Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA FURTADO | ||
Descritores: | ENCERRAMENTO DE INQUÉRITO DEDUÇÃO DE ACUSAÇÃO ATO DECISÓRIO IRREPETÍVEL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/24/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I. O despacho do Ministério Público no qual considera findo o inquérito e deduz acusação representa um ato decisório que não pode ser repetido, por com a sua prolação se ter esgotado o poder do magistrado titular do inquérito sobre o respetivo objeto, independentemente de a acusação conter ou não deficiências que possam comprometer o seu êxito. II. Também a natureza una e indivisível da magistratura do Ministério Público obriga a considerar a posição de cada seu representante – feita na sede e nos termos legais e no exercício de competência própria – como a posição definitiva. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães. (Secção Penal) Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Elsa Paixão. I. RELATÓRIO No processo comum coletivo nº 180/07.4JABRG, da instância central de Braga, 1ª secção criminal, juiz 2, da comarca de Braga, em que são arguidos M. L. e outros, com os demais sinais dos autos, iniciada a audiência de julgamento foi proferido o seguinte despacho: «No dia 11 de outubro de 2016, aberta a audiência de julgamento, a arguida M. L. requereu a declaração da inexistência da acusação datada de 24 de fevereiro de 2015, proferida a fls. 3502/3528 – vol. 9- dos presentes autos. Alegou, para o efeito e em síntese, que o Ministério Público, na sequência do encerramento do inquérito, deduziu acusação datada de 21 de janeiro de 2014, a qual lhe foi notificada, precludindo-se, desta forma, qualquer hipótese de ser dada continuidade àquela fase processual, designadamente com a prolação de acusação com conteúdo diverso, como veio a suceder, que substituiu a primeira, declarada nula pelo Digno Procurador Coordenador, sem que tenha sido apresentado um único fundamento legal que possa sustentar tal procedimento, sendo que tal despacho que decretou a nulidade nem sequer foi notificado aos arguidos. Concluiu, assim, que a “segunda” acusação está ferida do mais grave dos vícios que podem afetar um ato jurídico, a inexistência, não podendo subsistir. Apesar da separação de processos determinada no dia 11 de outubro de 2016, o arguido J. A. pronunciou-se, invocando que não tem nada a opor ou a requerer sobre a questão em causa – cfr. fls. 4322. O Ministério Público respondeu ao requerimento apresentado, seguindo e adotando orientações superiores, pugnando, em suma, pela validade da acusação datada de 24 de fevereiro de 2015 – fls. 4327/4333. Invocou, em síntese, que a acusação datada de 21 de janeiro de 2014 é nula, nos termos do art. 283º, nº 3, al. b) do C.P.P, não podendo jamais ser recebida na fase de julgamento e, como tal, o Ministério Público, de forma preventiva, reparou essa nulidade mediante a prolação de uma segunda acusação, depois de ter declarado nula a primeira, repondo a legalidade processual penal. Por fim, alegou que a falta de fundamentação do despacho que declarou a nulidade da primeira das acusações deduzidas ou da sua notificação aos arguidos consubstanciam meras irregularidades já sanadas, nos termos do art. 123º, nº 1, do C.P.P. O arguido P. M. respondeu, defendendo, em síntese, o caráter irretratável da acusação e a impossibilidade legal de alterar ou substituir este ato decisório, nomeadamente, quando este tiver saído da esfera “do processo” e sido notificada aos arguidos. Invocou, assim, a inexistência jurídica da segunda das acusações deduzidas, tanto mais que, comparando as duas acusações, verifica-se uma substituição integral – de facto e de direito – do conteúdo de uma pela outra. Concluiu, peticionando a declaração da inexistência do despacho de acusação datado de 24 de fevereiro de 2015 e consequentemente pela absolvição dos arguidos – fls. 4334/4342. A demandante civil Agência Para o Desenvolvimento e Coesão, I.P não apresentou qualquer resposta. Cumpre, pois, apreciar e decidir. Compulsados os autos, verifica-se: . Na sequência da declaração de encerramento do inquérito, o Ministério Público deduziu acusação datada de 21 de janeiro de 2014, contra os arguidos J. A., M. L. e P. M., imputando-lhes a prática, como coautores, em concurso real, de um crime de fraude na obtenção de subsídio, um crime de desvio de subsídio e de um crime de fraude fiscal agravada, na forma continuada, previsto e puníveis, pelos arts. 36º, nºs 1, 2 e 5, al. a), 37º, nºs 1 e 3, do DL nº 28/84, de 20.01 e arts. 103º, nº 1, al. a) e 3 e 104º, nº 2, al. a) e b) e 3, do RGIT – fls. 2657/2777 – vol. 7; . A arguida M. L. foi notificada da acusação no dia 01 de fevereiro de 2014, tendo sido advertida de que dispunha do prazo de 20 dias para, querendo, requerer a abertura da instrução, nos termos e para os efeitos do art. 287º, do C.P.P. – fls. 2787/2788 – vol. 7; . O arguido P. M. foi notificado da acusação no dia 13 de fevereiro de 2014, tendo sido advertido de que dispunha do prazo de 20 dias para, querendo, requerer a abertura da instrução, nos termos e para os efeitos do art. 287º, do C.P.P. – fls. 2802 – vol. 7; . Os ilustres defensores dos arguidos foram notificados da acusação, por via postal registada, remetida no dia 24 de fevereiro de 2014 – fls. 2814, 2815 e 2816 – vol. 7; . O arguido P. M. requereu a prorrogação do prazo para abertura da instrução, nos termos do art. 107º, nº 6, do C.P.P (fls. 2824 – vol. 7), o que lhe foi indeferido por despacho datado de 13 de março de 2014 (fls. 2839 – vol. 7), notificado por via postal registada na pessoa do seu Ilustre defensor (fls. 2840 – vol. 7); . Por despacho datado de 15 de julho de 2014, o Digno Procurador da República Coordenador proferiu o seguinte despacho: “De acordo com a decisão da Exmª Senhora Procuradora Geral Distrital do Porto e pelos motivos constantes do ofício nº 57005/14, de 8-7 da Procuradoria-Geral Distrital do Porto, que junto para todos os efeitos legais, declaro nula a acusação constante de folhas 2657 a 2777 dos autos. A Magistrada titular do processo procederá à reformulação da acusação, deduzindo nova acusação, nos termos previstos no art. 283º, do C.P.P e deduzirá o respetivo pedido de indemnização civil” – fls. 2900 – vol. 8; . O ofício nº 57005/14, de 8-7 não foi junto aos autos; . O despacho datado de 15 de julho de 2014 não foi notificado aos arguidos ou a qualquer outro sujeito processual; . Na sequência do decidido pelo Digno Procurador da República Coordenador, a Magistrada do Ministério Público titular do inquérito realizou novas diligências – fls. 2906, 2909, 2910, 2912/2913, 3057, 3060, 3062/3064, 3068 e 3197 – vol. 8-, 3414/3415 – vol. 9; . No dia 24 de fevereiro de 2015, o Ministério Público, “em conformidade com o superiormente determinado no despacho de fls. 2900 dos autos” proferiu despacho de arquivamento, nos termos do art. 277º, nº 2, do C.P.P, relativamente a factos que poderiam consubstanciar crimes de corrupção ativa, de tráfico de influência e desvio de subsídio; determinou a extração de certidão com vista à instauração de inquérito para investigação de eventual prática de um crime de fraude qualificada por parte de duas sociedades; e deduziu acusação contra os arguidos J. A., M. L., P. M., pela prática, em coautoria material, em concurso efetivo, de dois crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, previsto e puníveis pelos arts. 21º, 36º, nº 1, al. a), 2 e 5, al. a) e 8 e 39º do DL nº 28/84, de 20 de janeiro, e contra a A... – ...(...) (... Portugal) imputando-lhe a prática, como autora material, de dois crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, previsto e puníveis pelos arts. 3º, 7º, 21º, 36º, nº 1, al. a), 2 e 5, al. a) e 8 e 39º do DL nº 28/84, de 20 de janeiro – fls. 3494/3528 – vol. 9; . Os arguidos M. L. e P. M., bem como os respetivos defensores, foram notificados dos despachos de arquivamento e de acusação proferidos datados de 24 de fevereiro de 2015, tendo sido advertidos de que dispunham do prazo de 20 dias, para, querendo, requerem a abertura da instrução – fls. 3533/3534, 3535, 3536/3537, 3538, 3553 e 3554 – vol. 9; . Por despacho datado de 09 de junho de 2015, foi determinada a remessa dos autos à distribuição, com a menção de que a A... – ...(...) (... Portugal) não tinha prestado TIR nos autos, pese embora tivessem sido realizadas diversas diligências nesse sentido – fls. 3640 – vol. 9; . Os autos foram remetidos à distribuição sem que o arguido J. A. tenha sido notificado de qualquer uma das acusações deduzidas nos autos, conforme ficou explanado no despacho proferido na fase de julgamento a fls. 3707/3708 – vol. 10; . Por despacho datado de 15 de julho de 2015, foi julgada extinta a responsabilidade criminal e extinto o procedimento criminal instaurado contra a A... – ...(...) (... Portugal), atendendo à declaração judicial da sua extinção; . E, consignando-se que não existiam outras questões prévias ou incidentais que obstassem à apreciação do mérito da causa e que cumprisse conhecer, foi recebida, nos seus precisos termos, a acusação deduzida pelo Ministério Público a fls. 3502/3527, contra os arguidos J. A., M. L. e P. M., quer pelos factos aí enunciados, quer pelas disposições penais indicadas, designando-se data para a realização da audiência de julgamento – fls. 3660/3662 – vol. 10; . O despacho datado de 15 de julho de 2015 foi notificado, designadamente aos Ilustres defensores dos arguidos, bem como aos arguidos P. L. e M. L. – fls. 3667, 3668, 3682/3683, 3684/3685, 3693 e 3695 – vol. 10; . No dia 19 de novembro de 2015, o arguido P. L. deduziu contestação, arrolou testemunhas e requereu um exame pericial – fls. 3702/3705 – vol. 10; . Por despacho datado de 24 de novembro de 2015, ordenou-se a notificação pessoal do arguido J. A., por carta rogatória a enviar para o Brasil, quer da acusação de fls. 3502/3527, com a advertência expressa de que poderia requerer a abertura da instrução no prazo aludido no art. 287º, do C.P.P, bem como do despacho que recebeu esta acusação e designou dia para a realização da audiência de julgamento – fls. 3707/3708 – vol. 10; . No dia 18 de maio de 2016, foram dadas sem efeito as datas designadas para a realização da audiência de julgamento, na sequência da promoção do Ministério Público e sem oposição dos arguidos, uma vez que se encontravam em curso diligências no Brasil para apurar o paradeiro do arguido J. A. e consequentemente tendentes à notificação das peças processuais indicadas na carta rogatória enviada àquele país; nessa ocasião, foram designadas novas datas para a realização da audiência de julgamento e determinado aditamento à carta rogatória – fls. 3960/3962 – vol. 10; . A carta rogatória foi devolvida, sem cumprimento, por impossibilidade de notificar o arguido J. A. – fls. 4111/4248 – vol. 12: . Por despacho datado de 19.09.2016, foi determinada a notificação, por editais, do arguido J. A. para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, com a advertência de que se não o fizesse seria declarado contumaz – fls. 4250 – vol. 12; . No dia 11 de outubro de 2016, aberta a audiência de julgamento, foi determinada a separação de processos relativamente ao arguido J. A., nos termos do art. 30º, nº 1, al. b) do C.P.P, tendo, em seguida, a arguida M. L. suscitado a questão agora em análise – fls. 4272/4275 – vol. 12. * O art. 262º, nº 1, do Código de Processo Penal define a finalidade e âmbito do inquérito: investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.E se o objeto do inquérito é suscetível de modificações na sua materialidade e qualificação jurídica durante o seu decurso, há um momento em que ele tem de ser finalmente rígida e formalmente definido e esse momento é o das decisões sobre o respetivo encerramento. Concluídas as diligências de investigação e recolha de provas sobre a notícia do crime – o inquérito -, o Ministério Público há de tomar necessariamente uma de entre cinco opções: o arquivamento, numa das suas três modalidades (arts. 277º, nºs 1 e nº 2 e 280º, do C.P.P), a suspensão provisória do processo (art. 281º, do C.P.P) ou a acusação (art. 283º, do C.P.P). Não cabendo o arquivamento, em qualquer das suas modalidades, ou a suspensão provisória do processo, e tendo sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público deduz acusação (art. 283º, nº 1, do C.P.P.). A acusação é formalmente a manifestação da pretensão de que o arguido seja submetido a julgamento pela prática de determinado crime e por ele condenado com a pena prevista na lei. E consubstancia um pressuposto indispensável da fase do julgamento, uma vez que por ela se define e fixa do objeto do julgamento, não podendo, sem mais, o julgador alargar o objeto do seu juízo a factos ou pessoas que não constem na acusação A decisão final há de incidir apenas sobre a acusação, sendo nula a sentença que condenar por factos substancialmente diversos dos nela inscritos – art. 379º, nº 1, al. b), do C.P.P- (sendo nula também a decisão instrutória que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente, ou do requerimento para a abertura da instrução – art. 309º, nº 1, do C.P.P.) -, ressalvando apenas a possibilidade de alteração substancial dos factos na fase do julgamento, nos termos previstos nos nºs 3 e 4, do art. 359º, do C.P.P.. Nestes termos, a acusação deverá conter, sob pena de nulidade, os elementos constantes nas alíneas do nº 3, do art. 283º, do C.P.P. E deverá ser notificada ao arguido, ao assistente, ao denunciante com faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização nos termos do art. 75º, bem como ao respetivo defensor ou advogado – arts. 283º, nº 5 e 277º, nº 3, do C.P.P-, o que se compreende atendendo aos atos que estes sujeitos processuais poderão praticar posteriormente reputados como essenciais para a descoberta da verdade. A fase do inquérito encerra-se, designadamente com a prolação da acusação, conforme resulta do art. 276º, nº 1, do C.P.P, e com tal encerramento cessa a direção do Ministério Público nesta fase processual (art. 263º, nº 1, do C.P.P). A única possibilidade legal de reabertura do inquérito encontra-se prevista no art. 279º, do C.P.P - conforme decorre claramente da letra da norma “…o inquérito só pode ser reaberto…”-, e ocorre quando esta fase tiver sido encerrada com a prolação do despacho de arquivamento, nos termos do art. 277º, nºs 1 e 2, do C.P.P, “se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento” Do despacho que deferir ou recusar a reabertura do inquérito há reclamação para o superior hierárquico imediato – art. 279º, nº 2, do C.P.P.. Durante o inquérito, o Ministério Público tem a competência para declarar um ato processual inexistente, nulo ou irregular ou uma prova proibida, ressalvada a competência própria do juiz de instrução. Esta solução é imposta pela conjugação de dois princípios estruturantes do processo penal: o princípio da legalidade e o princípio da estrutura acusatória do processo penal. O princípio da legalidade implica aquela competência concorrente do Ministério Público e do juiz de instrução na fase de inquérito, pois também a magistratura do Ministério Público está vinculada ao princípio da legalidade e numa fase processual dirigida por este essa vinculação há de traduzir-se precisamente no poder de controlar as invalidades nela cometidas. Outra solução que vedasse ao Ministério Público esta competência numa fase processual por si dirigida violaria a competência constitucional de fiscal da legalidade que lhe está atribuída. Contudo, esta competência concorrente tem limites que decorrem da estrutura acusatória do processo penal. Esta estrutura implica uma separação orgânica e funcional entre as duas magistraturas que se verifica mesmo na fase do inquérito. Assim, durante esta fase processual, o juiz de instrução só pode conhecer da ilegalidade de atos da sua competência e o magistrado do Ministério Público só pode conhecer da ilegalidade de atos da sua competência, nestes se incluindo todos os atos investigatórios. Deste modo, durante o inquérito, o Ministério Público pode decidir se um ato processual é ou não inexistente, nulo ou irregular ou se uma prova é ou não proibida, sendo que de tal decisão não cabe reclamação para o juiz, nem recurso para o tribunal superior, mas tão só reclamação hierárquica para o superior hierárquico do magistrado do Ministério Público que poderá ter lugar até ao termo do prazo para abertura da instrução, mas que tem de ser interposta dentro do prazo de 10 dias a contar do conhecimento do vício pelo interessado. Tem legitimidade para esta reclamação o visado pela diligência ou a pessoa que possa ser prejudicada pelo vício processual ou pelo meio de prova. O superior hierárquico tem poder para ordenar a revogação do despacho reclamado, sendo que este despacho não faz caso julgado sobre a questão decidenda, que poderá ser recolocada em ulteriores fases processuais, nos termos previstos na lei. A competência do Ministério Público para declarar um ato processual inexistente, nulo ou irregular conhece, porém, limites que decorrem do próprio princípio da legalidade e do princípio do acusatório, designadamente um limite temporal: o encerramento do inquérito. Significa, pois, que está vedado ao Ministério Público declarar a nulidade de uma acusação proferida nos autos, depois do encerramento do inquérito, designadamente quando aquela já tiver sido notificada aos arguidos e tiver decorrido o prazo para requerer a abertura da instrução O decurso do prazo para requerer a abertura da instrução é expressamente reconhecido na resposta apresentada pelo Ministério Público. , conforme sucedeu no caso em análise relativamente aos arguidos M. L. e P. L.. Esta questão foi apreciada e decidida no Ac. da RL de 11 de maio de 2016, disponível in http://www.dgsi.pt, a propósito de uma acusação que substituiu uma proferida anteriormente ainda não notificada, nos seguintes termos: “a questão que se coloca é saber se proferido um determinado despacho – no caso, uma acusação, que é o despacho mais importante da fase do inquérito, porque o finda e dá contornos definitivos ao processo – é, ou não, legal, a sua substituição por outro, ainda que o primeiro não tenha sido cumprido, ou seja, não se mostre notificado aos intervenientes processuais. E a resposta é, naturalmente, que não é possível. Um dos princípios que enforma o nosso direito processual, civil e penal, é o da preclusão. Significa ele, entre o mais que uma vez praticado determinado ato ele adquire foros de definitivo naquele processado (preclusão intraprocessual ou efeito intraprocessual da preclusão). Este princípio tem um campo de aplicação muito amplo, quer em processo civil quer em processo penal e aplica-se, nomeadamente, a todos os atos petitórios e contestatórios das partes (por exemplo, apresentação de queixa, dedução de acusação particular, dedução de instrução, pedido de indemnização civil, contestação crime e contestação cível). Mas aplica-se também aos atos dos Magistrados. Tal resulta, diretamente, do disposto no artº 613º/CPC, aplicável em processo penal, por força do qual proferida sentença fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa (efeito preclusivo do caso julgado, intra e extra processual). Tal norma é aplicável aos simples despachos decisórios intercalares – o que fundamenta a figura do caso julgado formal e material (artºs 619º a 621º, do CPC, aplicável ao CPP, ex vi artº 4º). Proferida a sentença ou proferido um despacho que decida sobre determinada questão, fica precludida a possibilidade do Tribunal voltar a pronunciar-se sobre essa mesma questão, sendo que a decisão proferida só permite a correção de lapsos materiais (artº 614º/CPC) e, no âmbito CPP, daqueles a que se refere o artº 380º/CPP. Ora, o disposto no artº 380º/ 1 e 2 aplica-se, como determina o nº 3, aos atos decisórias previstos no artº 97º/CPP, o que quer dizer que se aplica aos atos decisórios do Juiz e do Ministério Público (artº 97º/3, do CPP). Tal significa que, no que ao caso releva, uma vez proferida a acusação (ou qualquer despacho do MP no âmbito do inquérito), seja qual for o tratamento que lhe tenha sido dado (isto é, tenham eles sido notificados, ou não) está precludida a possibilidade de o MP renovar a prática do ato. O ato praticado tornou-se definitivo e parte integrante do processado, tenha ele sido vertido em papel ou em sistema informatizado – sendo que é inadmissível que ambas as vertentes não sejam rigorosamente coincidentes. Aliás, caso a solução fosse a pugnada pelo MP, a necessária e pressuposta concordância entre o processado em papel e o processado no sistema informático estaria definitivamente comprometida, o que é manifestamente uma situação inviável a todos os níveis”. Aliás, a esmagadora maioria da jurisprudência tem considerado que não há possibilidade de reformular, corrigir ou completar uma acusação (improcedente), uma vez que tal reformulação subverteria o espírito do sistema processual penal, assente nalguma forma de proteção das expectativas do arguido em face de uma acusação determinada – este entendimento é, de resto, o único compatível com o disposto nos arts. 309º, nº 1 ou 359º, do C.P.P. Por maioria de razão, afigura-se não ser legalmente permitido declarar nula uma acusação, substituindo-a por uma outra, designadamente depois da primeira ter sido notificada aos arguidos. Conferir tal prerrogativa ao Ministério Público significaria uma violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade consagrados nos artigos 13º, nº 1 e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesas, pois tratar-se-ia de conceder àquele uma faculdade que não tem paralelo quanto aos demais sujeitos processuais. O assistente não tem a faculdade de completar, reformular ou substituir a acusação particular Neste sentido, Ac. RL de 01.04.2004, in http://www.dgsi.pt. ou o requerimento de abertura de instrução, nomeadamente quando tais peças processuais são omissas na narração dos factos imputados ao arguido relativamente ao tipo subjetivo da infração – v.g a omissão dos factos respeitantes ao elemento subjetivo do crime implica a rejeição do respetivo requerimento, sem prévio convite ao aperfeiçoamento do mesmo – Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº 7/2005 O Acórdão n.º 7/2005, de 12 de maio de 2005 (DR, I-A, de 4 de Novembro de 2005) pôs termo às divergências surgidas quanto à possibilidade de convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução deficiente apresentado pelo assistente, fixando a seguinte jurisprudência: «Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido».. Nem o facto de o Ministério Público representar o Estado e exercer a ação penal em nome deste, permite tal atuação processual. É que esse exercício é sempre orientado pelos princípios da legalidade e objetividade decorrentes da Constituição da República Portuguesa e da lei, os quais são fundamento da autonomia daquele órgão da administração da justiça. A atuação do Ministério Público no caso em análise violou claramente o princípio da irretratabilidade da acusação Paulo Pinto Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição, pg. 147, nota 6, refere-se ao caráter irretratável da decisão final do inquérito de acusação e ao regime especial da sua impugnação fixado na lei processual penal. – princípio reconhecido pelo Ministério Público na resposta apresentada. O Ministério Público não podia, encerrada a fase de inquérito, notificada a acusação aos arguidos e decorrido o prazo para requerer a abertura da instrução, declarar nula a acusação que deduziu no processo, substituindo-a por outra Conforme foi salientado pelo arguido P. M., ao enunciar as diferenças entre as duas acusações, ocorreu uma verdadeira substituição e não uma mera reformulação ou correção, estando afastada, assim, qualquer subsunção ao disposto no art. 380º, nº 3, do C.P.P.: a primeira era constituída por 313 artigos e imputava aos arguidos J. A., M. L. e P. M., em coautoria e em concurso real, a prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio, um crime de desvio de subsídio e um crime de fraude agravada, na forma continuada; a segunda - proferida após a prolação de despacho de arquivamento relativamente a factos que poderiam consubstanciar crime de corrupção ativa, tráfico de influência e desvio de subsídio, e a determinação de extração de certidão com vista à instauração de inquérito para investigação de eventual prática de um crime de fraude qualificada- constituída por 61 artigos, imputou aos arguidos Joaquim Rodrigues da Cunha, M. L. e P. M., em coautoria, em concurso efetivo, a prática de dois crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, acusando, ainda, a A... – ...(...), como autora, da prática de dois crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção. , ao fim de mais de um ano, subvertendo o quadro legal do processo penal, quebrando a previsibilidade legal que decorre do mesmo para os sujeitos processuais, com clara violação da confiança que os arguidos depositam no mesmo e das garantias legais nele previstas. Verificou-se, pois, um atropelo grosseiro dos princípios do processo justo, da igualdade de armas, da lealdade processual e da vinculação temática da acusação. Alega o Ministério Público que a nulidade da acusação proferida a fls. 2657/2777 poderia ser conhecida pelo juiz aquando da prolação do despacho a que se reporta o art. 311º, do C.P.P e que, a fim de evitar a prática de atos processuais inúteis, é lícito que essa nulidade possa ser preventivamente reparada antes de o processo ser remetido à fase de julgamento. Ora, o pensamento do Ministério Público padece de evidente erro. É que se a acusação for rejeitada, por se considerar manifestamente infundada, ao abrigo do disposto no art. 311º, nº 2, al. a) e 3, do C.P.P, o procedimento criminal instaurado contra um arguido é declarado extinto, sem mais, não havendo lugar a qualquer reenvio do processo à fase do inquérito para que se profira nova acusação Sendo autónomas a intervenção do Ministério Público no inquérito e a do Juiz na fase da instrução e/ou do julgamento, não tem fundamento legal qualquer «ordem», nomeadamente do juiz de julgamento, para ser cumprida no âmbito do inquérito por quem não deve obediência institucional nem hierárquica a tal injunção – neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, obra citada, 4ª edição atualizada, pgs. 816/817 que, em anotação ao artigo 311º, defende que “pelos motivos já expostos, atinentes ao princípio da acusação, o juiz de julgamento não pode censurar o modo como tenha sido realizado o inquérito e devolver o processo ao Ministério Público (…) para reparar nulidades ou irregularidades praticadas no inquérito e reformular a acusação, incluindo irregularidades da notificação da acusação”., e nem sequer há a possibilidade do Ministério Público exercer a ação penal relativamente aos factos contemplados na acusação rejeitada naqueles termos – cfr. Ac. RP de 27.06.2012 e Ac. RC de 23.05.2012 Neste acórdão, em abono da posição invocada, cita-se o acórdão do TRL de 30.01.2007 [proc. n.º 10221/2006 – 5], extraindo-se as seguintes passagens: “Que consequências retirar da declaração de nulidade da acusação pública, por falta de factos essenciais ao preenchimento do tipo legal imputado, ou seja, essenciais à condenação? É certo que a declaração de invalidade de um ato determina, em princípio, a sua repetição, sempre que esta seja necessária e ainda seja possível. O que pode determinar o retrocesso dos autos para uma fase distinta e anterior daquela em que se encontram. Mas essa não é, seguramente, na nossa opinião, a situação dos autos. Cremos ser inquestionável que, caso o processo tivesse sido remetido diretamente para julgamento … o respetivo juiz, ao proferir despacho ao abrigo do art.º 311º, do CPP e constatando a escassez de factos para preenchimento do tipo legal de crime imputado, deveria rejeitar a acusação, por manifestamente infundada, ao abrigo do n.º 2, alínea a) e n.º 3, alínea d), do mencionado normativo legal Igualmente, caso tal falha não tivesse sido detetada nestas fases processuais e o processo chegasse a julgamento, ao lavrar a sentença o juiz julgador, perante a insuficiência dos factos, só tinha uma solução: absolver o arguido. Isto porque, perante a estrutura acusatória do nosso processo penal, constitucionalmente imposta (artº 32.º, n.º 5, da CRP), o tribunal - leia-se o juiz -, na sua natural postura de isenção, objetividade e imparcialidade, cujos poderes de cognição estão rigorosamente limitados ao objeto do processo, previamente definido pelo conteúdo da acusação, não pode nem deve dirigir recomendações ou convites para aperfeiçoamento, muito menos ordenar, ao MP, para que este reformule, retifique, complemente, altere ou deduza acusação, como não o pode fazer relativamente aos demais sujeitos processuais – assistente ou arguido… O mesmo se passa com o juiz de instrução. Requerida esta fase pelo arguido para contrariar a acusação pública …, o JIC, chegado o momento de sobre ela decidir, ou considera que aquela contém todos os elementos essenciais e que há “indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena …” e, então, profere despacho de pronúncia, ou faz um juízo negativo e profere despacho de não pronúncia. Não pode ordenar, perante a insuficiência de factos, que os autos voltem ao MP … para que seja completada a acusação”. O Ac. da RC de 06.07.2011, disponível in http://www.dgsi. pt decidiu: “Se o atual regime do Código de Processo Penal, em caso de alteração substancial, não possibilita a comunicação ao Ministério Público para que ele crie novo procedimento pelos novos factos, quando estes não são autonomizáveis em relação ao objeto do processo, por acréscimo de razão, esta via também não pode ser utilizada no caso evidenciado nos autos, em que se verifica mais do que alteração substancial. Efetivamente, a falta de narração, na acusação pública, do tipo subjetivo do crime de administração danosa, traduz uma pura inexistência de tipicidade, não sendo, por maioria de razão, neste contexto, admissível, como bem refere o arguido B …, na sua resposta aos recursos, a alteração dos factos da acusação, neste ou noutro procedimento, por forma a que daquela passem a constar factos integrantes de um comportamento típico dos agentes, uma vez que tal alteração, neste caso, consubstanciaria a convolação de uma conduta atípica em conduta típica. A possibilidade de, após a dedução da acusação pública, na qual não constam todos os elementos típicos do crime imputado, se poder reformular essa peça processual, seria manifestamente violadora do princípio do acusatório e das mais elementares garantias de defesa do arguido”., Ac. RL de 06.04.2016, Ac. RE de 07.04.2015, todos in http://www.dgsi.pt. . Declaram-se prejudicados os procedimentos tendentes à contumácia do arguido J. A.; * Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:«I) Não obstante o terminus formal do inquérito, o Ministério Público mantém competência para a prática de atos de índole formal e substancial posteriores, nomeadamente conhecendo de eventuais invalidades anteriormente cometidas, apreciando causas supervenientes que obstem ao exercício da ação penal (v.g. desistência de queixa, amnistia, prescrição) e promovendo as diligências necessárias à remessa dos autos para julgamento; II) Os mesmos poderes são ex lege atribuídos ao juiz de instrução criminal, que exerce todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos do artigo 17.º do Código de Processo Penal; III) «A declaração de nulidade determina quais os atos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respetivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade» (art. 122.º, n.º 2, do CPP; art. 202.º do CPC); IV) O princípio da irretratabilidade da acusação significa apenas que o Ministério Público não pode retirar uma acusação/arquivamento por si formulada, não abrangendo a possibilidade da sua correção quando ela, por qualquer motivo, seja inválida; V) Apenas aquilo que é processualmente válido pode desencadear esse efeito preclusivo: quod nullum est nullum producit effectum; se uma acusação inválida não produz efeitos, então também não produziu esse efeito preclusivo de não poder jamais ser retirada nem, de alguma forma, corrigida; VI) À semelhança do autor da petição inicial, o Ministério Público pode antes da remessa dos autos para julgamento, por força do princípio da legalidade do exercício da ação penal, consagrado no artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa, corrigir uma acusação nula que tenha proferido anteriormente; VII) O arguido não deve poder beneficiar de um qualquer erro formal, cometido pelo Ministério Público, nomeadamente quando a renovação do processo importar a renovação da possibilidade de se defender; VIII) Uma vez que o Ministério Público não é infalível, o interesse punitivo estadual impõe que uma acusação inválida possa ser corrigida até à sua remessa para julgamento e à formação da relação jurídica processual trilateral, sob pena de se afetar o direito de acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º da CRP); IX) Tal como os erros dos outros sujeitos processuais, também os erros do Ministério Público devem poder ser corrigidos, não podendo a pretensão punitiva estadual ficar exclusivamente dependente da bondade da sua atuação; X) A anulação de uma acusação nula e a sua substituição por outra não violou os direitos de defesa da arguida, uma vez que esta foi notificada da nova acusação, tendo tido a possibilidade de a impugnar, suscitando a sua comprovação judicial; XI) A concessão desta prerrogativa não viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade, nem constituiu nenhum atropelo dos princípios do justo processo, da igualdade de armas, da lealdade processual e da vinculação temática da acusação; XII) O reconhecimento judicial da nulidade da acusação, nos termos do artigo 311.º do CPP, não tem como consequência a absolvição do pedido, devendo provocar a remessa do processo para a fase anterior (art. 122.º, n.º 2, do CPP): tal como o autor de uma petição inicial também o Ministério Público (sob pena de violação daquele princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais) pode renovar a pretensão punitiva estadual, desde que o arguido possa beneficiar das mesmas garantias de defesa; XIII) Apenas nos casos em que os factos imputados na acusação não constituem crime dão lugar – à semelhança de uma petição inicial – à absolvição do arguido; XIV) O princípio do acusatório não significa que o juiz seja completamente indiferente à forma como o Ministério Público exerce a ação penal, como demonstram, entre outros, os artigos 280.º, 281.º, 340.º e 395.º do CPP; XV) O juiz de julgamento não pode conhecer da nulidade de uma acusação inserida nos autos, previamente declarada nula pelo Ministério Público e não questionada pelo arguido; XVI) A acusação proferida pelo Ministério Público em de 24 de fevereiro de 2015, constante de fls. 3494/3528 dos autos (9.º volume) não é inexistente, Neste contexto, o despacho proferido a fls. 4366 a 4381 (do 12.º volume) destes autos deverá ser revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento do julgamento, dessa forma se fazendo justiça.» * O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho datado de 9 de dezembro de 2016.Os arguidos P. M. e M. L. responderam, ambos pugnando pela improcedência do recurso. Nesta Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido do provimento do recurso. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, na sequência do que o arguido P. M. veio responder, reafirmando os argumentos anteriormente alegados e chamando a atenção de que há um arguido que não foi notificado dos atos controvertidos, pelo que mesmo a entender-se que eles padecem de um dos vícios constantes do Código de Processo Penal, nunca se poderá concluir que os sujeitos processuais com eles se conformaram. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * II. FUNDAMENTAÇÃOConforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer Cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V. . * 1. Questões a decidirFace às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as questões a decidir são fundamentalmente as seguintes: . saber se é, ou não, legalmente permitido que o Ministério Público, por sua própria iniciativa, declare nula e substitua por outra a acusação que inicialmente deduziu e que já foi notificada aos sujeitos processuais; . e, em caso negativo, quais as respetivas consequências. * 2. Ocorrências processuais com interesse para a decisão:«. Na sequência da declaração de encerramento do inquérito, o Ministério Público deduziu acusação datada de 21 de janeiro de 2014, contra os arguidos J. A., M. L. e P. M., imputando-lhes a prática, como coautores, em concurso real, de um crime de fraude na obtenção de subsídio, um crime de desvio de subsídio e de um crime de fraude fiscal agravada, na forma continuada, previsto e puníveis, pelos arts. 36º, nºs 1, 2 e 5, al. a), 37º, nºs 1 e 3, do DL nº 28/84, de 20.01 e arts. 103º, nº 1, al. a) e 3 e 104º, nº 2, al. a) e b) e 3, do RGIT – fls. 2657/2777 – vol. 7; . A arguida M. L. foi notificada da acusação no dia 01 de fevereiro de 2014, tendo sido advertida de que dispunha do prazo de 20 dias para, querendo, requerer a abertura da instrução, nos termos e para os efeitos do art. 287º, do C.P.P. – fls. 2787/2788 – vol. 7; . O arguido P. M. foi notificado da acusação no dia 13 de fevereiro de 2014, tendo sido advertido de que dispunha do prazo de 20 dias para, querendo, requerer a abertura da instrução, nos termos e para os efeitos do art. 287º, do C.P.P. – fls. 2802 – vol. 7; . Os ilustres defensores dos arguidos foram notificados da acusação, por via postal registada, remetida no dia 24 de fevereiro de 2014 – fls. 2814, 2815 e 2816 – vol. 7; . O arguido P. M. requereu a prorrogação do prazo para abertura da instrução, nos termos do art. 107º, nº 6, do C.P.P (fls. 2824 – vol. 7), o que lhe foi indeferido por despacho datado de 13 de março de 2014 (fls. 2839 – vol. 7), notificado por via postal registada na pessoa do seu Ilustre defensor (fls. 2840 – vol. 7); . Por despacho datado de 15 de julho de 2014, o Digno Procurador da República Coordenador proferiu o seguinte despacho: “De acordo com a decisão da Exmª Senhora Procuradora Geral Distrital do Porto e pelos motivos constantes do ofício nº 57005/14, de 8-7 da Procuradoria-Geral Distrital do Porto, que junto para todos os efeitos legais, declaro nula a acusação constante de folhas 2657 a 2777 dos autos. A Magistrada titular do processo procederá à reformulação da acusação, deduzindo nova acusação, nos termos previstos no art. 283º, do C.P.P e deduzirá o respetivo pedido de indemnização civil” – fls. 2900 – vol. 8; . O ofício nº 57005/14, de 8-7 não foi junto aos autos; . O despacho datado de 15 de julho de 2014 não foi notificado aos arguidos ou a qualquer outro sujeito processual; . Na sequência do decidido pelo Digno Procurador da República Coordenador, a Magistrada do Ministério Público titular do inquérito realizou novas diligências – fls. 2906, 2909, 2910, 2912/2913, 3057, 3060, 3062/3064, 3068 e 3197 – vol. 8-, 3414/3415 – vol. 9; . No dia 24 de fevereiro de 2015, o Ministério Público, “em conformidade com o superiormente determinado no despacho de fls. 2900 dos autos” proferiu despacho de arquivamento, nos termos do art. 277º, nº 2, do C.P.P, relativamente a factos que poderiam consubstanciar crimes de corrupção ativa, de tráfico de influência e desvio de subsídio; determinou a extração de certidão com vista à instauração de inquérito para investigação de eventual prática de um crime de fraude qualificada por parte de duas sociedades; e deduziu acusação contra os arguidos J. A., M. L., P. M., pela prática, em coautoria material, em concurso efetivo, de dois crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, previsto e puníveis pelos arts. 21º, 36º, nº 1, al. a), 2 e 5, al. a) e 8 e 39º do DL nº 28/84, de 20 de janeiro, e contra a A... – ...(...) (... Portugal) imputando-lhe a prática, como autora material, de dois crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, previsto e puníveis pelos arts. 3º, 7º, 21º, 36º, nº 1, al. a), 2 e 5, al. a) e 8 e 39º do DL nº 28/84, de 20 de janeiro – fls. 3494/3528 – vol. 9; . Os arguidos M. L. e P. M., bem como os respetivos defensores, foram notificados dos despachos de arquivamento e de acusação proferidos datados de 24 de fevereiro de 2015, tendo sido advertidos de que dispunham do prazo de 20 dias, para, querendo, requerem a abertura da instrução – fls. 3533/3534, 3535, 3536/3537, 3538, 3553 e 3554 – vol. 9; . Por despacho datado de 09 de junho de 2015, foi determinada a remessa dos autos à distribuição, com a menção de que a A... – ...(...) (... Portugal) não tinha prestado TIR nos autos, pese embora tivessem sido realizadas diversas diligências nesse sentido – fls. 3640 – vol. 9; . Os autos foram remetidos à distribuição sem que o arguido J. A. tenha sido notificado de qualquer uma das acusações deduzidas nos autos, conforme ficou explanado no despacho proferido na fase de julgamento a fls. 3707/3708 – vol. 10; . Por despacho datado de 15 de julho de 2015, foi julgada extinta a responsabilidade criminal e extinto o procedimento criminal instaurado contra a A... – ...(...) (... Portugal), atendendo à declaração judicial da sua extinção; . E, consignando-se que não existiam outras questões prévias ou incidentais que obstassem à apreciação do mérito da causa e que cumprisse conhecer, foi recebida, nos seus precisos termos, a acusação deduzida pelo Ministério Público a fls. 3502/3527, contra os arguidos J. A., M. L. e P. M., quer pelos factos aí enunciados, quer pelas disposições penais indicadas, designando-se data para a realização da audiência de julgamento – fls. 3660/3662 – vol. 10; . O despacho datado de 15 de julho de 2015 foi notificado, designadamente aos Ilustres defensores dos arguidos, bem como aos arguidos P. L. e M. L. – fls. 3667, 3668, 3682/3683, 3684/3685, 3693 e 3695 – vol. 10; . No dia 19 de novembro de 2015, o arguido P. L. deduziu contestação, arrolou testemunhas e requereu um exame pericial – fls. 3702/3705 – vol. 10; . Por despacho datado de 24 de novembro de 2015, ordenou-se a notificação pessoal do arguido J. A., por carta rogatória a enviar para o Brasil, quer da acusação de fls. 3502/3527, com a advertência expressa de que poderia requerer a abertura da instrução no prazo aludido no art. 287º, do C.P.P, bem como do despacho que recebeu esta acusação e designou dia para a realização da audiência de julgamento – fls. 3707/3708 – vol. 10; . No dia 18 de maio de 2016, foram dadas sem efeito as datas designadas para a realização da audiência de julgamento, na sequência da promoção do Ministério Público e sem oposição dos arguidos, uma vez que se encontravam em curso diligências no Brasil para apurar o paradeiro do arguido J. A. e consequentemente tendentes à notificação das peças processuais indicadas na carta rogatória enviada àquele país; nessa ocasião, foram designadas novas datas para a realização da audiência de julgamento e determinado aditamento à carta rogatória – fls. 3960/3962 – vol. 10; . A carta rogatória foi devolvida, sem cumprimento, por impossibilidade de notificar o arguido J. A. – fls. 4111/4248 – vol. 12: . Por despacho datado de 19.09.2016, foi determinada a notificação, por editais, do arguido J. A. para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, com a advertência de que se não o fizesse seria declarado contumaz – fls. 4250 – vol. 12; . No dia 11 de outubro de 2016, aberta a audiência de julgamento, foi determinada a separação de processos relativamente ao arguido J. A., nos termos do art. 30º, nº 1, al. b) do C.P.P, tendo, em seguida, a arguida M. L. suscitado a questão agora em análise – fls. 4272/4275 – vol. 12.» Redação da decisão recorrida. *** 3. APRECIAÇÃO DO RECURSO O Ministério Público insurge-se com o despacho recorrido, sustentando que lhe é legalmente permitido, por iniciativa própria, declarar nula a acusação deduzida no final do inquérito e até já notificada aos sujeitos processuais e proceder à sua substituição por uma outra, tudo se passando como se a primeira acusação nunca tivesse existido. Dessa forma evitando as consequências da deficiência da primeira acusação, com o argumento Entre outros. de que «o arguido não deve poder beneficiar de um qualquer erro formal, cometido pelo Ministério Público, nomeadamente quando a renovação do processo importar a renovação da possibilidade de se defender.» Cfr. VII Conclusão do recurso, a fls. 4393 verso. Mas, logo numa primeira abordagem, verificamos que as coisas não podem ser assim. Num estado de direito, a realização da justiça tem de ser feita através do processo penal, que declara o direito do caso segundo modos admissíveis e válidos, no respeito pelos valores constitucionalmente vigentes, tornando seguro e estável o direito declarado. Regulando as «condições e os termos do movimento processual destinados a averiguar se certo agente praticou um certo facto e qual a reação (penal) que lhe deve corresponder – regulamentação jurídica da realização do direito penal substantivo, através da investigação e valoração de um comportamento do acusado da prática de um facto criminoso» Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I Vol., 1974, p. 28-29).. Um dos princípios processuais que enformam o direito processual é o princípio da preclusão, que se pode definir como «a perda, a extinção ou a consumação de uma faculdade processual» Cfr. Chiovenda, apud, Teixeira de Sousa, Preclusão e Caso Julgado, disponívele em http://www.academia.edu/24956415/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclus%C3%A3o_e_caso_julgado_05.2016.. Este princípio manifesta-se em várias vertentes, sendo uma delas habitualmente designada por consumativa, que é precisamente a perda da oportunidade de se praticar o ato processual, por o ato já ter sido praticado, já estar consumado. Encontramos uma das materializações desta vertente do princípio da preclusão no artigo 613.º do Código de Processo Civil, ao estabelecer que uma vez proferida a sentença fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. Princípio que se estende aos despachos, nos termos do n.º3 do mesmo normativo. No Código de Processo Penal não há disposição semelhante, embora a sua aplicação se harmonize perfeitamente com as normas deste diploma, designadamente com a previsão, no seu artigo 380.º, e a título excecional, dos estritos casos em que os lapsos da sentença e dos demais atos decisórios do juiz e do Ministério Público Cfr. n.º 3 do artigo 380.º e respetiva remissão para o artigo 97.º, ambos do Código de Processo Penal. podem ser objeto de correção. Sendo por conseguinte aquele artigo 613.º do Código de Processo Civil aplicável também ao processo penal, por força da remissão feita no artigo 4.º do Código de Processo Penal. Por outro lado, também não se pode olvidar que a natureza una e indivisível da magistratura do Ministério Público obriga a considerar a posição de cada seu representante – feita na sede e nos termos legais e no exercício de competência própria – como a posição definitiva. Impondo-se que uma eventual divergência de posições entre os vários representantes dessa magistratura seja resolvida no interior da organização e através dos mecanismos próprios, como seja a disciplina hierárquica, designadamente através das possibilidades legais expressas nos artigos 276º, nº 6, e 278.° do Código de Processo Penal, mas nunca no sentido de apagar ou modificar o que a seu tempo foi sustentado como a posição do Ministério Público, numa dissonância de opiniões voltada para o exterior Cfr., precisamente neste sentido, Figueiredo Dias, Sobre os sujeitos processuais no Novo Código de Processo Pena", Jornadas de Processo Penal, 1988, pág. 30. . Revertendo agora diretamente ao caso em apreço, não há dúvida que o despacho do Ministério Público datado de 21 de janeiro de 2014 A fls. 2657 a 2777, do volume 7., no qual considera findo o inquérito e deduz acusação Contra os arguidos J. A., M. L. e P. M., imputando-lhes a prática, como coautores, em concurso real, de um crime de fraude na obtenção de subsídio, um crime de desvio de subsídio e de um crime de fraude fiscal agravada, na forma continuada, previsto e puníveis, pelos artigos 36º, n.ºs 1, 2 e 5, al. a), 37.º, n.ºs 1 e 3, do DL nº 28/84, de 20.01 e artigos 103.º, n.º 1, al. a) e 3 e 104.º, n.º 2, al. a) e b) e 3, do Regime Geral das Infrações Tributárias., representa um ato decisório que não pode ser repetido, por com a sua prolação se ter esgotado o poder do magistrado titular do inquérito sobre o respetivo objeto, independentemente de a acusação conter ou não deficiências que possam comprometer o seu êxito. Pois a consequência do esgotamento do poder de finalizar o inquérito, com a dedução da acusação, é precisamente a de que o magistrado não possa mais, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu, ainda que logo a seguir se arrependa, designadamente por vir a constatar que nela errou. Outra solução não consentem as regras processuais já supra identificadas, que dessa forma também dão corpo a princípios fundamentais de um processo penal próprio de um Estado de Direito democrático, como sejam os princípios do processo justo e da lealdade processual. Princípios que se refletem na proteção da confiança recíproca na atuação processual, que deve pautar a conduta de todos os intervenientes processuais, no princípio de igualdade de armas O princípio da igualdade de armas em determinadas fases processuais. e até no princípio da vinculação temática da acusação, como forma de assegurar a plenitude da defesa, garantindo ao arguido que apenas tem que defender-se dos factos acusados e não de outros. De tudo decorrendo que nenhum efeito pode ter a declaração feita nos autos pelo Ministério Público (e por sua própria iniciativa) da nulidade da acusação que deduzira A fls. 2900, do volume 8. e a subsequente prolação de um despacho de arquivamento parcial e de uma outra acusação, em 24 de fevereiro de 2015 A fls. 3494 a 3528, do volume 9., diversa da primeira Como bem se salienta na decisão recorrida, a primeira acusação «era constituída por 313 artigos e imputava aos arguidos J. A., M. L. e P. M., em coautoria e em concurso real, a prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio, um crime de desvio de subsídio e um crime de fraude agravada, na forma continuada; a segunda - proferida após a prolação de despacho de arquivamento relativamente a factos que poderiam consubstanciar crime de corrupção ativa, tráfico de influência e desvio de subsídio, e a determinação de extração de certidão com vista à instauração de inquérito para investigação de eventual prática de um crime de fraude qualificada- constituída por 61 artigos, imputou aos arguidos Joaquim Rodrigues da Cunha, M. L. e P. M., em coautoria, em concurso efetivo, a prática de dois crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, acusando, ainda, a A... – ...(...), como autora, da prática de dois crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção.» . Aliás, a propósito dessa declaração de nulidade da acusação feita pelo Ministério Público, convém ainda salientar que consagrando o nosso sistema processual penal, no artigo 118.º, n.º 1, o princípio da legalidade e taxatividade das nulidades, a falta na acusação de qualquer dos elementos mencionados nas alíneas a) a g) do n.º 3 do artigo 283.º do mesmo diploma – designadamente da narração dos factos – embora constituindo uma nulidade, não é insanável, por como tal não ser prevista por lei. Assim, mesmo a considerar-se que a acusação deduzida em 21 de janeiro de 2014 padece de uma nulidade sanável ou relativa, sempre estaria ela dependente de arguição pelos respetivos interessados perante o próprio magistrado que a deduziu Cabendo reclamação hierárquica da decisão. , em local e tempo próprios Ou seja, no prazo geral de 10 dias previsto no artigo 105.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, contado da data em que tiver sido notificado para qualquer termo posterior do processo ou tiver intervindo em algum ato nele praticado, apercebendo-se da nulidade cometida e, nos casos específicos mencionados no artigo 120.º, n.º 1 do mesmo diploma, nos momentos processuais aí estabelecidos.. Sendo que, compulsados os autos, se constata que nenhum interessado arguiu a nulidade dessa acusação, não havendo por conseguinte fundamento legal para a declarar, como foi feito. Neste contexto processual, temos pois de concluir que aquela outra acusação deduzida posteriormente, a 24 de fevereiro de 2015, apenas aparentemente merece essa designação, já que a sua validade como tal é absolutamente insustentável segundo as regras processuais penais, por ter sido deduzida em frontal oposição com o modo admissível e válido de declaração do direito, ao ponto de a ordem jurídica não a poder tolerar Como se escreveu na decisão recorrida, a dedução de uma segunda acusação em substituição da que havia sido deduzida no final do inquérito, constitui «um atropelo grosseiro dos princípios do processo justo, da igualdade de armas, da lealdade processual e da vinculação temática da acusação.». Precisamente para casos como este, em que o ato não tem o mínimo de requisitos imprescindíveis ao seu reconhecimento jurídico De que a lei não fala já que atos de processo e não atos que não são processuais., a doutrina e a jurisprudência admitem pacificamente no quadro das invalidades a figura da inexistência, que é insuscetível de sanação Cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, reimp. Lisboa, 1981, vol. I, págs. 268 a 273, vol. III, págs. 9 e 10; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, 3ª ed., Lisboa/S.Paulo, 2002, págs. 92 a 94; Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 15ª ed., Coimbra, 2005, págs. 293 a 294.. Ora, sendo a acusação datada de 24 de fevereiro de 2015 juridicamente inexistente, não lhe pode ser atribuído qualquer valor jurídico, nem dela podem advir consequências e modificações no mundo do direito e dos factos. Nenhum efeito tendo pois o seu recebimento, por despacho judicial datado de 15 de julho de 2015 A. fls. 3660 a 3662, do volume 10.. Ficamos assim com a acusação deduzida a 21 de janeiro de 2014, que embora sendo a única processualmente válida, acabou por não ter sido objeto de apreciação quando os autos foram recebidos no Tribunal. Ora, é líquido que tal acusação – como se conclui na decisão recorrida – não contém a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena. O que não é sequer impugnado no recurso, no qual o Ministério Público admite expressamente que ela contém «apenas referências genéricas e sem qualquer concretização dos atos materiais integradores dos imputados ilícitos e levados a cabo por cada um dos acusados, chegando a confundir-se prova com os factos a provar.» Cfr. recurso do Ministério Público, a fls. 4386 verso. Não haveria pois outra hipótese senão a de conhecer oficiosamente do vício «acusação manifestamente infundada», a que se refere o artigo 311.º, n.º 2, al. a) e n.º 3 do Código de Processo Penal, com a consequente extinção do procedimento criminal contra os arguidos, como fez o senhor juiz presidente a quo. Nenhuma censura nos merecendo a decisão recorrida, que é assim de manter. *** Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento ao recurso do Ministério Público. Sem tributação, por dela estar isenta o recorrente. * Guimarães, 24 de abril de 2017 (Elaborado e revisto pela relatora) |