Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
115/21.1T9EPS.G1
Relator: JÚLIO PINTO
Descritores: RECURSO
REGIME DE SUBIDA
DECISÃO INSTRUTÓRIA
PRONÚNCIA
NÃO PRONÚNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. No âmbito da previsão do n.º 1 do 406º, nº 1, do CPP, sobem nos próprios autos os recursos interpostos de decisões que ponham termo à causa, ou seja, de uma sentença que conheça a final do objeto do processo, ou de despacho que lhe dê términus.
2. O recurso interposto de parte de uma decisão instrutória,em que se decidiu pronunciar o arguido pela prática de alguns dos crimes de que está acusado, e não pronunciar por outros cuja autoria também lhe foi atribuída, restando incólume a parte da decisão instrutória que pronunciar o arguido, a qual não é passível de recurso (art. 310º, nº 1, do CPP), o processo deve ser imediatamente remetido ao tribunal competente para a fase de julgamento, como resulta da parte final deste preceito legal.
3. Já quanto à decisão instrutória de não pronúncia o respetivo recurso teria que subir em separado (art. 406º, nº 2) pois que, na sua globalidade, a decisão instrutória não pôs termo à causa; essa subida terá de ser imediata (art. 407º, nº 1 al. i), uma vez que de decisão instrutória se trata, mas sem prejuízo da remessa imediata ao tribunal competente para o julgamento, com vista à apreciação dos crimes pronunciados (art. 310º, nº 1), e com efeito meramente devolutivo (art. 408º, nº 1), pois que a decisão recorrida não é de pronúncia nem de condenação.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No âmbito do processo nº 115/21...., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Instrução Criminal de Braga – Juiz ...,  em que é arguido AA, e assistentes BB, CC e “EMP01..., Lda.”, todos com os demais sinais nos autos, foram deduzidas acusações particulares:
O assistente BB deduziu acusação particular contra o arguido AA imputando-lhe a prática de dois crimes de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/1-b) do CP.
A assistente EMP01..., LDA deduziu acusação particular contra o arguido AA imputando-lhe a prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187.º/1 e 2-a), ex vi do artigo 183.º/2-b) do CP.
O assistente CC deduziu acusação particular contra o arguido AA imputando-lhe a prática de dois crimes de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/1-b) do CP.
O Ministério Público, no final do inquérito, deduziu acusação pública contra proferido contra o arguido AA, imputando-lhe a prática de dois crimes de denúncia caluniosa, um na previsão do n.º 1 outro na previsão de n.º 2, do artigo 365.º/2 do CP.
O Ministério Público não acompanhou as acusações particulares deduzidas pelos assistentes.

2. Inconformado com as acusações pública e particulares contra si deduzidas, o arguido requereu a abertura da instrução, finda a qual foi proferida decisão instrutória que:
Pronunciou o arguido pela prática de, “em autoria material e concurso efectivo (artigos 26.º e 30.º/1):

- um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º/2 do CP, e
- um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/1-b), todos do Código Penal.”;
Não pronunciou o arguido pela prática de:
- um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º/1 do CP (como lhe imputa o MP).
- um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/1-b) do CP (como lhe imputa o assistente BB).
dois crimes de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/1-b) do CP (como lhe imputa o assistente CC).
um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187.º/1 e 2-a), ex vi do artigo 183.º/2-b) do CP (como lhe imputa a assistente EMP01...).

3. Não se conformando com a mencionada decisão de não pronúncia, dela interpuseram recurso os assistentes, formulando as seguintes conclusões: (transcrição)
“(…)
»CONCLUSÕES
1º Vem o presente recurso interposto da decisão que decidiu não pronunciar o arguido:
- pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva previsto e punido pelo artª 187º nº1 e 2 al. a) do Código Penal (ex vi do artº 183º nº2 al. b) do mesmo Código) (imputado pela recorrente sociedade)
- pela prática de dois crimes de difamação com calúnia previstos e punidos pelos artº 180º nº1 e 183º nº1 al. b) do Código Penal. (imputados pelo recorrente CC)
- E pela prática de um crime de denúncia caluniosa (imputado pelo Ministério Público quanto à pessoa do recorrente BB) e de um crime de difamação com calúnia previstos e punidos pelos artº 180º nº1 e 183º nº1 al. b) do Código Penal. (imputado pelo recorrente BB).
2º A decisão instrutória no segmento respeitante aos factos não indiciados não os enumerou expressa e especificadamente afirmando genericamente quanto a estes que “os restantes, em conformidade com o que infra se afirma” (cfr. decisão pag 12).
3º A decisão instrutória, na motivação da matéria de facto terá afastado infundadamente os seguintes factos constantes das acusações particulares deduzidas:
(i) Por “inócua”, a matéria invocada pelo assistente BB, designadamente artºs 2º, 4º, 5º, 6º 10º, 11º,14º, 20º, 21º. 22º e ainda 26º e 27º (não mencionados na decisão);
(ii) Por não entender que tal factualidade não consubstancia factos capazes de ofender a credibilidade, o prestigio e ou confiança devidas a pessoa colectiva, toda a factualidade matéria invocada pelo assistente pela assistente EMP01..., quanto ao crime a acusação crime de ofensa a pessoa colectiva;
(iii) Por  inócuos ou de interpretação subjectiva (os artºs  9º e 10º), todos os restantes factos da acusação particular deduzida pelo assistente CC, deduzida quanto aos crimes de difamação, por estarem cobertos pela liberdade de expressão e também porque no seu essencial, a acusação coincidiria com a acusação deduzida pela assistente EMP01... Lda.
4º A decisão instrutória não enumerou claramente os factos não indiciados, não fundamentou ou explicou porque é que os factos eram inócuos, nem porque é que a factualidade em causa não consubstanciava factos capazes de ofender a credibilidade, o prestigio e ou confiança devidas a pessoa colectiva ou porque é que os factos estariam cobertos pela liberdade de expressão.
5º A decisão instrutória não fez ainda qualquer exame crítico das provas quanto aos factos não indiciados, não se conseguindo extrair qualquer relação entre os factos constantes das acusações particulares deduzidas (não indiciados) e submetidos à sindicância do julgador, com os depoimentos dos assistentes,  testemunhas e dos documentos juntos aos autos, e
6º Não fundamentou a sua convicção para considerar como não indiciados os factos constantes das acusações particulares deduzidas com base na análise da prova indiciária (testemunhal e documental – designadamente) produzida nos autos, à luz das regras da experiência comum e dos demais critérios que a lei estabelece para a sua fixação.
7º Ora, a omissão do exame crítico da prova quanto aos factos não indiciados determina a nulidade da mesma nos termos do disposto nos art. 374º n.º 2 e art. 379º n.º 1 al. a), todos do Código de Processo Penal.
8º A omissão de pronúncia da decisão instrutória consubstancia igualmente a nulidade prevista nos arts. 308º, n.os 1 e 2 com referência ao art. 283º, n.os 2 e 3, al. b) do Código de Processo Penal ou, quando assim não se entenda, a irregularidade prevista nos artºs 97º nº1 al. b) e nº5 e 123º nº2 do Código de Processo Penal (neste sentido, a jurisprudência citada na motivação para a qual se remete.
9º A interpretação que se extraia do vertido nos arts. 308º n.os 1 e 2, 283º, n.os 2 e 3, al. b), 123º, n.º 2, 97º, n.º 5, do Código de Processo Penal, no sentido de que a omissão dos factos indiciariamente não provados e do exame crítico das provas produzidas no despacho de não pronúncia subsequente a um despacho de arquivamento do Ministério Público não constitui nulidade ou irregularidade arguível em recurso dessa decisão, é inconstitucional por violação dos princípios do Acesso ao Direito, da Tutela Jurisdicional Efectiva e da fundamentação das decisões judiciais nos termos dos arts. 20º, n.os 1 e 4 e 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
10º Os factos não indiciados e constantes das acusações particulares deduzidas pelos recorrentes devem ter-se dados por indiciados como resultará das conclusões infra.
11º Na verdade, a prova dos factos narrados naquelas acusações decorre das declarações dos assistentes, da prova testemunhal e, cristalinamente da prova  documental (designadamente das duas denúncias apresentadas pelo arguido) junta aos autos. sendo certo que na decisão instrutória se parte apenas de alguns deles para chegar a algumas conclusões.
12º A decisão instrutória, no que tange à recorrente empresa EMP01... (em matéria de crime p.e p. pelo artº 187º do Código Penal), considerou que não foram consubstanciados factos capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos à pessoa colectiva.
13º Tal elemento objectivo encontra-se verificado à luz do circunstancialismo supra descrito (cfr. 7º - queixa à ASAE), 9º, 10º e 11º da matéria indiciada na decisão instrutória) onde são propalados factos que constituem contra ordenações e igualmente factos que extravasam de tal qualificação: vg. a afirmação produzida pelo arguido: “o bar e os seus clientes são capazes de actos de vandalismo”!
14º Assim e para além do mais  deve resultar indiciado que “os factos afirmados na queixa apresentada à ACES e demais entidades supra referidas nos pontos 1 a 7, tal como os factos supra enunciados referentes à queixa que o arguido dirigiu à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens são falso e são capazes de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança que são devidos à assistente.(artº 11ª da acusação particular deduzida).
15º A decisão não explicou ou motivou a razão de não ter considerado indiciada a factualidade descrita in artºs 4º a 13º da acusação particular deduzida pela assistente empresa.
16º A matéria de tais artigos sempre tinha que constar dos factos indiciados porque tais factos falsos eram igualmente atinentes à aqui recorrente assistente, devendo ser acrescentada à matéria indiciada pela decisão instrutória.
14. Com a imputação descrita in artº 5º da acusação particular deduzida pela assistente recorrente, o arguido pretendeu dizer que esta não comunica à Autoridade Tributária e à Segurança Social a existência de trabalhadores, o que é e sabia ser falso, imputando-lhe, assim, a prática de crimes de fraude fiscal e fraude relativamente à Segurança Social quanto à assistente recorrente. (cfr. artº 6º da acusação particular deduzida).
17º O arguido afirmou falsamente que estabelecimento EMP02... (explorado pela aqui assistente recorrente) ainda não havia sido entregue ao proprietário por espera de pagamento de indemnização por parte deste (cfr. artºs 7º e 8º da mesma acusação particular).
18º Com a factualidade descrita in artº 9º da acusação particular da assistente recorrente o arguido insinuou a  existência de corrupção, favorecimento pessoal e compadrio com a Junta de Freguesia e o seu Presidente, empregando os filhos do Presidente da Junta à altura para obter favores (cfr igualmente artº. 10º da mesma peça).
19º Na denúncia efectuada junto da CPCJ, o arguido propalou igualmente factos inverídicos sobre a assistente recorrente fazendo ali grafar que a menor, quando se encontrava no estabelecimento EMP02... da aqui recorrente era exposta a “ ambientes prejudiciais, nocivos para a saúde”, a “ambientes de risco, ao fumo, ao ruído e exposição do vírus do COVID-19” a “ambientes nocivos e de contaminação pela COVJD-19”.
20º  As imputações inverídicas atingiram a reputação e prestígio da pessoa colectiva detentora do bar (a aqui assistente), pois que foram dirigidas a várias entidades com competência licenciadora, fiscalizadora e regulamentadora da actividade exercida pela aqui recorrente: a ASAE, a ACES ..., Direcção Geral de Saúde e, mais ainda, a própria CPCJ ....
21º O arguido quis criar e criou deliberadamente perante tais entidades a convicção de que o EMP02..., titulado pela aqui recorrente EMP01... era um antro de perdição, onde se onde se praticavam diversas condutas as mais das quais tipificadoras de contra ordenações e crimes.
22º Os factos imputados pelo arguido nas denúncias que efectuou são idóneos/capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a essa pessoa colectiva (a aqui recorrente).
23º Por seu turno, ao invés do propugnado pela decisão instrutória, verificados que os elementos objectivos do crime , forçoso é de concluir que se devem considerar como verificados os elementos subjectivos do tipo de crime em questão.
24º Aliás, consta da matéria indiciada que o arguido estava “plenamente ciente de. que, as imputações por si feitas sobre aquele estabelecimento não correspondiam à verdade”  (cfr. facto 11 da matéria indiciada),
25º Tal circunstância indiciada significa manifestamente que o arguido tinha consciência da falta de licitude ou possível punibilidade dessa sua conduta que visava, unicamente, prejudicar a imagem da assistente através da imputação que estava a fazer-lhe, perante terceiros (os referidos organismos), de factos que sabia serem inverídicos.
26º Devem considerar-se igualmente indiciariamente provados os factos constantes dos artºs 12º e 13º da acusação particular da recorrente EMP01... Lda.
27º O elemento subjetivo – a atuação dolosa do arguido com vontade e conhecimento ou consciência da, pelo menos, possível ilicitude da sua conduta – extrai-se, da conduta objetivamente adoptada pelo arguido, tendo-se necessariamente por verificados que o arguido sabia que os factos denunciados eram aptos a atingir a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos à assistente e que o mesmo agiu sabendo que a sua conduta sempre seria punida por lei.
28º Deve o arguido ser pronunciado pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva previsto e punido pelo artº 187º nº1 e 2 al. a) do Código Penal ex vi do artº 183º nº2 al. b) do mesmo Código.
29º A decisão instrutória não pronunciou o arguido por dois crimes de difamação como lhe era imputado pelo recorrente assistente CC, entendendo que o arguido exerceu o direito à liberdade de expressão, mas não explicando porquê.
30º Para tanto considerou que “(…), para além das questões relacionadas com o funcionamento e a prestação de serviços por parte do estabelecimento EMP02..., bem como a factualídade que diz respeito ao assistente BB, nada de relevante sobra a não ser os factos constantes dos artigos 7.º e 8.º, já que o referido no artigo 9.º é absolutamente inócuo, sendo mera interpretação subjetiva o referido no artigo 10º.
31º O arguido criou deliberadamente um “quadro de falsidades”, que denunciou para sujeição da assistente EMP01... Lda e o do assistente CC a “procedimentos contra ordenacionais” (no entender da decisão) na denúncia que efectuou junto do ACES /artº 10º e 11º da matéria indiciada na decisão instrutória).
32º O mesmo é dizer: o arguido imputou ao aqui recorrente factos falsos e que sabia serem falsos.
33º O arguido foi ainda mais longe também na “denúncia” que dirigiu à CPCJ (aliás descrita in artº 7º da matéria indiciada), onde afirmou e propalou factos falsos sobre o aqui assistente que este descreveu na acusação particular que deduziu in artºs 4º a 13º que não foram, errada e infundamentadamente, levados à indiciação pela decisão instrutória.
34º Tais factos imputados aqui recorrente assistente estão muito para lá da liberdade de expressão muito para lá do exercício da liberdade de expressão.
35º O arguido imputou ao assistente(s) uma série de factos não fundamentados e não suportados noutros factos concretos, pelo que sempre está o arguido impossibilitado de demonstrar a sua veracidade, ou, ao menos, de demonstrar que tem “fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira”.
36º O que impõe desde logo se afaste a causa de justificação.
37º O emprego pelo arguido da expressão “Que miséria” (por duas vezes) significa claramente a emissão de um juízo de valor claramente desfavorável (aliás intolerável) sobre o aqui assistente que está muito para lá do exercício (ainda que grosseiro) da liberdade de expressão.
38º Para o que ora interessa, fazendo-se a imputação de um facto a outrem, mesmo sob a forma de suspeita, ou formulando sobre ela um juízo, ofensivos da honra ou consideração, verificado o elemento subjectivo, seja o dolo, o imputante cometeu um crime de difamação p. e p. pelo art.º 180º do C. Penal, pelo qual deve ser pronunciado
39º Todos factos falsos e juízos de valor emitidos pelo arguido não podem ter a cobertura da liberdade de expressão sob pena de a vida em sociedade de tornar em autêntica selva, em anarquia.
40º Não estando a conduta a coberto do direito à liberdade de expressão, como vimos, deve a mesma ser punida e como tal deve o arguido ser pronunciado por tal crime.
41º É manifesto que o arguido agiu com intenção de atingir o recorrente na sua honra e consideração social, não estando a sua conduta justificada por qualquer forma e tendo o arguido excedido largamente o direito à crítica.
42º Devem ser dar como indiciados os factos vertidos nos artºs 3º a 13º da acusação particular deduzida pelo recorrente CC, tal como toda a factualidade aí descrita, devendo ser imputados ao arguido dois crimes de difamação com calúnia previstos e punidos pelos artº 180º nº1 e 183º nº1 al. b) do Código Penal.

ACRESCE
43º Encontra-se o arguido pronunciado, com referência à assistente EMP01... Lda e ao representante legal de um só crime de denúncia caluniosa p.e p pelo artºs 365º nº 2 do Código Penal.
44º O arguido imputou também, quer à recorrente empresa EMP01..., quer ao recorrente CC, factos enformadores de crimes de fraude fiscal e de fraude relativamente à Segurança Social (cfr. items 5º e 6º das acusações particulares deduzidas pela recorrente empresa e pelo recorrente CC).
45º Da matéria indiciada na decisão instrutória (designadamente artºs 7º, 8º, 9º, 10º 11º, 12º, 13º, 15º,) retira-se que o arguido deve ser pronunciado por dois crimes de denúncia caluniosa, um referente à assistente recorrente EMP01... Lda e outro referente ao assistente CC, p.e.ps. pelo artºs 365º nºs 1 e 2 do Código Penal.
46º A decisão instrutória não pronunciou o arguido por um  crime de denúncia caluniosa p.e p. pelo artº 365º nº 1 do Código Penal tal como era imputado pelo Ministério Público e referente à pessoa do assistente BB.
47º A decisão instrutória devia ter seguido o iter acusatório proposto pelo Ministério Público e pronunciar o arguido pelo crime de denúncia caluniosa.
48º A decisão instrutória afastou o crime por ter sido a denúncia do arguido efectuada junto da CPCJ ..., não sendo feita junto de autoridade pública (nos termos do artº 244º do ´Código de Processo Penal).
49º Depois entendeu não se poder sustentar que o arguido havia agido com o propósito concretizado que fosse  instaurado procedimento criminal, bem como  estando plenamente ciente de que as imputações por si eram susceptiveis de integrar a prática por este de ilícitos de natureza criminal, designadamente de um crime de maus tratos contra afilha menor, DD (cfr. artº 26º da acusação pública).
50º Igualmente para decisão instrutória, não se poderia também sustentar que o arguido ao realizar a denúncia perante a CPCJ tivesse intenção de que contra o assistente fosse instaurado procedimento criminal, pois que para tanto devia tê-lo feito junto do Ministério Público.
51º A CPCJ tem o dever previsto no artº 70º nºs 1 e 2 da LPCJP de participar ao Ministério Público os crimes cometidos contra crianças e jovens., sendo que ali se preceitua cristalinamente que “quando os factos que tenham determinado a situação de perigo constituam crime” (nº 1) “devem (…) ser comunicadas pela comissão de protecção ao magistrado do Ministério Público que, nos termos do n.º 2 do artigo 72.º, acompanha a respetiva atividade.
52º Os factos (falsos) denunciados pelo arguido à CPCJ e imputados ao aqui assistente envolviam a prática de crime de maus tratos a menor p. e p pelo artº 152º- A nº1 al. a) e b) do Código Penal (cfr. artº 15º da matéria indiciada)
53º O caminho trilhado pela jurisprudência tem-se afastado da tese que defende que as denúncias caluniosas carecem de ser realizadas junto de autoridade coincidente com as que constam do artº 244º. do Código de Processo Penal: Ministério Público, autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal.
54º Veja-se a esse propósito o que sucedeu numa situação similar de denúncia caluniosa dirigida a um Presidente de Câmara Municipal por factos susceptíveis de integrarem um crime de tráfico de estupefacientes doutamente decidida pelo Acórdão da Relação de Évora proferido em 14-07-2015, sendo relator Martins Simão, in proc. 1166/11.0PBEVR.E1, publicado in www.dgsi.pt.
55º Ali se decidiu que: II - O Presidente de Câmara Municipal é uma autoridade para efeitos do disposto no artigo 365º do Código Penal.
III - Se alguém denuncia falsamente, perante qualquer autoridade, a prática de ato criminal ou disciplinar, para efeitos de instauração de procedimento criminal, incorre na prática do crime de denúncia caluniosa, independentemente da entidade que recebeu a denúncia ser competente ou não para a investigação do crime.
56º E escreveu-se claramente no acórdão que consta no corpo do acórdão que: Quanto ao elemento intelectual do dolo, relativo ao conhecimento de todas as circunstâncias de facto, de todos os elementos descritivos ou normativos do tipo, alega o arguido que pelo facto de ter enviado o fax ao Presidente da Câmara, que não tem competência para instaurar procedimento criminal, nem o dever jurídico de o comunicar ao MºPº, mostra que não visou a instauração de procedimento criminal contra CIB.
É certo que, o Srº Presidente da Câmara não tem competência para investigar o crime falsamente denunciado, mas tinha a obrigação de remeter a denúncia ao Ministério, pelo que se o arguido denunciou perante a autoridade, factos falsos susceptíveis de integrarem o crime de tráfico de estupefacientes, mais não pretendeu como consequência natural da sua conduta do que a instauração de procedimento criminal contra a visada. Estão, assim, preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de denúncia caluniosa
57º A matéria constante dos artºs 26º e 27º da acusação pública sempre teria de se manter para efeitos de imputação objectiva e subjectiva devendo o  arguido ser pronunciado também pelo crime de denúncia caluniosa relativo à pessoa do recorrente BB tal como desenhado pela acusação pública.
58º A decisão instrutória não pronunciou o arguido por um segundo crime de difamação quanto ao assistente BB.
59º Depois de ter destruído a denuncia caluniosa imputada pelo Ministério Público atinente à pessoa do aqui recorrente assistente BB, em vez de pronunciar, como seria de esperar, por dois crimes de difamação, amputou a matéria de um segundo crime relacionado com a denúncia que o arguido efectuou junto da ACES ... (cfr. item 7 da matéria dada como indiciada).
60º Tal decisão é incompreensível e infundamentada, pois que se pronunciou por uma crime de difamação mister se tornava pronunciar pelo outro, aliás tal como se imputava na acusação particular deduzida.
61º O arguido sabia que divulgava factos falsos passíveis de integrar a prática do crime de maus-tratos a menor, previsto e punido pelo artº 152º-A nº1 al. a) do Código Penal, perante autoridade, designadamente a CPCJ, pedindo a investigação da vida privada do assistente ao Ministério Público, bem sabendo que com tal denúncia iria dar origem, como deu, a um processo de promoção e protecção da menor filha do assistente.
62º O arguido divulgou, ainda, perante terceiros, para além dos supra referidos factos falsos, designadamente à ACES, à CNPDPCJ e à CPCJ que o assistente teve processos crime pendentes no Ministério Público, o que este bem sabia ser falso, bem sabendo que divulgava perante terceiros factos que sabia serem falsos com a intenção conseguida de atingir a honra e a consideração pessoais do assistente e agindo livre voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punível pela lei penal.
63º A matéria de artºs 2º, 4º, 5º, 6º, 10º, 11º, 14º, 20º, 21º (também artº 23º e 24º na parte que não passou para a matéria indiciada) e ainda artºs 25º a 26º (nem sequer mencionados na decisão instrutória) dever ser dada como indiciada, sendo que é relativa à divulgação de factos falsos sobre putativos processos crime e factos que sabia serem falsos com a intenção conseguida de atingir a honra e considerações pessoais do aqui recorrente,
64º Pelo que suporta um outro crime de difamação com calúnia p.e.p. pelo artº 180º nº1 e 183º nº1 al. b) do Código Penal de que deve o arguido ser pronunciado.
ACRESCE
65º O crime de denúncia caluniosa consome todos os demais tipos legais, cujos factos se encontram alegados na acusações particulares deduzidas pelos aqui recorrentes, designadamente os crimes de falsas declarações a autoridade pública previsto e punido pelo artº 348º -A do Código Penal e o crime de ofensa à reputação económica previsto pelo artº 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro,
66º Assim,  mesmo que inexistam indícios da prática do crime de denúncia caluniosa ou difamação, sempre a decisão instrutória havia de apreciar os indícios relativos a tais crimes (falsas declarações e ofensa à reputação económica).
67º A decisão instrutória devia apreciar os indícios (designadamente os constantes dos artºs 2º, 3º, 4º a 12º) das acusações particulares dos assistentes CC e EMP01..., Lda e ainda da acusação particular deduzida pelo assistente BB (designadamente artºs 2º, 4º a 26º)  relativos à incriminação do arguido pelo crime de falsas declarações p.e. p pelo artº 348º-A do Código Penal e apreciar os indícios constantes dos artºs 7º e 8º e demais artigos  da acusação particular da recorrente empresa pelo crime de ofensa à reputação económica p.e p. pelo artº 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro.
68º A decisão instrutória recorrida violou ou fez errada aplicação das normas constantes da motivação que aqui se dão por integralmente reproduzidas e ainda do artº 308º nº1 do Código de Processo Penal, não podendo, pois, manter-se.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser o arguido pronunciado para julgamento em processo comum singular, pelos factos e qualificação jurídicas constantes das acusações particulares e acusação pública deduzidas, bem como ser pronunciado por três crimes de falsas declarações a autoridade pública previstos e punidos pelo artº 348º -A do Código Penal e por um crime de ofensa à reputação económica previsto pelo artº 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, como é de JUSTIÇA,»
*
4. Em 1ª instância o Ministério Público respondeu aos recursos dos assistentes, rematando com as seguintes conclusões:
«Recurso Interposto.
Os assistentes/recorrentes não se conformam com o despacho de não pronúncia interpõem recurso, pugnando pela pronúncia do arguido.
Em súmula aponta os vícios que se identificam:
- ausência de enumeração clara dos factos indiciados e não fundamenta a afirmação de são factos inócuos;
- não fez exame crítico das provas nem fundamenta a decisão.
Concluem os recorrentes que as imputações falsas ofendem a reputação da pessoa colectiva uma vez que o arguido pretendeu criar a convicção da prática de condutas ilícitas.
Posição do Ministério Público
Salvo o devido respeito, não sufragamos o entendimento dos recorrentes.
Quanto ao apontado vicio de nulidade pela omissão da enumeração dos factos indiciados basta a leitura da decisão para se verificar a ausência de verdade na afirmação dos recorrentes.
Não se verifica, pois, o apontado vício.
Quanto à ausência de exame crítico da prova no que respeita aos factos não indiciados.
Uma vez mais basta a leitura da decisão para facilmente se verificar que foi com base no exame critico dos elementos de prova, com o recurso às regras da experiência e apelo à doutrina e à jurisprudência que foi alcançada a decisão proferida.
A leitura da decisão também revela a presença de fundamentação quer de facto quer de direito.
Não se verifica pois omissão de pronuncia e os vícios que os recorrentes apontam.
Salvo o devido respeito a circunstância de se verificarem preenchidos os elementos objectivos de um tipo de crime não implica a forçosa conclusão da indiciação do elemento subjectivo. O elemento subjectivo não se extrai apenas da conduta objectiva.
Os recorrentes entendem que os factos não podem ser entendidos como a coberto do direito de expressão sob pena da vida em sociedade se tornar uma autentica selva, uma anarquia.
Salvo o devido respeito, pretender a protecção do direito penal a condutas como as verificadas nos autos é tornar a vida em sociedade intolerável por ser a manifestação de um estado securitário e não por ser uma anarquia!
Assim, concluímos que a decisão não padece dos vícios que lhe são apontados.

Em conclusão
I - Não nos merece reparo o despacho de não pronúncia do arguido.
II – A decisão enumera os factos indiciados e não indiciados.
III – Faz uma análise critica dos meios de prova e apelo às regras da experiência.
IV - Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido.
Vossas Excelências, porém, farão JUSTIÇA.»
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5. Nesta instância, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual suscitou a seguinte questão: 
Compulsados os autos, constata-se que por despacho de 23-02-2024 admitiu-se o recurso interposto pelos assistentes “EMP01..., Lda.”, CC e BB, na parte respeitante ao despacho de não pronúncia quanto ao arguido AA (pela prática de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º/1 do Código Penal, que lhe imputava o MP; pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/1-b) do Código Penal, que lhe imputava o assistente BB; pela prática de dois crimes de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/1-b) do Código Penal, que lhe imputava o assistente CC e pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187.º/1 e 2-a), ex vi do artigo 183.º/2-b) do Código Penal, que lhe imputava a assistente EMP01...), nos termos dos artigos 310.º/1 “a contrario”, 401.º/1-b), 406.º/1, 407.º/2-i), 408.º “a contrario”, 411.º/1-a) e 3, e 414.º/1, todos do Código de Processo Penal, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Sucede que o arguido AA encontra-se pronunciado pela prática em autoria material e concurso efetivo (artigos 26.º e 30.º/1 do Código Penal), de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º/2 e um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/1-b), todos do Código Penal.
Impõe-se, pois, com o devido respeito por opinião em contrário, que o recurso dos assistentes “EMP01..., Lda.”, CC e BB suba de imediato, sim, mas em separado, atento o disposto nos artigos 406.º, n º 2 e 407.º n º 2, alínea. i), ambos do Código de Processo Penal.
Como decorre do disposto no artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior.
Assim sendo, afigura-se-nos que os autos devem baixar de imediato à 1ª instância a fim do recurso interposto do despacho de não pronúncia em relação ao arguido AA ser processado por apenso, devendo tal apenso vir instruído com certidão das peças processuais tidas por pertinentes pelo Mm.º Juiz a quo, nos termos do artigo 414.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o que se promove.»
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6. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, os recorrentes apresentaram resposta ao parecer do Ministério Público, em que se pronunciam pela manutenção da forma de subir do recurso.
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7. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Objeto do recurso

Constituindo jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso afere-se nos termos do artigo 412º, nº1, do C.P.P, pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido, sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso, no caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelos recorrentes, a única questão a decidir prende-se em saber se o arguido deve ser pronunciado pelos factos constantes das acusações particulares e acusação pública deduzidas, como autor de três crimes de falsas declarações a autoridade pública previstos e punidos pelo artº 348º -A do Código Penal e por um crime de ofensa à reputação económica previsto pelo artº 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro.
Porém, antes de mais, importa conhecer de uma questão prévia suscitada pelo Ministério Público no seu parecer, que se prende com o regime de subida do recurso.
No tribunal a quo foi proferido despacho de admissão o recurso que fixou o seu efeito e regime de subida, datado de 23/02/2024 – com a referência nº ...39 (transcrição):
«Por ser admissível, estar em tempo e ter legitimidade, admito o recurso interposto pelos assistentes (fls. 377 e ss) da decisão instrutória/despacho de não pronúncia (fls. 358 e ss), recurso que tem subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo - artigos 310.º/1 “a contrario”, 401.º/1-b), 406.º/1, 407.º/2-i), 408.º “a contrario”, 411.º/1-a) e 3, e 414.º/1, todos do Código de Processo Penal,
Notifique.
Cumpra-se o disposto no artigo 411.º/6 e 413.º/1 do Código de Processo Penal, relativamente ao Ministério Público e arguido.»
Como acima ficou dito, o recurso tem por objeto a decisão instrutória acima transcrita, na qual se decidiu, na sequência do RAI apresentado pelo arguido:
Pronunciar o arguido pela prática de, “em autoria material e concurso efectivo (artigos 26.º e 30.º/1):
- um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º/2 do CP, e
- um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/1-b), todos do Código Penal.”;
E não pronunciar o arguido pela prática de:
- um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º/1 do CP (como lhe imputa o MP).
- um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/1-b) do CP (como lhe imputa o assistente BB).
dois crimes de difamação, p. e p. pelos artigos 180.º/1 e 183.º/1-b) do CP (como lhe imputa o assistente CC).
um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187.º/1 e 2-a), ex vi do artigo 183.º/2-b) do CP (como lhe imputa a assistente EMP01...).
Como resulta do teor do despacho que recebeu o recurso interposto, entendeu-se que o mesmo deveria subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, invocando-se, no respetivo despacho, o disposto nos artigos 310.º, nº 1 “a contrario”, 401.º, nº 1-b), 406.º, nº 1, 407.º, nº 2-i), 408.º “a contrario”, 411.º, nº1-a) e 3, e 414.º, nº 1, todos do Código de Processo Penal.
De acordo com o artigo 406º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “1 - Sobem nos próprios autos os recursos interpostos de decisões que ponham termo à causa e os que com aqueles deverem subir. 2 - Sobem em separado os recursos não referidos no número anterior que deverem subir imediatamente.”

Nos termos do disposto no art. 407º, nº 2, al. i, do CPP, reportando-se ao momento da subida dos recursos:
«1 – Sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
2 – Também sobem imediatamente os recursos interpostos:
a) De decisões que ponham termo à causa;
b); c); d); e); f); g); h);
i) Da decisão instrutória, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º;(…)”
Entendeu assim o legislador, a respeito do regime de subida dos recursos, que uns deveriam subir nos próprios autos e os restantes em separado, desde que devam subir imediatamente.
Ou seja, o legislador fixou o critério de subida dos recursos nos próprios autos, limitando esse tipo de subida aos interpostos de decisões que ponham termo à causa em discussão, e deixou consignado que os demais, todos os que não caibam na regra estabelecida no número 1 do art. 406º, sobem em separado, desde que se justifique que essa subida se processe de imediato. E deixou expressamente enumerados os casos de subida imediata dos recursos, prevendo ainda uma cláusula geral, subsidiária, que permite a subida imediata de outros, quando se concluir que a sua retenção os tornaria absolutamente inúteis. (art. 407º, nºs 1 e 2 do CPP)
Ora, a decisão recorrida cabe na situação prevista na alínea i) do n.º 2, do artigo 407.º do Código de Processo Penal, tratando-se de uma decisão instrutória, impugnada em recurso na parte que decidiu pela não pronúncia de alguns dos crimes imputados, em acusações pública e particulares, ao arguido.
Mas, a situação sob escrutínio não cabe no âmbito de previsão do n.º 1 do 406º, nº 1, do CPP, sendo certo que não estamos perante uma decisão que ponha termo à causa, ou seja, de uma sentença que conheça a final do objeto do processo, ou de despacho que lhe dê términus.
Por outro lado, o recurso interposto não incide, não afeta, toda a decisão instrutória, uma vez que nesta se decidiu pronunciar o arguido pela prática de alguns dos crimes de que está acusado, e não pronunciar por outros cuja autoria também lhe foi atribuída. Ou seja, o recurso da decisão proferida em 1ª instância, é limitado (art. 403º, nº 2 al. d), do CPP) à parte que decidiu não pronunciar, ao despacho de não pronuncia.
Restando incólume a parte  da decisão instrutória que pronunciou o arguido pela prática dos crimes acima citados, a qual não é passível de recurso (art. 310º, nº 1, do CPP), o processo deveria ser imediatamente remetido ao tribunal competente para a fase de julgamento, como resulta da parte final deste preceito legal.
Já quanto à decisão instrutória de não pronúncia o respetivo recurso teria que subir em separado (art. 406º, nº 2) pois que, na sua globalidade, a decisão instrutória não pôs termo à causa; essa subida terá de ser imediata (art. 407º, nº 1 al. i), uma vez que de decisão instrutória se trata, mas sem prejuízo da remessa imediata ao tribunal competente para o julgamento, com vista à apreciação dos crimes pronunciados (art. 310º, nº 1), e com efeito meramente devolutivo (art. 408º, nº 1), pois que a decisão recorrida não é de pronúncia nem de condenação.
Porém, o recurso foi admitido a subir, ainda que imediatamente e com efeito devolutivo, nos próprios autos.
Urge, pois, proceder à correção do regime de subida do recurso fixado em 1ª instância, em conformidade com tudo o acabado de expor.
Pelo que o recurso interposto nos autos tem subida em separado e não pode, por isso, e por ora, ser conhecido por esta Relação.
Com efeito, os recursos que devam subir imediatamente, e que não são interpostos de decisão final, que ponha termo à causa, sobem e são instruídos em separado, conforme previsto nos citados artigos 406º, nº 1 e 2, e na al. i do nº2 do artigo 407º, ambos do Código de Processo Penal.
Em suma, tratando-se de um recurso de despacho de não pronúncia, proveniente de despacho misto em que o arguido foi pronunciado por uns crimes e não pronunciado por outros, que se enquadra na situação prevista no art. 406º, nº 2, e no n.º 2 al. i) do artigo 407º, ambos do Código de Processo Penal, há que proceder à alteração do regime de subida que lhe foi fixado, sendo certo que de acordo com o artigo 414º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a decisão que fixou o regime de subida nos próprios autos do recurso não vincula este tribunal.
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III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, conhecendo da questão prévia suscitada, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em alterar o regime de subida fixado ao presente recurso, que passará a ser o seguinte:
Como regime de subida, a subida em separado.
Os autos serão devolvidos ao tribunal recorrido para que aí, previamente à sua nova subida ao tribunal ad quem, seja processado por apenso, devidamente instruído com certidão das peças processuais tidas por pertinentes pelo Mm.º Juiz a quo, nos termos do artigo 414.º, n.º 6, do Código de Processo Penal.
Sem tributação.

(Texto elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP).
Guimarães, 5 de junho de 2024

Os Juízes Desembargadores
Relator- Júlio Pinto
1º Adjunto – Carlos da Cunha Coutinho
2ª Adjunta – Cristina Xavier da Fonseca