). (...) A conduta dos Réus revela um claro abuso de direito. São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes elementos: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou.” 15.ª) Conforme ainda a tal respeito vem descrito na sentença dos autos: “O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art. 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte. Assim, actuaram com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, os Réus perante o já invocado, porquanto permitiram e admitiram a realização de todas as obras orçamentadas e das reconhecidas obras realizadas extra-orçamento. Não podem as partes através dos articulados apresentados, no caso os Réus, obter pretensões assentes unicamente para beneficiar do eventual conhecimento de uma excepção invocada. Razão pela qual perante o manifesto e inequívoca verificação da figura jurídica de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, não se pode considerar verificada a excepção de nulidade do contrato por falta de forma escrita. Improcedendo tal pretensão.” 16.ª) V)-NO QUE SE REFERE À CAVE: O Tribunal entendeu ter sido devidamente esclarecido que “não estava incluída no orçamento, tal como consta do seu teor”, tendo a esse respeito sido mencionado pelo Autor, precisamente, “que quanto à cave em concreto não estava do orçamento, nem montagem das paredes e apenas se limitou a fazer as escadas e a placa, sendo que a cave já estava pronta quando iniciou a obra. O que faz sentido pela fotografia já referida supra, onde se vê claramente o Réu a trabalhar na estrutura da cave em construção, ou seja, verifica-se que estão a ser realizadas obras relativamente à estrutura e cave, a qual ainda não continha a primeira placa. (...) Confirma-se na verdade que o Autor não fez a parte bruta da cave, apenas os serviços constantes do artigo 7º da petição inicial.” 17.ª) VI)-QUANTO AO IVA RECLAMADO PELO AUTOR: O Tribunal entendeu sobre este ponto que, como foi admitido pelo próprio Autor, não foi pago o IVA mencionado no art. 9º da petição inicial, razão por que se considerou não ser de contabilizar esse valor de IVA, entendendo-se que por tal razão não poderá ser exigível nem considerada vencida tal obrigação (cfr. artigos 29º, nº 1, al. b), e 36º, n.º 1, do CIVA). 18.ª) Perante tal factualidade e articulação da mesma com o direito que o Tribunal considerou ser de aplicar ao caso em concreto, é, pois, entendimento do Autor que, tudo isso devidamente conjugado e sopesado especificada e concretamente, não há dúvidas sobre a procedência da presente ação e, por outro lado, o acerto do decidido pela douta sentença proferida, aqui objeto de recurso. 19.ª) Em consequência do que, resulta manifestamente dos presentes autos, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, o indesmentível mérito da douta Sentença, com o que, sem dúvida, no entender da recorrida e com a devida vénia, deverá improceder a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. TERMOS EM QUE: DEVERÁ DECIDIR-SE PELA IMPROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA.». 11. O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo; foi considerado, no mesmo despacho, que a sentença não padecia de qualquer nulidade. 12. Subido o recurso de apelação a esta Relação, foi o mesmo recebido nos mesmos termos da 1ª instância, colheram-se os vistos e realizou-se a conferência. II. Questões a decidir: As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC. Definem-se, como questões a decidir, por ordem de precedência lógica: 1. As arguições de nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-b) e d) (conclusões 18º, 32ª, 37ª e 38ª, 45ª). 2. As alterações à decisão de facto da sentença recorrida, mediante: 2.1. O conhecimento oficioso da matéria conclusiva e a sua expurgação da decisão de facto. 2.2. A impugnação à matéria de facto (liminar e, em caso de recebimento, de mérito) suscitada no recurso: a) Factos provados em 8 e 9- II e factos não provados em 4 e 5 (conclusões 3º, 5ª a 9ª e 10º). b) Facto provado em 9-I (conclusões 3º, 11ª a 15ª). c) Facto provado em 9-IV e facto não provado em 2 (conclusões 3º, 4º, 16ª a 20ª). d) Facto provado em 15 e facto não provado em 6 (conclusões 3ª, 4º, 21ª a 26ª). e) Factos não provados em 9 (conclusões 4ª). 2.3. O suprimento oficioso de deficiências da matéria de facto provada. 3. A reapreciação de direito, na qual é defendida o erro da sentença: 3.1. Quanto à improcedência da exceção de nulidade do contrato por abuso de direito (conclusões 38ª a 41ª). 3.2. Quanto à procedência dos pedidos da ação, em relação à qual os recorrentes defenderam: que nada é devido (conclusões 27º a 31º da contestação); que o crédito é inexigível e ilíquido (conclusões 32ª a 35ª). 3.3. Quanto à condenação em litigância de má-fé (conclusões 36ª, 42ª e 43ª). III. Fundamentação: 1. Arguições de nulidade da sentença: 1.1. Da nulidade do art.615º/1-b) do CPC: Os réus arguiram a nulidade da sentença recorrida nos termos do art.615º/1-b) do CPC, com dois fundamentos: a) No contexto da sua impugnação à matéria de facto do ponto 9)-IV), declararam que o Tribunal a quo não apreciou a fatura de 19.06.2018, no valor de € 4 196,76, meio de prova por si junto à contestação como “Doc. 10”, tendo pago aquele valor para retificar os erros dos trabalhos efetuados pelo A./recorrido na colocação do capoto e para concluir essa parte da obra (conclusão 18º e alegações prévias sob a epígrafe «III- Relativamente ao valor de 2.328, 00 €, que o A. Alega que deve ser descontado ao crédito que reclama, por não ter efetuado a pintura final do capoto pintura exterior»). b) No contexto da contestação da condenação por litigância de má-fé, declararam: que o tribunal condenou os réus como litigantes de má-fé «com o fundamento no facto de invocarem a nulidade do contrato de empreitada em causa, por inobservância da forma legalmente exigida»; e, imediatamente de seguida, que «Quanto a esta concreta questão, não obstante ter sido julgada improcedente a predita nulidade, a verdade é que esse segmento decisório não encontra qualquer fundamento na sentença sob recurso» (conclusões 36º e 37º, em referência a igual alegação dos réus indicada nas alegações no ponto «VI- Quanto à condenação dos RR. como litigantes de má fé»). Importa apreciar esta arguição de acordo com o regime de direito aplicável. 1.1.1. Enquadramento jurídico: A sentença é nula quando «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.», nos termos do art.615º/1-b) do CPC. Esta violação dos deveres de fundamentação refere-se aos deveres de fundamentação previstos no regime legal, nos quais: na norma geral do art.154º do CPC define-se, sob a epígrafe «Dever de fundamentar a decisão», que «1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.»; na norma especial do art.607º/3 a 4 do CPC, aplicável às sentenças, define-se que, após o relatório e a definição das questões a decidir, segue-se a sua fundamentação de facto e de direito- «3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. 4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.». A Doutrina e a Jurisprudência têm entendido, de forma não controversa: que esta falta de fundamentação que conduz à nulidade deve ser absoluta e não apenas deficiente ou medíocre[i]; que aplica-se sobretudo à falta de fundamentação de direito, uma vez que a insuficiência de fundamentação da decisão da matéria de facto pode ser suprida nos termos do regime legal expresso do art.662º/1-d) do CPC; que esta falta de fundamentação não se confunde com um erro de julgamento, quer seja erro de facto (invocável nos termos do art.640º do CPC ou art.663º/2 do CPC, em referência ao art.607º/4 do CPC), quer se trate de erro de direito, invocável nos termos do art.639º do CPC, erros esses a apreciar no mérito dos recursos. 1.1.2. Apreciação da situação em análise: A. Por um lado, apreciando a arguição de nulidade da sentença realizada pelos recorrentes e sintetizada em III-1.1.- a) supra, de acordo com o regime de direito aplicável explicado em III- 1.1.1. supra, verifica-se que esta deve improceder. De facto, a invocada falta de apreciação pelo Tribunal a quo de um meio de prova para julgar provado um facto, que aqui foi impugnado pelos recorrentes nos termos do art. 640º do CPC: não corresponde a qualquer fundamento de nulidade da sentença nos termos do art.615º/1-b) do CPC; pode fundar apenas um erro de julgamento de facto (por falta de apreciação e valoração de um meio de prova que possa conduzir a uma decisão de facto distinta), invocável nos termos do art.640º/1-a), b) e c) do CPC. B. Por outro lado, apreciando a arguição de nulidade da sentença realizada pelos recorrentes e sintetizada em III-1.1.- b) supra, de acordo com o regime aplicável explicado em III- 1.1.1. supra, verifica-se que esta é ininteligível e, de qualquer forma, seria improcedente em qualquer uma das vias interpretativas. De facto, numa primeira apreciação, verifica-se que não é inteligível se os recorrentes pretenderam invocar a nulidade da sentença por falta de fundamentação em relação à decisão de improcedência da arguida exceção perentória de nulidade do contrato de empreitada por falta de forma (como parece decorrer da letra das conclusões 36º ou 37º) ou em relação à decisão por condenação em litigância de má-fé (como parece decorrer da integração sistemática da arguição na contestação desta decisão). De qualquer forma, numa segunda apreciação, ainda que assim não fosse e os recorrentes tivessem claramente arguido a nulidade por falta de fundamentação de qualquer uma das decisões, a sentença não seria nula por falta absoluta de fundamentação, de acordo com o regime legal referido em III- 1.1.1. supra, não obstante se reconhecer que a mesma é manifestamente irregular do ponto de vista técnico-jurídico (por misturar a motivação de facto com a fundamentação de direito, o mérito da causa com a litigância de má-fé, sem precedência lógica de temas e com várias repetições de temas de apreciação em locais dispersos do texto): a) A explicação da razão da condenação por litigância de má-fé está feita na pág.13 e na pág.17 da sentença (fls.190 e fls.192), nas quais o Tribunal a quo afirmou: __ «Não é concebível, nem desculpável, a forma como os Réus litigam na contestação apresentada, com as consequências que sabia perfeitamente encontrarem-se-lhe associadas. Penalizando profundamente o peticionado pelo Autor, para após afinal admitir a existência de um contrato de empreitada. Nestes termos, condenam-se os Réus no pagamento de indeminização ao Autor, no valor aliás peticionado pelo próprio, no montante de €2.000,00. O que se considera justo e adequado atendendo à matéria em causa nos autos e que deu origem à presente acção. (…)». __ E após se referir ao abuso de direito, afirmou: «O que não pode deixar de ser inequivocamente censurável esta forma de defesa, razão pela qual se condenou, conforme consta acima, os Réus como litigantes má fé e no pagamento da indeminização a favor do Autor na quantia de €2.000,00 (dois mil euros).» b) A apreciação da arguição da nulidade do contrato de empreitada por falta de forma foi feita nas págs.16 e 17 da sentença (correspondentes a fls.191/verso e 192 do processo), na qual se percebe que o Tribunal a quo, apesar de não concluir se estariam ou não verificados os factos conducentes à nulidade do contrato, entendeu que os réus agiram em abuso de direito na sua arguição (paralisando os seus efeitos). De facto, explicou (transcrição da qual apenas se omitiu a redação do art.26º da Lei nº41/2015, de 3 de junho e os parágrafos sobre a litigância de má-fé intercalados indevidamente na apreciação do abuso de direito): «Os Réus invocam aquela nulidade tendo por base o disposto no art. 26º da Lei 41/2015, de 3 de Junho. Dispõe aquele normativo o seguinte: (…) Note-se que, em sede de petição inicial, o Autor alega a realização de orçamento referente à construção em grosso de uma moradia para os Réus. Todos os trabalhos realizados orçamentados e extra orçamento foram sempre realizados com conhecimento e consentimentos dos Réus. Afigura-se-nos, pois, que tendo sido por escrito particular e verbalmente quanto às obras extra orçamento, celebrado o acordo entre as partes, terá de se questionar se efectivamente tal situação estará ferida de nulidade nos moldes previstos no art. 26º, n.º 3, da Lei 41/2015. Importa lembrar que o Réu admitiu ter pago sempre parcelarmente o acordado com o Autor, apenas tendo colocado em causa o direito daquele aos valores que especificou, após o já exposto supra, na sequencia do pedido de pagamento da tranche na quantia de €10.000,00. Perante o exposto, considera este Tribunal que estamos perante uma clara situação de abuso de direito. Face não só à defesa dolosa apresentada pelos Réus na contestação, porquanto alé, de invocarem a nulidade referida, logo de seguida em sede de impugnação até admitem que afinal há um contrato de empreitada, admitindo que aceitaram o orçamento junto pelo Autor na petição inicial. (…) A conduta dos Réus revela um claro abuso de direito. São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes elementos: a existência dum comportamento anterior do agente suscetível de basear uma situação objetiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e atual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma atividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objetiva de confiança e o “investimento” que nela assentou. O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art. 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a proteção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte. Assim, atuaram com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, os Réus perante o já invocado, porquanto permitiram e admitiram a realização de todas as obras orçamentadas e das reconhecidas obras realizadas extraorçamento. Não podem as partes através dos articulados apresentados, no caso os Réus, obter pretensões assentes unicamente para beneficiar do eventual conhecimento de uma exceção invocada. Razão pela qual perante o manifesto e inequívoca verificação da figura jurídica de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, não se pode considerar verificada a exceção de nulidade do contrato por falta de forma escrita. Improcedendo tal pretensão. Pelo que, perante o supra exposto se considera procedente a pretensão do Autor, apenas relativamente ao valor peticionado não se contabilizará o valor relativo ao IVA.». Pelo exposto, julgam-se improcedentes as arguições de nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-b) do CPC. 1.2. Da nulidade do art.615º/1-d) do CPC: Os réus arguiram a nulidade da sentença recorrida nos termos do art.615º/1-d) do CPC, no contexto da contestação do dever de pagamento da dívida de € 10 000, 00, com o fundamento que o Tribunal a quo não apreciou a invocação dos recorrentes da inexistência de qualquer documento que suportasse o aludido pedido, invocado no art.4º da contestação (conclusão 32º, em relação a alegação prévia, realizada no ponto «V-Quanto à exigibilidade do valor de 10.000 € reclamados pelo autor»). 1.2.1. Enquadramento jurídico: A sentença proferida é nula quando o «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;» (art.615º/1-d) do CPC), invalidade esta referida à inobservância da obrigação do art.608º/2 do CPC, que dispõe que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.». Estas questões previstas no nº2 do art.608º do CPC, conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, reportam-se «aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às controvérsias centrais a dirimir.» [ii]. Estas questões, por sua vez, não se confundem: a) Com os factos que preenchem os fundamentos dos pedidos, factos estes que, caso seja omitida a sua apreciação, esta omissão pode ser invocada como erro de direito. Neste sentido, veja-se, nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, relatado por Tomé Gomes, que sumaria, de forma que se perfilha por inteiro: «I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.»[iii]. b) Com os documentos juntos para prova ou contraprova de factos que tenham sido alegados, documentos estes cuja omissão de apreciação apenas pode ser apreciada como erro de julgamento de facto, em impugnação a decisão de facto (art.640º do CPC) ou em invocação de deficiência ou falta de consideração de factos passíveis de prova documental (arts. 662º/3-c)- parte final e 663º/2 do CPC). c) Com argumentos jurídicos tecidos para defender o sentido de decisão de uma determinada questão suscitada[iv]. 1.2.2. Apreciação da situação em análise: Por um lado, examinando a contestação dos réus ao pedido do autor de condená-los a pagar-lhe o valor de € 10 000, 00 pelo preço das obras realizadas em execução da empreitada (achado pelo valor do preço global ordinário e extraordinário, apenas deduzido do segmento considerado não realizado), verifica-se que aqueles alegaram no art.4º «Verifica-se, porém, que não junta à sua petição qualquer documento contabilístico ou fiscalmente relevante, onde possa assentar a sua pretensão (fatura ou outro» (vindo a repetir e a acrescentar, após, no art.32º «O A. reclama o valor que alega estar em dívida, sem uma única prova documental, no mínimo, sem que junte os comprovativos da aquisição dos materiais e do seu pagamento»). Por outro lado, examinando a sentença proferida, verifica-se que esta, efetivamente, não apreciou especificadamente a arguição da falta de fatura (ou outros documentos comprovativos de compra e pagamentos de materiais). Todavia, esta invocação não corresponde a uma verdadeira questão, nos termos enunciados em III- 1.2.1. supra, mas a um argumento (passível de atender ou não na apreciação da prova de factos e/ou na apreciação jurídica da exigibilidade da dívida não faturada). Assim, o Tribunal a quo, apesar da confusa análise da sentença (referida em III- 1.1.2. supra): proferiu decisão de facto, cujo erro de julgamento apenas pode ser apreciado na impugnação à matéria de facto prevista no art.640º do CPC; apreciou o pedido de condenação formulado pelo autor, condenando os réus a pagar o objeto do mesmo à exceção do valor de € 484, 00 de IVA (que considerou não estar provado que foi pago pelo autor), face ao acordo contratual e aos trabalhos realizados, em relação aos quais não fez operar a exceção de nulidade do contrato de empreitada, por ter entendido que os réus abusaram do direito de arguição da mesma, apreciação esta que apenas poderia ser impugnada como erro julgamento de direito, nos termos do art.639º do CPC. Pelo exposto, julga-se improcedente a arguição de nulidade, nos termos do art.615º/1-d) do CPC. 2. Alterações da decisão da matéria de facto: […] 2.2.4. Matéria de facto provada, com as alterações introduzidas em 2.2.1. a 2.2.3. na decisão da 1ª instância e com realinhamento por ordem cronológica e lógica: 1. O Autor AA é trabalhador por conta própria, dedicando-se à execução de trabalhos de construção civil (facto provado em 1 da sentença recorrida). 2. Entre Outubro e Novembro de 2015, os aqui Réus BB e mulher solicitaram ao Autor que lhes apresentasse um orçamento referente à construção “em grosso” (ou seja, apenas a sua estrutura, sem os acabamentos) de uma moradia para os mesmos, em ... ou ..., da União das Freguesias ..., ... e ..., do concelho ... (facto provado em 2 da sentença recorrida). 3. O Autor elaborou e apresentou aos Réus o dito orçamento, nos seguintes termos: “Serve a presente para apresentar a Vº EX as condições do orçamento que a seguir descrimina. Requerente-BB Orçamento para a estrutura da moradia em grosso. 1-Movimentos de terras, não incluído. 2-Confragens\Betão aramado\Armaduras. Fornecimento e aplicação de confragens metálicas e madeira para molde de sapatas e vigas de fundações. Fornecimento e aplicação de betão armado de c-20-25 com bombagem, para enchimento de sapatas e vigas de fundações, incluindo todos os trabalhos de dobragem,corte ,e amarração,do ferro para sapatas e vigas de fundações. Fornecimento e aplicação de drenagem em tubo corrogado de 0,90mm em manta geotêxtil, enterrado em caixa de brita e aterro. Fornecimento e aplicação de tela picotada e betuminoso para uma impermeabilização das fundações. 3-Estutura Fornecimento e aplicação de confragem metalicase madeira para molde de pilares e vigas. Fornecimento e aplicação de betão armado de classe c-20-25 com bombagem para enchimento de pilares e vigas. Todos os trabalhos de dobragem,corte, e amarração do ferro para pilares e vigas. 4- Lages Rés do chão e tecto Execução das lages do piso do rés do chão e lage do tecto,compostas por um sistema de vigotas de cimento e abobadilhas cerâmicas,colocação da malha solo e cama de betão armado c-20-25. 6-Cobertura Nas zonas com telhado, será colocada a lage de vigotas de cimento e abobadilhas erâmicas,colocação da malha solo ,e cama de betão armado c-20-25.sendo colocado refomate conforme o projecto de térmica. Fornecimento e aplicação de telha cerâmica e todos os assessorios da marca .... Fornecimento dos rufos em alumínio. PLANA Fornecimento e colocação do sistema de impermeabilização da cobertura,composta por manta geotêxtil,que serve de base para a tela de PVC tipo danopol fv l,2mm para a cobertura plana. Execução de rufos, em chapa de alumínio para remate da tela de PVC ,e assim garantir uma boa execução. Colocação do refomate conforme o projecto ,mais a manta geotexti e seixo sem britar. 7- ALVENARIA Fornecimento e aplicação de bloco térmico 50x25x20 em todo o perímetro exterior da moradia, assente em argamassa de cimento e areia. Fornecimento e colocação do tijolo para todas as paredes das divisórias. 8- Acabamentos exteriores Colocação do capoto com todos os materiais para um bom acabamento ficando já pintado em cores claras. Colocação das forras de granito de 2cm de grosso para as fachadas marcadas no projecto sendo a estimativa para 110 metros quadrados acima destes será o proprietário a pagar, Granito de .... Colocação das soleiras e peitoris em granito de .... Não está incluído neste orçamento a baixada da agua e a energia elétrica. Todo o ferro e malha para a obra. Na cave os alicerces os muros, o piso e as escadas assim como a aplicação do betuminoso, o tubo corrogado a manta geotêxtil ,e a cama de brita, e a tela picotada assim como todo o material para estes trabalhos não estão incluídos no orçamento. Todos os alpendres ficarão com os pisos em bruto.” (cfr. doc. nº1). (facto provado em 3 da sentença recorrida). 4. O preço global daquele orçamento, respeitante unicamente às obras previstas no mesmo, foi de € 68.450,00, acrescido do valor referente ao I.V.A. de mão-de-obra: “TOTAL DO ORÇAMENTO- 68.450.00 EUROS MAIS IVA DE MÃO DE OBRA ” (facto provado em 4 da sentença recorrida). 5. O orçamento foi aceite pelos Réus e ficou então acordado entre as partes que o mencionado preço das obras ali previstas deveria ser pago ao Autor parcelarmente e em conformidade com o andamento de tais obras (facto provado em 5 da sentença recorrida). 6. O Autor iniciou as obras entre Março e Abril de 2017, acompanhadas pelo réu com presença aproximadamente diária (facto provado em 6 da sentença recorrida e aditamento ordenado em III-2.2.3. supra). 7. No decurso das obras os Réus pediram ao Autor a execução de alguns trabalhos extraorçamento: 1) ... para os muros da cave; 2) Cimento e areia para o piso da cave; 3) 4 vigas de 7,5m, abobadilha em ... e betão, para o terraço feito pelo proprietário (este terraço não constava no projecto). 4) 24 vigas de 7m, mais abobadilha em ...; 5) Mão-de-obra para fazer a betonilha, do piso da cave e do piso da moradia. (facto provado em 7 da sentença recorrida). 8. O autor, em referência ao referido em 7 supra, gastou pelo menos 6 horas de mão de obra para os efeitos de 7-5, no valor de € 120, 00 (facto alterado por esta Relação em III-2.2.2. supra, face à impugnação do facto 8 da sentença recorrida). 9. O autor realizou todos os trabalhos orçamentados em 3 e 4 e os suplementares de 8 supra, à exceção da pintura exterior e final do capoto, não realizada e no valor de € 2 328, 00» (facto com a redação dada por esta Relação em III. 22.1. e 2.2.2. supra, em compatibilização com o facto 8). 10. Os réus pagaram ao autor a quantia de €57.817,00 (incluído já, neste valor o de € 1.890,00 à firma “EMP01...”, com recibo ...08 daquela firma) (facto ... com a numeração redação dada por esta Relação em III. 2.2.1.). 11. O Autor, entre setembro e princípios de novembro de 2017, retirou do local da obra todos os equipamentos e utensílios, que lhe pertenciam, designadamente, betoneiras, escoras e andaimes (facto provado em 15 da sentença recorrida, com a redação aditada por esta Relação quanto ao período de tempo em III-2.2.2. supra). 12. Os réus, por carta de 01.02.2022, constante de fls.28, após exposição inicial (na qual declaram que o autor interrompeu os trabalhos em setembro de 2017, que foi feita uma perícia pelo Arquiteto EE que verificou a «existência de defeitos que se encontram descritos no respectivo relatório, cuja cópia anexamos»), informaram o Autor «Face ao exposto, somos a conceder-lhe o prazo de oito dias para retomar os trabalhos, que deverão incluir a eliminação dos referidos defeitos que, pela presente, somos a denunciar, para os devidos e legais efeitos. Decorrido o aludido prazo sem que sejam retomados os trabalhos, concluiremos pelo abandono da empreitada por parte de V. Exª e, bem assim, pela recusa na eliminação dos defeitos (…)» (facto 12 da sentença recorrida, corrigido e ampliado por esta Relação em III-2.2.3. face ao teor da alegação do art.23º da contestação e do documento de fls.28). 13. No relatório de peritagem técnica elaborado a pedido dos Réus datado de 22.01.2018, constante de fls.28/v a 35 e remetia em 12 supra, consta “- O sistema de capoto não se encontra devidamente aplicado nem terminado (…)”. (facto 11 da sentença recorrida, clarificado por esta Relação em III-2.2.3. supra, quanto ao contexto em que o mesmo foi junto). 14. O Autor, por carta de 08.02.2018, respondeu aos Réus, exigindo a entrega da quantia de €10 000,00 para retomar os trabalhos (facto 13 da sentença recorrida, ampliado por esta Relação em III-2.2.3. supra quanto à data, extraídas da carta do réu de 21.02. e do autor de 27.02.2018). 15. Os Réus nos termos da carta que expediram com data de 21.02.2018, constante de fls.29/v e 30, após contestação inicial do valor pedido (referiram que a quantia de €10.000 não lhe era devida, que a final da conclusão dos trabalhos sem vícios e avarias apenas seria devido o valor de € 4 229, 60, deduzido o pagamento de € 59 374, 35 e os pagamentos diretos a fornecedores de € 4 846, 05), e exposição quanto a “defeitos”, concluíram: «Face ao exposto, em obediência ao princípio da boa-fé, decidimos conceder-lhe um novo prazo de 3 dias para reiniciar os trabalhos, eliminando os defeitos anunciados e concluindo as obras que se encontram por terminar. Decorrido este novo prazo, consideraremos o abandono da empreitada e o incumprimento definitivo do contrato, por parte de V. Excia.» (facto 14 da sentença recorrida, clarificado quanto ao conteúdo de fls.29/v e 30, nos termos ordenados por esta Relação em III-2.23. supra). 16. O Autor solicitou aos Réus por carta que lhes remeteu datada de 27.02.2018 e rececionada em 01.03.2018 o pagamento da quantia de €10.000, nos seguintes termos: “ Exmos. Senhores Na sequência da minha carta anterior, datada de 08/02/2018, que lhes enviei, e visto terem agora vindo da vossa parte com uma nova correspondência, com data de 21/02/2018, venho a apresentar a seguinte comunicação de resposta a V. Exas.: “1-Antes de mais, reitero totalmente, sem qualquer excepção, tudo quanto lhes comuniquei anteriormente, designadamente através daquela minha carta de 08/02/2018, a qual aqui considero integralmente reproduzida. 2-Relativamente ao valor em dívida da parte de V. Exas., na presente data, tal valor é o que passo a indicar de modo especificado: a)... € 68.450,00 (orçamento inicial) + € 484,00 (IVA de mão-de-obra já facturado e não pago)= € 68.934,00; b)... € 1.211,00 de trabalhos contratados extra-orçamento inicial; c)... devendo ser deduzidos aos valores indicados em a) e b) a quantia paga por V. Exas. De € 57.817,00 (incluído já, nesse valor pago, o de € 1.890,00 à firma “EMP01...”, a que corresponde o recibo ...08 daquela firma); d)... o que dá, pois, o montante actualmente em dívida de € 12.328,00 (70.145,00 –57.817,00). 3-Por outro lado, cabe realçar, novamente, para os devidos efeitos, que jamais foi ou é intenção minha abandonar a obra: e como já lhes comuniquei antes, aliás, em várias ocasiões, retomarei os trabalhos na obra logo que procedam V. Exas. ao pagamento da quantia que igualmente já lhes solicitei anteriormente, ou seja, da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros). 4-Posto o que, nunca poderia ou poderá equacionar-se o incumprimento (abandono da obra) pela minha parte, nos termos já descritos. 5-Quanto ao demais, repete-se, vão V. Exas. remetidos para a minha carta anterior (08/02/2018). EM CONCLUSÃO: Logo que V. Exas. procedam ao solicitado (já por várias vezes, incluindo por escrito) pagamento da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), por conta do valor total em dívida na presente data, serão retomados os trabalhos.” (facto 10 da sentença recorrida). 3. A reapreciação de direito: 3.1. Quanto à nulidade do contrato de empreitada: A sentença recorrida, conforme transcrito em I-8.2. supra (na parte final assinalada a negrito), depois de enunciar o regime do art.26º da Lei nº41/2015, de 3.6., considerou que os réus agiram com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, uma vez que permitiram a realização de todas as obras orçamentadas e as suplementares ao orçamento, realizadas com o seu consentimento. Os recorrentes defenderam: que o contrato de empreitada é nulo por vício de forma, nos termos do art.26º da Lei nº41/2015, de 3.6.; que esta invocação da nulidade não incorre em abuso de direito, pois não põe em causa o acordo que celebraram e se se apurar a existência de dívida devem pagá-la ao abrigo do enriquecimento sem causa (conclusões 38º a 42º). Impõe-se reapreciar a decisão, de acordo com o regime de direito aplicável. 3.1.1. Enquadramento jurídico: 3.1.1.1. Contrato de empreitada e efeitos da inobservância da forma de celebração: A empreitada é o «contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço» (art.1207º do CC), devendo a execução fazer-se «em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sai aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato» (art.1208º do CC) e devendo o preço acordado ou determinado nos termos do art.883º do CC, «ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no ato de aceitação da obra». A regulação deste contrato encontra-se sujeita ao regime civil dos arts.1207º a 1226º do CC e à Lei nº41/2015, de 3 de junho, que estabeleceu o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade da construção, em conformidade com o estabelecido no Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho (que transpôs a Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno) e que se aplica a pessoas singulares e coletivas que executem obras públicas ou particulares em território nacional (arts.1º e 2º do diploma). A regulação civil do contrato de empreitada não prevê qualquer forma especial para o contrato de empreitada, o que implicaria que se considerasse um negócio consensual, nos termos do art. 219º do CC. Todavia, o art.26º/1 a 3 da referida Lei nº41/2015, de 3 de junho, define um regime próprio para os contratos de empreitada de obra particular sujeitos à lei portuguesa, cujo valor ultrapasse 10 /prct. do limite fixado para a classe 1: «1 - Os contratos de empreitada e subempreitada de obra particular sujeitos à lei portuguesa, cujo valor ultrapasse 10 /prct. do limite fixado para a classe 1, são obrigatoriamente reduzidos a escrito, neles devendo constar, sem prejuízo do disposto na lei geral, o seguinte: a) Identificação completa das partes contraentes; b) Identificação dos alvarás, certificados ou registos das empresas de construção intervenientes, sempre que previamente conferidos ou efetuados pelo IMPIC, I. P., nos termos da presente lei; c) Identificação do objeto do contrato, incluindo as peças escritas e desenhadas, quando as houver; d) Valor do contrato; e) Prazo de execução da obra. 2 - Incumbe sempre à empresa de construção contratada pelo dono da obra assegurar o cumprimento do disposto no número anterior, incluindo nos contratos de subempreitada que venha a celebrar. 3 - A inobservância do disposto no n.º 1 determina a nulidade do contrato, não podendo, contudo, esta ser invocada pela empresa contratada pelo dono da obra.». As classes de habilitações contidas nos alvarás das empresas de construção, bem como os valores máximos de obra que cada uma delas permite realizar, e a que se refere o indicado nº1 do art.26º citado, têm sido definidas por Portarias (que, desde a entrada da Lei, correspondem às: Portaria n.º 1300/2005, de 20 de dezembro; Portaria n.º 73/2007, de 11 de janeiro; Portaria n.º 6/2008, de 2 de janeiro; Portaria n.º 1371/2008, de 2 de dezembro; Portaria n.º 21/2010, de 11 de janeiro; Portaria n.º 57/2011, de 28 de janeiro; Portaria n.º 119/2012, de 30 de abril; Portaria n.º 212/2022, de 23 de agosto). De acordo com a Portaria n.º 119/2012, de 30 de abril, vigente aquando do acordo destes autos, o art.1º definiu que a classe 1 permitia um valor máximo das obras até € 170 000, 00. A inobservância da forma escrita, nestes casos, é cominada com a nulidade atípica apenas invocável pelo dono da obra (arts.220º do CC e art.26º da Lei nº41/2015, de 3 de junho, com as consequências previstas por lei para a nulidade (arts.289º ss do CC), nas quais se integra sempre, em relação a cada uma das partes contratantes, o dever de «ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.». 3.1.1.2. Abuso de direito de invocar a nulidade: No quadro da lei e da cláusula geral civilista do art.334º do CC, prevê-se que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.» (art.334º do CC). Assim, por um lado, verifica-se que são limites ao exercício de um direito a boa-fé, os bons costumes e o fim social desse direito: 1) A tutela da confiança, apoiada na boa-fé, assente em proposições ou pressupostos. A boa-fé, como refere Jorge Manuel Coutinho de Abreu, significa: «que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros», concretizando como hipóteses típicas concretizadoras da cláusula geral da mesma, nomeadamente, a «proibição do venire contra factum proprium, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; (…) o abuso da nulidade por vícios formais- é inadmissível a impugnação da validade dum negócio por vício de forma por quem, apesar disso, o cumpre ou aceita o cumprimento da contraparte»[v] Menezes Cordeiro sumaria os pressupostos da boa-fé, tratados pela doutrina e pela jurisprudência, referindo: «Na base da doutrina e com significativa consagração jurisprudencial, a tutela da confiança, apoiada na boa fé, ocorre perante quatro proposições. Assim: 1.a Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias; 2.a Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível; 3.a Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada; 4.a A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu. Estas quatro proposições devem ser entendidas dentro da lógica de um sistema móvel. Ou seja: não há, entre elas, uma hierarquia e o modelo funciona mesmo na falta de alguma (ou algumas) delas: desde que a intensidade assumida pelas restantes seja tão impressiva que permita, valorativamente, compensar a falha.»[vi]. Pedro Albuquerque, por sua vez, sumaria estes mesmos pressupostos nos seguintes termos: «uma situação de confiança conforme o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que sem ofender deveres de cuidado e de indagação pertinentes ao caso, ignore estar a lesar posições alheias; uma justificação para essa confiança traduzida na presença de elementos objectivos susceptíveis de, em abstracto, originarem uma crença plausível; um investimento de confiança traduzido num assentar efectivo, por parte do sujeito protegido, de actividades jurídicas sobre a crença, em termos que desaconselhem ou tornem injusto o seu preterir; e uma imputação da confiança à pessoa atingida.»[vii]. 2) Os bons costumes, segundo definição de Ana Prata, correspondem a «uma cláusula geral de direito privado que remete para princípios morais sociais (…) que devem regular o comportamento das pessoas honestas em todos os seus aspetos, incluindo, mas não restringido, os económicos»[viii]. 3) O fim económico e social do direito estabelece também um limite. Segundo Ana Prata: «se o direito subjectivo é sinteticamente um poder jurídico para realizar um interesse, está-se fora do domínio da permissão jurídica sempre que o interesse tutelado pelo direito não é aquele prosseguido pelo seu titular. (…) A violação desse fim, como qualquer outra situação de abuso, resulta em regra de efeitos do exercício e não dele em abstrato.»[ix]. O abuso de direito impõe que a violação de um destes limites seja clara e manifesta. Por outro lado, importa equacionar as consequências deste abuso de direito. Não estando expressamente previstas na norma as consequências do abuso de direito, estas podem ter, nomeadamente, efeitos paralisantes do exercício do direito. Entre a Doutrina: __ Jorge Manuel Coutinho de Abreu refere «o abuso de direito é uma forma de antijuridicidade ou ilicitude. Logo, as consequências do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto ou omissão ilícito»[x]. __ Menezes Cordeiro sumaria posições que têm sido defendidas quanto às consequências jurídicas do abuso de direito: «O artigo 334.° fala em “ilegitimidade” quando, como vimos, se trata de ilicitude. As consequências podem ser variadas: — a supressão do direito: é a hipótese comum, designadamente na suppressio; — a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito; — um dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário; — um dever de indemnizar, quando se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa. Não é, pois, possível afirmar a priori que o abuso do direito não suprima direitos: depende do caso.»[xi]. __ Ana Prata, sumariando também posições doutrinárias e jurisprudenciais, já assinala também consequências de nulidade, referindo que: «Da responsabilidade civil à nulidade, à própria caducidade (ou supressão) do direito, várias são as consequências jurídicas do exercício abusivo. Tem havido alguma jurisprudência a entender que o ato abusivo é nulo por força do art.294.º (contrariedade a “disposição legal de caráter imperativo”), mas a opinião não tem recolhido apoio doutrinário», o que se compreende, pois a nulidade, se for caso disso, não carece da mediação do art.294.º.»[xii]. 3.1.2. Apreciação da situação em análise: Importa apreciar os factos provados, de acordo com o regime legal. Por um lado, as posições assumidas pelas partes nos seus articulados e neste recurso não colocam em causa: que os acordos que celebraram e que se encontram provados de 2 a 7 da decisão de facto provada correspondam a um contrato de empreitada, previsto nos arts.1207º ss do CC; que este contrato, face ao preço acordado e pedido (inferior a € 170 000, 00 da classe 1 + 10% deste valor), estava sujeito a forma escrita, conforme exige o art.26º/1 da Lei nº41/2015, de 3 de junho, redução a escrito não realizada após a apresentação do orçamento pelo autor e aceitação do mesmo pelos réus. A inobservância da forma escrita, efetivamente, e nos termos dos arts.220º do CC e do art.26º/3 do referida Lei nº41/2015, de 3 de junho, é apta a conduzir a uma nulidade do contrato de empreitada, invocável pelo dono da obra, e com efeitos de restituição do que tiver sido prestado, nos termos do art.289º do CC (no caso da empreitada, e de acordo com esse regime regra, o empreiteiro deve restituir o preço que lhe foi pago e o dono a obra deve restituir o valor de toda a obra executada). Por outro lado, as partes já discutem nestes autos se a sentença, que julgou improcedente a exceção de nulidade do contrato de empreitada por abuso de direito, errou na sua apreciação jurídica. Ora, é verdade que a sentença assimila a ilegitimidade da arguição da exceção, ao abrigo do abuso de direito do art.334º do CC, e a ilicitude processual da litigância de má-fé, prevista nos arts.542º ss do CPC, de uma forma que não se pode reconhecer, conforme se apreciará em III-3.3. infra. No entanto, os factos provados, lidos de acordo com o regime legal, permitem reconhecer que é manifestamente ilegítima a arguição da nulidade do contrato de empreitada por falta de observância de forma escrita, ainda que da mesma resultassem onerosos deveres de restituição não só para o autor mas também para os réus, tendo em conta: que os réus pediram e acordaram a execução de obras pelo autor em 2015, mediante orçamento escrito por este apresentado e sem alegação e demonstração de terem pedido ou suscitado junto do autor a redução a escrito do acordo contratual alcançado, factos estes que se ocorreram 3 anos antes da instauração da ação e da arguição da nulidade do acordo por falta de observância de forma escrita (a ação instaurada em dezembro de 2018 foi contestada em janeiro de 2019); que as obras foram realizadas pelo autor na proporção de cerca de 96%, foram acompanhadas pelos réus, foram pagas por estes numa proporção de cerca de 85% como se o acordo fosse válido, encontrando-se aqui em discussão apenas 15% desse preço desse contrato. Assim, considera-se, efetivamente, que a arguição da nulidade do contrato de empreitada não reduzido a escrito mas que foi executado e pago em quase a sua totalidade, é ilegítima neste contexto, por violar manifestamente a confiança criada pelos réus na sua não arguição. Desta forma, e apenas com estes fundamentos, improcede a apelação contra o não decretamento da nulidade do contrato de empreitada e seus efeitos. 3.2. Quanto à condenação dos réus no pagamento de € 9516, 00: A sentença recorrida condenou os réus a pagaram o valor de € 9 516, 00 a titulo de preços dos trabalhos da empreitada orçamentados e não pagos e de trabalhos extraorçamento realizados. Os recorrentes defenderam, face a esta condenação, que nada é devido ao autor, tendo em conta: que o autor não juntou documento (contabilístico, jurídica ou fiscalmente relevante) que fundamentasse a pretensão de pagamento de € 10 000, 00, e não esclareceu de forma percetível o critério de determinação do valor; que o autor, no seu depoimento em audiência (transcrito de 00:15: 18 a 00:16:50), reconheceu que pediu um adiantamento pelos trabalhos a realizar e não por trabalhos realizados; que está provado que o autor não efetuou mais nenhum trabalho depois disto (conclusões 27º a 31º ). Os recorrentes, defenderam ainda que, em todo o caso, o crédito pedido: não seria exigível por falta de emissão de fatura com discriminação do IVA, nomeadamente do IVA da mão de obra, que é condição de exigibilidade do crédito; seria ilíquido, não podendo ser exigido o valor (em particular os juros) enquanto não for liquidada a obrigação (conclusões 32ª a 35ª). Apreciar-se-á o recurso, de acordo os factos provados e o direito aplicável. 3.2.1. Enquadramento jurídico: 3.2.1.1. Obrigação do pagamento do preço: A empreitada, como «contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço» (art.1207º do CC), é remunerada mediante o pagamento de preço. O preço pode ser acordado entre as partes ou, não sendo, deve ser determinado nos termos do art.883º do CC («1. Se o preço não estiver fixado por entidade pública, e as partes o não determinarem nem convencionarem o modo de ele ser determinado, vale como preço contratual o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato ou, na falta dele, o do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador deva cumprir; na insuficiência destas regras, o preço é determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade. 2. Quando as partes se tenham reportado ao justo preço, é aplicável o disposto no número anterior.»), ex vi do art.1211º/1 do CC («1. É aplicável à determinação do preço, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo»). A fixação do preço, de acordo com a enumeração sintetizada por João Serras de Sousa, «tem sido feita com recurso a várias modalidades: (i) preço global, a corpo, a forfait ou per aversionem (em que o preço é fixado no momento da celebração do contrato); (ii) por artigo (o preço será determinado em função de artigos produzidos); (iii) por medida (o preço final varia em função, p. ex., do número de metros que resultar da medição feita após a conclusão da obra); (iv) por tempo de trabalho (sendo acordado uma tarifa diária, o preço variará em função do número de dias que o empreiteiro demore para concluir a obra); ou (v) por administração ou percentagem (o dono da obra paga os materiais e fornece a mão de obra e o empreiteiro é remunerado por uma percentagem sobre o valor dos materiais. Estes critérios de determinação do preço podem ser utilizados de forma singular ou combinada: importa apenas que o preço seja determinável.»[xiii]. O preço deve ser pago nos termos em que for acordado (art.1207º e 405º do CC) ou, não havendo acordo contratual, no ato de aceitação da obra, desde que não haja «cláusula ou uso em contrário» (art.1211º/2 do CC). O devedor do pagamento do preço constitui-se em mora, nomeadamente, se a obrigação tiver prazo certo ou, não tendo, depois de ser judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (arts.804º, 805º/1, 2-a) do CC). 3.2.1.2. Cumprimento de obrigações tributárias: A falta de cumprimento de obrigações tributárias (ou de demonstração do cumprimento), nomeadamente de faturação de fornecimento de bem ou prestação de serviço sujeito a IVA (v.g. arts.1º a 4º, 29º/1-b), 36º/1 do CIVA), não interfere no andamento do processo civil, da apreciação da prova e julgamento, sem prejuízo das comunicações à autoridade tributária previstas na lei. De facto, de acordo com o disposto no art.274º do CPC: «1 - Não obsta ao recebimento ou prosseguimento das ações, incidentes ou procedimentos cautelares que pendam perante os tribunais judiciais a falta de demonstração pelo interessado do cumprimento de quaisquer obrigações de natureza tributária que lhe incumbam, salvo nos casos em que se trate de transmissão de direitos operada no próprio processo e dependente do pagamento do imposto de transmissão. 2 - A falta de cumprimento de quaisquer obrigações tributárias não obsta a que os documentos a elas sujeitos sejam valorados como meio de prova nas ações que pendam nos tribunais judiciais, sem prejuízo da participação das infrações que o tribunal constate. 3 - Quando se trate de ações fundadas em atos provenientes do exercício de atividades sujeitas a tributação e o interessado não haja demonstrado o cumprimento de qualquer dever fiscal que lhe incumba, a secretaria ou o agente de execução deve comunicar a pendência da causa e o seu objeto à administração fiscal, preferencialmente por via eletrónica, sem que o andamento regular do processo seja suspenso.». 3.2.2. Apreciação da situação em análise: Numa apreciação liminar e prévia do recurso (com síntese referida em III- 3.2. supra), verifica-se que os recorrentes colocam questões respeitantes à prova e à consideração de factos que não foram suscitadas na impugnação à matéria de facto já apreciada em III-2.2.2. supra e que, de qualquer forma, seriam improcedentes. Por um lado, a falta de junção pelo autor de suporte documental de valores cobrados e de faturação dos mesmos não podem ser reconhecidas como causa de impossibilidade de prova dos factos, nem conduzem à inexigibilidade ou iliquidez da dívida, tendo em conta: que a prova de valores de materiais fornecidos e a execução de trabalhos numa empreitada não exige prova documental vinculada, nomeadamente, prova documental (como nos casos previstos no art.364º do CC) e está sujeita à livre produção de meios de prova (arts.341º ss do CC e 410º ss CPC), ainda que a prova documental possa ser a mais relevante e muitas vezes essencial; que a falta de demonstração pelo autor de cumprimento de obrigações de faturação e cobrança de IVA não impede o conhecimento (de facto e de direito) da existência do crédito, sem prejuízo das comunicações previstas no art.274º do CPC à Autoridade Tributária, crédito esse passível de se julgar vencido e exigível pelas regras gerais enunciadas (arts.1207º ss, 804º ss do CC). Por outro lado, é totalmente impertinente e improcedente a afirmação que o valor pedido pelo autor/recorrido neste processo se destinasse a um adiantamento de trabalhos ainda a realizar de futuro e não a trabalhos já executados, tendo em conta: que este facto não foi alegado por qualquer uma das partes nos seus articulados e não corresponde a matéria de facto provada; que, ainda que tivesse sido alegado e tivesse sido objeto da impugnação apreciada em III.2.2.2. supra, não poderia vir a julgar-se provado com base no invocado depoimento do autor, uma vez que, para além da tranche transcrita pelos recorrentes, o autor explicou claramente noutras partes do depoimento que o valor pedido corresponde aos trabalhos já executados, valor que pediu o pagamento aos réus antes de completar o trabalho em falta no capoto e cujo pagamento não veio a pedir neste processo. Numa apreciação dirigida aos factos provados, tal como ficaram fixados a final em III-2.2.4. supra, de acordo com o direito aplicável, verifica-se que deve improceder o recurso quanto ao valor da condenação correspondente ao preço pedido com base no orçamento e que procede parcialmente o recurso quanto à parte da condenação respeitante aos trabalhos extraorçamento. De facto, e por um lado, em relação ao acordo de empreitada provado nos factos 2 a 6 (em relação ao qual se rejeitou fazer operar os efeitos da nulidade nos termos do art.334º do CC), verifica-se: __ Encontra-se provado: que as partes acordaram que a execução de trabalhos, com fornecimento de materiais, previstos no orçamento deveria ser paga pelo preço global fixo de € 68 450, 00 + IVA de mão de obra (preço este a forfait), de forma parcelar e à medida do andamento da obra; que o autor executou os trabalhos do orçamento, à exceção de uma parte com um valor de € 2 328, 00. __ Não se encontra provada qualquer matéria de facto que permita concluir pelo cumprimento defeituoso dos trabalhos executados pedidos pelo autor e que pudesse constituir alguma exceção ao direito invocado. De facto, apesar dos réus terem invocado a execução defeituosa pelo autor de trabalhos, como matéria de exceção (tal como: a denúncia e a resolução do contrato por falta de conclusão da obra e eliminação de defeitos; a necessidade de despender valor na reparação dos defeitos): o Tribunal a quo excluiu da decisão de facto e da apreciação de direito os factos integrativos da ocorrência dos defeitos de execução da obra alegados (e custos de reparação); os recorrentes, não impugnando a referida decisão neste recurso (como poderiam ter feito, mediante: a contestação dos fundamentos da decisão de exclusão; a impugnação à matéria de facto, com formulação de pedidos de aditamento à mesma de factos concretos e explicitados integrativos dos referidos defeitos, nos termos do art.640º/1-a), b) e c) do CPC; a suscitação da questão, nomeadamente da redução do preço, na apreciação jurídica da causa), deixaram-na transitar e tornar-se definitiva. __ O autor imputou o valor de € 57 817, 00 de pagamentos parciais confessados como realizados pelos réus (art.784º do CC) ao valor global do orçamento provado e deduzido do valor de € 2 328, 00 (de pintura do capoto não realizada e contemplada no mesmo), sem que os réus, a quem compete o ónus da prova da exceção de pagamento (art.342º/2 do CC), tenham provado que tenham feito pagamentos superiores àqueles reconhecidos pelo autor. __ Os réus foram citados nesta ação (que pediu a sua condenação no pagamento dos trabalhos executados ainda não pagos), com a qual, ainda que se a obrigação não se tivesse vencido com a execução de trabalho (conforme se pode interpretar pelo acordo de pagamento), ficaria vencida nos termos do art.805º/1 do CC. Por outro lado, em relação ao acordo de fornecimentos e serviços provados em 7 e 8, verifica-se: que, efetivamente, o autor não alegou e provou acordo de pagamento de preço e apenas logrou provar a realização de trabalhos de mão de obra no valor de € 120, 00, que se presume ser por si praticado (o que integra o fator de determinação do preço do art.883º do CC, ex vi do art.211º/1 do CC), face às razões já expostas na decisão à matéria de facto de III-2.2.2. supra quanto ao facto provado em 8; que os réus não lograram provar o pagamento deste valor. Desta forma, não se pode deixar de entender que são devidos o preço de € 8 305, 00 do trabalho orçamentado (€ 68 450, 00 - € 2328, 00- € 57 817, 00) e o preço de € 120, 00 de trabalhos suplementares ao orçamento, sem prejuízo da comunicação à autoridade competente da falta de demonstração nestes autos da faturação destes valores para pagamento do IVA que seja devido. Assim, improcede o recurso quanto ao valor de € 8 425, 00 e procede quanto ao valor de € 1091, 00. 3.3. Quanto à litigância de má-fé: O Tribunal a quo, nos termos transcritos e assinalados em I-8.2. supra (e assinalado a negrito e itálico), considerou que os réus litigaram de má-fé face à arguição da exceção de nulidade do contrato, apesar de o reconhecerem, o que considerou integrar o art.542º/2-a) do CPC Os recorrentes defenderam que não litigaram de má-fé, pois a invocação da nulidade do contrato é legítima ao abrigo do exercício do seu direito de defesa (conclusão 43º). Impõe-se reapreciar a decisão apelada, face ao comportamento processual dos réus e ao direito aplicável. 3.3.1. Enquadramento jurídico: O art. 542º do CPC prescreve, quanto à litigância de má-fé, que: «1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.». Assim a condenação de litigância de má-fé, exige: a) A prova de atuações ilícitas da parte, entre as previstas no nº2 do art.542º do CPC. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre sintetizam-nas, em conformidade com a norma, no seguinte acervo: «a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da exceção (al.a)); a apresentação de uma versão dos factos deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínead)).», entorpecimento da justiça que pode integrar o uso pela parte de meios dilatórios[xiv]. Esta litigância de má-fé, em qualquer uma das vertentes, não deve ser confundida, por si só, como têm sublinhado a Doutrina e a Jurisprudência, com a improcedência de uma ação ou oposição. Neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa sintetizam que a referida litigância de má-fé não deve ser confundida com: «a) A mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo; A eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; A discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr impor (RP 2-3-10, 6145/09)»[xv]. b) A imputação da conduta à parte a titulo de dolo ou a negligência grave. Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, para além da responsabilização da parte pela lide dolosa (com consciência ou intenção), passou a ser responsabilizada a parte pela lide temerária (com culpa grave ou erro grosseiro), sendo que «A litigância temerária é mais do que a litigância imprudente, que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, atuando culpa leve, a qual só excecionalmente é sancionada, (…)» Este sentido da imputação a título de negligência grave depreende-se, também, da explicação de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa quanto à falta de fundamento da previsão e da oposição, constante da previsão da al. a) do nº2 do art.542º do CPC, para cuja verificação « basta que à parte seja exigível esse conhecimento, cabendo-lhe indagar se a sua pretensão era concretamente fundamentada, no plano de facto e do direito», sendo que «A exigibilidade do conhecimento quanto à falta de fundamentação constitui realidade diversa do conhecimento efetivo», sendo que «Na síntese da mesma autora, o parâmetro de aferição do dever de diligência da parte consubstancia-se assim: “a generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que cumpridos os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte” (p.395)»[xvi]. 3.3.2. Apreciação da situação em análise: Os atos processuais praticados neste processo, em conjugação com os factos provados e o regime de direito aplicável, não permitem considerar que os réus, ao abrigo do seu direito de defesa, tenham incorrido dolosamente ou com negligência grave na dedução de fundamentos que deveriam saber que eram improcedentes. De facto, os réus podem deduzir todas as exceções ao direito que contra si é invocado, nos termos do art.572º/c) do CPC, nomeadamente a exceção da nulidade do contrato por falta de redução a escrito, nos termos do referido art.26º/3 da Lei nº41/2015, de 3 de junho. A improcedência desta nulidade, por se ter considerado de arguição ilegítima face à fase em que é invocada, nos termos do art.334º do CC, não implica simultaneamente que a sua arguição seja processualmente ilícita e reprovável, nos termos dos arts.542º ss do CPC. Pelo exposto, procede nesta parte o recurso de apelação, com revogação da condenação realizada pelo Tribunal a quo. IV- Decisão: Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, no âmbito do qual: 1. Absolvem os réus do pedido de pagamento ao autor/recorrido do valor de € 1 091, 00 e, nesta sequência, determinam a correção do valor da condenação de VI-II) da sentença recorrida para o valor global de € 8 425, 00, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável, desde a citação até pagamento. 2. Revogam a condenação dos réus como litigantes de má-fé no pagamento de € 2 000, 00 de VI- III) da sentença recorrida. * Custas da ação (com base no valor de € 10 000, 00) e do recurso da causa (com base no valor de € 9 516, 99), pelas partes na proporção do decaimento (art.527º/1 do CPC).Custas do recurso na parte da litigância de má-fé (com base no valor de € 2 000, 00): pelo recorrido (art.527º/1 do CPC). * Remeta à Autoridade Tributária, nos termos do art.274º do CPC e para os efeitos que tiver por convenientes: cópia da petição inicial e documentos (fls.2 a 10), da contestação e dos recibos de faturas no mesmo juntas nos documentos 4 a 10 (fls.16 a 27, fls.16/v a 39); da reposta (de fls.42 a 45); dos documentos juntos em audiência respeitantes a pagamentos, faturação e recibos (fls.144 a 154, 157 e 158; fls.172 a 174); este acórdão. Guimarães, 23 de Janeiro de 2025 Assinado eletronicamente pelo coletivo de Juízes Desembargadores Alexandra Viana Lopes (J. D. Relatora) Susana Raquel Sousa Pereira (J. D. 1ª Adjunta) Maria Gorete Morais (J. D. 2ª Adjunta) [i] Vide, v.g.: - Rui Pinto e jurisprudência por este citada in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II- Julho de 2018, Almedina, notas 2 e 5-II ao art.615º do CPC, págs.178 e 179. - José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição, Almedina, nota 3 ao art.615º, pág.736. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível in dgsi.pt. [ii] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, Almedina, 2ª edição, 2021, nota 7 ao art.608º, pág.753. [iii] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível in dgsi.pt [iv] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 7 ao art.608º, pág.753. [v] J. M. Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, Almedina, 2006, págs.55, 59 e 60. [vi] António Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/ [vii] Pedro Albuquerque, in “Responsabilidade processual por litigância de má-fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo”, Almedina, 2006, pág.90. [viii] Ana Prata, in Código Civil por si coordenado, Vol. I, 2ª Edição Revista e Atualizada, abril 2019, Almedina, nota 5 ao art.334º, pág.441. [ix] Ana Prata, in obra citada, nota 6 ao art.334, pág.442. [x] Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in obra citada, pág.76. [xi]António Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, supra referido. [xii] Ana Prata, in obra citada, nota 7 ao art.334º do C. Civil, pág.442. [xiii] João Serras de Sousa, in Código Civil anotado coordenado por Ana Prata, Vol. I, supra citado, anotação 1 ao art.1211º do CC, pág.1553. [xiv] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in obra citada, vol. II, anotação 3 ao art.542º do CPC, pág.457. [xv] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in Vol. I da obra citada, anotação 2 ao art.542º do CPC, pág.616. [xvi] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in Vol. I da obra citada, anotação 4 ao art.542º do CPC, pág.616. |