Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA LEONOR BARROSO | ||
Descritores: | DESPEDIMENTO COLECTIVO FUNDAMENTOS EXTINÇÃO ENCERRAMENTO DA ACTIVIDADE VERACIDADE DO MOTIVO OBJECTIVO DO DESPEDIMENTO TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
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Sumário: | I- O ónus da impugnação especificada referente à identificação concreta dos pontos de facto que se consideram incorrrectamente julgados não se mostra devidamente observado quando os recorrentes remetem para extensa matéria da petição inicial onde, entre o mais, consta um emaranhado de juízos conclusivos, generalizações, transcrição de documentos e Direito. O ónus de identificação dos concretos meios de prova também não se observa cumprido quando os recorrentes referem inúmeros documentos que relacionam com blocos de temas, assuntos ou matérias sem os conexionarem com um facto concreto. II- Ademais, a prova documental e pericial (relatório de assessores) não sustenta a alteração da matéria de facto pretendida pelos recorrentes. III- Mostra-se comprovada a veracidade do motivo objectivo invocado para proceder ao despedimento colectivo fundado em razões económicas de mercado e estruturais que levaram à decisão de encerramento da actividade de construção e reparação naval, bem como a conexão racional e a adequabilidade entre o fundamento invocado e a extinção dos postos de trabalho. IV- Não cabe ao tribunal de trabalho formular juízos sobre gestão empresarial, nem sobre a opção de encerramento da empresa, mas tão só aferir da verificação substantiva e procedimental do despedimento colectivo. V- Não ocorre “transmissão de empresa ou de unidade económica” quando apenas se comprova que por altura do despedimento e no âmbito de intenção de desactivação da empresa, a 1ª R cedeu à 2º R um direito de utilização de uma parcela de terreno e suas infra-estruturas do porto de ..., os quais não lhe pertenciam mas sim ao domínio público, desacompanhada de outros elementos, tais como clientela, contratos de empreitadas, outros activos e bens, “know-how e recursos humanos que inclusive já não existiam na esfera da 1ª R por esta ter já dispensado 595 dentro do universo de 607 dos seus trabalhadores mediantes acordos de revogação dos vínculos laborais. VI- Não obsta ao despedimento colectivo o facto de a empresa não ter sido logo encerrada definitiva e totalmente por ainda estar a decorrer o procedimento para a sua completa descativação. | ||
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Decisão Texto Integral: | I - RELATÓRIO Os apelantes autores/trabalhadores 1-AA; 2 - BB; 3 - CC; 4 - DD; 5 - EE; 6 - FF; 7 - GG e 8 - HH interpuseram recurso do despacho saneador sentença proferido na acção de despedimento colectivo intentada em 16-10-2014, a qual, após diversos vicissitudes e recursos, prosseguiu apenas contra as RR 1- “Estaleiros Navais de ...-Sa”, 2º- “W..., Ltª.” e 3º- “E..., S.A.”, (às 1ª e 3ªs RR. sucedeu o Estado Português, representado pelo Ministério Público), restringida aos seguintes pedidos: - que seja declarada a ilicitude do despedimento dos AA. e que, em consequência, se condene, solidariamente, a 1ª, 2ª e 3ª RR. na reintegração imediata dos autores, no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade ou de qualquer direito, entretanto, vencido ou vincendo; - ou, em alternativa, condenar-se a 1ª Ré, segundo opção dos autores, a pagar-lhes as seguintes compensações por despedimento: - ao 1º autor, AA - €76.048,50 - ao 2º autor, BB - €77.779,80 - ao 3º autor, CC - €49.556,00 - ao 4º autor, DD - €37.677,40 - ao 6º autor, EE - €43.272,50 - ao 7º autor, FF - €19.005,10 - - ao 8º autor, GG - € €18.787,65 - - ao 9º autor, HH - €14.416,70; - ser ainda a 1ª R. condenada a pagar, a cada um dos AA. que opte pela indemnização por despedimento ilícito, uma compensação a titulo de danos patrimoniais no valor de €10.000,00; - a condenação solidária das 1ª, 2ª e 3ª RR. no pagamento das retribuições vencidas desde o dia imediato ao despedimento, 1 de Maio de 2014, até 30 de Setembro de 2014 até à data em que for proferida a sentença que declare o despedimento ilícito; - a condenação das 1ª, 2ª e 3ª RR. a efectuar os descontos para a Segurança Social relativamente às prestações pecuniárias vencidas e vincendas reclamadas pelos autores, no prazo de oito dias após ter sido proferida a sentença que declare o despedimento ilícito. E ainda os seguintes pedidos subsidiários para o caso do despedimento vir a ser declarado lícito: - que se declare que a data da cessação do contrato de trabalho ou o despedimento colectivo dos autores identificados sob os nºs 1 a 8 se verificou em 14 de Julho de 2014; - que se condene a 1ª R. a efectuar os descontos para a Segurança Social relativamente aos vencimentos vencidos, férias, subsídio de férias e Natal proporcionais, desde 1 de Maio a 14 de Julho de 2014 relativamente aos autores identificados sob os nºs 1 a 8; - que se condene ainda a 1ª Ré a pagar: - ao 1º autor, AA, a importância de €50.699,00 a título de compensação por despedimento; - ao 2º autor, BB a importância de €51.851,53 a título de compensação por despedimento; - ao 3º autor, CC a importância de €33.037,14 a título de compensação por despedimento; - ao 4º autor, II a importância de €25.118,23 a título de compensação por despedimento; - ao 6º autor, EE a importância de €28.848,29 a título de compensação por despedimento; - ao 7º autor, FF a importância de €12.670,50 a título de compensação por despedimento; - ao 8º autor, GG a importância de €12.525,10 a título de compensação por despedimento; - ao 9º autor, HH a importância de €9.611,15 a título de compensação por despedimento; - o pagamento dos juros legais de todas as importâncias peticionadas, desde os respectivos vencimentos até ao pagamento. CAUSA DE PEDIR : em suma, a declaração da ilicitude do despedimento colectivo, na parte ora mantida em recurso, refere-se a falsidade do motivo invocado e a fraude à lei. Fundamentalmente, a 1ª R em 2014 não teria cessado a actividade de construção/reparação naval, antes a teria transmitido para a 2ª e 3ª rés, em especial através de um contrato de subconcessão do estabelecimento celebrado em 10-01-2014, sendo acordado entre as RR a transmissão do “E...” (Estaleiros Navais de ...”) desacompanhada dos vínculos de contrato de trabalho, funcionando o despedimento colectivo como mero expediente para afastar os trabalhadores. Desenvolve-se vasta alegação na petição inicial. Depurando o essencial, refere-se que: em setembro de 2014, cinco meses depois do despedimento dos autores, a 1ª ré continuava a laborar com 37 trabalhadores que se dedicam a tarefas de reparação e construção naval, produção ou concepção, além de administrativas, a mando da 1ª ré, sob as suas ordens e com os seus instrumentos de trabalho, dela recebendo os vencimento, tal qual aconteceu com os AA até serem despedidos em 30-04-2014 (art. 393º a 400º da PI); em 10-01-2014, a 1ª R celebrou com a 2ª R um contrato de concessão de uma parcela de terreno e infra-estruturas/edifícios/equipamentos no porto de ... com a área de 245.162 m2 que estava precisamente afecta à reparação e construção naval da 1ª R desde 1946 (401º a 445º da P.I.); que a partir de 2-05-2014, a 2ª R passou a utilizar tal espaço tal como o fazia a 1ª R ré (447º, 453º PI) com 117 trabalhadores próprios a par dos 37 em que a 1ª R figura como entidade empregadora; que havia um acordo para transmitir para a 2ª e 3ªRR o estabelecimento da 1ª R sem passivo e sem trabalhadores e apenas com os activos, como instalações, equipamentos, licenciamento e clientela (458º PI); que, por isso, a 1ª R promoveu e conseguiu acordos de rescisão voluntárias de contratos de trabalho relativamente a 595 trabalhadores dentro dos 607 trabalhadores que no final de 2013 ali trabalhavam e despediu os restantes 12 que não aceitaram os acordos; que a 1ª R inclusive até no final de 2013 continuou a adquirir material/matérias primas (ex aço) para a construção de 2 navios asfalteiros, as construções n.s 263 e 264, contratados à empresa venezuelana P... (466º PI), empreitada já ajustada em Maio de 2010, e, apesar do investimento, por opção do accionsita Estado, até agora não procedeu à execução da construção dos dois navios, sucessivamente adiada, o que representava uma oportunidade de negócio imperdível, havendo sérios riscos de resolução dos contrato por parte do armador, o que é imputável à 1ª R (478º, 480º, 481º PI) ; que o Estado, acionista da 1ª ré, está determinado a desviar a encomenda dos dois navios para empresa do grupo “E...” e que, entre 1 de novembro e 31 de dezembro de 2014, se prevê a cedência da posição contratual à 3ª Ré (482, 491, 520, 520 PI); que é falso que a partir de 30-04-1014 a 1ª R não tivesse actividade produtiva, tendo sido o Estado a impor que a partir de então não se executassem trabalhos de construção e reparação naval encomendados ou contratualizados (495º PI) ; que a 3ª R irá receber do Estado projecto para a construção de um navio polivalente logístico para a marinha mercante em valor avultado (524º PI); num futuro próximo a 3ª R vai gerir e fiscalizar a construção dos ditos navios asfalteiros , bem como do navio polivalente e outros (527º PI); o encerramento dos E..., pela invocada falta de encomendas, foi intencionalmente provocado pelo principal accionista da 1ª Ré (Estado Português) visando livrar-se dos trabalhadores e do problema provocado por ajudas financeiras à empresa de 181 milhões de euros consideradas ilegais pela Comissão Europeia e que figuram como dívidas da 1ª R ao Estado; a actividade da 1ª R foi transferida para a 2ª e 3ª RR Rés, em complementaridade de funções, a primeira através da subconcessão do espaço do porto de ... e sua utilização e a segunda ficando com os repectivos contratos; a 3ª R irá ficar com os trabalhadores da 1ª R que transitarão em regime de contrato ex novo, os quais em setembro de 2014 continuam ao serviço da 1ªR (506 e 507 PI); os prejuízos mensais dos exercícios, que se verificaram a partir de 2012 até à presente data, resultaram da incapacidade das sucessivas administrações, agindo com negligência. CONTESTAÇÃO - A acção foi contestada (contestações constantes no Citius a partir de 17-02-2017, ficando sem efeito as anteriores, em virtude de convolação da forma de processo comum para especial). Afirma-se a veracidade dos motivos para proceder ao despedimento colectivo; refere-se que a empresa se encontrava em situação económica deficitária, em falência técnica motivadas em vários factores e que se procuraram soluções, inclusive a sua reprivatização, a quais não se concretizaram; foi, por isso, tomada a decisão pela 1ª R de não prosseguir uma actividade deficitária; nega-se que a 1ª R tivesse continuado a actividade de construção e reparação, impugnando-se a factualidade; a desactivação da empresa com a dimensão da 1ª R é um processos complexo e moroso; aceita-se a celebração com a 2ª R do contrato de subconcessão dos terrenos do porto e infra-estruturas; esta subconcessão do espaço à 2ªR não corresponde a transmissão de estabelecimento, não sendo endossado qualquer actividade ou negócio ou sub-rogado qualquer outra posição contratual; não se transmitiu para a 3ª R qualquer outo activo próprio ou posição contratual; a eventual assunção pela 3ª da gestão do contrato de asfalteiros é meramente hipotética, a qual até ao presente não ocorreu, além de não configurar transmissão de estabelecimento. A 1ª R W..., em especial no que se refere ao contrato de subconcessão alega que este, só por si, não integra a “transmissão de estabelecimento” do artigo 285º CT, consistindo apenas num direito de utilização privativa de uma parcela de domínio público e das estruturas/edifícios/equipamentos nela instalados para o exercício das actividades permitidas pelo contrato de concessão. No mais, as circunstâncias referidas pelos AA, como o “desvio da encomenda de dois navios asfalteiros” e contratos de cedência de posição contratual e, bem assim, a construção e execução dos estaleiros pelas 1ª e 2ªRR, reduzem-se a eventos futuros e de verificação mais do que incerta. Não se verificou assim qualquer transmissão de clientela ou transferência de posição contratual da 1ª para a 2ª R. O senhor juiz nomeou como assessor qualificado o Sr. Prof. JJ (relator) e, a pedido das partes, nomeou ainda como assessores o Dr. KK (proposto pelos AA) e Dr. LL (proposto pela 2ª R W...). As partes designaram ainda um técnico (Dr. MM, pelos AA e Dr. NN, a pedido de todos as RR). Foi apresentado o relatório donde consta, entre o mais, o parecer sobre os fundamentos e justificação do despedimento colectivo - 158º CPT. Foi proferido despacho saneador sentença ora alvo de recurso. DISPOSITIVO DA DECISÃO RECORRIDA: “Face a tudo o exposto, decide-se: Absolver a R. “W...” Condenar o Estado Português, como sucessor da R. “Estaleiros”, a reconhecer que a relação laboral com os AA. cessou a 14 de Julho de 2014 e a pagar-lhes os montantes compensatórios por despedimento colectivo que já havia posto à disposição à sua disposição, ou seja: - ao 1º A. AA - €44.728,16 - ao 2º A. BB - €49.189,26 - ao 3º A. CC - €31.562,90 - ao 4º A. DD - €24.463,99 - ao 6º A. EE - €23.905,82 - ao 7º A. FF - €11.196,90 - ao 8º A. GG - €11.068,84 - ao 9º A. HH - €9.095,84. Custas pelos AA. Valor: o indicado pelos AA.” Os autores recorreram. CONCLUSÕES (após aperfeiçoamento): I- QUANTO À MATÉRIA DE FACTO 1. Com o presente recurso, e no que tange à impugnação da matéria de facto, os Recorrentes pretendem a alteração dos factos dados como provados sob os números 45 e 46 e a inclusão dos factos alegados na petição inicial sob os artigos 400º a 538º na matéria de facto dada como provada, conforme documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 125-A, 125-B, 126, 126-A, 126-B, 126-C, 126-D, 127, 128, 129, 130-A, 130-B, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157 e 157-A. 2. Quanto ao facto dado como provado sob o ponto 45 da douta sentença recorrida, o mesmo deve ser dado como não provado, uma vez que a prova documental junta aos autos demonstra que não se verificou o encerramento total da atividade de construção e reparação naval da 1ª Ré, mas antes a sua transmissão para a 2ª Ré por via do contrato de subconcessão celebrado a 10 de Janeiro de 2014, com efeitos jurídicos imediatos – cfr. documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 125-A e 125-B. 3. Com efeito, através da celebração do contrato de subconcessão a 10 de Janeiro de 2014, a 1ª Ré transmitiu para a 2ª Ré a exploração do estabelecimento de construção e reparação naval, cujo objecto corresponde àquele do qual a 1º Ré já era concessionária, desde 2 de Maio de 1946, assegurando, por esta via, a continuidade e a prossecução da sua actividade pela 2ª Ré – conforme Anexo I do Contrato de Subconcessão dos documentos ...25... e 125-B e documento nº...30..., juntos com a petição inicial. 4. Em cumprimento do compromisso ajustado e assumido com a 2ª Ré, já em Outubro de 2013, entre Janeiro e Abril de 2014, a 1ª Ré promoveu o Plano Social para revogação por acordo dos contratos de trabalho dos 607 trabalhadores que integravam o seu quadro pessoal, logrando esse objectivo em relação a 595 e procedendo ao despedimento coletivo dos restantes 12 trabalhadores – cfr. documentos juntos sob os n.ºs 2 a 13 com a contestação da 1ª Ré e se pode ver pelos requerimentos datados de 17/02/2017 com Referências Citius ...58, ...89, ...91, ...93, ...94, ...20, ...24 e ...27 e documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 5-A, 5-B, 5-C, 19-A, 19-B, 19-C, 31-A, 31-B, 31-C, 31-D, 43-A, 43-B, 43-C, 55-A, 55-B, 67-A, 67-B, 77-A, 77-B, 89-A, 89-B, 101-A, 101-B, 113-A e 113-B. 5. Da prova existente nos autos, resulta que apenas se verificou uma redução parcial da actividade da 1ª Ré, particularmente a partir do primeiro trimestre de 2014, com o intuito de aparentar um suposto encerramento do estabelecimento quando, na realidade, já o havia transmitido para a 2ª Ré, através do referido contrato de subconcessão com efeitos a partir de 10 de Janeiro de 2014, com a exclusão dos contratos de trabalho, então em vigor, com os trabalhadores da 1ª Ré, incluindo, os dos Autores. 6. Estes factos são corroborados: - Pela aquisição de diverso material para a construção e execução dos dois navios asfalteiros nºs 263 e 264, tal como contratualmente acordado com a P... em 29 de Maio de 2010, cuja resolução contratual apenas foi promovida pela empresa adquirente (P...) a 1 de Junho de 2016 - conforme documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 132, 133, 134, 135 e 137 e documentos nºs ... e ... juntos com o relatório complementar de 16/11/2018, com Referência Citius ...46; - Pelo relatório e contas dos E... de 2013, com data de 7 de Maio de 2014, (após o invocado encerramento) onde expressamente se refere na sua página 9 que “foi dado início à produção do 1º asfalteiro e que estavam em curso as construções dos navios nºs 239 (...), 263 e 264 (asfalteiros); - Pelo relatório de contas dos E... de 2014, com data de 19 de Março de 2015, no qual se refere que, na sequência de várias reuniões de trabalho realizadas com a P..., foi possível garantir a vigência do contrato e a viabilidade da execução dos navios, e que, em conformidade com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2013, através da qual declarou a empresa em situação económica difícil e deliberou orientações no sentido de serem tomadas todas as medidas necessárias para estancar o agravamento da sua situação financeira e preparar condições necessárias ao cumprimento das obrigações assumidas perante o subconcessionário - conforme documento nº... junto com o requerimento de 7/03/2019, com referência Citius ...38; - Pelo relatório da Assessora Técnica, Dra. MM, de 21 de Novembro de 2018, com Referência Citius ...54, que com base em documentos oficiais da 1.ª Ré e com a análise da sua contabilidade, concluiu, sem qualquer margem para dúvidas, que, em 30 de Abril de 2014, aquela dava continuidade aos trabalhos de execução das construções dos dois navios asfalteiros, mantendo a aquisição de equipamentos necessários, aço, perfis, propulsores, subcontratando, de seguida, com a 2.ª Ré a construção dos dois sub-blocos nºs ...43 e ...52 destinados à primeira daquelas embarcações. - Pelo contrato celebrado entre a 1ª Ré com a E..., Lda., a 15 de Julho de 2014, para a aquisição de material (2 kits) o Departamento de Propulsão e Energia para a oficina Eletrónica do MPO e para as construções 238 e 239 e pela minuta dos contratos e a respectiva adjudicação resultantes de deliberações do Conselho de Administração dos E... de 20/06/2014 e 30/07/2014; - pelo procedimento nº...09, os E... celebraram em 8/10/2013 com a V... um contrato de empreitada para o fornecimento, até 31 de Janeiro de 2014, de serviços e preparação de aço para fabricação dos tanques de carga para as construções nºs 263 e 264; - Pela deliberação do Conselho de Administração dos E... de 25/10/2013, através da qual foi celebrado um contrato com a Ó... A.S. para fornecimento até 5 de Janeiro de 2014, dos perfis ... para as construções nºs 263 e 264; - Pelo contrato de empreitada celebrado em 25/08/2015, entre a 3ª Ré E... S.A. e a 2ª Ré W..., onde a 2ª Ré se comprometeu a contruir para a 3ª Ré, no prazo de 6 meses, os sub-blocos ...43 e ...52 relativos aos navios para transporte de asfalto e óleos combustíveis, identificados como construções nºs 263 e 264; - Pelo procedimento nº ...17, através do qual a 1ª Ré celebrou, a 6 de Novembro de 2014, com 2ª Ré, por ajuste directo, um contrato de empreitada para trabalhos a realizar no ...”. - conforme documentos nºs ... a ... juntos com o requerimento datado de 16/04/2018, com Referência Citius ...66. 7. Pelo exposto, entendem os Recorrentes que o facto dado como provado sob o nº45 deve ser alterado para facto não provado, uma vez que a prova existente nos autos não permite legitimamente concluir em que data concreta e em que circunstâncias ocorreu o invocado encerramento da actividade da 1ª Ré no qual fundamentou o despedimento coletivo dos Recorrentes, ao invés, a citada prova documental comprova que, através da celebração do contrato de subconcessão a 10 de Janeiro de 2014, a 2ª Ré deu continuidade e prosseguiu, sem qualquer hiato temporal, a actividade de construção e reparação naval da 1ª Ré. 8. Quanto ao facto 46 dado como provado, entendem os Recorrentes que o mesmo deve ser alterado uma vez que não há qualquer prova que indicie em concreto que os trabalhadores não continuaram a exercer as suas funções na empresa, de harmonia com o seu contrato de trabalho, cumprindo as funções inerentes à sua categoria profissional até 30 de Abril de 2014 e recebendo os vencimentos contratualizados. 9. Tal factualidade da continuidade dos trabalhos nos E... é corroborada: - pelo relatório e contas dos E... de 2014, datado de 19 de Março de 2015; - pelo relatório de Gestão Consolidado da E... (SGPS), S.A de 2014, datado de 19 de Maio de 2015; - Pelos contratos referentes à preparação do aço para os asfalteiros à V..., a aquisição dos perfis à O..., em 6 de novembro de 2013 e na adjudicação, por ajuste directo, à 2.ª Ré, em 29 de Outubro e 6 de Novembro de 2014, um contrato de empreitada para trabalhos a realizar no ...”, conforme documentos juntos sob os n.ºs 1 a 6 com o requerimento enviado em 16/04/2018, referência Citius ...66. - Pelo relatório dos peritos no qual se refere que, em 30 de Abril de 2014, encontravam-se ainda 30 trabalhadores ao serviço da 1ª Ré; - pelos próprios recibos de vencimento dos AA., juntos com a petição inicial sob os nºs 6 a 9, 20 a 23, 32 a 35, 44 a 47, 56 a 59, 68, 69, 78 a 81, 90 a 93, 102 a 105, 114 a 117. 10. Com fundamento nesta prova documental, entendem os Recorrentes que deve ser excluída da redação do facto dado como provado sob o n.º 46 a sua parte final, passando tal facto a ter a seguinte redacção: “Em 2014, a 1ª Ré tinha ao seu serviço 607 trabalhadores; em 30 de Abril de 2014, apenas se encontravam ao serviço da 1ª Ré 30 trabalhadores, incluindo os abrangidos pelo despedimento coletivo.” 11. Finalmente, quanto à matéria de facto, entendem os Recorrentes que deve ser incluída na matéria de facto dada como provada os factos alegados nos artigos 400º a 538º da petição inicial por que dizem respeito à demonstração e à prova de um dos fundamentos da causa de pedir – a declaração da ilicitude do despedimento coletivo dos AA. 12. No modesto entendimento dos Recorrentes, os documentos juntos com a petição inicial, sob os nºs 125-A, 125-B, 126, 126-A, 126-B, 126-C, 126-D, 127, 128, 129, 130-A, 130-B, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157 e 157-A, demonstram que, in casu, não houve encerramento da actividade produtiva da 1ª Ré, mas antes a transmissão do seu estabelecimento e a continuidade da sua exploração pela 2ª Ré, através do contrato de subconcessão celebrado a 10/01/2014. 13. Por todo o exposto, e com o devido respeito, os Recorrentes entendem que devem ser incluídos na matéria de facto dada como provada os factos alegados nos artigos 400º a 538º da petição inicial, assentes nos documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 125-A a 157-A, dado que são factos constitutivos do direito por si invocados na acção para a declaração de ilicitude do despedimento coletivo em causa, vide artigos 342º nºs 1 e 2 do Código Civil e 552º nº1 alínea d) do Código de Processo Civil. II- QUANTO AO DIREITO 14. Sem prejuízo da procedência do pedido de alteração da matéria de facto dada como provada, entendem os Recorrentes que, ao considerar-se como provado a celebração do contrato de subconcessão entre a 1ª Ré e a 2ª Ré a 10 de Janeiro de 2014, o Tribunal a quo teria necessariamente de analisar se o mesmo configura ou não uma transmissão do estabelecimento uma vez que, da sua prova resultará a demonstração de um dos fundamentos invocados pelos Autores para a declaração da ilicitude do seu despedimento coletivo. 15. A transmissão dos contratos de trabalho dos AA., inerentes à transmissão da titularidade do estabelecimento e cessão da sua exploração da 1ª Ré para a 2ª Ré, decorre do teor e do escopo dos artigos 1º, 2º e 3º da Directiva Comunitária 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março e do artigo 285º do Código do Trabalho, que visam a manutenção dos postos de trabalho existentes à data da transmissão (10/01/2014), independentemente da vontade das partes. 16. Dado o escopo do artigo 285º do Código de Trabalho, a transmissão do estabelecimento implica a transmissão para a adquirente, ora 2ª Ré, da posição de empregadora nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, mantendo-se estes na íntegra, apenas se verificando uma modificação de carácter subjetivo, isto é, apenas uma mudança na identificação da entidade empregadora. 17. Assim, em consonância com o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido nos presentes autos em 15/06/2022, com Referência Citius ...53, a verificação, ou não, da transmissão do estabelecimento, e por conseguinte, da transmissão da posição contratual de empregador tem obrigatoriamente de ser apurada uma vez que, atenta a factualidade alegada pelos Autores na petição inicial, tanto o transmitente como o transmissário da posição de empregador dispõem de legitimidade processual passiva na acção de impugnação de despedimento colectivo, e daí ter considerado que as 1ª, 2ª e 3ª Rés são partes legítimas na presente acção. 18. Provada a alegada transmissão do estabelecimento da 1ª Ré para a 2ª Ré, cujos factos fundamentadores o Tribunal indevidamente não apreciou, verificar-se-á uma atuação fraudulenta e contrária à lei por parte de ambas, dado que os efeitos da transmissão do estabelecimento consubstanciam a ocupação da posição de empregador por parte do cessionário (2ª Ré) que, por sua vez, assume os direitos e obrigações da cedente (1ª Ré) na sua plenitude. 19. Assim, tais efeitos de carácter imperativo não podem ser afastados por vontade/acordo entre a 1ª e a 2ª Rés, como aconteceu no caso dos autos, o que determina a respectiva nulidade nos termos dos artigos 280º e 281º do Código Civil. 20. De resto, e como bem se salienta no Acórdão da Relação do Porto de 16/04/2012, proferido no Processo n.º 434/08....: “tendo o cedente e o cessionário acordado, ao celebrar o contrato de cessão de exploração, que os contratos de trabalho dos trabalhadores do 1º não acompanhavam a referida cessão de exploração, pretendendo que o 2º não ingressasse no estatuto jurídico-laboral do 1º, agiram contra legem, em fraude à lei.” 21. Apenas com a apreciação dos factos integradores do fundamento invocado pelos Autores na acção, relativos à transmissão do estabelecimento da 1ª Ré para a 2ª Ré, através do Contrato de Subconcessão celebrado com efeitos imediatos a partir de 10/01/2014, é que se pode concluir quem, a partir de então, passou a ocupar a posição de entidade empregadora, relativamente aos trabalhadores com vínculo contratual em vigor à data da transmissão, dado que a legitimidade de promoção do despedimento coletivo está conferida apenas e exclusivamente à entidade empregadora (artigo 359º do Código do Trabalho). 22. Provando-se que, a partir de 10/01/2014, a posição de entidade empregadora se transmitiu para a Subconcessionária (2ª Ré), a 1ª Ré deixou de ter legitimidade para promover o despedimento coletivo dos AA. a 21/03/2014, com fundamento em razões de mercado e estruturais. 23. Com efeito, esses fundamentos apenas poderiam ser invocados pela 2ª Ré, enquanto entidade empregadora, e não pela 1ª Ré, dado que esta perdeu esse estatuto jurídico-laboral com a celebração do contrato de subconcessão a 10/01/2014. 24. Pelo exposto, o despedimento coletivo dos AA. desencadeado pela 1ª Ré em 21/03/2014, comunicado a 30/04/2014 e declarado com efeitos a partir de 14/07/2014 (vide decisão recorrida), tem também de ser considerado nulo, ineficaz e inoperante nos seus efeitos jurídicos. 25. A omissão de pronúncia na douta decisão em causa sobre a alegada transmissão do estabelecimento determina a nulidade da douta sentença proferida, ao abrigo do disposto no artigo 615º nº1 alínea d) do Código de Processo Civil, pois que a mesma, sendo anterior ao despedimento coletivo dos AA. e às razões nele invocadas, não pode, com todo o respeito, deixar de ser apreciada, uma vez que constitui um dos fundamentos por estes invocados na acção para a declaração da ilicitude do seu despedimento coletivo. 26. Ao contrário do que vem expresso na douta decisão recorrida, entendem os Recorrentes que o seu despedimento coletivo não assenta em razões de mercado ou estruturais, mas antes numa opção ideológica do Estado (único acionista da 1ª Ré), que acordou com a 2ª Ré (entidade privada) transmitir o estabelecimento dos “E...”, sem qualquer vínculo relativamente aos contratos de trabalho dos trabalhadores que integravam o quadro de pessoal da empresa, violando, também por esta razão, o imperativo constitucional, previsto no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, que proíbe os despedimentos “por motivos políticos ou ideológicos”. 27. Pelo exposto, a douta sentença recorrida violou por errada interpretação e aplicação, nomeadamente dos artigos 280º, 281º, 342º nºs 1 e 2, 374º e 376º, todos do Código Civil, artigo 11º, 285º e 359º, todos do Código do Trabalho, artigo 160º nºs 1, 2 e 3 do Código de Processo do Trabalho , artigos 444º, 555º nº1 alínea d) e 615º nº1 alínea d), todos do Código de Processo Civil, artigos 8º e 53º, ambos da Constituição da República Portuguesa e os artigos 1º, 2º e 3º da Directiva Comunitária 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março. TERMOS EM QUE a) Deve proceder-se à alteração da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados nos artigos 45 e 46 da douta decisão recorrida, nos termos expostos, e incluir na matéria de facto provada os factos alegados pelos Recorrentes na sua petição inicial nos artigos 400º a 538º. De todo o modo, mesmo que não proceda o pedido de alteração da matéria de facto: b) Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que declare a ilicitude do despedimento coletivo dos AA., com referência ao dia 10 de Janeiro de 2014, por via da transmissão do estabelecimento da 1ª Ré para a 2ª Ré através do contrato de subconcessão celebrado em 10/01/2014, data em que a entidade patronal dos AA. passou para a adquirente (2ª Ré) em substituição da transmitente (1ª Ré); c) Caso assim se não entenda, deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que ordene o prosseguimento do processo com marcação da audiência final para apuramento dos factos invocados na acção como fundamento de ilicitude do despedimento coletivo.” CONTRA-ALEGAÇÕES – defende-se a improcedência do recurso. O Ministério Público na qualidade de representante do Estado, sucessor das 1ª e 3ª RR, além do mais, refere que não se mostra observado o ónus de impugnação especificada quanto à identificação dos factos e quanto à identificação dos meios de prova. O recurso foi apreciado em conferência. QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso[1]): nulidade da sentença; impugnação da matéria de facto; verificação dos fundamentos substantivos do despedimento colectivo; eventual transmissão de estabelecimento. II - FUNDAMENTAÇÃO A ) FACTOS Factos provados na primeira instância: 1 - A primeira R. era uma sociedade anónima, cujo capital social dos E... era detido a 100% pela 3º R. e tinha por objecto a construção e a reparação navais, bem como o exercício de todas as actividades comerciais e industriais com ela conexas. 2 - A segunda R., constituída em 30 de Dezembro de 2012, tem como objecto a realização de actividades económicas alusivas à indústria de construção e reparação de navios, bem como actividades referentes à indústria metalo-mecânica. 3 - A terceira Ré tinha como objecto a compra e venda e arrendamento de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como a administração e gestão de imóveis; engenharia naval, gestão de projectos de construção e reparação naval e prestação dos serviços necessários às actividades de construção e reparação naval, designadamente nas áreas de procurement, suply chain management e formação. 4 - O 1º A. (AA) foi admitido ao serviço da primeira R., em 4 de Abril de 1977, exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de electricista. 5 - Tinha a categoria profissional de electricista, chefe de equipa, e auferia uma remuneração base mensal de €1.257,01. 6 - O 2º A. (BB) autor foi admitido ao serviço da 1ª R. em 6 de Junho de 1983, exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de engenheiro especialista. 7 - Tinha a categoria profissional de engenheiro especialista e auferia a remuneração base de €1.672,63, acrescida de uma diuturnidade por antiguidade, no montante de €180,06. 8 - O 3º A. (CC) foi admitido ao serviço da 1ª R., nos períodos de 8 de Fevereiro de 1984 a 31 de Julho de 1985, e de 20 de Junho de 1988 a 30 de Abril de 2014, exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de montador de construções metálicas pesadas. 9 - Tinha a categoria profissional de montador de construções metálicas pesadas e auferia a remuneração base mensal de €1.197,47. 10 - O 4º A. (DD) utor foi admitido ao serviço da R. nos períodos de 17/05/1984 a 30/06/1985, de 17/02/1986 a 07/03/1986, de 28/06/1988 a 26/09/1993 e de 13/02/1995 a 30/04/2014, exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de montador de construções metálicas pesadas. 11 - Tinha a categoria profissional de montador de construções metálicas pesadas e auferia a remuneração base de €1.014,30. 12 - O 6º A. foi admitido ao serviço da 1ª Ré, em 3 de Janeiro de 1999, desempenhando a sua actividade profissional de engenheiro especialista por conta, ordem e no interesse daquela. 13 – Tinha ultimamente a categoria profissional de engenheiro nº 4, especialista, e auferia a remuneração base de €1.861,18. 14 - O 7º A. foi admitido ao serviço da 1ª Ré, em 12 de Janeiro de 2000, 57/242 exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de montador de construções metálicas pesadas. 15 - Auferia a remuneração base de €873,81. 16 - O 8º A. foi admitido ao serviço da R. em 12 de Janeiro de 2000, exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de preparador auxiliar de trabalho. 17 - Tinha ultimamente a categoria profissional de preparador auxiliar de trabalho e auferia a remuneração base de €863,80. 18 - O 9º A. foi admitido ao serviço da R. em 1 de Outubro de 2002, exercendo por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de montador de construções metálicas pesadas, 19 – Auferia ultimamente a remuneração base de €815,08. 20 - Em 21 de Março de 2014, a R. E... iniciou o procedimento de despedimento colectivo, promovendo a entrega de uma carta a cada um dos trabalhadores que não haviam celebrado acordo de revogação do contrato de trabalho, aqui se incluindo os AA. (cartas juntas aos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas). 21 – A 1º R., em 23 de Abril de 2014, convocou todos os trabalhadores integrados no processo de despedimento colectivo, incluindo os aqui AA., para comparecerem, no dia 24 de Abril de 2014, pelas 11h30, nas instalações da empresa, com vista à notificação – directa e pessoal – da decisão de despedimento colectivo. 22 – Nessa data, compareceram os dois membros da comissão representativa dos trabalhadores, os quais informaram que, em seu nome e demais trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo, não aceitavam receber em mão a comunicação formal do despecdimento, solicitando essa comunicação fosse remetida para cada um deles em carta registada com a/r. 23 - A 24 de Abril de 2014, a R. E... remeteu via correio postal a cada um dos trabalhadores integrados no processo de despedimento colectivo, incluindo os aqui AA., a decisão de, naquele âmbito, fazer cessar os respectivos contratos de trabalho (cartas juntas aos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas). 24 – Os AA. receberam, via correio postal, as referidas comunicações, a 29 e 30 de Abril de 2014. 25 - Aquando do despedimento, ao 1º A. foram enviadas, pela 1ª R., as seguintes importâncias: - Compensação por despedimento - €44.728,16 - Retribuições de créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €1.103,75 - Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 (não gozadas) - €1.097,68 - Subsídio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não pagas - €1.136,59 - Férias de anos anteriores, ainda não gozadas - €51,06 - Férias proporcionais do ano de 2014, até à cessação do contrato de trabalho - €357,38 - Subsídio de férias proporcional, até à data da cessação do contrato de trabalho - €367,21 - Compensação do subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €75,09 - Compensação por não concessão do aviso prévio em falta (75 dias) - €3.142,52 - Férias proporcionais ao aviso prévio - €251,40 - Subsídio de férias proporcional ao aviso prévio - €251,40 - Subsídio de natal proporcional ao aviso prévio - €258,39 - Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50 - Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50 - Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00 26 - Aquando do despedimento, ao 2º A. foram enviadas, pela primeira Ré, as seguintes importâncias: - Compensação pelo despedimento - €49.189,26 - Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €1.383,40 - Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não gozadas - €1.471,92 - Subsidio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não pagas - €1.471,92 - Férias proporcionais do ano de 2014, até 23 de Abril de 2014 - €475,55 - Subsídio de férias proporcional, até 23 de Abril de 2014 - €475,55 - Subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €96,80 - Compensação por não concessão do aviso prévio (75 dias) - €4.181,57 - Férias proporcionais (aviso prévio) - €334,52 - Subsídio de férias proporcional (aviso prévio) - €334,52 - Subsídio de natal proporcional (aviso prévio) - €343,82 - Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50 - Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50 - Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00 - Crédito referente a formação profissional não efectuada - €770,99 . 27 - Aquando do despedimento, ao 3º A. foram enviadas, pela 1ª R. as seguintes importâncias: - Compensação por despedimento - €30.981,21 - Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho: - Retribuição (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €1.056,47 - Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não gozadas - €924,10 - Subsídio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 ainda não pago - €1.089,46 - Férias (proporcionais até 23 de Abril de 2014) - €340,45 - Subsídio de férias (proporcionais até 23 de Abril de 2014) - €351,98 - Subsídio de natal (proporcional de 1 a 23 de Abril de 2014) - €71,86 - Compensação por não concessão do aviso prévio em falta (75 dias) - €2.993,28 - Férias (proporcionais aviso prévio) - €239,50 - Subsídio de férias (proporcional aviso prévio) - €239,50 - Subsídio de natal (proporcional aviso prévio) - €246,15 - Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50 - Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50 - Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00 28 – Aquando do despedimento, ao 4º A. foram enviadas, pela 1ª R. as seguintes importâncias: - Compensação por despedimento - €24.469,99 - Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €933,73 - Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não gozadas – €906,33 - Subsidio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não pagas - €940,46 - Férias proporcionais do ano de 2014, até 23 de Abril de 2014 - €303,84 - Subsídio de férias proporcional, até 23 de Abril de 2014 - €288,38 - Subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €61,70 - Compensação por não concessão do aviso prévio (75 dias) - €2.535,75 - Férias proporcionais (aviso prévio) - €202,86 - Subsídio de férias proporcional (aviso prévio) €202,86 - Subsídio de natal proporcional (aviso prévio) - €208,50 - Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50 - Subsídio de refeição (aviso prévio) €213,50 - Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00 29 - Aquando do despedimento, ao 6º A. foram enviadas pela 1ª Ré as seguintes importâncias: - Compensação por despedimento - €23.905,82 - Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €1.505,29 - Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não gozadas - €1.625,27 - Subsidio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não pagas - €1.637,83 - Férias proporcionais do ano de 2014, até 23 de Abril de 2014 - €529,16 - Subsídio de férias proporcional, até 23 de Abril de 2014 - €529,17 - Subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €106,13 - Compensação por não concessão do aviso prévio (75 dias) - €4.652,96 - Férias proporcionais (aviso prévio) - €372,24 - Subsídio de férias proporcional (aviso prévio) - €372,24 - Subsídio de natal proporcional (aviso prévio) - €382,58 - Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50 - Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50 - Subsídio de cantina (aviso prévio) €73,00 - Crédito referente a formação profissional não efectuada €725,39 29 - Aquando do despedimento, ao 7º A. foram enviadas pela 1º R. as seguintes importâncias: - Compensação por despedimento - €11.196,90 - Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €828,72 - Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não gozadas - €697,82 - Subsidio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não pagas - €821,82 - Férias proporcionais do ano de 2014, até 23 de Abril de 2014 - €250,49 - Subsídio de férias proporcional, até 23 de Abril de 2014 - €265,51 - Subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €53,71 - Compensação por não concessão do aviso prévio (75 dias) - €2.184,53 - Férias proporcionais (aviso prévio) - €174,76 - Subsídio de férias proporcional (aviso prévio) - €174,76 - Subsídio de natal proporcional (aviso prévio) - €179,62 - Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50 - Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50 - Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00 - Crédito referente a formação profissional não efectuada - €132,99. 30 - Aquando do despedimento, ao 8º A. foram enviadas 1ª R. as seguintes importâncias: - Compensação por despedimento - €11.068,84 - Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €805,39 - Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não gozadas - €749,84 - Subsidio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não pagas - €813,27 - Férias proporcionais do ano de 2014, até 23 de Abril de 2014 - €249,94 - Subsídio de férias proporcional, até 23 de Abril de 2014 - €262,75 - Subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €53,13 - Compensação por não concessão do aviso prévio (75 dias) - €2.159,49 - Férias proporcionais (aviso prévio) - €172,76 - Subsídio de férias proporcional (aviso prévio) - €172,76 - Subsídio de natal proporcional (aviso prévio) - €177,56 - Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50 - Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50 - Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00 31 - Aquando do despedimento, ao 9º A. foram enviadas pela 1ª R. as seguintes importâncias: - Compensação por despedimento - €9.095,84 - Retribuições e créditos vencidos em virtude da cessação do contrato de trabalho (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €806,32 - Férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014, não gozadas - €629,01 - Subsidio de férias referente às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2014 e ainda não pagas - €771,14 - Férias proporcionais do ano de 2014, até 23 de Abril de 2014 - €231,74 - Subsídio de férias proporcional, até 23 de Abril de 2014 - €249,15 - Subsídio de natal proporcional (de 1 a 23 de Abril de 2014) - €50,31 - Compensação por não concessão do aviso prévio (75 dias) - €2.037,71 - Férias proporcionais (aviso prévio) - €163,02 - Subsídio de férias proporcional (aviso prévio) - €163,02 - Subsídio de natal proporcional (aviso prévio) - €167,54 - Subsídio de transporte (aviso prévio) - €184,50 - Subsídio de refeição (aviso prévio) - €213,50 - Subsídio de cantina (aviso prévio) - €73,00 - Crédito referente a formação profissional não efectuada - €346,46. 32 – Os AA. comunicaram à 1ª R. que não aceitavam o despedimento e devolveram as quantias supra referidas. 33 – Em consequência, a 1ª R. efectuou novas transferências para os AA., excluindo o montante da compensação pelo despedimento. 34 – No dia 13 de Maio de 2014, a 1ª R. remeteu via postal a cada um dos AA. as comunicações que constituem os documentos ...1 a ...2 da sua contestação (e que aqui se dão por integralmente reproduzidos), e enviou-lhes cheques com as seguintes quantias: - ao A. AA, €196,27, uma vez que a comunicação foi recebida por este a 30 de Abril; - ao A. BB, €178,97, uma vez que a comunicação foi recebida a 30 de Abril; - ao A. CC, €212.51, uma vez que a comunicação foi recebida a 30 de Abril; - ao A. DD, €197,47, uma vez que a comunicação foi recebida a 30 de Abril; - ao A. EE, €235,89, uma vez que a comunicação foi recebida a 30 de Abril; - ao A. FF, €152,99, uma vez que a comunicação foi recebida a 30 de Abril; - ao A. GG, €113,69, uma vez que a comunicação foi recebida a 29 de Abril; - ao A. HH, €128,17, uma vez que a comunicação foi recebida a 30 de Abril. 35 – No que se refere ao mercado em que a actividade da 1ª R. se inscrevia, a situação de crise económica e financeira a nível internacional, apresentou, em 2008, como primeiros sintomas, uma forte contracção dos mercados financeiros e, consequentemente, uma progressiva redução do tráfego marítimo e da actividade de construção naval. 36 – O sector da construção civil foi conhecendo, mesmo antes de 2011 e sobretudo no mercado asiático, um aumento significativo da capacidade de produção instalada, que se foi traduzindo numa oferta excedentária; este desequilíbrio do mercado era agravado pela concorrência por parte de vários operadores em actividade neste sector, com níveis de preços muito baixos e insuficientes para fazer face aos custos estruturais da operação. 37 – Nos anos de 2011 a 2014, a evolução do volume de negócios da 1ª R. foi o que consta do quadro 2 do relatório do colégio de peritos (que aqui se dá por integralmente reproduzido). 38 – Nos anos 2011 a 2014, o valor dos gastos da 1ª R. com pessoal foi aquele que consta é aquele que consta do quadro 6 do relatório do colégio de peritos (que aqui se dá por integralmente reproduzido). 39 – O número de trabalhadores da 1ª R. entre 2011 e 2014 é o que consta do quadro 7 do relatório do colégio de peritos (que aqui se dá por integralmente reproduzido). 40 – A evolução da margem bruta, gastos com pessoal e resultado operacional entre 2011 e 2014 relativamente à 1º R. é a que consta do quadro 10 do relatório do colégio de peritos (que aqui se dá por integralmente reproduzido). 41 – Os prejuízos da 1ª R. foram os seguintes: 2011 - €22.675.248 2012 - €8.795.788 2013 - €52.420.00 2014 - €29.036.919 42 – A 1ª R. apresentou os seguintes capitais próprios negativos: 2011 - €129.630.919 2012 - €142.447.205 2013 - €193.463.772 2014 - €223.877.386 43 – O fundo de maneio da 1ª R. apresentou os seguintes resultados negativos: 2011 – 135.960.581 2012 – 148.108.786 2013 – 219.906.501 2014 - €254.606.076 44 - No primeiro semestre do exercício de 2013, os E... acumulavam um passivo total de € 264.094.000,00, onde se incluía um passivo financeiro no valor de € 168.815.000,00 – encontrando-se, desde 2012, sem capacidade para se autofinanciar por recurso ao sistema financeiro, permanecendo muito limitada no exercício da sua actividade, e com uma exploração profundamente deficitária, objectivamente traduzida numa situação económica difícil 45 – Em consequência da sua situação económica e financeira, a 1ª R. promoveu o encerramento total da sua actividade de construção e reparação naval, que veio efectivamente a acontecer no ano de 2014. 46 – Em 2014 a 1ª R. tinha ao seu serviço 607 trabalhadores; em 30 de Abril de 2014, apenas se encontravam ao serviço da 1º R. 30 trabalhadores, incluindo os abrangidos pelo despedimento colectivo; era um quadro de trabalhadores sem funções ou com funções visando a finalização dos processos de alienação de activos. 47 – No dia 10 de Janeiro de 2014, a 1ª R. celebrou com a 2ª R. um contrato de subconcessão (documento ...25... e 125-B, e respectivos anexos, que aqui se dá por integralmente reproduzido). B) NULIDADE DA DECISÃO Referem-se os AA omissão de pronúncia sobre a problemática da transmissão do estabelecimento face aos fundamentos que invocaram na acção para a declaração da ilicitude do despedimento coletivo e sobre a qual o Mmo Juiz não poderia deixar de pronunciar-se, o que determinaria a nulidade da sentença - 615º nº1 alínea d) do Código de Processo Civil. Segundo o artigo 615º, 1, d), do CPC, é nula a decisão quando: “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ...” Sabe-se que a omissão de pronúncia sobre “questões” refere-se, não aos argumentos das partes, mas sim aos pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções, conforme tem sido decidido uniformemente pela jurisprudência[2] e acolhido pela doutrina. Não há assim que confundir o significado de “questões” com as razões, a retórica ou os motivos invocados pelas partes para alicerçarem a sua pretensão[3]. O juiz não tem assim de rebater ao pormenor a temática que as partes entendem ser importante, nem tão pouco tem de a abordar nos termos e com a sequência por aquelas pretendida. No caso, a alegada “transmissão de estabelecimento” é um dos fundamentos da acção, como tal é uma “questão”. Contudo, ao contrário do que é referido pelos recorrentes, o senhor juiz ocupou-se da mesma. Veja-se o seguinte trecho (após se discorrer sobre os motivos que levaram ao despedimento e destes terem sido considerados justificados pelo juiz a quo): “E também não vemos em que medida é que se pode trazer aqui à colação o instituto jurídico da transmissão do estabelecimento, para se afirmar que ocorre um despedimento ilícito. Sejamos claros neste ponto: a problemática da transmissão do estabelecimento para a 2ª ou 3ª RR. só é relevante se e na medida em que previamente se constate que o despedimento foi ilícito, por serem falsos os fundamentos invocados pela entidade empregadora para proceder ao despedimento colectivo. Só nesta situação – uma inverídica invocação de circunstâncias que permitem o recurso àquela forma de cessação das relações laborais – é que terá então que se proceder à análise de uma possível de transmissão total ou parcial do estabelecimento. Mas não é possível falar de uma invocação fraudulenta do despedimento colectivo quando este cumpre substancialmente os requisitos legalmente previstos, só porque posteriormente há uma transmissão de estabelecimento. Nada impede na lei impede que, após ter a empresa procedido a um despedimento colectivo, venha a alienar parte ou a totalidade da sua actividade produtiva. Aliás, nos casos em que as empresas procedem à extinção parcial ou total da sua actividade, é normal que procedam à alienação do seu património, e nas melhores condições possíveis, o que normalmente configura uma transmissão nos termos referidos. Como se lê no Acórdão da relação de Guimarães proferido no processo de despedimento colectivo 3338/15.T8VCT, a propósito de iguais considerações efectuadas pelo signatário em saneador sentença então proferida: “A empresa pode até ter tomado no passado opções de gestão erradas, tal não implica inibição de iniciar e proceder ao despedimento colectivo verificando-se os motivos legalmente previstos, a menos que a situação tenha sido criada fraudulentamente para esse efeito. Quanto á intenção de venda, como se refere na decisão, o objectivo da empresa, demonstrado que sejam os motivos do despedimento, não releva. Se a sua intenção era vender, é opção dos accionistas que não é sindicável. Desde que haja motivos legais para o despedimento, se o objectivo é vender é irrelevante”. Somos então e sempre reconduzidos à verdadeira e única questão: saber se ocorreu o encerramento daquela actividade da empresa e se existiam motivos económicos, de mercado e estruturais que apontavam como solução para o recurso ao despedimento colectivo. E como já dissemos supra tais fundamentos encontram-se demonstrados, sendo que não se pode afirmar que a situação de emergência económica e financeira da empresa tenha sido fraudulentamente provocada, podendo ser o resultado de erros de gestão ou de incapacidade de adaptação às alterações do mercado Impõe-se, pois, a conclusão que são verdadeiros os motivos invocados pela R., o que torna legítimo o recurso ao despedimento colectivo de que os AA. foram alvo.” Como decorre da citação, o tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão, não o fazendo pela ordem, sequência e prioridade agora pretendida pelos recorrentes, o que naturalmente não significa omissão de pronúncia. O que os recorrentes pretendem é que o juiz se pronuncie primeiro sobre se há transmissão de estabelecimento e só depois sobre a ilicitude do despedimento. Ora, o senhor juiz é livre na organização e “arrumação” da sentença na parte de Direito. Entendeu que primeiro haveria que verificar se ocorriam os pressupostos que justificasse o despedimento colectivo e, uma vez que estes, no seu entender procediam (o mérito desta decisão não cabe no campo das nulidades) então seria irrelevante uma posterior e eventual “transmissão de estabelecimento”, denegando razão ao AA. Não há, assim, omissão sobre questões na acepção supra exposta, pelo que improcede a arguição de nulidade. C) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO O tribunal da relação deve modificar a decisão de facto se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º do CPC. No caso, a matéria foi fixada no despacho saneador, por recursos a confissão, admissão por acordo nos articulados, documentos e relatório pericial (artigo 158º CPT). Uma vez que a utilização do verbo “impor” aponta para elevado grau de exigência, a decisão só deve ser alterada se daqueles meios de prova sobressair de forma clara um erro de prova. Diga-se, também, que apenas se deve atender a factos, realidades objectivos e concretas, comprováveis pela observação, experiência e ciência, e não a juízos conclusivos, considerações, generalidades ou mesmo especulações. Mais, dentro dos factos alegados pelas partes relevam apenas os que integrem a causa de pedir e excepções segundo as várias soluções de direito e não toda a extensa narrativa que consta dos articulados, onde, amiúde, e no caso assim acontece, se misturam factos importantes, factos irrelevantes, “não factos”, opiniões, críticas, longas citações e excertos extraídos de documentos (que não correspondem a alegações pois os documentos são apenas meios de prova), citações de entrevistas/aparições em meios de comunicação social, especulações enquanto hipóteses do que pode vir a acontecer no futuro, etc, etc. A lei processual civil alude em diversas normas à necessidade de distinção entre factos e direito, mormente nos artigos 5º,1, 552º, 1, d), 572º, b), c), 607º, 4, CPC. Decidindo então a impugnação do caso concreto: Os AA impugnam os factos provado 45 e 46 que têm a seguinte redacção: 45 – Em consequência da sua situação económica e financeira, a 1ª R. promoveu o encerramento total da sua actividade de construção e reparação naval, que veio efectivamente a acontecer no ano de 2014. 46 – Em 2014 a 1ª R. tinha ao seu serviço 607 trabalhadores; em 30 de Abril de 2014, apenas se encontravam ao serviço da 1º R. 30 trabalhadores, incluindo os abrangidos pelo despedimento colectivo; era um quadro de trabalhadores sem funções ou com funções visando a finalização dos processos de alienação de activos. Pretendem que o ponto 45 seja dado como não provado e o facto provados 46 alterado para a seguinte redacção: 46 – Em 2014, a 1ª R. tinha ao seu serviço 607 trabalhadores; em 30 de Abril de 2014, apenas se encontravam ao serviço da 1º R. 30 trabalhadores, incluindo os abrangidos pelo despedimento colectivo; Invocam diversa documentação da qual resultaria apenas uma redução da actividade da 1ª R., mais afirmando que não é possível concluir pela data concreta em que ocorreu o invocado encerramento, ao invés, resultando comprovada a continuação da actividade de construção e reparação naval pela 2ª R. São duas questões diferentes, uma a de saber se a 1ª R descontinuou e deixou de exercer a sua actividade, outra a de saber se a atividade da 1ª R foi retomada pela 2ª R. O sentido normal que o ponto 45 encerra é de que a 1ª ré não prosseguiu, ela própria, a sua actividade de construção e reparação naval. E que tal aconteceu em decorrência da sua situação económica e financeira. O ponto 46 completa e concretizada o anterior. Anote-se que os AA recorrentes não põe em causa (no referido ponto 46) que em 2014, dentro do universo de 607 antigos trabalhadores, a 1ª R só tivesse ao serviço 30 trabalhadores. Discordam sim que se dê como provado que estes últimos fossem “ um quadro de trabalhadores sem funções ou com funções visando a finalização dos processos de alienação de activos.” Quanto às considerações em que os AA se prendem sobre se a actividade foi continuada por outra entidade, mormente a 2ª e 3ª RR, tal terá de ser analisado à luz de factos alegados que alicercem o juízo conclusivo de “transmissão de empresa”. Ademais, importa advertir que apenas relevam factos reportados à data do despedimento colectivo (ocorrido em 30-04-2014) e não situações que eventualmente se vieram a verificar muito depois, decorridos que estão anos após a cessação dos contratos dos AA. Invocam os recorrentes frequentemente um contrato de subconcessão celebrado entre a 1ª a e a 2ª R - ponto provado no nº 47. A 1ª e a 2ª RR celebraram inquestionavelmente um contrato de subconcessão atribuindo a esta última o direito de utilização duma parcela do porto de ... onde se incluem infra-estruturas e equipamentos, tal como aceite pelas RR e plasmado nos documentos ...25... e B. Mas o documento prova apenas a celebração deste negócio jurídico e não mais do isso. Trata-se, em linguagem propositadamente simples, de “sublocar” um espaço com as suas infracturas/equipamentos com vista ao exercício de uma actividade, embora em condições muito específicas, dado tratar-se de uma parcela/infra-estrutura do domínio público. Mas o facto que está em causa é outro: é o fim do exercício da actividade de reparação e construção naval por parte da 1ª R e eventual sua continuação pela 2ª R. Ora, “o facto” envolve bastante mais, tal como alegação de circunstancialismo concreto referente a execução dos trabalhos de empreitada de reparação e construção naval que continuasse a ser levada a cabo pelo grosso dos trabalhadores e a mando de quem, a efectiva transmissão da 1ª para a 2ª R de contratos que tivesse no seu “porfolio” referentes a este período de transição, a transmissão de clientela, de Know-how, tudo reportado ao período que nos interessa. Não nos reportamos obviamente ao dia do despedimento, mas terá de haver uma proximidade razoável. Assim, concluímos que a celebração do contrato de subconcessão, só por si, não comprova que a 2ª R tenha continuado a actividade da 1ª R e muito menos que o tenha feito de imediato. Depois, com vimos frisando, a documentação que os recorrentes citam não se reporta ao momento de despedimento dos AA. Mais uma vez, não queremos dizer um dia concreto, mas tem de haver proximidade. Ora alguma documentação inclusive reporta-se a eventos ocorridos mais de um ano, outra traduz meras alusões a processos de intenções, que não se vieram a concretizar (mormente a construção dos navios asfalteiros venezuelanos, cujo contrato foi posteriormente denunciado pelo cliente) e dos quais não se extrai que a 1ª R mantivesse a actividade de reparação e construção. Ter um contrato pendente incumprido não é mesmo que continuar a exercer uma actividade. No que se refere ao circunstancialismo da situação económica deficitária da empresa e à sua influência no encerramento da actividade da empresa: A situação económica da empresa é completada e concretizada nos pontos provados nºs 35 a 44, os quais não são postos em causa pelos recorrentes e que se harmonizavam entre si e que levam à conclusão de que o não prosseguimento da actividade por parte da 1ª R. resultou da situação financeira deficitária. Dos pontos provados e não questionados sobressai, no que se refere à situação económica da 1ª R: redução em geral da actividade de construção naval em decorrência de crise internacional, concorrência de outros operadores com custos mais baixos, prejuízos financeiros, capitais próprios negativos, fundos de maneio negativos (nos valores apontados nos artigos), passivo total acumulado de 264.094.000,00€ no 1º semestre de 2013, sem capacidade para se autofinanciar, num quadro de situação económica difícil. A situação económica deficitária, enquanto tal, será assim uma realidade incontornável, que na verdade não é questionada pelos AA, mas sim a estratégia seguida pelo acionista Estado para ultrapassar a crise. Refira-se, ainda, que diversos diplomas legais espelham intervenções do Governo (a 1ªR era uma sociedade de capitais públicos, entretanto liquidada e dissolvida), as quais indiciam a situação deficitária da 1ª R: (i) a Resolução do Conselho de Ministro 86/2013, de 5-12, que declarou os E... em situação económica difícil, determinou a adopção de medidas de gestão, mormente acções de minimização do défice, incluindo a alienação de alguns dos seus bens móveis não incluídos ou afectos à concessão da utilização do porto, além de um financiamento bancário até ao montante máximo de € 31.000.000,00 para a implementação de medidas. (ii) Já antes através do DL 98/2013, de 24-07, o Governo autorizou a 1ª R a subconcessionar parcelas de terreno e infra-estruturas afectas ao contrato de concessão para o exercício da actividade de construção e reparação naval no porto de ..., o que evidencia intenção de abandono de actividade. (iii) Outro exemplo foi a tentativa gorada de reprivatização da 1ª R com venda do seu capital social aludindo-se no diploma, entre o mais, à “necessidade de viabilização económico-financeira da E..., Sa” conforme DL 186/2012, de 13-08 e Resolução do Conselho de Ministros nº 27/2013, de 17-04. São exemplos públicos indiciadores de que a 1ª R atravessava dificuldades financeiras e pretendia abandonar a actividade de construção e reparação naval, não cabendo ao tribunal avaliar da bondade das medidas de gestão então tomadas. Relatório pericial: No que se refere ao encerramento do exercício da actividade da ré e ao motivo pelo qual tal aconteceu, há ainda que atentar nas conclusões do relatório pericial e no seu voto maioritário (158º CPT). Concordando-se com o senhor juiz quando refere: “A convicção do tribunal relativamente à matéria que se deu como provada resultou ... e do relatório maioritário do colégio de peritos; realce-se quanto a este último que a sua fundamentação é solida, segura e estruturada, ao contrário do voto de vencido, cuja parcialidade decorrente do perito em causa ter tido funções directivas nos E... é notória, e que se perde em análises que não são relevantes sobre erros de gestão ou opções políticas, ou sobre estratégias empresariais que poderiam ter sido seguidas.”- negrito nosso. Na verdade, o assessor/perito que apresentou voto de discordância, à pergunta sobre a “inexistência de actividade da empresa” perde-se em considerações sobre outras opções de reestruturação dos E... supostamente mais adequados, racionais e com menos custos financeiros, citando relatórios e consultadorias, assumindo um pendor opinativo sobre opções de gestão. Anota-se que o senhor perito, antigo alto quadro da 1ª R, faz parte dos 597 trabalhadores que assinaram um acordo de revogação do contrato de trabalho, datado de 11-03-2014, donde consta na clª 1º, 2”...o presente acordo surge no contexto de uma redução de efectivos prevista na declaração de Empresa em situação económica difícil, vertida na Resolução do Conselho de Ministros nº 86/2013, de 10 de dezembro...”- Citius 17-11-2017, doc. ... Adere-se assim, por fundamentadas em factos e números (sobre volume de vendas, gastos, recebimentos, capital, passivo, etc..), às conclusões do colégio de peritos com voto maioritário ( voto de vencido do perito KK), donde é descrito um quadro de contração da carteira de encomendas, redução continuada da actividade e de rendimentos de vendas e prestações de serviços já desde 2011, que não foram acompanhados por quedas semelhantes nos custos totais, desembocando, no seu termo, numa situação de falência técnica, com o capital próprio negativo e sempre inferior ao ativo, com redução progressiva de quadros até desembocar no despedimento coletivo em março/abril de 2014, ano em que se verifica o encerramento do exercício da actividade da empresa. Em detalhe as conclusões do relatório pericial, com voto maioritário, são as seguintes: A. “Relativamente à observância do que determina o art.º 397.º do Código do Trabalho, verificam-se, como critérios qualitativos conducentes ao presente Despedimento Coletivo, a circunstância/motivo de a Estaleiros Navais de ... (E...), S.A., ter promovido o encerramento total da sua atividade de construção e reparação naval (que constituía o objeto principal do seu negócio), concomitantemente com uma redução progressiva e global do seu pessoal, em concreto, naquela área de negócio, determinada por motivos de mercado e estruturais. Com efeito, constata-se que a Estaleiros Navais de ... (E...), S.A., registou níveis de atividade historicamente reduzidos no período analisado, exceção feita ao ano de 2012, provocados pela contração da sua carteira firme de encomendas, com as consequências que, no plano económico e financeiro, foram acima descritas. B. Estes motivos de mercado e estruturais implicaram a redução continuada dos rendimentos da empresa por vendas e prestações de serviços, que não foram acompanhados por quedas semelhantes nos custos totais da Empresa. Do lado dos gastos com o pessoal, a rubrica mais relevante da estrutura de custos da Estaleiros Navais de ..., S.A., a redução operada no quadro de efetivos e colaboradores com vínculo "permanente" decorreu a um ritmo muito mais lento do que aconteceu do lado da atividade e dos rendimentos associados. Assim, o quadro de trabalhadores com vínculo "permanente" caiu de 657 em 2011 para 620 no ano seguinte, descendo para 607 em 2013. Mais tarde, durante o ano de 2014 e em consequência do Despedimento Coletivo aqui sub judicio, acabaria por ficar reduzido a 30 elementos. Atendendo à quebra desigual nos rendimentos e gastos da Empresa, assistimos à forte degradação dos resultados operacionais e líquidos da Estaleiros Navais de ... (E...), S.A. no exercício de 2013 (imediatamente anterior à ocorrência do Despedimento Coletivo aqui analisado), face aos registados em 2012, em linha com um comportamento, no mesmo sentido declinante, que se vinha já registando desde 2010. Esta evolução teve repercussões nos indicadores de liquidez e de solvabilidade, que confirmam, igualmente, a degradação da situação financeira de curto e de longo prazo da Empresa ao longo do período em análise, desembocando, no seu termo, numa situação de falência técnica, com o capital próprio negativo e sempre inferior ao ativo, sem qualquer autonomia financeira. C. O Despedimento Coletivo operado pela Estaleiros Navais de ... (E...), S.A., ocorre em março/abril de 2014 - na sequência de uma significativa retração da sua atividade, sensível, pelo menos, já desde 2011 - ano em que se verifica, igualmente, o encerramento da atividade de construção e reparação naval da Empresa.» - negrito nosso. Fim de citação do Relatório A pedido do senhor juiz, foi ainda apresentado complemento ao Relatório, subscrito por todos os elementos do Colégio Pericial, mas igualmente com voto de vencido do assessor/perito KK. O complemento visava esclarecer a questão do eventual prosseguimento da actividade da actividade da ré à data do despedimento com respeito à construção de dois navios asfalteiros C.263 e C.264. A resposta foi de que não decorriam quaisquer trabalhos, porque a capacidade produtiva da 1ª R estava já totalmente desactivada e sem meios humanos, logísticos e técnicos ao seu serviço. A empresa não detinha sequer capacidade para o seu prosseguimento, nem ao nível financeira, nem material, nem humano até porque do total de 607 trabalhadores nessa altura só não tinham acordado a cessação dos contratos de trabalho os 12 que vieram a ser abrangidos pelo despedimento coletivo. Mais referem os assessores que a referida empreitada remonta a 2010 e foi sistematicamente incumprida, sendo reduzido o trabalho anterior referente a corte, com atrasos, de cerca de 10% do aço que havia sido adquirido, além de actividade de projecto descontinuada a partir do final de 2013. Mais referem (e está comprovado documentalmente e os AA aceitam o facto) que o cliente acabou por denunciar o contrato por incumprimento. No complemento o senhor assessor/perito acima referido manteve a discordância anterior, o que sai desvalorizadas pelos motivos já assinalados. Ademais, da sua fundamentação extrai-se que os trabalhos de empreitada não estavam efectivamente em execução. Simplesmente entende o perito que “havia trabalho para executar” (que é coisa diferente e é uma opinião sobre gestão). Mais referindo que o contrato se mantinha em vigor à data de 30-04-2014, por até então não ter sido denunciado (sendo-o mais tarde face ao incumprimento). Ora, esta é uma outra questão (jurídica). O que se pretendia saber é se a empresa desenvolvia a sua atividade normalmente ou se não a prosseguia. Anote-se que a declaração de discordância de uma das senhoras técnica de parte (dos AA) MM padece do mesmo pendor opinativo, no sentido de que crítico sobre opções de gestão, pouco objectivo, perdendo-se em considerandos. Assim, transcreve-se o detalhe do complemento do relatório dos assessores subscrito por maioria: «1.ª QUESTÃO: "Em 30 de abril de 2014, estava efetivamente em execução a construção de dois navios asfalteiros?" De acordo com a informação documental compulsada e analisada, referente ao "Contrato de Construção de Dois (2) Navios Asfalteiros de 27.000 TPM" (adiante designado, também, como "Contrato"), outorgado, em 29/05/2010 (e com os Aditamentos datados de 03/08/2010 e de 10/09/2010, entre a "P... S.A." e a "Estaleiros Navais de ..." (adiante, E...) foi possível, a este Colégio Pericial apurar, por confronto com a narrativa constante da Carta de Rescisão, operada pela “P... S.A.", deste mesmo Contrato, a Verificação que, em 30 de Abril de 2014, não estava em execução a construção dos mencionados dois navios asfalteiros. Comefeito,atentaadescrição dos incumprimentosqueseafere dos fundamentos para tal rescisão, unilateral, por parte da P..., apura-se que, desde Fevereiro de 2011, a E... não assegurou as condições para tal construção. A saber: a) A E... comunica, em Setembro de 2011, à P... que as encomendas de materiais para a construção dos navios asfalteiros deve observar a legislação nacional aplicável em matéria de Contratação Pública o que terá comprometido, significativamente, desde então, o andamento dos trabalhos e o cumprimento das obrigações contratuais a que se havia vinculado; b) Entre Dezembro de 2012 e Março de 2013, a E... não logra colocar encomendas de compra de motores principais, aparelhos electrónicos e 50% do aço necessário para o início da construção dos navios asfalteiros (30/12/2012, com inadimplemento da Cl.ª 2.ª do Contrato); não consegue a colocação de ordens de compra de bombas para o sistema de carga, sistema propulsor, sistema de navegação, caldeiras, e 50% do aço necessário para o início da construção dos 2 navios asfalteiros (30/01/2013, com inadimplemento da Cl.ª 3.ª do Contrato); não procede ao corte de 10% do peso total de aço necessário para a construção do 1.º navio asfalteiro (01/03/2013, com inadimplemento da CI.ª 4.ª do Contrato). c) Em Outubro de 2013, a E... inicia o processo de alienação de todos os terrenos e infraestruturas afectos e necessários para o inicio da construção dos 2 navios asfalteiros de 27.000 TPM para entrega à OO e entra em processo de liquidação. d) Em 08/02/2014, não cumpre a obrigação de entrega do Navio Asfalteiro C.263, à OO; em 08/11/2014, não cumpre a obrigação de entrega do Navio Asfalteiro C.264, com a recusa por parte do Banco 1... em manter as condições acordadas do contrato de financiamento, em face de se ter esgotado o período da sua utilização (2011/2014), que conduziu ao incumprimento, na sua totalidade, do cronograma de execução e construção dos mesmos navios, pela E.... Por outro lado, tal como havia sido apurada, no Relatório Pericial (junto aos presentes autos e apresentado por este Colégio, ao Douto Tribunal, no dia 29/11/2017) a verificação que, 30 de Março de 2014, os 595 dos 607 trabalhadores da E..., que ainda se encontravam ao serviço a 31/12/2013, já tinham, todos, aceitado, por mútuo acordo, a cessação dos seus respectivos contratos de trabalho (e cujas Indemnizações foram provisionadas e contabilizadas, em € 30.242.479, no Exercício de 2013 e € 16.356, no Exercício de 2014). A 30 de Abril de 2014, apenas 30 trabalhadores se mantinham ao seu serviço - entre os quais, os AA. que avançaram com a presente acção de impugnação do despedimento colectivo, objecto do presente processo - o mesmo número de trabalhadores que se registaria no final de 2014: um quadro de trabalhadores, sem funções ou com funções visando a finalização dos processos de alienação dos activos. Ou seja, desse total de 607 trabalhadores só não tinham acordado a cessação dos seus contratos de trabalho os 12 que vieram a ser abrangidos pelo despedimento coletivo, o que, naturalmente, sustenta que não poderiam, materialmente, assegurar nem a construção de dois navios asfalteiros, nem, ademais, de qualquer outra construção ou reparação de navios, para além destes. Por outro lado, da análise efectuada por este Colégio de Peritos e vertida para o seu Relatório, atenta a evolução registada, pelo menos desde 2011, até ao Exercício de 2014, a E..., não apresentava meios de liquidez, nem de solvabilidade, tendo a situação financeira se degradado, continuadamente, até ao ponto de não ultrapassar uma situação de falência técnica, com o Capital Próprio negativo e inferior ao Activo, sem autonomia financeira para sustentar a continuidade das operações. Do mesmo modo, como também se demostra no Relatório Pericial, era, igualmente, patente um claro agravamento da situação económica da E..., por insuficiência de vendas e serviços prestados, em face dos gastos que foram incursos no periodo sob escrutínio (2010/2014), reflectindo a situaçãode real insolvência técnica quedecorre da aplicação do Art.º 35.º do CSC. Em qualquer caso, e em concreto, no âmbito da execução do Contrato dos navios asfalteiros C.263 e C.264, os trabalhadores da E... apenas tinham chegado a cortar cerca de 10% do aço que havia sido adquirido com vista à construção dos referidos dois navios asfalteiros. Esse corteficou concluído, com atrasoface aoprazo contratado (01/03/2013) com a OO, em Setembro de 2013 (cfr. Doc.n.º ...-"Declaração", emitida em 30 de Setembro de 2013, pelo ..., a certificar o corte de 10% do aço). Para além desse trabalho, a E... desenvolveu, igualmente, actividade de projecto, a qual foi descontinuada a partir do final de 2013. Tais trabalhos de engenharia e de corte do aço correspondem a umvalor de cerca de 5 milhões de euros (por reporte aos 128 milhões correspondentes ao preço contratado para a construção dos mesmos dois navios asfalteiros C.263 e C.264). Em 30 de Abril de 2014, como já havia sido concluído no mesmo Relatório de Pericia, não decorria nos E... qualquer actividade produtiva, porquanto a sua capacidade produtiva estava já totalmente desactivada e sem meios humanos, logísticos e técnicos ao seu serviço. Subsequentemente, o auto de entrega das áreas afectas à concessão (que, até então, estava cometida à E...) ocorre a 2 de Maio de 2014, sem que, até então e, mormente, desde Janeiro, a E... tivesse desenvolvido - por impossibilidade material, humana e logística - qualquer atividade produtiva, apenas e tão só a atinente ao desmantelamento e alienação dos seus equipamentos e demais activos, de modo a libertar as áreas e instalações que se tinha comprometido a entregar, livre de pessoas e coisas, à Entidade Subconcesslonária. Em síntese, em 30 de Abril de 2014, já não estava, efectivamente, em execução a construção dos dois navios asfaltelros C.263 e C.264. 2.ª QUESTÃO:"Em caso afirmativo, qual era a percentagem de acabamento e a que ritmo decorriam os trabalhos?" Atento que, em 30 de Abril de 2014, já não estava, efectivamente, em execução a construção dos dois navios asfalteiros C.263 e C.264, era nula a percentagem de acabamento destes navios (não se relevando, como "acabamento", o corte de cerca de 10% do aço que havia sido adquirido com vista à sua gorada construção), pelo que os trabalhos já não ocorriam, efectivamente, a tal data, pelo descrito na resposta supra à 1.ª Questão formulada pelo Douto Tribunal. 3.ª QUESTÃO: "Em caso de resposta negativa à primeira questão, o que aconteceu ao respetivo contrato? Foi resolvido? Por quem? Quando? E em que condições?" Do que foi possível apurar por parte deste Colégio de Peritos - atentas as várias vicissitudes que se extraem da documentação junta pela E..., a vigência do Contrato de Construção dos Dois Navios Asfalteiros C.263 e C.264, celebrado em 29 de Maio de2010, entreaPDVSANaval, S.A. PP, salientam-seas assinaladas edescritas pela própria P..., mormente a ocorrência de sucessivos atrasos na execução do programa contratual que havia sido acordado, designadamente imputáveis à E..., mas, também, com vários inadimplementos de ambas as partes, seja incumprimentos que a P... imputa à E... e incumprimentos imputados pela E... à P.... No ínterim, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 98/2013, de 24 de Julho - que autorizou a E... a subconcessionar a área afeta à sua atividade, e após, a 31 de Julho de 2013, ter sido lançado o concurso para a efectivação daquela subconcessão - a Resolução do Conselho de Ministros, de 5 de Dezembro de 2013; declarou a E... como "empresa em situação económica difícil", o que levou o accionista único da E... a deliberar a descontinuação da sua produção; com a consequente cessação dos contratos de trabalho de todos os trabalhadores, ficando, deste modo, a E... objectivamente incapacitada para executar a construção dos dois navios asfalteiros C.263 e C.264. Com efeito, como se extrai da factualidade supra, resultou uma situação que constituía, objectivamente, uma das hipóteses contratualmente previstas (cfr. art.º IX, n.º 4), de que decorria o direito do Armador a resolver o contrato. Tal, todavia, não aconteceu de imediato, porquanto, ao longo de 2014, 2015 e primeiro trimestre de 2016, o accionista da E... desenvolveu esforços com vista a encontrar quem, em Portugal, estivesse tecnicamente capacitado e fosse aceite pela P... para prosseguir a construção dos dois referidos navios asfalteiros C.263 e C.264. Sem sucesso. Pelo que, atento que não foi possível formalizar o acordo de cessão de posição contratual da E... a favor de uma entidade terceira, designadamente do sector estatal (tal como era exigido pela P...), em consequência, o contrato de construção dos navios asfalteiros foi denunciado pela P..., por carta datada de 1 de Junho de 2016, nas condições descritas pela própria P... (cfr. Doc. n. ... - Carta da P... a resolver o Contrato de Construção de 2 Navios Asfalteiros). Perante a circunstância de, através da Resolucão do Conselho de Ministros n.º 79/2012 (ao revogar a Resolução do Conselho de Ministros n.º 183/2004 que aprovara o "Programa Relativo Aquisição de Navios Destinados à Marinha Portuguesa (PRAN)" e adjudicara aos E..., mediante ajuste direto, a sua execucão), se ter visto cerceada da sua fundamental, estratégica, carteira de encomendas, acrescida por outro lado, pela incerteza quanto à responsabilidade de construção dos 2 navios asfalteiros para ... (e, ainda, em resultado das imparidades em existências e prejuízos pela venda do navio ... e do navio ..., a par de não se terem concretizado os contratos de aquisição de seis navios-patrulha oceânicos e um contrato específico de aquisição de cinco lanchas de fiscalização costeira) - acabaram por conduzir à situação económica e financeira que concorreu para a situação de insolvência técnica, cujo apuramento foi já objecto de análise e verificações constantes do Relatório Pericial (e que, aliás, havia já sido antecipada no estudo da ATKearney, de 2011, tal como no "... - Plano de viabilidade empresarial dos E...”, no seu Relatório final, de 21 de Janeiro de 2011 e na Apresentação final de Fevereiro de 2011, atualizada em 29 de Junho de 2011). Entretanto, a E..., no âmbito do processo de liquidação (tal como determinado por Deliberação do accionista único, E..., (S..., SA a 5 de Maio de 2015, para a concretização da dissolução da E...; data em que esta Sociedade é formalmente declarada em processo de liquidação) também resolveu todos os contratos anteriormente estabelecidos com vários fornecedores de materiais e de equipamentos destinados à construção dos dois referidos navios asfalteiras.»- Fim de citação do complemento ao relatório. Finalmente das contas de exercicio da sociedade, muito menos as respeitantes a 2102 e 2013, se extrai que, por altura do despedimento colectivo, a 1ªR ou outra empresa continuasse a executar trabalhos de manutenção e reparação naval no porto de ..., em especial a execução dos dois navios asfalteiros. Igualmente dos recibos de vencimentos referenciados pelos AA apenas se extrai que a 1ªR cumpriu a sua obrigação legal de pagamento dos vencimentos até à data da cessação dos contratos, deles não se retirando que os AA continuasse a desempenhar trabalhos, até porque eram, na sua maioria, operacionais ou ligados à concepção sendo que a empresa já não desenvolvia estas actividades (4 montadores de construções metálicas pesadas, 1 preparador auxiliar de trabalhos, 1 eletricista e 2 engenheiros especialistas). Em suma, os pontos provados 45 e 46 resultam comprovados. Matéria não provada : Pretendem os autores que seja dada como provados os “factos” alegados nos artigos 400º a 538 da petição inicial. Referem documentos que alegadamente comprovam que não houve encerramento da empresa, mas a sua transmissão e continuidade de exploração pela 2ª R, através de contrato de subconcessão celebrado a 10-1-2014. A 1ª R, representada pelo Ministério Público, nas suas alegações refere que não foi cumprido o ónus de impugnação especificada ao não identificarem devidamente os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, nem tão pouca a prova que os suporta. A falta de cumprimento do ónus, sabe-se, leva à rejeição da impugnação - 640º, 1, a), b), CPC. Diga-se que os AA recorrentes, efectivamenete, em bom rigor não cumprem um dos ónus de recurso sobre a matéria de facto, que lhes impõe a identificação especificada dos factos cuja alteração pretende, ou, na melhor das hipóteses, só muito deficientemente o cumprem - 640º, 1, a), CP. A norma requer que a parte se responsabilize e identifique os factos concretos que pretende provados ou não provados. Os AA limitam-se a remeter em bloco para 138 artigos da petição inicial, sem ter o cuidado de selecionar factos e de os separar de inúmeras considerações, generalizações, transcrições e citações de documentos, meios de prova, etc, que se constava ali existirem. A displicência não é aceitável dada a sua extensão. As conclusões têm por função identificar sinteticamente, de modo que se pretende focado, os factos sobre os quais se discorda, de modo a que se possam apreender com fluidez a factualidade contra a qual os recorrentes se insurgem. A remessa nas conclusões, cega e indiscriminada, para número superior à centena que se constata pouca factualidade conter, deixando para o tribunal a tarefa que compete à parte, não cumpre os deveres de impugnação especificada e não permite apreender o que está em causa. O que levaria, logo, à rejeição parcial desta parte do recurso. Ademais, também os meios de prova invocados - documentos- não estão conexionados, um a um, ao facto específico que visam provar. Invocam-se documentos e ligam-se os mesmos a considerações e juízos genéricos e conclusivos, sem o cuidado de selecionar “o facto” e de o conexionar ao documento. A jurisprudência tem entendido que a associação de um meio de prova a um bloco de matérias (no caso a juízos conclusivos) não cumpre o ónus de indicação do concreto meio de prova que impõe decisão diferente, correspondendo a prática que desresponsabiliza a parte, incentiva recursos pouco objectivos e contribui para a ineficiência do sistema judicial. O que levaria à rejeição parcial do recurso. Neste sentido ac. STJ de 10-11-2020, proc.21389/15.1T8LSB.E1.S1 (Sumário: “II – A natureza da exigência legal prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC (enquanto meio que dá suporte ao erro de julgamento da matéria de facto impugnada), que tem por finalidade impedir impugnações carecidas de fundamento probatório objetivo, impõe uma indicação precisa dos meios de prova que deveriam levar à pretensa modificação dos factos concretamente impugnados, pelo que não se compadece com a enunciação de vários elementos probatórios em termos de reescrutínio indiscriminado e global da factualidade subjacente à causa.”) Mas, ainda assim, vamos supor que o recurso, embora muito deficientemente, cumpre o ónus de impugnação. A impugnação também não procederia, pelas razões que se seguem. Em primeiro lugar, pretende-se ver provadas meras transcrições feitas na contestação de documentos, como acontece, por exemplos nos artigos 403 a 445. Os documentos não são alegação de factos, mas meios de prova. Ademais, a outorga do contrato de subconcessão (401, 402 da PI) já se encontra provado no ponto 47 da sentença proferida, bastando proceder à sua leitura para aceder ao conteúdo (47 – No dia 10 de Janeiro de 2014, a 1ª R. celebrou com a 2ª R. um contrato de subconcessão (documento ...25... e 125-B, e respectivos anexos, que aqui se dá por integralmente reproduzido). Outros artigos expressam meros juízos conclusivos e genéricos e não factos (ex- 400, 451, 452, 461 a 465, 478, 480, 481, 482, 495, 496, 498 a 503, 515 a 517, 519, 534 a 538) ou considerações irrelevantes à decisão dos autos ( ex- 446, 454, 455, 479). Outros são meras especulações (ex- 488 e artigos anteriores reportado a hipótese de eventual cedência da posição contratual da construção dos navios asfalteiros, 493 e artigos anteriores reportados a intenções de transferência da construção dos ditos navios, 506 a 514, 520 e artigos seguintes reportados a eventos hipotéticos, como a eventual transmissão até novembro de 2014 do contrato de construção dos navios da 1ª para a 3ª RR e sua execução, resultando de resto comprovado que o contrato com a 1ª R foi denunciado anos mais tarde). Outros artigos contém alegação de declarações à comunicação social, como tal irrelevantes (473, 474, 505) e outros no segmento em que contém factos não se encontram provados (ex-459, 504), outros contém referência a actos normativos (489, 497). Assim, de factual e que seja relevante - como tal se entendendo o reportado ao período do despedimento-, resta pouco, mormente o artigo 453º da PI na parte fáctica em que refere que a partir de 2-05-2014, primeiro dia útil de trabalho, a 2ª ré passou a utilizar o espaço e instalações, equipamento no exercício da industria de reparação naval tal como antes o fazia a 1ª R. Ora, além do supradito, a documentação, invocada de modo “solto” e sem conexão ao concreto “facto” (ponto 12 das conclusões), também não é idónea a provar a continuação da execução da actividade de reparação e construção naval à data do despedimento. Designadamente: o ultra invocado contrato de subconcessão datado de 10-01-2014 (doc.s 125 e suas letras) pelas razões já referidas; nem o contrato de empreitada de asfalteiros (doc. ...37) outorgado em 2010 muito tempo antes do despedimento e que à data não estava em execução como referimos; nem a aquisição de algum material no ano de 2013 para o inicio da execução dos trabalhos destas empreitada (diminuto, tal como referido no Relatório); nem a Resolução do Conselho de Ministros de Setembro/2012 (doc. ...54 e ss) atribuindo à 1ª R a execução do PRAN (programa de aquisição de navios à Marinha) que se veio a verificar não iniciado/cumprido; nem o extracto de notícia em meio de comunicação social ((doc. ...55) relatando incumprimentos por parte dos E..., 1ª R; nem o contrato de assessoria jurídica celebrado entre a 1ª R e sociedade de advogados com vista a renegociação do contrato (não executado) dos dois navios asfalteiros que só indicia o abandono desse projecto pela ré; nem outros extractos de notícias na comunicação social (doc. ...57... )dando conta de cancelamentos de encomendas aos E... que, a comprovarem algo, que não comprovam pois não passam do que são, notícias, ainda assim apenas indiciariam o contrário do pretendido, ou seja, não execução de contratos. Finalmente, a matéria referente à alegada continuação do exercício da construção e reparação naval pela 1ª R ou outra empresa por altura do despedimento encontra-se contrariada pela demais prova nos termos acima referidos, mormente relatório maioritário dos assessores que demonstram o abandono da actividade por parte da 1ªR em virtude de situação económica deficitária. Não resultando que ao tempo do despedimento colectivo, ou no imediato razoável, no porto de ..., fosse exercida actividade de reparação e construção naval, seja porque empresa fosse. Os AA confundem a materialidade da continuação de uma actividade com a suscetibilidade da sua continuação porque havia um contrato de empreitada de dois navios venezuelano pendente, isto é, incumprido e, na altura, ainda não denunciado pela contraparte. A própria petição inicial é, em muito, construída com base em hipóteses, mormente que a 1ª R iria ceder às RR ((“prepara-se”, é o termo utilizado) a posição contratual na empreitada dos asfalteiros (o que, repisa-se, se constata que nem sequer aconteceu, sendo este contrato denunciado posteriormente pelo armador, por incumprimento). Uma observação final: os factos relatados nos artigos 393º a 399º da petição inicial não foram julgados provada na 1ª instância. Apesar disso, tal factualidade não faz parte do objecto de recurso dos AA. Os artigos contêm relato de circunstâncias concretas então alegadas pelos AA no sentido de que a 1ª E... em 30-09-2014, meses após o despedimento, mantinha actividade no porto. Transcreve-se o ali alegado para melhor compreensão: 393º - Nesta data, com referência ao dia 30 de Setembro de 2014, trabalham na unidade fabril da 1ª Ré, por sua conta, ordem e interesse, pelo menos, 37 trabalhadores. Com efeito, 394º - é esta quem lhes paga o respectivo vencimento, processa os respectivos descontos para a Segurança Social e à retenção de IRS, 395º - além de que ali permanecem em funções a administração da 1 ª Ré, que dá ordens àqueles trabalhadores que entram e saem do local de trabalho, à hora por ela (administração) determinada, 396º - tal e qual como acontecia com os autores antes de serem despedidos, em 30 de Abril de 2014. 397º - Esses 37 trabalhadores utilizam instrumentos de trabalho da 1ª Ré e dedicam-se a tarefas de reparação e construção naval, quer na área da produção ou da concepção, o denominado projecto, 398º - além de que estes desempenham, tal como desempenhavam antes, funções administrativas e de consultadoria na área da reparação e construção naval. 399º - Todos esses trabalhadores entram e saem no local de trabalho pelas portas a esse fim destinadas, tal como acontecia antes com os A.A. e com todos os trabalhadores da empresa até serem despedidos. Assim, 400º - ao contrário dos fundamentos expressos pela 1ª Ré para a decisão deste despedimento colectivo, a mesma não cessou a sua actividade até à presente data, decorridos 5 meses sobre o despedimento dos A.A. Por outro lado” Não sendo estes factos objecto do recurso de impugnação, a sua análise não cabe na actividade do tribunal superior. Contudo o abandono desta matéria pelos AA não deixa de ter leitura e consequências na decisão do processo. Também por isso, e por toda a prova acima referida, não se vê razão para a realização de julgamento, contendo os autos matéria suficiente à decisão da causa, tal como o considerou o tribunal a quo. Improcede totalmente a impugnação da matéria de facto. D) MATÉRIA DE DIREITO Verificação dos fundamentos substantivos do despedimento colectivo: O fundamento da ilicitude do despedimento colectivo mantido nesta fase de recurso é a falsidade do motivo invocado para extinguir os postos de trabalho e fraude à lei, aspectos a que consequentemente nos vamos cingir. Analisando: O despedimento colectivo é uma forma de extinção dos vínculos laborais da iniciativa do empregador que se funda em razões objectivas. Verificado que esteja certo circunstancialismo entende-se que é inexigível ao empregador a manutenção dos contratos de trabalho. Exige-se, no entanto, a observância de parâmetros procedimentais e substanciais, visando o respeito por princípios fundamentais, mormente o que proíbe despedimentos sem causa, bem como outros de igual valor constitucional como a liberdade de iniciativa económica privada, os quais necessitam de ser conjugados (53º e 81º, 1, CRP). Não havendo direitos absolutos, todos terão de conviver e de se ajustar entre si, comprimindo-se ou expandindo-se consoante as circunstâncias mais razoáveis e proporcionais que se imponham ao caso concreto. É a seguinte a noção legal de despedimento colectivo - artigo 359º do CT[4]: “1 - Considera-se despedimento colectivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se, nomeadamente: a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado; b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes; c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.” Da norma resulta que o despedimento tem de: (i) basear-se em motivo vinculado previsto na lei; (ii) observar conexão entre o despedimento dos trabalhadores e os motivos invocados. A motivação terá de ser económica relativa à empresa fundada em razões de mercado, estruturais ou tecnológicos. No fundo o despedimento colectivo é perspectivado na lei como medida de gestão destinada a: (i) crises empresariais que afectam a viabilidade da empresa (por exemplo motivos de mercado e estruturais na vertente de desequilíbrio económico financeiro) ou (ii) reorientação estratégica da empresa para manter a sua vitalidade fora de contexto de crise (por exemplos motivos estruturais relacionados com mudanças no modo de produzir ou nos produtos ou motivos tecnológicos). O despedimento quadra assim com os dois tipos de actuações. O escrutínio do nexo de causalidade entre os fundamentos e a decisão de extinção dos concretos postos de trabalho tem sido encarada pela jurisprudência como mera verificação da veracidade dos motivos invocados e da sua coerência, racionalidade objetiva e adequação aos despedimentos concretos levados a cabo, com respeito pelos critérios de gestão da empresa - Acórdãos do STJ de 7-10-2010, proc. 820/05.0TTVNF.S1, 19-12-2012, proc. 1222/10.1TTVNG-A.P1.S1, 9-12-2010, proc. 4107/07.5TTLSB.L1.S1 Ou seja, na apreciação da procedência dos fundamentos do despedimento colectivo o tribunal deverá: - Rastrear a ocorrência objectiva do motivo económico invocado (saber se não é não é fictício, por exemplo recorrendo aos dados objectivos de desequilíbrio económico-financeiro); - rastrear se o serviço/secção/estabelecimento que fundamenta a extinção dos postos de trabalho foi suprimido/encerrado ou irá ser[5] ou simplesmente, consoante o caso, se foram reduzidos os efectivos naquela estrutura (e não houve antes uma substituição de trabalhadores); - Rastrear, finalmente, da suficiente congruência entre a motivação invocada e os concretos despedimentos, por forma a que, segundo juízos de razoabilidade, os fundamentos invocados sejam aptos a justificar a dispensa dos trabalhadores. Excluídas situações de dissimulação e fraude à lei, verificada que esteja esta lógica de racionalidade económica entre a efectiva eliminação dos postos de trabalho e sua congruência com os motivos invocados, e exceptuadas decisões arbitrárias e claramente irrazoáveis ou desproporcionadas, no mais a decisão gestionária do empregador é judicialmente insindicável quando ao seu mérito. A doutrina, além da jurisprudência (acima referenciada) é unânime neste sentido- vd João Leal Amado e outros, Direito do Trabalho, Relação Individual de Trabalho, Almedina, 2019, pág. 997 e 998; Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II-Situações Laborais Individuais, Almedina 4ª ed., pág. 882-3; Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 9ª ed., pág. 1021 e 1022; António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 2019, pág. 770, 772, 773. O caso concreto: A 1ªinstância, acolhendo o entendimento de que não cabe ao tribunal apreciar actos e opções de gestão empresarial, nem tão pouco avaliar se no passado ocorreram ou não erros na condução da empresa, concluiu pela verificação dos fundamentos de despedimento colectivo relacionados com redução da actividade da empresa e, sobretudo, com motivos estruturais de desequilíbrio económico-financeiro. Razões que levaram à opção e ao efectivo encerramento da actividade da 1ª R de construção e reparação naval, com progressiva, global e efectiva redução de pessoal afecto a essa actividade, visando-se, no seu termo, a liquidação total da empresa e sua posterior extinção. Mais concluiu que a estratégia empresarial e a circunstância de a intenção última da 1ª R consistir na alienação da empresa, por si, não releva, respeitados que estejam os limites de despedimento colectivo. Frisou ainda que a eventual transmissão do estabelecimento para as 2º e 3 RR só relevaria se e na medida em que previamente se constatasse existir um despedimento ilício, não sendo possível falar de despedimento fraudulento quando este cumpre substancialmente os requisitos legais. Os recorrentes autores assentaram a causa de pedir essencialmente na alegação de que a 1ª R não cessou a sua actividade na altura do despedimento (abril/14) por razões mercado, estruturais ou de desequilíbrio económico e financeiro e, tanto assim seria que, em Setembro de 2014, ainda mantinha 37 trabalhadores ao seu serviço e tinha “trabalho para executar” derivado de empreitadas pendentes para as quais no ano anterior tinha adquirido matérias-primas (mormente o contrato dos navios asfalteiros). Ademais, a actividade e/ou estabelecimento de reparação e construção naval veio a ser transmitida para as RR, em particular através da subconcessão da 1ª para a 2ª R de parcela de terreno e infra-estruturas/equipamento do porto de .... Em recurso mantêm que não se verifica a veracidade do motivo e que há fraude à lei, mas apresentam uma “nuance” que é a de alegarem a ilegitimidade da 1ª Ré para proceder ao despedimento colectivo, porque supostamente esta já não seria a sua empregadora desde janeiro de 2014, mas sim a 2ª R por força da celebração do contrato de subconcessão do porto de .... Esta é uma questão nova que não cabe ao tribunal ad quem apreciar, sendo pacífico que os recursos se destinam à reapreciação da matéria oportunamente alegada e submetida a julgamento. O tribunal da Relação limita-se a sindicar a sentença, sendo este o seu objecto. Não olvidando que a interpretação/aplicação do direito é livre (podendo, portanto, em recurso os factos serem vistos sob outro prisma jurídico) a verdade é que, no caso, tal alegação é contraditória com a posição assumida pelos próprios AA na petição inicial. Mais, opõe-se à matéria factual que eles próprios narraram, mormente nos artigos 393º a 400º, em especial artigo 396º onde estendem aos agora oito AA os exemplos demonstrativos de que a 1ª R. continuava a laborar e a actuar como empregadora até abril/2014. Portanto, além de se observar conduta processual imprópria, os AA teriam de ter anteriormente, na petição inicial, articulado factos adequados e arguido a ilegitimidade da 1ª R para fazer cessar os contratos. Sempre se diga que todo o quadro factual provado demonstra inquestionavelmente que a 1ª RR era a entidade empregadora dos AA, para quem estes desenvolveram a sua actividade, por sua conta e ordens, por ela sendo pagos desde que foram contratados e até à cessação dos vínculos laborais - art.s 4º e ss da matéria provada. Termos em que se denega razão aos AA recorrentes nesta parte. Passando aos fundamentos do despedimento: Na comunicação de decisão de despedimento colectivo (363 CT) a 1ª R fez constar como motivos para a extinção dos vínculos laborais: (i) a redução da actividade de construção e reparação naval dos Estaleiros Navais de ... (sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos) em razão da crise mundial sentida desde 2008 com redução do tráfego marítimo; (ii) a situação económica da empresa com resultados negativos muito elevados, prejuízos, um passivo em contínua degradação, valor negativo de capitais próprios que levou em 5-12-2013 à declaração da empresa em situação económica difícil[6] sendo necessário tomar medidas para estancar o agravamento da situação financeira; (iii) a decisão da empresa de desativação da sua actividade produtiva de construção e reparação naval em razão dos referidos factores, estando a desencadear os procedimentos a tal necessários, como a subconcessão do direito de utilização do espaço portuário e infra-estruturas, a promoção de vendas de activos não comprometidos com a subconcessão, a implementação de um plano social chegando a acordos de revogação dos contratos de trabalho com 595 dos seus 607 trabalhadores. Consequentemente com a conclusão da alienação dos activos não afectos à referida subconcessão do direito de utilização dos terrenos do porto de ..., a empresa resultará desactivada, pelo que a redundância dos 12 trabalhadores remanescente é objectiva e irremediável. Os fundamentos acima sintetizados desde logo estão compreendidos dentro dos fundamentos configurados na lei como admissíveis para justificar o despedimento colectivo, integrando a sua previsão, porque fundados em redução de pessoal e encerramento da actividade de construção e reparação naval em razão de motivos económicos, em especial estruturais de desequilíbrio económico-financeiro. Sindicando agora a veracidade da motivação do despedimento colectivo, analisando a matéria de facto- vg os pontos 35 a 46- e ligando os factos à motivação invocada, não podemos deixar de concordar com o senhor juiz a quo ao concluir que o fundamento invocado é verdeiro. Os motivos de mercado por redução da actividade e, acima de tudo, os motivos estruturais por desequilíbrio económico-financeiro estão claramente evidenciados. Aliás, os AA em boa verdade não os negam, nem tão pouco os pontos 33 a 44 da matéria provada são postos em causa. Deles resulta, entre o mais, prejuízos, crescentes capitais próprios negativos desde 2011 a 2104, crescentes resultados negativos de fundo de maneio, no 1º semestre de 2013 um passivo total de 264.094.000,00, onde se incluía o valor de 168.815.000,00 de passivo financeiro, verificando-se que a empresa se encontrava sem capacidade de autofinanciamento por recurso ao sistema financeiro desde 2012. Seguiu-se declaração da empresa em situação económica difícil. Este quadro resulta, entre o mais, do Relatório nos termos acima assinalados. Além de o motivo económico invocado existir, os trabalhadores foram de facto despedidos e a 1ª R. não os substituiu, pelo contrário ao abrigo de acordos terminou os contratos de mais 597 trabalhadores no universo total de 607, apenas remanescendo na altura do despedimento cerca de 30 efectivos que visavam a finalização da alineação do património e o fecho da empresa. Comprovou-se ainda que em 2014 a 1ª R abandonou o exercício da sua actividade essencial de reparação e construção naval em consequência de decisão tomada após a Resolução do Conselho de Ministro nº 886/2013, de 5 de dezembro de declaração dos E... em situação económica difícil. Finalmente, existe uma nítida conexão entre o despedimento colectivo e a fundamentação invocada, não havendo dúvida que os contratos cessaram ligados a um motivo económico, mormente estrutural de desequilíbrio económico-financeiro, que levou à decisão da empresa em deixar de prosseguir a sua actividade essencial de construção naval, como efectivamente deixou de fazer. Nos termos acima citados, cabe ao tribunal apenas fiscalizar a veracidade do motivo invocado e não avaliar da bondade do despedimento colectivo e muito menos ajuizar se a 1ªR poderia optar por outras medidas, se deveria ter “aproveitado” a empresa mantendo-a em funcionamento com o seu património e trabalhadores, se a deveria ter reprivatizado, na medida em que isso cabe no poder de gestão do empregador. Referem os recorrentes que a 1ª R. não cessou de imediato a sua actividade, que ainda em 2013 adquiriu matéria-prima, que mantinha pendentes e por cumprir contratos de empreitada, mormente o referente aos navios asfalteiros venezuelanos, que foi mantendo negociações para a cessão de contratos e que o encerramento da liquidação da 1ª R só ocorreu em 2018. Defendem, portanto, que o não encerramento imediato e definitivo da actividade da 1ª R no momento da extinção dos postos de trabalho obstaria ao despedimento colectivo. Subjaz a tal argumentação alguma confusão entre duas figuras diversas de cessação do contrato de trabalho, a saber o despedimento colectivo e a caducidade por impossibilidade superveniente de o empregador receber o trabalho em decorrência de encerramento total e definitivo da empresa ou de extinção da pessoa colectiva (346º CT). É certo que por vezes a fronteira entre as duas não é evidente e pode gerar ao empregador dificuldades na opção quando esteja em caso o encerramento da actividade da empresa, situação que redunda em dispensa de trabalhadores. Uma diferença fundamental respeita à motivação. O despedimento colectivo é de motivação vinculada, objectiva e económica. A caducidade com fundamento no encerramento da empresa é livre, não está limitada, resultando de simples decisão do empregador em não continuar o negócio. Outra diferença essencial respeita ao destino da empresa. A caducidade pressupõe e exige o encerramento definitivo e total e, por natureza, abrange todos os trabalhadores. Isso pode não acontecer no despedimento colectivo se apenas abranger parte de trabalhadores e não encerrar de imediato, pese embora a gerência possa ter decidido a desactivação da empresa num futuro próximo e necessite de ultimar os necessários procedimentos. Mas estas diferenças não significam que o despedimento colectivo não seja aplicável no âmbito de um processo em curso de encerramento de empresa, já que a figura da caducidade se restringe aos casos definitivos de “encerramento total e definitivo”. Na verdade “...embora o Código do Trabalho situe a figura do despedimento colectivo no contexto de redução de pessoal, a actuar através da redução de uma ou mais secções da empresa, entende-se que nada obsta a que, no âmbito de um processo tendente ao encerramento da empresa, se recorra ao despedimento colectivo, antes de se chegar à situação de encerramento definitivo e total”- negrito nosso - Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. citada pág. 881. Refere a mesma autora (nota de pé de pág. 389) que este até poderá ser o procedimento mais adequado para o empregador por lhe permitir evitar o arrastamento dos contratos de trabalho e reduzir custos- vd também João Leal Amado, ob. citada, pág. 931, nota de pé de página nº 35. Com o que concordamos, afigurando-se que no caso esta é uma medida racional e justificada, tendo em conta que já concluímos pela veracidade dos motivos invocados e pela sua conexão causal com os despedimentos levados a cabo, não fazendo sentido manter os trabalhadores se a empresa decidiu abandonar a sua actividade em razão de motivos objectivos estruturais e de mercado. Sendo ainda irrelevante a intenção de venda de activos da empresa, o que aliás é consentâneo com a decisão de desativação, a qual, repisa-se, não compete ao tribunal de trabalho sindicar - neste sentido Ac. RG, de 10-01-2020, proc. 3338/15.9T8VCT.G1 (em cujo sumário consta: ”Desde que se verifiquem os motivos legais para o despedimento colectivo, o facto de os accionistas pretenderem vender a “empresa” é irrelevante, não implicando ilicitude daquele.”). Em suma, há fundamento objetivo para o despedimento colectivo, pelo que o mesmo é lícito. Da transmissão de estabelecimento: Importa fazer referencia à questão da denominada “transferência de estabelecimento” arguida pelos recorrentes. A este propósito, o senhor juiz a quo refere que procedendo os fundamentos do despedimento colectivo não se coloca a questão da transmissão de estabelecimento. Assim é, exceto caso se detecte uma situação de fraude à lei como seria o caso de uma “transmissão de empresa encapotada”. Mas, tal redundaria em falsidade do motivo e improcedência do despedimento colectivo. Uma coisa acaba por estar ligada à outra, implica a sua ponderação. No fundo, a questão da transmissão do estabelecimento defendida pelos Recorrentes, com reporte aos factos conexionados à ocasião do despedimento, alicerça-se essencialmente na celebração em 10-01-2014 entre A e 1ª R do contrato de subconcessão de terrenos do porto e de ..., que está provado no ponto 47 (doc.s 125-A e 125-B). Vem já sendo evidenciado que a 1ª R exercia a sua actividade de construção e reparação naval no porto de ... e, para o efeito, era ali detentora de um direito de utilização de uma parcela de terreno que incluía infra-estruturas, edifícios e equipamentos, tudo património público, pagando em contrapartida uma renda anual. Este direito de utilização (concessão) remontava a 1946 e permitiria à 1ª R ali exercer, até ao ano de 2031, a industria naval a que se dedicava. Ora, face à decisão de abandono do exercício da sua actividade, a 1ª R cedeu este direito à 2ª R, subconcessionou após autorização pública, acompanhada das referidos infra-estruturas, edifícios e equipamentos que eram do domínio público e não seus. Nada mais se apurou em concreto, muito menos se apurou que a 1ª R tivesse transferidas para 2º e 3º RR a posições em contratos/empreitadas que detivesse, mormente a referentes aos dois navios asfalteiros, verificando-se aliás que este contrato foi denunciado pelo armador por incumprimento da 1ª R. (este é aspecto pacífico entre as partes). Nem tão pouco se comprovou que lhe tivesse transmitido outros bens da sua pertença, activos, outros direitos, clientela, know-how. É também certo que na altura do despedimento a esmagadora maioria dos seus recursos humanos, ou seja, 595 dentro de 607 trabalhadores, inexistiam face aos acordos de revogação de contratos firmados no âmbito do processo em curso de desactivação da empresa. Liminarmente diga-se que este quadro não permite concluir que as RR ficaram com o “estabelecimento” da 1ª R, nem sequer com uma parte dele que constitua a figura nuclear da “unidade económica “, nos termos que invocam e para os efeitos do artigo 285º do CT. Este contrato era apenas uma parte, importante é certo em termos de valor e de funcionalidade, mas não representava um todo unitário capaz de só por si funcionar. Faltando-lhe a transmissão do complexo unitário que faz funcionar o estabelecimento/unidade económica, tal como a clientela, os contratos, empreitadas, bens próprios pertencentes à ª1R e que no caso foram antes vendidos durante o processo em curso, know-how, métodos de organização, recursos humanos, etc.. tudo reportado à ocasião do despedimento. Aprofundando um pouco: A problemática da “transmissão de empresa” é regulada ao nível comunitário na Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12-03 e ao nível interno no artigo 285º do CT. Diga-se, ainda, que a interpretação que o Tribunal de Justiça Europeu vem fazendo dos conceitos de transmissão de estabelecimento ou de exploração de unidade económica à luz da Directiva prevalecem em razão do principio constitucional do primado do direito europeu - 8º CRP. O artigo 1º da Directiva define o seu âmbito nos seguintes termos: a) A presente directiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão. b) Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória. c) A presente directiva é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma actividade económica, com ou sem fins lucrativas….” O artigo 3º, nº 1, parágrafo 1, da directiva estabelece o principio da manutenção dos direitos dos trabalhadores (1. Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário.”). A directiva comunitária determina ainda que o despedimento não pode ter por fundamento a própria transmissão do estabelecimento. Não é admissível despedir só porque o cedente quer transferir o negócio ou porque o cessionário o recebeu e não quer o trabalhador. Contudo, salvaguarda-se que as garantias dadas no âmbito desta figura não impedem os despedimentos objectivos económicas. Veja-se nesse sentido o artigo 4º da Directiva : “A transferência de uma empresa ou estabelecimento ou de uma parte de empresa ou de estabelecimento não constitui em si mesma fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário. Esta disposição não constitui obstáculo aos despedimentos efectuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças da força de trabalho.”- negrito nosso. Ao nível interno, o artigo artigos 285º regula o conceito nos seguintes termos: (Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento) 1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral. 2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração. 3 - Com a transmissão constante dos n.os 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos. 4 - … 5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.” Do quadro normativo e da interpretação que dele vem sendo feita resulta que, tirando os casos mais evidentes de transferência de propriedade do estabelecimento ou empresa através de título, a “unidade económica” é a categoria fundamental para aferir da transmissão. Se for transmitida a unidade económica, opera o regime de protecção da transmissão - 1, b, Directiva e nº 5 do artigo 285º, 1, 2 e 5, CT/09. Para existir unidade económica é preciso que “…seja possível identificar um conjunto de meios - corpóreos ou incorpóreos, humanos ou não- aptos ao exercício de uma actividade económica” -Milena Silva Rouxinol, “Transmissão da unidade económica”, in Direito do Trabalho, João Leal Amado e outros, Almedina, 2019, p. 852. Os casos litigiosos trazidos aos tribunais não são inequívocos, pelo que, por isso e em face da variabilidade de situações, o TJ tem utilizado o chamado método indiciário para aferir da manutenção da identidade económica. Recorre a diversos elementos capazes de identificar uma hipotética transferência de unidade económica. São indícios sistematicamente referidos para caracterizar a operação em causa: o tipo de empresa de que se trata; a similitude entre a actividade antes e depois exercida; a transferência ou não do activo corpóreo (edifícios, móveis, equipamentos) e não corpóreo (em especial know-how, métodos de exploração ou organização), ou de, pelo menos, parte dele e o respectivo valor; a manutenção ou não da clientela; a readmissão pelo novo empresário dos trabalhadores; a operação subjacente à transmissão, que pode decorrer de negócio directo entre cedente e cessionário em que é mais evidente a transmissão, ou se apresenta com intermediação de terceiro, vg por adjudicação; a transmissão imediata ou com interrupção de actividade por tempo relevante - Veja-se na jurisprudência do TJ o distante caso “Suzen”, proc. C-13/95, ac. de 11-03-1997, em que estes indicadores já eram utilizados, até ao mais recente caso “...”, proc. C-200/16, ac. de 19-10-2017[7] e outros tantos, designadamente o caso ADIF versus Pascual, proc. C‑509/14, ac. de 26-11-15 e, ainda, resumo de Milena Silva Rouxinol, ob. cit., p. 855 a 858. É também consensual que os elementos são avaliados no conjunto do caso concreto. O peso de cada indicador não é fixo e varia conforme o valor que se atribuiu aos demais, em função do tipo de actividade em causa. Ora, no caso dos autos, pelas razões acima já adiantadas, não se pode considerar que a indústria de construção e reparação naval que a 1ª R exercia tivesse sido transferida para algumas da RR, pois o “conjunto unitário” de meios organizados dissolveu-se. Apenas, e tão só, foi transferida para a 2ª R uma parte fragmentada dele, o direito de utilização de um espaço e infraestruturas /equipamento nela instalado tudo pertença do domínio público e não do usuário. O que, só por si, não representa um complexo organizados de meios aptos e idóneos ao prosseguimento imediato da actividade. A 2ª R teria ainda, logo em primeiro lugar, de angariar clientes e firmar contratos e empreitadas para executar, adquirir kwow-how, recursos humanos, adquirir materiais, organizar meios, enfim reorganizar e juntar recursos. Portanto, o direito de subconcessão adquirido pela 2ª R, por si só, é insuficiente para que esta, por ocasião do despedimento, pudesse de imediato prosseguir a actividade de construção e reparação naval. Finalmente, se enquadrarmos a questão no contexto de decisão de desativação da empresa por motivos objectivos económicos que se comprovaram verídicos, bem como a sua conexão com o despedimento, concluímos que o circunstancialismo afasta necessariamente a hipótese de fraude à lei. I.I.I. DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida - 87º do CPT e 663º do CPC. Custas a cargo dos recorrentes. Notifique. 28-09-2023 Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora) Vera Maria Sottomayor Francisco Sousa Pereira [1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC. [2] Por exemplo, vd STJ de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt. [3] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 437. [4] Lei 7-2009 de 12 de fevereiro. [5] Aspecto que desenvolveremos infra. [6] Resolução do Conselho de Ministros nº 86/2013, de 5 de dezembro. [7] Todos consultáveis em https://euro-lex.europa.eu/legal-contente/PT/TXT, site ao qual se recorreu no caso de todos os acórdãos do TJUE citados. |