Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
89/21.9T8MAC.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
MURO
FORMA DO PROCESSO
PROVA
PRESUNÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O dever de apresentar, no recurso, conclusões sintéticas, conforme previstas no nº 1, do artº 639º, do CPC, corresponde não só ao objectivo de, na elaboração de quaisquer actos do processo, prevalecerem a economia, a simplicidade e a clareza mas, sobretudo, à função de delimitar, com precisão, a pretensão recursiva e seus fundamentos, expondo ao Tribunal as questões a resolver, e de facilitar o exercício do contraditório.
II. A demonstração de que um muro situado entre dois prédios de natureza urbana e divisório dos respectivos logradouros adjacentes faz parte de um deles e é propriedade exclusiva do respectivo dono, apesar de igualmente disputado pelo do outro (vizinho), pode fazer-se, tal como a da parcela de terreno onde se encontra implantado, por diferentes modos de adquirir (caso da usucapião, nos termos do artº 1287º, e da acessão atípica, prevista no artº 1212º, nº 2, CC) .
III. Sendo, porém, essa prova frequentemente difícil através dos diversos meios legalmente admissíveis, as presunções estabelecidas no artº 1371º, CC, destinam-se a facilitá-la e, assim, a definir o domínio sobre aquele e a pacificar as relações de vizinhança.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO  [[1]]

AA e esposa BB [autores] intentaram, em 15-04-2021, no Tribunal ..., acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e esposa DD [réus], todos eles residentes na Rua ..., em ....

Formularam nos seguintes termos o seu pedido:

Condenação dos réus:

(1)–A reconhecerem que os autores são proprietários do prédio identificado no artigo 1º desta pi [na sentença referido como prédio A]; [[2]]
(2)–Que o muro de vedação a poente, em toda a sua extensão, entre a parede do palheiro e a parede norte é propriedade exclusiva dos autores;
(3)–Que o muro de vedação a poente, entre o palheiro e a via pública, do qual faz parte integrante o pilar em betão armado, é propriedade exclusiva dos autores;
(4) A absterem-se de impedir os autores de usarem, reconstruírem, de fazerem os melhoramentos ou alterações que julgarem mais convenientes quer no pilar em betão armado localizado no topo poente/sul do descrito prédio, quer no muro a poente, entre o mesmo pilar e o palheiro;
(5) A absterem-se, no futuro, de fazerem qualquer pintura quer no pilar em betão armado localizado no topo poente/sul do prédio dos autores, quer no muro a poente entre o referido pilar e o palheiro tanto do lado externo como do lado interno.

Na petição inicial, cuja análise mais adiante será retomada, alegaram que são e se presumem donos do prédio urbano referido, adquirido por compra, bem como do respectivo logradouro, de que faz parte uma faixa de terreno adquirida à Junta de Freguesia, bem como dos muros circundantes, maxime, na estrema poente, os referidos em 2 e 3 (ambos por si construídos, o primeiro destes, tal como o da estrema sul do lado da rua, implantados nos limites da parcela adquirida), sobre os quais vêm exercendo posse .

Juntaram documentação (Caderneta, Registo, Escrituras, Acta da Junta e, apenas, uma foto).

Na contestação, os réus, mediante reconvenção, além de alegarem que [citando expressis verbis] “devem ainda” ser os autores “condenados abstrair da prática de quaisquer actos sob o muro respeitando como propriedade exclusiva” deles e “que faz parte integrante do prédio” dos mesmos (item 51), pediram, no seu epílogo:

a) A sua absolvição do pedido;
b) O reconhecimento do “exclusivo direito de propriedade do identificado dos Reconvintes-conforme descrição” [sic];
c) A condenação [dos autores] “em multa a favor dos Réus por litigarem com manifesta má-fé na importância de 1.000,00€ (mil euros)”.

Como também melhor se verá mais adiante, alegaram, no seu articulado, versão oposta, nomeadamente quanto ao muro poente (lado da rua), sustentando que foram eles (e não os autores) quem aí o construiu e pagou, sobre terreno por si adquirido à Junta de Freguesia e, portanto, que ele (tal como o outro, na mesma estrema, lado norte) faz parte do seu prédio.

Juntaram vários documentos (Matriciais, Registrais, Notariais, dois desenhos e duas fotos [[3]]).

Replicaram os autores, além do mais juntando uma outra foto com que pretenderam ilustrar a por si alegada dominialidade pública da parcela mas que os réus impugnaram quanto ao seu “alcance”.

Na audiência prévia, frustrou-se a tentada – e pelas partes então ainda admitida – conciliação.

Em despacho subsequente [[4]], admitiu-se a reconvenção porque “o pedido reconvencional tende a conseguir, em benefício dos reconvintes, o mesmo efeito jurídico que os autores se propõem obter”. Fixou-se o valor da causa. Verificaram-se tabelarmente os pressupostos processuais. Identificou-se o objecto do litígio, por referência aos pedidos, e enunciaram-se os temas da prova.

Não tendo havido reclamações, apreciaram-se, depois, os requerimentos probatórios e programou-se a audiência final.

Esta realizou-se em três sessões (16-03, 07-04 e 27-04-2022), nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas, no seu decurso tendo sido inquiridas várias testemunhas, tomadas declarações de ambos os réus e determinada a junção aos autos, ao abrigo do artº 411º, do CPC, das fotografias exibidas nesse acto, quatro delas pela testemunha EE e uma pelo mandatário dos autores, uma vez que, segundo o despacho respectivo “ilustram a situação dos prédios, do muro e do pilar na atualidade” e, por isso, foi dada sem efeito a inspecção ao local que, momentos antes, havia sido oficiosamente determinada.

Com data de 27-07-2022, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão:

Nestes termos, e pelo exposto, julgo procedente a ação e parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência:

a) Condeno os réus a reconhecerem que os autores são proprietários do prédio A e dos muros de vedação a poente, em toda a sua extensão, entre o antigo palheiro e o muro da estrema norte e entre o antigo palheiro e a via pública, do qual faz parte integrante o pilar;
b)Condeno os réus a absterem-se de impedir os autores de usarem, reconstruírem, de fazerem os melhoramentos ou alterações que julgarem mais convenientes nas referidas edificações e de, no futuro, fazerem qualquer pintura quer no pilar, quer no muro, tanto do lado externo como do lado interno;
c) Condeno os autores a reconhecerem os réus/reconvintes como proprietários do prédio B;
d) Absolvo os autores do mais peticionado em sede reconvencional e do pedido de condenação como litigantes de má fé.
Valor da causa: já fixado em despacho saneador.
Custas pelos réus.”

Os réus, não resignados, apelaram a esta Relação, tendo concluído as suas longas alegações e conclusões [[5]] que, após convite, “aperfeiçoaram”, nos seguintes termos: 

“a) Verifica-se um lapso de escrita no ponto 18 dos factos provados, devendo passar a ler-se “Em 03-10-1974, os réus compraram à Freguesia ... uma parcela de terreno”.
b) Acresce que, foram incorretamente provados os factos constantes dos pontos 9, 13 e 18 (em parte), pois encerram formulações genéricas, vagos, de cariz conceptual ou de natureza jurídica, pelo que, à luz do entendimento jurisprudencial, devem tais factos ter-se como não escritos - artigo 607º, n.º 4 do CPC.
c) Face à prova produzida o facto 6 não podia ter sido dado como provado, antes devendo dar-se como provado que “foram os RR. que a poente, no sentido poente/sul, a partir da construção do antigo palheiro até ao limite da via pública, edificaram um muro de blocos de cimento”.
d) O que se aplica mutatis mutandis ao ponto 7 dos factos provados, pelas mesmas razões.
e) Quanto aos pontos 10 a 12, também entendem os Recorrentes que a prova produzida nos autos foi em sentido diverso do que ali está representado, devendo ser julgados não provados.
f) Quanto ao facto 5, o Tribunal a quo apenas podia ter dado como provado que “Na estrema poente, entre um palheiro, então ali existente, e o muro construído a norte, ambos propriedade dos RR., os AA. altearam um muro com blocos de cimento”.
g) Sem prescindir, sempre deveriam ter sido considerados provados com interesse para causa que “Na estrema poente, entre um palheiro, então ali existente, e o muro construído a norte, ambos propriedade dos RR., os AA. altearam um muro com blocos de cimento”; “Foram os RR. que a poente, no sentido poente/sul, a partir da construção do antigo palheiro até ao limite da via pública, edificaram um muro de blocos de cimento”; “Há mais de 20 anos, os réus edificaram um muro sob as paredes do palheiro, que segue até à parcela que compraram à Freguesia ..., respeitando sempre os limites dos prédios confinantes, o que fizeram à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja”; “A parcela de terreno que os réus adquiriram à Freguesia ... corresponde à parcela de terreno na qual se encontra contruído o muro construído no sentido poente/sul”; “Em 03-10-1974, os réus compraram à Freguesia ... uma parcela de terreno na qual construíram um muro”.
h) Expurgados os “factos” que o não são (porque conclusões, vagos ou conceitos jurídicos), desconsiderados aqueles que no entender dos Recorrentes não foram provados, restam, ainda, como factos que o Tribunal a quo considerou provados e aceites, os refletidos nos pontos 1 a 4.
i) Acontece que, tais factos, consubstanciam referências documentais a registos matriciais, prediais, escrituras públicas, contudo, os mesmos não são adequados a provar a posse, sequer a titularidade de qualquer prédio e/ou muro a que os AA. se pretendem arrogar titulares, pois que, tendo sido impugnados pelos RR./Recorrentes os documentos juntos por aqueles AA./Recorridos, a propriedade destes não se prova por presunção registral ou sequer e muito menos matricial como se fundamentará infra: de facto, apesar de ser dado como provadas as descrições matriciais e registrais, isso não confere a qualidade de dono, enquanto proprietário, a alguém.
j) Sem prescindir, não se concorda com a fundamentação jurídica da sentença, pois que não se encontram verificados os pressupostos cumulativos da ação de reivindicação, previstos nos artigos 1311º e ss. do CC.
k) Era aos AA./Recorridos que competia provar o que foi alegado ab initio, nomeadamente, a sua propriedade com a localização, área e configuração que englobasse a faixa de terreno onde está instalado o muro sub judice, o que não fizeram, pelas razões melhor explanadas nas alegações supra.
l) Sem prescindir, também lhes competia a prova dos factos constitutivos da aquisição originária da usucapião, o que não aconteceu.
m) Diga-se ainda que, os factos constitutivos relativamente ao direito de propriedade não admitem prova por confissão resultante da não impugnação dos factos (artigos 364º e 875º ambos do CC), pelo que, a ação também não poderia ter sido julgada procedente (ars. 342º CC e 414º CPC).
n) Se se entendesse dever ser produzida outra prova (como inspeções ao local ou prova pericial), ao Tribunal competiria o poder-dever de a mandar produzir- art 411 e 6, n.º 1 CPC.
o) Assim, não podia o Tribunal a quo ter julgado a ação procedente e, nessa sequência, ter condenado os RR./Recorrentes “a reconhecerem que os autores são proprietários do prédio A e dos muros de vedação a poente, em toda a sua extensão, entre o antigo palheiro e o muro da estrema norte e entre o antigo palheiro e a via pública, do qual faz parte integrante o pilar”.
p) Sem prescindir, sempre se dirá que, o que está aqui em causa, a final, sob a “capa” de um alegado reconhecimento do direito de propriedade, é a tentativa de obtenção, pelos aqui Recorridos, da declaração e do reconhecimento judicial de que o prédio rústico, a seu favor registado, “inclui” e/ou “integra” a parcela que os aqui Recorrentes se arrogam proprietários e possuidores e onde está construído o muro, pelo que, deveríamos estar perante uma ação de demarcação e não, como aqueles querem fazer crer, uma ação de reivindicação.
q) Ainda que assim não se entendesse, o que por mera cautela de patrocínio se aduz, nunca poderia qualificar-se a presente acção como acção real e, dentro destas, como uma verdadeira acção de reivindicação, porquanto esta acção deve, pois, ser proposta contra quem, no momento da propositura, for possuidor ou detentor da coisa reivindicada, sendo que, em momento algum, os AA./Recorridos alegam que os RR./Recorrentes se encontram na posse do prédio e/ou do muro cuja propriedade reivindicam!
r) Sem prescindir, a considerar-se que o muro é efetivamente propriedade dos AA./Recorridos, devia o Tribunal a quo ter considerado, ainda, que o mesmo foi construído na propriedade dos RR./Recorrentes (conforme estes afirmam).
s) Querendo arrogar-se únicos e exclusivos proprietários do muro em questão, os AA./Recorridos deviam ter chamado à colação a figura da acessão imobiliária (cfr. art.º 1340º do CC), o que não fizeram.
t) Razão pela qual, também não podia o Tribunal a quo ter condenado os RR./Recorrentes “a reconhecerem que os autores são proprietários do prédio A e dos muros de vedação a poente, em toda a sua extensão, entre o antigo palheiro e o muro da estrema norte e entre o antigo palheiro e a via pública, do qual faz parte integrante o pilar”.
u) Ainda sem prescindir, enquadrados os factos de que dispomos, o Tribunal a quo sempre deveria ter considerado que AA./Recorridos e RR./Recorrentes são comproprietários do muro que divide os seus dois prédios no sentido poente/sul, desde o palheiro propriedade dos RR./Recorrentes até à via pública, bem como do muro alteado a norte.
v) Ainda sem prescindir de tudo quanto se disse, dir-se-á, ainda, que caso assim não se entendesse, o que por mera cautela de patrocínio se aduz, sempre seria de entender-se que a matéria de facto até agora fixada e discutida no processo se mostra deficiente, devendo este Tribunal ordenar que o Tribunal a quo, aplicando o julgamento em matéria de facto, diligencie pela prova de factos que concorram para uma concreta decisão sobre a propriedade dos AA./Recorridos e dos RR./Recorrentes, tudo em conformidade com o disposto no art.º 662º, n.ºs 2, al. c) e n.º 3 do CPC.
w) O Tribunal a quo ao julgar a presente ação procedente violou o disposto nos artigos 342º, 350º, n.º 2, 364º, 875º, 1311º, 1325º, 1326º, 1340º, 1356º, 1370º, 1371º, todos do Código Civil, bem como nos artigos 6º, n.º 1, 411º, 414º, 498º, n.º 4, 2ª parte, 607º, n.º 4, 614º, 662º, n.ºs 2, al. c) e n.º 3 todos do Código de Processo Civil e o art.º 7º do Código de Registo Predial.
x) Porquanto, da interpretação e aplicação das normas supra referenciadas o Tribunal a quo só poderia salvo melhor entendimento, concluir pela improcedência da referida ação, por não provada, e, nessa sequência, absolver os RR./Recorrentes dos pedidos formulados, condenando, por outro lado, os AA./Recorridos no pedido reconvencional deduzido pelos RR./Recorrentes.”

Os autores haviam respondido e apresentado como conclusões:

“A – O presente recurso é a manifestação evidente de um inconsequente inconformismo.
B – Em sede de conclusões os recorrentes, como acima expusemos ao responder sinteticamente, a cada uma delas, não correspondem a um corolário lógico dos fundamentos de facto e de direito que constam das alegações.
C – Os recorrentes deturpam voluntária, consciente e dolosamente o depoimento da testemunha FF como é apreensível da gravação com a referência20220316110848 ao minuto 27:58 alegando que ele disse “posso dizer que era dele” quando ele disse “posso dizer que era meu” e consequentemente devem ser condenados em litigância de má-fé em multa de 1.000,00€ e em indemnização em igual quantia – artigo 572º, nº 1 do CPC
D – O Tribunal de 1ª instância observou o princípio da imediação-oralidade e o princípio da livre apreciação das provas.
E - A decisão recorrida enquadrou corretamente a matéria de facto e procedeu a uma subsunção acertada da matéria de direito, pelo que não se vêm motivos para a alteração da decisão.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso de apelação mantendo a sentença proferida na 1ª instância.
Assim Vossas Excelências farão JUSTIÇA.” [[6]]

O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito devolutivo. No despacho respectivo foi deferida a rectificação pedida, nas alegações de recurso, ao ponto de facto 18.

Os autores requereram a condenação dos réus como litigantes de má fé por deturparem, ao impugnarem a matéria de facto, o teor do depoimento de uma testemunha.

Os réus pronunciaram-se contraditoriamente sobre essa questão.

Os autores, após a apresentação das novas conclusões por aqueles, alegaram que elas não cumprem o aperfeiçoamento determinado.

Sobre esta questão, os réus ripostaram sustentando que elas satisfazem a lei e o “convite”.

Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

Também assim o entende pacificamente a jurisprudência: “o objecto do recurso é composto apenas pela matéria constante das conclusões do recorrente na alegação de recurso, das conclusões do recorrido na ampliação do recurso e das questões de conhecimento oficioso”. [[7]]

O ponto de partida do recurso, por princípio, é sempre a própria decisão recorrida.

Com efeito, no nosso modelo (de reponderação e não de reexame da causa), por meio daquele reapreciam-se questões já julgadas na instância inferior e visa-se alterar o decidido, se e na medida em que afectado por invalidade ou por erro de julgamento.

As que, apesar de invocadas, aí não tenham sido apreciadas permanecerão fora do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem [[8]]. Tal como as que sejam suscitadas como novidade. [[9]]

Ora, no caso, cotejando as ainda longas e algo desordenadas conclusões pós-convite com as prolixas e confusas alegações, delas se colhe que, no essencial, temos:

a) Uma não-questão prévia: lapso de escrita.
b) Outra questão, esta sim, prévia: adequação das conclusões para poder conhecer-se do recurso.
c) Propriedade e qualificação da forma de processo: se a acção deveria ser de demarcação e não de reivindicação.
d) Impugnação da decisão da matéria de facto: modificação dos pontos provados 5 a 7, 10 a 12 e 13 a 18 e aditamento, ao abrigo do artº 662º, nºs 2, alínea c), e nº 3, do CPC, por insuficiente, da matéria de facto;
e) Alteração da decisão de mérito, com absolvição dos réus do pedido formulado pelos autores na acção e condenação destes no pedido reconvencional.
f) Litigância de má-fé, no recurso, pelos apelantes.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Embora questionada no recurso, a decisão desta matéria proferida pelo tribunal a quo selecionou, como factos considerados relevantes, e julgou provados os seguintes:

“1. Através da apresentação n.º... de 1999/12/22, os autores têm a seu favor registado o prédio urbano, sito na Rua ..., Freguesia ..., concelho ..., com a área total descrita de 540,00 m2, correspondendo 140,00 m2 à superfície coberta e 400,00 m2 à superfície descoberta, a confrontar a norte com GG, a sul com rua, a nascente com HH e a poente com CC, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...76 (doravante também identificado como prédio A).
2. O prédio A foi adquirido, através de compra e venda, pelos autores a FF e mulher II, em 22-12-1999.
3. FF e II haviam adquirido a parcela de terreno correspondente ao prédio A por compra verbal, no ano de 1970, a JJ e KK.
4. Após a referida compra verbal, FF e II edificaram uma casa de habitação e muros com blocos de cimento nas estremas norte, nascente e sul.
5. Na estrema poente, entre um palheiro, então ali existente, e o muro construído a norte, altearam um muro com blocos de cimento.
6. E ainda a poente, no sentido poente/sul, a partir da construção do antigo palheiro até ao limite da via pública, edificaram um muro de blocos de cimento.
7. E no topo desse muro, a poente/sul, edificaram um pilar em betão armado.
8. Nesse pilar cravaram uma folha de portão – a do lado esquerdo, visto de frente, para o prédio A – que dá acesso de carro e a pé ao prédio A.
9. Para alinhamento da estrema poente/sul do prédio A e construção do muro e pilar, no ano de 1984, FF e II compraram à Freguesia ... uma parcela de terreno.
10. O muro e pilar entre o antigo palheiro e a via pública foram concluídos por volta do ano 1984.
11. As construções levadas a cabo na parcela de terreno correspondente ao prédio A foram efetuadas à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, convencidos os antepossuidores dos autores que não lesavam qualquer direito e de que o prédio A e todos os muros a norte, sul, nascente e poente lhes pertenciam.
12. Desde 1970, foram os autores, por si e antepossuidores, quem, de forma continuada e ininterrupta detiveram a casa de habitação, o logradouro e os muros de vedação do prédio A.
13. Os réus, sem autorização dos autores, pintaram o referido muro e pilar de branco, para o que entraram no logradouro do prédio A.
14. Os réus têm a seu favor registado o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da Freguesia ... sob o artigo ...91.º e descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ...85 (doravante também denominado de prédio B).
15. O prédio B foi adquirido pelos réus em 14-12-1985.
16. No prédio B, os réus edificaram uma moradia.
17. O prédio B sempre beneficiou de duas entradas desde a via pública.
18. Em 03-10-1974, os réus [[10]] compraram à Freguesia ... uma parcela de terreno.
19. Previamente à construção e edificação do muro e casa dos réus, existia um palheiro.
20. Desde que construíram a casa de habitação no prédio B, os réus passaram a habitá-la, o que fizeram à vista de todos, de forma contínua, sem oposição de quem quer que seja, convictos de que eram seus proprietários e de que não lesavam direitos de outrem.”

E julgou como não provados os seguintes:

“a) O prédio A resultou de destaque de um outro prédio pertencente a JJ e KK.
b) Quando foi adquirido por FF e II, o prédio A já se encontrava murado.
c) O muro construído entre o antigo palheiro e o pilar tem 0,30 cm de largura por 0,65 cm de altura e 3,20 m de comprimento.
d) O pilar tem 0,30 cm de largura por 1,25 m de altura.
e) No dia 03-08-2020, quando os autores queriam concluir a construção do muro entre o antigo palheiro e o pilar localizado no topo poente/sul do prédio A, de forma igual ao muro localizado a sul, com colunas de cimento e um corrimão de travamento, foram impedidos de o fazer pelo réu marido, que afirmou que o muro lhe pertencia.
f) Entre a parede nascente da casa do prédio B e o muro e pilar da estrema poente/sul do prédio A existe uma parcela de terreno com cerca de 8 m2 que integra o domínio público.
g) O prédio B foi adquirido pelos réus no ano de 1974.
h) Há mais de 20 anos, os réus edificaram um muro sob as paredes do palheiro, que segue até à parcela que compraram à Freguesia ..., respeitando sempre os limites dos prédios confinantes, o que fizeram à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja.
I) A parcela de terreno que os réus adquiriram à Freguesia ... corresponde à parcela de terreno que os autores afirmam e defendem como propriedade sua.
j) Desde 1974 que os réus, por si e antepossuidores, familiares e trabalhadores, plantaram, semearam, adubaram e cultivaram o terreno do prédio B, recolheram os animais no palheiro, cultivaram as árvores de fruto, fizeram a sua poda e sulfataram-nas, e lavraram o terreno sempre que necessário e conveniente.
k) Os autores, no mês de agosto de 2020, tentaram ocupar o muro procedendo à colocação de vasos.
*
Não foi transportada para o elenco dos factos provados e não provados matéria conclusiva, de direito, repetida ou sem interesse para a demanda, atento o seu objeto.”

Para tanto, fundamentou-se na seguinte

Motivação
Obedecendo ao princípio da livre apreciação da prova, orientado pelas regras da experiência comum aplicadas ao caso concreto, alicerçando-se nas normas substantivas do ónus da prova previstas nos artigos 342.º e ss. do Código Civil, o tribunal formou a sua convicção do modo que se passa a explanar.
Facto provado 1: Relevaram-se as cópias da caderneta predial urbana e da informação do registo predial que se mostram juntas, respetivamente, como documentos n.ºs ... e ... (fls. 9 e 10) da petição inicial, que não suscitaram dúvidas relativamente à respetiva autenticidade e fidedignidade.
Facto provado 2: Demonstrado pela cópia da escritura de compra e venda junta como documento n.º ... (fls. 12 a 15 verso) da petição inicial, sobre a qual, também, não se levantaram quaisquer reservas acerca da respetiva autenticidade e fidedignidade.
Facto provado 3 e facto não provado a): Não se tratando de segmento factual objeto de especial incidência em sede de produção de prova testemunhal - até porque em causa, verdadeiramente, não está toda a propriedade do prédio A, mas apenas os muros da estrema poente - FF, antigo proprietário do prédio A, que apresentou um depoimento seguro e circunstanciado, merecedor de inteira credibilidade, não deixou de revelar que foi ele quem mandou construir a casa que ali se encontra implantada e que, depois, vendeu o prédio aos autores. No mais, na cópia da escritura de justificação notarial junta como documento n.º ... – escritura essa que não foi impugnada - mostram-se declarados a data e modo de aquisição da posse – compra verbal - do prédio A por aquela testemunha e sua mulher (II) aos anteriores proprietários: JJ e KK. Não ficou provado, porém, através de qualquer documento (nomeadamente, não emerge do registo predial e da escritura de justificação notarial a que se fez alusão) ou prova testemunhal, que o prédio A correspondeu, alguma vez, a uma parte de outro prédio do qual tivesse sido destacado.
Factos provados 4 a 8, 10, 11 e 12 e factos não provados b), c), d) e h): Para a demonstração da matéria de facto ora em apreço, que encerra o cerne do dissídio, ateve-se o tribunal, em primeiro lugar, ao depoimento do anterior proprietário do prédio A. Com efeito, FF, que, como já se aludiu, nos mereceu inteiro crédito, revelou, de modo sereno e desprendido, que foi ele quem mandou construir os muros (e o pilar), identificando as pessoas que os construíram, entre eles LL (o seu sogro) e MM (pai do ora autor). Tal depoimento foi enriquecido por detalhes de alguma significância, que apenas lhe acrescentaram verosimilhança, tais como o ora réu ter-se apresentado, na altura em que o muro era construído, acompanhado de um advogado, ocasião na qual ficou acordado alinhar o muro, na parte mais próxima da entrada, pelo antigo palheiro (que era propriedade dos réus). Mais, esta testemunha ainda precisou que a parte do muro que existia do antigo palheiro até à estrema norte do prédio A foi a que foi construída (alteada) mais tarde, correspondendo esta, em bom rigor, a um alteamento de um antigo muro em pedra, cuja propriedade (dos autores) não foi, aliás, questionada por nenhuma outra testemunha (e nem mesmo pelas partes).
Sobre quem mandou construir e de quem era o pilar, não deixou de ser indicador da menor credibilidade de algumas testemunhas arroladas pelos réus sobre a matéria (nomeadamente NN, que garantiu que o pilar é dos réus) e da própria ré OO (que foi no mesmo sentido), que o próprio réu tivesse vindo desmentir essa versão dos factos, garantindo que o pilar foi feito pelos vizinhos. Ainda sobre o pilar, visível nas fotografias juntas a fls. 17, 61 e 95 (aqui com mais nitidez), apresenta-se carente de sentido que tivessem sido os réus a mandá-lo construir, considerando que o mesmo serve de suporte ao portão de entrada no logradouro do prédio A e é em tudo idêntico ao pilar oposto (que os réus não colocam em causa que seja dos autores), com exceção de ter sido pintado de branco pelos réus em data mais recente.
Volvendo agora, novamente, ao muro a poente que se situa entre o pilar e o antigo palheiro, MM corroborou, de modo simples e assertivo, o depoimento de FF, tendo confirmado que interveio na construção do muro sob as ordens daqueloutra testemunha, e PP, mãe do autor, recordava-se que o muro em causa tinha sido feito a mando de FF e que na sua construção tinha intervindo o seu marido (o que já tinha sido narrado por QQ). Por fim, RR, que assegurou que participou na construção da casa dos réus (trabalhando com o pai SS), também afirmou que o prédio A, aquando da construção da casa, já estava todo vedado por muros.
Acresce que várias testemunhas arroladas pelos réus afirmaram que os muros foram construídos depois da construção da casa dos réus: neste sentido, atente-se, por exemplo, nos depoimentos de TT e NN (que teria fornecido o material para a construção). Contudo, observadas fotografias contemporâneas da construção da casa dos réus (a fls. 55), o que se constata de forma clara é que o muro (e o pilar…) já existiam numa fase em que a casa ainda não estava sequer acabada, o que desacredita aqueles depoimentos nesse segmento. Por outro lado, a testemunha EE, que denotou maior proximidade aos réus e um inusitado interesse na demanda e conhecimento dos autos - o que diminui a respetiva isenção e espontaneidade e, por via disso, o respetivo crédito - revelou que se lembra que a ré OO se mostrou desagradada pelo local por onde tinha sido construído o muro, mas que depois nada fez. Ora, este detalhe apenas faz sentido lógico se o muro tivesse sido mandado construir (como estamos em crer que foi) pelos anteriores proprietários do prédio A, e não pelos próprios réus, considerando que não é verosímil que o empreiteiro contratado pelos réus construísse o muro por sua livre iniciativa em local que não fosse indicado pelos donos da obra (isto é, pelos réus) ou que estes, ficando prejudicados com a configuração do muro, não o mandassem corrigir.
Donde, por toda a prova agora analisada, propendemos a crer que os muros da estrema poente do prédio A e o pilar foram mandados construir pelos antepossuidores dos autores, e não pelos réus.
A contrario, e de forma lógica, não se demonstrou que o prédio A já se encontrava todo murado aquando da sua aquisição por aqueles antepossuidores (conforme se afirma no artigo 7.º da petição inicial, in fine) –facto não provado b).
Com menos relevo para o litígio, até porque o muro e o pilar estão retratados em fotografias, também não resultaram provadas as suas concretas dimensões (factos não provados c) e d)).
Sobre quem colocou o portão no pilar, apesar de não resultar da prova testemunhal produzida consenso nesta matéria, certo é que ambos os réus assumiram (o réu marido com maior convicção) que o portão foi colocado pelos antepossuidores do prédio A.
Facto provado 9: Demonstrado pela conjugação entre o depoimento de FF e a cópia da ata da Junta de Freguesia ... de 10-12-1984, onde se deliberou sobre “a venda de terreno para alinhamento da eira do ... a FF pelo valor de 2.100$00”, junta como documento ... da petição inicial (a fls. 16), relativamente ao qual não se levantaram questões sobre a respetiva fidedignidade e autenticidade.
Facto provado 13: Ainda que os réus tivessem impugnado a matéria de facto atinente à pintura do muro e do pilar, certo é que nenhuma testemunha colocou em crise que foram os mesmos a mandar fazer essa pintura, tendo, nomeadamente, UU e EE confirmado tal realidade.
Facto provado 14: Teve-se em consideração a cópia do registo predial de fls. 41, quando conjugada com a cópia da caderneta predial urbana que figura a fls. 49, documentos que por sua vez conjugados com a cópia do Alvará de Utilização emitido pela Câmara Municipal ... (junto a fls. 39), comprovam que não só o artigo ....º corresponde ao n.º 11/080185 do registo predial, como também que, sem embargo da aquisição de outros prédios que possam ter sido anexados fisicamente àquele, o prédio de que os réus se servem para habitação é o que corresponde à referida inscrição registal e matriz predial.
Facto provado 15 e facto não provado g): A aquisição (incluindo a data do negócio de compra e venda) do prédio B mostra-se documentada na cópia da escritura de compra e venda que os próprios juntaram a fls. 34 e ss., documento que não mereceu qualquer impugnação e que não suscitou reservas no que tange à sua fidedignidade e autenticidade. Nessa medida, não se pode dar como provado que o prédio foi adquirido em 1974.
Factos provados 16 e 17: Trata-se de matéria admitida por acordo.
Facto provado 18 e facto não provado i): Estribou-se estre tribunal no recibo emitido pela Junta de Freguesia ... cuja cópia consta a fls. 40, corroborado em audiência pelo seu subscritor, VV, que, de modo sereno e circunstanciado, explicou os termos do negócio de compra e venda da parcela de terreno. No entanto, quer porque os autores, em bom rigor, não reivindicam apenas uma concreta parcela de terreno - mas, com relevo, a propriedade do prédio A e dos muros (e pilar) da sua estrema poente – quer porque nenhuma localização existe da parcela de terreno adquirida pelos réus à Freguesia ..., não se pode dar como provado que esta equivalha a qualquer trato de terreno reivindicado pelos autores, nomeadamente aquele onde os muros e pilar se encontram implantados.
Facto provado 19 e não provado h): A existência do antigo palheiro é matéria consensual no âmbito dos articulados, pelo que se considera matéria admitida por acordo.
Facto provado 20 e facto não provado j): Por todas as testemunhas inquiridas, ainda que de modo menos direto, sobre a matéria de facto em apreço, os réus foram sempre reputados como os moradores da casa de habitação do prédio B, nomeadamente WW, TT e EE. Quanto à utilização da parte rural do prédio B, talvez por não ostentar relevo para o presente litígio, não se produziu prova que permitisse sustentar a sua demonstração.
Factos não provados e) e k): Não demonstrados por nenhuma prova produzida em audiência de julgamento.
Facto não provado f): Não ficou provado por qualquer meio de prova apresentado em julgamento.”
 
IV. APRECIAÇÃO

a) A não-questão prévia: correcção de lapso de escrita

Apesar do convite ao aperfeiçoamento, os apelantes, mantiveram, por certo inadvertidamente, na alínea a) das conclusões “aperfeiçoadas”, a alusão a que há um lapso de escrita no ponto provado 18, que justificaram no capítulo I das suas alegações e cuja rectificação pediram aí ao abrigo do artº 614º CPC.

Não atentaram bem no teor e no objectivo do convite, no texto de tal norma, na natureza do vício, no modo de promover a sua rectificação [[11]], na competência para o decidir [[12]], nem – o que é pior – que o mesmo foi oportunamente apreciado e, a seu contento, deferida a rectificação no despacho que recebeu o requerimento de recurso datado de 02-12-2022.

Por isso e porque nada mais foi depois alegado a tal respeito pela parte contrária e perante este tribunal, nada há a decidir, a não ser que é uma não- questão sobre assunto arrumado e não carente de qualquer apreço.

b) Conhecimento ou não do recurso

Foram os apelantes convidados, nos termos e com a cominação previstos no nº 3, do artº 639º, e no artº 530º, nº 7, alínea a), do CPC, face às objecções pelos apelados dirigidas às conclusões apresentadas, à notada impertinência às mesmas de matéria nelas consignada e à sua extensão visivelmente excessiva, a, por apelo ao dever legal de síntese e ao que a vasta Doutrina e a Jurisprudência apontadas entendem generalizadamente sobre o conceito e função de tal ónus e o âmbito da sua exigibilidade, aperfeiçoá-las, mormente quanto à inclusão do pedido de rectificação, às diversas e desnecessárias transcrições nelas contidas e às considerações ou explanações crítico argumentativas não expurgadas do texto das alegações e nelas vertido, com a exortação de que deveriam cingir-se “às questões que, relativas ao objecto do processo e contra a sentença, pretenderam efectivamente suscitar nele (não podendo agora aditar outras nem limitar-se a mero corte de texto ou simples encurtamento artificiosos do seu número, antes devendo observar as regras relativas à forma e ao conteúdo, conforme aí preconizado).

Tentando acatar o convite, apresentaram, então, as conclusões acima transcritas.

Responderam os apelados, sustentando que, apesar da clareza, da explicação e da cominação expressas no convite, aqueles não lograram o objectivo e fizeram o contrário do que lhes foi pedido, pelo que, mantendo-se as deficiências, deve ser aplicada aquela.

Com efeito, dizem eles que:

“7. Anexaram as conclusões iv e v na alínea c), x e xi na alínea f), xx e xxi na alínea m), xxiv e xxvi na alínea p), xxvii e xxviii na alínea q), xxxvii e xxxviii na alínea v) e xl e xli na alínea x), praticamente pelo expediente de “copy paste”
8. E repetiram as conclusões i na alína a), iii na alínea b), vi na alínea d), vii na alínea e), xii na alínea g), xiii na alínea h), xiv na alínea i), xv na alínea j), xvii na alínea k), xviii na alínea l), xxii na alínea n), xxiii na alínea o), xxix na alínea r), xxx na alínea s), xxxi na alínea t), xxxvi, na alínea v) e xxxiv na alínea w) usando o expediente “copy paste”.
9. É de realçar que os recorrentes nem tiveram em consideração o despacho retificativo do Mº Juiz [Refª ...68, de 2-12-2022] e o cuidado de eliminar a conclusão a) que corresponde à primeira conclusão inicial i).
10. A agravar a displicência dos recorrentes remetemos para a conclusão w) onde concluem, inexplicavelmente, que o Mº Juiz violou o disposto no artigo 614º do Código de Processo Civil.
11. E consta da mesma conclusão a violação do artigo 498º, nº 4 – 2ª parte do CPC, o que é inadmissível porque o artigo 498º do CPC com a epígrafe “Rol de testemunhas – Desistência de inquirição é composto apenas dos nº 1 e do nº 2.
12. Na mesma conclusão os recorrentes citam também a violação do artigo 662º, nº2, alínea c) e nº 3 do CPC que é inaplicável, na nossa modesta opinião, no Tribunal de 1ª Instância.
13. Os recorrentes limitam-se a citar normas jurídicas violadas e esquecem de referenciar a indicação do sentido que deve ser atribuído às normas cuja aplicação e interpretação determinou o resultado que pretendem impugnar – artigo 639º, nº 2, alínea b) do CPC.”.

Os apelantes ripostaram que cumpriram o exigido, conforme referem, e que aquela resposta dos apelados é “inadmissível processualmente porquanto não se coaduna nem com a letra nem com a ratio da lei”.

Começando por aqui.

Lendo-se a lei – nº 4, do artº 639º –, constata-se que “O recorrido pode responder…”.

E, lendo-se também o indicado despacho, verifica-se nele que, aí, expressamente, se cuidou de deixar consignado, para prevenir confusões, que, caso o convite fosse acatado, se observaria aquela disposição.

É, pois, vã e infundada a arguição de tal inadmissibilidade pelos apelantes.

Por isso, de desatender.

Quanto ao mais:

Eles reduziram as 41 conclusões primitivas a 24, ou seja, em 59%.

Removeram transcrições, considerações e explanações crítico- argumentativas e a citação de depoimentos testemunhais.

De resto, procederam como descrevem os apelados, salvo quanto às anexações nas alíneas c) e f), que não notámos encerrarem as anteriores como estes apontam.

Ficaram, portanto, longe da meta definida.

O resiliente problema das conclusões (que implica o desperdício de tempo incalculável mas de valor estimável!) nasce de, por um lado, o legislador impor aos recorrentes a síntese funcionalmente necessária para balizar o objecto do recurso e facilitar o contraditório, tal como o seu exame; e, por outro, da intenção de que se utilizem os actos do processo com a parcimónia que a economia, a simplicidade e a clareza exigem.

A norma do nº 1, do artº 639º, CPC, é emanação de ambas as necessidades, em geral apontadas nos artºs 131º e 132º, mas aqui especificamente dirigida a uma precisa função cujo alcance se comete à cooperação, nem sempre franca e eficiente, das partes.

Acontece, pois, que o apelo lancinante, no dealbar do novo Código, a uma “nova cultura judiciária”, “desincentivando a inútil prolixidade” e a “artificiosa complexização da matéria litigiosa” com a “injustificável prolixidade das peças processuais produzidas, totalmente inadequadas à real complexidade da matéria do pleito” [[13]] e a sua consagração nas normas adjectivas, é cada vez menos escutado e atendido.

Tais argumentos esbarram no facilitismo propiciado pelos meios informáticos, no culto do academismo tratadista, na confusão acrítica do volume do que se escreve com o mérito do que se alega, na correria da vida actual de todos os profissionais do foro, no desvalor do culto das melhores regras técnico-práticas, em que pontificavam a clareza, a concisão e o sentido de pertinência e de utilidade, e, assim, no abaixamento dos padrões de esmero, de rigor e de eficácia que eram apanágio das peças processuais no foro.

E assim o mal arrasta-se, tende a tornar-se crónico, porque, noutra perspectiva, as exigências de apuro e contenção na apresentação dos actos e os remédios para elas, até os legalmente impostos, são geralmente justificados pelas partes (mais quando tal lhes convém), e até assumidos na Jurisprudência, como contra-indicados à realização da justiça material e, por isso, como um inevitável menosprezo da forma, porém compensável em benefício do fundo.

Considerando-se, pois, que as questões substantivas não podem de todo ser ofuscadas pelas adjectivas, que a instrumentalidade destas deve perseguir, em vez de prejudicar, a busca da essencialidade daquelas e embora não comunguemos de uma plácida “atitude condescendente” nem nos conformemos com qualquer “afastamento dos padrões legalmente estabelecidos”[[14]], ou seja, com o “incumprimento” da lei por cuja observância nos compete firmemente velar em vez de capitular ante o progressivo “abaixamento do grau de exigência”, temos noção de que, por um lado, alegar e concluir, é tarefa cujo primor varia subjectivamente em função de perspectivas, de dotes e de qualidades pessoais  e que, por isso, nem sempre é fácil distinguir o que é fruto de método próprio do que resulta de  negligente e censurável incumprimento do dever legal; e, por outro,  que, em repetidas circunstâncias, se não for um redobrado esforço indispensável para encontrar, apreender e destacar as reais e sérias questões recursivas e alguma flexibilidade na verificação das suas condições de apresentação, os recursos morrerão frequentemente à nascença, amputando-se ao direito de acção e ao de defesa o de segundo grau de jurisdictio – importa adoptar perspectiva razoável e equilibrada.

No presente caso, apesar das queixas dos apelados e das deficiências não inteiramente supridas, consegue-se, nas conclusões aperfeiçoadas, lendo-as, interpretando-as, encadeando-as na devida ordem e relacionando-as, identificar e recortar as principais questões recursivas carentes de pronúncia.

Do resultado dessa tarefa já mais atrás, no recorte das questões a resolver, se deu conta.

Resta eventual cominação tributária e negação aos recorrentes de legitimidade para, caso nessa detecção oficiosa alguma deficiência ocorra, fruto do seu menor cuidado em precisar clara e sinteticamente as questões, questionarem o resultado.

Apesar, pois, das críticas dos apelados e das incorrecções notadas, julgar-se-á improcedente esta questão prévia e avançar-se-á para as demais questões.
***
Avançar-se-á, mas não sem antes nos embrenharmos numa análise agora mais detida, mas indispensável, dos articulados, de modo a enquadrar-se a temática recursiva à luz da versão de cada uma das partes.

Recordando-se os pedidos formulados pelos autores, em que avulta o de condenação dos réus a reconhecerem que os muros são sua propriedade exclusiva [[15]], colhe-se da petição inicial, fazendo-se um apanhado dela [[16]], que eles, aí, para os justificarem, alegaram que são (e assim se presumem, nos termos do artº 7º, do CRP) donos do prédio urbano referido no petitório, registado, definitivamente, a seu favor, na respectiva Conservatória, desde 22-12-1999, por o terem comprado, conforme escritura de 07-02-2000, a FF e mulher XX. Estes seus antecessores haviam adquirido, por compra verbal, em 1970, uma parcela para construção urbana, com a área de 540m2, a JJ e KK.
Nessa parcela de terreno (aqueles FF e mulher), edificaram, logo após tal compra verbal, o prédio urbano já referido e muraram-no todo, nomeadamente na parte norte, nascente e sul, com blocos de cimento, e, na parte poente, entre um palheiro lá erguido e já então existente e a parede construída a norte, altearam esta parede (parede esta integrante da parcela de terreno adquirida) com blocos de cimento; e, ainda, nessa mesma parte poente, ou seja, a partir do referido palheiro [[17]] até ao limite da via pública, edificaram um muro de blocos de cimento em cujo topo poente/sul, onde ele termina, ergueram (os ditos antecessores) um pilar em betão armado em que cravaram uma folha do portão – a do lado esquerdo, visto de frente para o prédio – que dá acesso, de carro e a pé, ao logradouro do seu prédio.
Para tal (construção do muro e pilar), esses mesmos seus antecessores compraram à Junta de Freguesia ... uma parcela de terreno para alinhamento da estrema poente/sul do prédio [[18]], no ano de 1984, tendo sido por volta desse ano, mas após tal compra, que eles (autores) o concluíram (muro e pilar).
Esse muro define a estrema do prédio dos autores e, do lado contrário, confina com a parcela de terreno sobrante que continua a pertencer ao do domínio público. [[19]]
Aquando da construção do referido muro (1984), entre a “construção do palheiro” [[20]] e o pilar, os antecessores dos autores não a remataram (como fizeram quanto ao muro da rua conforme foto junta como doc. ...) com as colunas de cimento e o corrimão de travamento [[21]] “porque não tinham mais”.
Todas as construções levadas a cabo por aqueles mesmos antecessores foram feitas a partir da data da aquisição da parcela de terreno para construção urbana (1970), nomeadamente a casa de habitação e os muros de vedação, incluindo o muro de vedação do lado sul confinante com a via pública, o qual termina na parte sul/poente também com um pilar em betão armado igual ao pilar localizado no topo poente/sul [[22]], onde está cravada a outra folha do portão – a do lado direito visto de frente para o prédio - que dá acesso de carro e a pé ao logradouro do prédio dos autores.
Todas as obras e/ou construções foram efetuadas à vista de toda a gente, nomeadamente, das pessoas da aldeia de ..., incluindo da Junta de Freguesia e dos proprietários vizinhos do prédio dos autores, sem oposição de ninguém, convencidos estes de que não lesaram qualquer direito de outras pessoas, que do prédio urbano objecto do pedido fazem parte integrante todos os muros de vedação, a norte, sul, nascente e poente, e de que de tudo são proprietários exclusivos. 
Pelos seus antecessores e por si próprios, desde então e até 03-08-2020, foram os autores quem, de forma continuada e ininterrupta, “deteve” o prédio, ou seja, a casa de habitação, o logradouro e os muros de vedação, assim, por usucapião, tendo adquirido a propriedade dele e dos descritos muros (e pilares) integrantes.
Porém, naquela data (03-08-2020), quando os autores queriam concluir a construção do muro [[23]] entre a antiga “construção do palheiro” e o pilar localizado no topo poente/sul do seu prédio, com a colocação das colunas de cimento e um corrimão de travamento, foram impedidos de o fazer pelo réu marido, alegando este que o muro lhe pertencia.
De facto, os réus, abusivamente e sem sua autorização, pintaram de branco o muro e pilar em questão e entraram no logradouro dos autores.
Já haviam feito duas pinturas na parte exterior da casa e só agora, há cerca de dois anos, é que pintaram também o muro e o pilar, que lhes não pertence.
Com efeito, entre a parede nascente da casa que os réus habitam e o muro e pilar na parte poente/sul do prédio dos autores, existe ainda uma parcela de terreno com cerca de 8 m2 que pertence ao domínio público, sendo com ele que confina o seu prédio, nesta parte.
A parte do muro a poente, construído entre o palheiro e a parede norte, em toda a sua dimensão, isto é, a parte que vem do subsolo e a parte alteada, também é propriedade exclusiva dos autores, uma vez que o prédio primitivo em que se insere a parcela adquirida na qual construíram a casa era e é todo murado ao contrário, então, do prédio contíguo, hoje dos réus.
Assim, não havendo proprietário confinante com o muro a poente (o que vai do palheiro à via pública), o mesmo é propriedade exclusiva dos autores, uma vez que foi por si construído e serve exclusivamente o seu prédio.
Embora o outro muro (entre o palheiro e a parede norte) confine com o prédio dos réus, ele é também propriedade exclusiva dos autores porque o prédio dos réus não era murado pelos outros lados (ao contrário do que sucedia com aquele onde veio a edificar, que era murado por todos os lados).
Acresce que este segundo muro (o que altearam), além de servir de vedação, servia também como muro de suporte das terras, porque estava e está com um desnível de cerca de 2 metros de altura [[24]].
Assim, os autores, no que tange ao muro de mais acirrada contenda (o que vai do palheiro à rua), concluem que é sua propriedade exclusiva porque foi construído e custeado (ao abrigo do artº 1356º, do Código Civil) pelos anteproprietários do seu prédio, sobre terreno deste (e parcela adquirida para o efeito à Junta), único que ele serve, para o demarcarem, tanto mais que não existe sequer proprietário confinante do lado oposto (pelo que resultam também excluídas as hipóteses dos artºs 1370º e 1371º, do mesmo compêndio ).
Quanto ao outro muro (o do lado oposto a esse que vai do palheiro para norte), apesar de confinante com os réus, é exclusivamente deles (excluindo-se a comunhão, nos termos da alínea c), do nº 3, do artº 1371º, do CC), porque já existia a suportar o terreno da parcela que adquiriram, o prédio vizinho dos réus não era murado por todos os lados e porque apenas o altearam com blocos.

Recordando-se também a reconvenção e os pedidos nesta formulados pelos réus, sobretudo quanto a um dos muros, colhe-se do respectivo articulado que, fazendo-se dela também o apanhado possível, estes, como verdadeiro, aceitaram um facto (o do item 27 da pi), ou seja, o de que, na verdade, quando, em 03-08-2020, os autores queriam intervir no discutido muro que se projecta do palheiro, para sul, até ao pilar, efectivamente alegaram que ele lhes pertencia.
Impugnaram os demais, por revelarem “um acumular de incongruências sem pés nem cabeça” e todos os documentos juntos, maxime por não corresponderem à realidade, por as áreas “reivindicadas” não pertencerem aos autores, designadamente aquela onde se encontra construído o muro, pois os actos alegados pelos autores “espelha sim” que eles os “têm executado ao longo dos anos sobre propriedade alheia”, o que já deu azo a queixas-crime.
O muro descrito não foi edificado pelos autores mas antes pelos réus, no prédio destes e por si custeado, há mais de 20 anos.

A realidade é:
Os réus são donos e legítimos proprietários do prédio urbano [na sentença referido como B] inscrito na Matriz sob o artigo ...91 e descrito na competente Conservatória. Este confronta a norte com os próprios, nascente com Rua Pública, a Sul e Poente com Rua Pública e Dr. GG e desde sempre manteve a configuração e confrontações “com exceção da área que não corresponde à realidade – conforme decorre da Licença de Habitação e projeto” [[25]]. 
Os réus [[26]], nos anos de 1974, “por si e por interpostas pessoas”, compraram várias parcelas de terreno situadas na Rua ..., confinantes com o do nº ... da Matriz.
Assim (itens 13 e 40), numa primeira fase, compraram uma casa, seguindo-se as parcelas (horto) e o identificado palheiro, prédio este que muraram, onde edificaram uma moradia, procedendo depois a uma ampliação – marquise –, adquirindo o prédio em questão uma área real de aproximadamente 900 m2 (381,00m2 destinada habitação, e 580,00 m2 afecta a logradouro), beneficiando desde sempre tal prédio “com” duas entradas para a rua pública (itens 14 e 41).
Na mesma data, os réus [[27]], para beneficiarem de uma área suficiente, que lhes permitisse a entrada e saída de tratores agrícolas para a Adega [[28]] compraram à Junta de Freguesia mais uma parcela de terreno (itens 15 e 42), aquela que os autores alegam ser a sua. Tais aquisições ocorreram entre 1974 e 1984.
Os réus são conhecidos como verdadeiros donos do prédio por toda a gente da Freguesia “sob as configurações descritas” [[29]].
Sucedeu que, previamente à construção e edificação do muro e da casa dos réus, existia um palheiro. Estes (os réus) edificaram o muro sobre [[30]] as paredes do palheiro, que segue até a parcela que eles [[31]] compraram à Junta de Freguesia, respeitando sempre os limites dos prédios confinantes, sejam dos autores ou de terceiros (itens 19 e 45).
Ou seja, os réus edificaram o muro há mais de 20 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja (itens 20 e 46, parte).
É falsa a versão dos autores. Estes têm conhecimento que o muro está edificado no prédio dos réus. Na verdade (os réus), pintaram o muro e o pilar, actuando como seus verdadeiros donos. Aqueles litigam de má fé.
A área reclamada faz parte integrante do prédio dos réus. Ao pintarem o muro e o pilar, actuaram sempre como seus donos, com exclusão de outrem, pois que não conhecem outra realidade.
Os autores são os únicos que questionaram a propriedade dos réus. Tentam apropriar-se de uma parcela de terreno que integra o prédio deles e sobre a qual se encontra um muro também sua propriedade
As várias parcelas confinantes que os réus adquiriram (itens 12, 27 e 28) passaram a integrar o prédio urbano inscrito na Matriz sob o artigo ...91º, ficando com as confrontações acima referidas. 
Os réus e os anteproprietários, aos quais sucederam na posse, respectivos familiares e trabalhadores, administraram, utilizaram, plantaram, podaram, sulfataram, semearam, adubaram, cultivaram, lavraram o prédio e apanharam seus frutos, fazendo refeições na casa e recolhendo os animais no palheiro, como verdadeiros titulares da propriedade daquela, deste, do horto e do logradouro (comprado à Junta de Freguesia), em toda a “sua” área. [[32]] Estão, pois, na posse dele há mais de 30 anos.
No mês de Agosto do ano de 2020, os autores tentaram ocupar o muro colocando nele vasos [[33]] e persistem na tentativa de apropriação de uma parcela de terreno que integra o prédio dos réus e sobre o qual se encontra um muro também propriedade destes, ao qual os autores não têm qualquer direito.
Concluem que são proprietários exclusivos do muro [[34]] por eles edificado, e da parcela onde ele está erigido, sendo aquela e este parte do seu prédio, sobre toda a área deste (item 37) e sobre o muro (item 46) tendo actuado possessoriamente e, assim, adquirido esse imóvel, com tal configuração, por usucapião.

Em face disto, os autores, na réplica, resumindo, não puseram em causa a aquisição, pelos réus, do prédio urbano B. Impugnaram, isso sim, todo o mais referido no item 40 da contestação quanto às sucessivas aquisições e actos construtivos, designadamente a composição, área e as confrontações alegadas quanto a ele, embora seja certo que, depois de o adquirirem, os réus fizeram naquele obras de reconstrução e melhoramentos.
Impugnaram também o alegado no item 42 da contestação “porque o doc. ... (manuscrito) pelos reconvintes não identifica o prédio dos reconvintes e em 1974 ainda não eram proprietários do prédio” [[35]]. Bem assim, a data das alegadas aquisições sucessivas (1974 a 1984) porque a escritura de compra, pelos réus, do seu prédio, é de 14-02-1985 e porque o tal documento manuscrito [[36]] “não prova a compra porque já então a lei exigia a celebração de escritura pública para a compra de imóveis, sob pena de  nulidade, como melhor consta dos artigos 875º e 294º do Código Civil e artigo 80º, nº 1 do Código do Notário, então em vigor” [[37]].
Refutaram, ainda, a versão dos réus sobre a alegada edificação, por eles, do muro, designadamente a relativa ao modo de aquisição do mesmo (usucapião), reiterando a sua, insistindo que é do domínio público a parcela que eles dizem pertencer-lhes e onde alegam ter feito o muro.

Visto isto…

c) Propriedade e qualificação da forma de processo

Algures (conclusões p) e q), os réus apelantes sugerem que, face ao pedido e à causa de pedir, “deveríamos estar perante uma acção de demarcação, e não […] de reivindicação” e que, de todo o modo, nunca esta acção se pode qualificar como acção real nem como verdadeira acção de reivindicação porque jamais os autores alegaram que os réus estivessem na posse ou detenção do prédio e/ou do muro “que reivindicam”.

Lá pelo meio das suas prolixas alegações (nºs 87 a 106), na mira de alertarem que o que está, afinal em causa, no pedido dos autores, é o propósito de estes obterem o “reconhecimento judicial de que o prédio rústico [[38]], a seu favor registado, «inclui» e/ou «integra» a parcela que os aqui recorrentes se arrogam proprietários e possuidores e onde está construído o muro”, de se arvorarem em aderentes ao entendimento jurisprudencial assumido nos arestos que citam de que “quando o autor não tem por seguros os limites do imóvel, ou, tendo-os, não pode ou não quer enfrentar a respectiva dificuldade probatória, em vez de recorrer à acção de reivindicação deverá pedir a fixação da linha divisória através da competente acção de demarcação” e depois de salientarem que  o que os autores pretendem “é ver reconhecida não só a propriedade sobre o muro […] mas também que o muro é um muro de vedação” o qual “define a estrema do prédio dos autores”, dizem que, então, “deveríamos estar perante uma acção de demarcação e não, como aqueles querem fazer crer, uma acção de reivindicação”.

Ainda que assim não se entendesse, invocando à luz do artº 1311º, do CC, os pressupostos da acção de reivindicação e, entre eles, o da demanda de quem for possuidor ou detentor da coisa e o da formulação do consequente pedido de restituição desta, consideram que os mesmos não se verificam.

A natureza da questão processual [[39]] levaria a que a mesma fosse apresentada à cabeça das demais questões recursivas como logicamente se intui e da lei deflui – artº 608º, nº 1, CPC.

Tal alegação é de todo inconsequente. Os recorrentes não mostram extrair dela qualquer efeito plausível. Decerto, eles próprios não acreditam seriamente em qualquer vantagem possível, nem esta se vislumbra, a não ser a de enredar a apreciação do recurso. A questão não foi, na devida oportunidade, suscitada nem conhecida. Nunca a sugerida improcedência da acção pode ser resultado da utilização de indevida forma do processo.

Ainda assim, sempre se dirá algo, para esclarecer.

O erro na forma de processo constitui, nos termos do artº 193º, CPC, nulidade processual com efeitos mitigados nessa norma traçados. [[40]]

Pode dele conhecer-se oficiosamente, a menos que entretanto fique sanado – artº 196º.

Tal nulidade principal só pode ser arguida até à contestação ou nesse articulado – artº 198º

À semelhança da ineptidão, o vício só pode ser apreciado até ou no despacho saneador, havendo-o, como no caso houve – artº 200º, nº 2.

Não pode sê-lo, como sucede com alguns outros, em qualquer estado do processo – artºs 198º, nº 2, e 200º, nº 1.

Ora, no caso é óbvio que a questão não foi oportunamente suscitada, não foi conhecida e jamais poderia acolher-se.

Como bem se explica no atrás indicado Acórdão da Relação do Porto, para cujo texto se remete mais aprofundado estudo da matéria, “Verifica-se o erro na forma do processo quando o pedido formulado pela parte corresponde ao objecto específico de uma acção com processo especial e o autor deduz o seu pedido através de uma acção com processo comum.”.

Acontece que, como geralmente é sabido, o processo especial previsto no velho artigo 1052º, do CPC, e que adjectivava o direito de demarcação previsto no artº 1353º, do CC, já acabou em 1995.

Logo, a ideia de que deveríamos estar ante uma acção especial de demarcação, e não ante a comum declarativa, não tem qualquer base nem sentido.
 
De todo o modo, não deixa de ser verdade que se porventura estivesse em causa o exercício do referido direito de demarcação sempre e a seu tempo a tramitação processual haveria de adequar-se à sua implementação/execução in loco conforme e na sequência do que nela fosse decidido.

Sucede é que na base da pretensão dos autores não está qualquer dúvida, incerteza ou desconhecimento sobre a localização da estrema nem a necessidade da sua demarcação.

Como se vê das respectivas versões acima largamente expostas, os autores afirmam que o muro e o terreno onde ele está erguido faz parte do seu prédio urbano, é sua propriedade exclusiva, que os mesmos definem o limite daquele (rectius, do logradouro), demarcando a respectiva estrema, e aduzem as razões por que pedem o reconhecimento desse direito.

Os réus dizem e peticionam precisamente o contrário na reconvenção. Foi, aliás, nesse pressuposto que esta foi admitida. 

Não se coloca, pois, nenhuma questão de demarcação.[[41]]

Saliente-se também que, apesar da epígrafe do artº 1311º, do CC, não existe na lei adjectiva a acção de reivindicação como forma de processo especial sujeita a forma própria.

Se os autores invocarem causa de pedir e pedido conformes aos pressupostos nesta previstos, a acção não deixa de subordinar-se à forma de processo comum declarativo. Tais pressupostos materiais, definidores embora do objecto do processo, não a condicionam nem tipificam.

Sucede que, no caso, os autores não formulam qualquer pedido de restituição mas apenas o de “reconhecimento” de que são os exclusivos proprietários do prédio e dos muros, já que, na verdade, não alegam que os réus os possuem ou detêm, sequer qualquer parte, nem os muros, mas apenas que os impediram de concluir a construção daquele que vai do palheiro até à rua a pretexto de eles se arrogarem como seus donos, que, contra sua vontade, o pintaram e que, para o efeito, entraram no seu logradouro, assim pondo em causa, afrontando mesmo, o direito de que se entendem únicos e exclusivos titulares cujo conteúdo (artº 1305º, CC), face à disputa instalada, justifica que peçam a intervenção do Tribunal para o apreciar e declarar (artº 10º, nº 3, alínea a), CPC).

Não se alegando, nem havendo, porém, posse ou detenção pelos réus, não estando em causa, para além de uma reacção à alegada afronta, o exercício propriamento dos direitos de sequela e preempção característicos dos direitos reais e, consequentemente, não tendo formulado um pedido de restituição da coisa, a acção nem sequer é, em bom rigor, de condenação, nos termos previstos na alínea b), do nº 3, do citado artigo 10º.

É que, em caso de procedência do pedido de reconhecimento e declaração do direito de propriedade questionado sempre os réus ficarão, como está qualquer outra pessoa, sujeitos da chamada obrigação passiva universal que constitui o contraponto do direito real absoluto dos titulares do domínio, pelo que a condenação a “absterem-se” das condutas activas (das referidas ou de quaisquer outras) enquanto violadoras (passadas ou, em abstracto, futuras) daquela obrigação não produz  por si qualquer efeito exequível enquanto não gerarem o direito de crédito a uma concreta prestação, de coisa ou de facto, que seja judicialmente exequível e para tal imposta mediante condenação no seu cumprimento – o que, não ocorrendo, não impede o peticionado reconhecimento do direito na forma processual utilizada, sendo os demais inócuos. [[42]]

Por tudo isso, a questão sempre seria desprovida de qualquer mérito, do ponto de vista adjectivo como do substantivo.

d) Impugnação da decisão da matéria de facto

Nesta sede, em várias conclusões, questionam e defendem a alteração dos pontos 5 a 7, 9 a 12, 13 e 18.

No que se refere aos nºs 9, 13 e 18, alegam que “foram incorrectamente provados” porque “encerram formulações genéricas, vagos, de cariz conceptual ou de natureza jurídica”, devendo ter-se como não escritos, nos termos do artº 607º, nº 4, CPC.

Consta do ponto 9:

“Para alinhamento da estrema poente/sul do prédio A e construção do muro e pilar, no ano de 1984, FF e II compraram à Freguesia ... uma parcela de terreno.”

E do ponto 18:

“Em 03-10-1974, os réus compraram à Freguesia ... uma parcela de terreno”.

Sustentam que “não determinando qual a parcela em concreto (dimensões, localização exata, entre outros), quando podia e devia tê-lo feito”, tal encerra um conceito vago e conclusivo, não de um facto”. [[43]]

Devem, pois, ser “desconsiderados”, por violação do disposto no nº 4, do artº 607º, CPC.

Ora, a finalidade, a acção e os objectos descritos nesses dois pontos, nomeadamente a referência a “parcela”, comportam sentido vulgar e perceptível pelo comum das pessoas. Não são vagos, nem conclusivos, muito menos encerram conclusões de direito.

Não há motivo para serem considerados não escritos, conforme decorre do que na Jurisprudência, e bem, se tem entendido justificar tal remédio [[44]].

Questão diversa é a de eles, por si ou no conjunto dos demais, bastarem para a boa decisão do(s) aspecto(s) jurídico(s) da causa, tal como delineado(s) pelas partes, na acção ou na reconvenção.

A sua insuficiência poderá desencadear o recurso ao mecanismo previsto na alínea c), do nº 2, do artº 662º, do CPC.

A isso se voltará, uma vez que os apelantes afloram esse problema na conclusão v), sendo que ele é de conhecimento oficioso.

Relativamente ao ponto 13:

“Os réus, sem autorização dos autores, pintaram o referido muro e pilar de branco, para o que entraram no logradouro do prédio A.”.

Alegam os recorrentes que estas expressões sofrem da mesma patologia que apontaram aos outros dois pontos analisados. Não são factos, segundo eles. Deve, por isso, o ponto ter o mesmo destino do que preconizaram para aqueles.

Ora, o sentido de “prédio” é perceptível pelo comum das pessoas. “Entrar” (tal como sair) não é conclusão nenhuma.

Poderia, à primeira vista, conter matéria conclusiva ou até de direito a expressão composta “logradouro do prédio A”, visto que a contracção “do” tem, na oração, o significado de pertença, e a palavra “logradouro” pressupõe ligação a certo prédio e à titularidade deste, compreendendo assim um juízo e até decisão da questão controversa de saber a quem pertence o espaço do lado do prédio dos autores contíguo ao muro.

É que, afirmando estes que compraram uma parcela para alinhamento, que nela ergueram o muro e que esse espaço onde ele está implantado lhes pertence (e ao seu prédio urbano), e contrapondo os réus que a parcela alegada (a mesma, portanto) foi por si comprada, foram eles que construíram o muro e por isso este lhes pertence a eles (e ao seu prédio urbano), não se sabendo onde se insere e localiza a parcela que cada parte afirma ter adquirido, parece antecipar-se – o que a priori seria inaceitável, sendo isso controverso – um juízo sobre a propriedade da área  que ladeia o muro, do lado dos autores, a que necessariamente terá de aceder quem o for pintar nessa face.

Não é bem assim, contudo, no caso.

É que, apesar do referido desencontro quanto à aquisição e mormente quanto à implantação das parcelas, os réus não impugnam que a referida área da entrada para o logradouro, situada após o portão e contígua, pelo lado nascente, ao muro discutido (o do lado da rua), é “logradouro do prédio A”. Nada pretendem quanto a ela.

Não há, pois, razão para considerar o ponto não escrito, apenas com a salvaguarda que se consignou quanto aos outros e à luz do artº 662º, nº 2, alínea c).

e) Quanto à impugnação/modificação dos demais pontos

Em causa estão, como se disse, os pontos provados nºs 5 a 7 e 10 a 12.

Embora não seja a apresentada, a nossa análise seguirá esta ordem.

O ponto 5 refere que:

“Na estrema poente, entre um palheiro, então ali existente, e o muro construído a norte, altearam um muro com blocos de cimento”.

Entendem os apelantes, nos parágrafos 42 a 49 das suas alegações, que tal ponto não podia ter sido dado como provado em tais “moldes”, porque aí se não diz, mas devia ter dito, “que o muro já existente era e é propriedade dos RR./Recorrentes”, pois que a testemunha FF (à qual o Tribunal a quo deu muito crédito) afirmou, primeiro, que “e no outro muro a seguir, pois está o muro dele com dois metros de alto, para aí com três metros de largo e eu a seguir tenho outro muro a seguir com três blocos, só com três blocos que é o que acaba o muro”; e que, depois, instado a explicar, pela Mandatária dos apelantes, onde é que ele construiu o muro (o da parede do palheiro para norte), respondeu “no muro antigo que já lá estava” e questionado pela mesma sobre “de quem é o muro antigo que já lá estava?”, respondeu “posso dizer que era dele”.

Daí que, no seu entender, o Tribunal a quo apenas podia ter dado como provado, no referido ponto 5, que “Na estrema poente, entre um palheiro, então ali existente, e o muro construído a norte, ambos propriedade dos RR., os AA. altearam um muro com blocos de cimento”.

Na resposta, os apelados vituperam a invocação, que consideram distorcida, daquelas passagens do depoimento da testemunha referida e corroboram a motivação expendida pelo Tribunal.

Este, no contexto da fundamentação da decisão deste e de outros pontos (4 a 8, 10 a 10 e alíneas b), c), d) e h), salientou especificamente que:

“…esta testemunha [referindo-se a FF] ainda precisou que a parte do muro que existia do antigo palheiro até à estrema norte do prédio A foi a que foi construída (alteada) mais tarde, correspondendo esta, em bom rigor, a um alteamento de um antigo muro em pedra, cuja propriedade (dos autores) não foi, aliás, questionada por nenhuma outra testemunha (e nem mesmo pelas partes). ”.

Ora, ouvindo-se, atenta e repetidamente, a gravação, escuta-se, na verdade, a expressão “…a seguir, pois está o muro dele…”.

Mas não basta ouvir isso. Muito menos esgrimir com tal expressão isoladamente. É preciso ouvir tudo e atentar, com rigor e objectividade, à luz do que se discute nos autos e no contexto dinâmico do diálogo, no significado e no sentido do que disse o mensageiro, para perceber, compreender e saber utilizar depois, correcta e fielmente, a mensagem.

É assim:

A testemunha FF, cuja razão de ciência e credibilidade o Tribunal a quo relevou e, apesar de tudo, em coerência não vem posta em dúvida, tinha acabado de narrar um episódio sucedido no momento em que estava a trabalhar na edificação do troço de muro do lado da rua. Após tal narrativa, e depois de reafirmar que não tem dúvida nenhuma que foi ele quem ergueu aquele muro, na continuação do seu depoimento, acrescentou: “e no outro muro a seguir…, pois está o muro dele com dois metros de alto, praí com três metros de largo… e eu, a seguir, tenho outro muro, a seguir, com três blocos que é o que acaba o muro”.

O “outro muro, a seguir”, é o muro do lado norte. Obviamente. Pela sequência e pelo tom (mais enfático) percebe-se que a testemunha orienta e prossegue o discurso no sentido de expor a sua versão sobre esse muro, o também aflorado (mais do que questionado) nos autos.

Mas, então, qual é “o muro dele” referenciado?

Pode não ser óbvio, mas é seguríssimo, analisando bem, que se trata do muro do palheiro e não já, nem ainda, do “muro a seguir”, cuja explicação a testemunha acabara de introduzir, ou do “outro muro a seguir”, que retomará adiante.

É que, na estrema poente do prédio dos autores (no sentido de sul para norte), há o pilar (à face da rua), o troço de muro (disputado mais acirradamente) até à esquina do palheiro, segue-se a parede (seu lado nascente) desse palheiro (não discutido) e, a partir da esquina deste, o tal outro muro (pelo qual ora também se batem os réus, embora frouxamente, por óbvios motivos). 

A testemunha, como é claramente perceptível, guiada pelo desejo de, na sua exposição, retratar por ordem o cenário local e de nele enquadrar a explicação sobre o “outro muro a seguir” a que se iria referir, quis precisar que, antes dele, porém, e depois do primeiro muro, há o “muro” mas do palheiro! “O muro dele”.

O palheiro é reconhecidamente dos réus, não é pomo da discórdia. Por isso, a testemunha, embora preocupada em ser completa na sua descrição e em não se desviar do que sabia ser importante, até baixou o tom de voz para intercalar a informação de que, entre os muros discutidos, se interpunha, ainda, o do palheiro – “dele”.

Note-se que FF utilizou o mesmo termo “muro” para designar realidades algo diversas, como lhe foi observado, a certa altura, pelo Mº Juiz na busca evidente de obter a máxima clareza e rigor. Fê-lo ao aludir às paredes do palheiro e aos demais muros.

Tanto é assim que a alusão ao “muro dele” foi explicada com uma especificação bem elucidativa: muro “com dois metros de alto, praí com três metros de largo” – dimensões que se referem obviamente às do comprimento e altura da face nascente da parede do palheiro (a voltada para o prédio dos autores, com a qual confina a estrema poente deste).

Ora, essa parede (muro, na expressão da testemunha) é realmente “dele” – do réu CC, ao qual várias vezes se referiu. Não é o muro disputado no lado norte, nem foi quanto a este que a testemunha se quis referir quando disse “está o muro dele”. Nenhum muro lá existe com “três metros de largo” e “com dois metros de alto”!

Logo…

A prova final é que, depois da frase assim intercalada em tom de enquadramento e explicação, a testemunha prosseguiu, mais firme e convictamente: “e eu, a seguir, tenho outro muro a seguir”. E detalhou, então, qual é esse outro muro a seguir: “é o que acaba o muro que, quando comprei ao Dr. GG, ele disse-me assim: só te vendo este terreno se tu me vedares o terreno todo, e eu vedei o terreno todo”.

Recorde-se que a testemunha, para construir a casa, comprou o terreno, cuja estrema poente se fazia, do lado norte a seguir ao palheiro, no sentido daquele ponto cardeal, com terreno hoje dos réus mas que provavelmente é um dos vários que foram adquirindo e em que como confrontante aparece um tal “Dr. GG” e “YY”. Encaixa na perfeição o depoimento, portanto.

Na parte final, em sede de contra-instância, quando perguntado sobre o que é “isto” pela Srª Mandatária dos recorrentes e o Mº Juiz aponta “isto aqui” (estariam a observar fotos, não se percebendo, na gravação, quais nem o que retratam), a testemunha balbuciou expressões imperceptíveis mas rematadas com a expressão “isto foi feito agora”. No prosseguimento, a mesma Mandatária, afirmou/perguntou “já agora, isto aqui, atrás, é da D. OO e do Sr. CC…!?”, ao que a testemunha respondeu “é sim senhor, fica cá em baixo, fica em baixo”. E prosseguiu aquela: “então, o senhor construiu o muro, pediu autorização para entrar no terreno da Dª OO?”. Resposta: “não, não!”. Prosseguindo: “Não. Então explique lá onde é que suportou este muro” [[45]]. Resposta: “No muro antigo que já lá estava”. Resposta: “onde é que…? No muro antigo que já lá estava”. Nova pergunta: “E de quem é o muro antigo que já lá estava?”. Resposta: “Posso dizer que era…”.

Meu ou dele? Eis a questão.

Os apelantes, nas alegações, transcreveram “dele”, como lhes convinha e se pode admitir que tenham percebido. Inclinamo-nos, embora sem certeza absoluta, no sentido de que a testemunha respondeu “meu”.

Embora o som da pronúncia não seja cristalino [[46]], porque a dicção de tal palavra não é clara, nem firme, nem perfeitamente distinguível, comportando a fonética dos dois pronomes algum grau de semelhança capaz de confundir a sua expressão/audição oral, o que se nos afigura decisivo é que, para além de todo o contexto do depoimento e da factualidade em discussão, o ritmo da frase, a tonalidade e a acentuação sonora final apreensíveis nos levam a crer que disse “meu”.

Sobretudo, o contexto.

Não cremos que tenha pretendido conceder que era “dele” mas, antes, que, apesar de já lá existir muro, se sentisse legitimado e confortável para dizer, como disse, que era “meu”.

Claro que a Srª Advogada aproveitou logo para salientar, de imediato, que “então era a isso que o senhor estava a referir-se quando disse que o muro era dele”, ligando a afirmação dúbia de agora com aquela outra proferida momentos antes – já por nós atrás também desconstruída – mas quanto ao muro do palheiro, este sim, “dele”.

É que a testemunha, a seguir, explicou essa conclusão por ela tirada: “eh, talvez se não houvesse muro aqui, onde eu plantei estes três blocos, automaticamente não tinha terra, a terra caía para baixo”.

Recorde-se que, antes, já dissera que o prédio confrontante dos réus, naquele segmento divisório, “fica cá em baixo, fica em baixo”. Há um desnível, portanto. Na petição, aliás, alegou-se que de dois metros. O muro já existente suportava o terreno que comprou ao tal Dr. GG e com o qual se comprometeu a fazer, como fez, a vedação em blocos (ou seja, a alteá-lo).

Daí que não tenha sequer sentido a pergunta, assente num pressuposto e numa sugestão, sobre se, para fazer o alteamento, a testemunha tinha pedido autorização aos réus. É que para colocar os blocos não houve naturalmente necessidade de descer e pisar o terreno contíguo dos vizinhos réus. Logo, não carecia a testemunha, para tal operação, de obter o consentimento deles. Ela era perfeitamente executável, por cima e do lado dos autores.

Acresce que, após pergunta sugestiva da Srª Mandatária: “Ó Sr. ZZ, então havia, além do palheiro [[47]], havia outro muro que estava pra baixo…eh, que segue pra baixo, e o Sr. sobre esse muro é que colocou dois andares de blocos, é isso?”. Resposta: “É sim, senhor”. Continuando: “Então, esse muro que dava ligação ao palheiro, certo, já existia, já estava lá, esse muro de pedra?”. Resposta: “Muro de pedra, pois está claro”. Pergunta: “Não foi o senhor que construiu esse muro de pedra…não, pois não?”. Resposta: “Atão, aquilo não era muro nenhum, era umas pedras postas de qualquer maneira”.

Atalhou a Srª Advogada, concluindo e interrompendo: “Muro que dividia os terrenos… e foi sobre essas pedras que colocou dois andares de blocos?” Resposta: “Pois, é normal, tinha que haver…”. Insistência: “Mas já existia, já?”. “Sim, já existia”.

Em suma: É inteiramente verdade que, conforme disse a testemunha o muro em causa no ponto 5 foi alteado pelo antecessor dos autores, sobre outro pré-existente, de pedras, que, dada a diferença de cotas entre o seu terreno e o dos vizinhos, necessariamente funcionava como suporte daquele. Não é verdade que a testemunha disse que tal muro era do réu. Nem o construído a norte.

Nada, por isso e porque, como defenderam os réus a propósito dos pontos 9, 13 e 18 (bem, em princípio, mas como se viu sem razão quanto a estes), não têm lugar na matéria de facto conclusões de direito, jamais poderia aditar-se ao ponto 5 a expressão “ambos propriedade dos réus” que é a única alteração, afinal, por eles visada e tentada, nos termos falaciosos expostos, do referido ponto, mas que constitui inquestionável afirmação conclusiva/decisiva mas subjectiva sobre matéria jurídica ali sem cabimento.

Do ponto 6 consta:

“E ainda a poente, no sentido poente/sul, a partir da construção do antigo palheiro até ao limite da via pública, edificaram um muro de blocos de cimento.”.

Trata-se do muro que constitui o pomo da discórdia (o do lado da rua).

Os recorrentes, nos nºs 18 a 29 das suas alegações, argumentam que tal muro foi construído por eles porque:

-nas fotos, vê-se que ele “alinha perfeitamente com a parede do antigo palheiro”;
-está “inteiramente construído” no terreno deles e que compraram à Junta;
-a testemunha VV [secretário da autarquia ao tempo e não seu presidente] tal corroborou nas passagens que cita;
-o mesmo sucedeu com a testemunha NN e com a declarante ré OO [cujas passagens da gravação não indica];
-que nas fotos contemporâneas da construção da sua casa [também não concretiza, não identifica, nem localiza quais] vê-se que já existia o palheiro e que o muro “estava a ser construído naquela data”.

Daí que pretendam alterar o facto, retirando dele como sujeito da construção os antecessores dos autores, aos quais ela está referida, e colocando-se em seu lugar os réus.

Os apelados, na resposta, contrapõem que o muro foi por eles construído na parcela que adquiriram à Junta que “não conflitua” com a adquirida pelos réus; que o depoimento de VV não corrobora a pretensão; e que o de NN e da declarante OO é “contraditado” [contrariado] pelo do próprio réu CC, conforme gravação que indicam, salientando que as fotos mostram que o muro e pilar já existiam quando a casa dos réus estava em construção, nesse sentido indo o depoimento de RR.

O Tribunal a quo, na motivação acima transcrita, fundamentou, ampla e aprofundadamente, a sua convicção em conjunto com a dos demais pontos 4 a 8, 10 a 12 e alíneas b) a d) e h), para a respectiva transcrição supra desde já aqui se remetendo.

Ora bem.

É certo que há nos autos fotos que mostram que o muro alinha, segundo o plano definido pelas faces do lado nascente dele e da parede do palheiro, com este (e assim se projecta, para norte, alinhando também com a tal outra parede de blocos).

Também é certo que a face oposta (lado poente) de tal muro está para além (para poente) desse alinhamento e que, portanto, uma outra (paralela) do respectivo bloco ou corpo dele (que tem a forma de sólido paralelepipédico recto e, portanto, com seis faces), na exacta medida da sua largura, topa com a parede sul do palheiro onde termina (a voltada para a rua).

A pertencer tal muro aos autores e a definir ele a estrema pelo lado exterior, há então uma quebra da linha (imaginária) demarcatória: na esquina do palheiro, ela desalinha, inflecte em ângulo recto para poente e volta a inflectir, também a 90º, para sul.

O pilar, aparentemente (segundo as fotos, poucas e fracas) com a mesma largura, que o remata do lado da rua, pela sua face direita (para quem estiver aí e voltado para ele) está no referido alinhamento. Porém, do lado esquerdo, alinha com a face exterior do muro, na extensão dela mas só até à parede no palheiro, onde vai de encontro.

Pode admitir-se que tal não se apresenta como normal. Já parecerá sê-lo se se tiver em conta que o espaço para cá (para o lado da rua) do plano definido pela face da parede sul do palheiro, quer para poente quer para nascente era todo público e que ele foi cedido pela Junta de Freguesia. Tendo-o, em parte, sido aos antecessores dos réus para alinharem e vedarem, é mais lógico que o muro tivesse sido assim construído por eles (assegurando o total alinhamento da estrema sul/norte pela sua face nascente, ainda que deixando-o, na medida da sua largura, a topar com a parede do palheiro).

Seja como for, mesmo admitindo-se aquela singularidade, daí a concluir-se que foram os réus que construíram tal muro e, sobretudo, que ele está assente “no terreno que é e era” deles e que “compraram à Junta” vai uma enorme distância.

Não descortinamos qualquer prova produzida – nem que ela exista e ou possa e deva sê-lo –, mesmo a considerar-se que cada uma das partes comprou uma parcela de terreno, sobre a exacta implantação e demarcação dela in loco. A acta e o recibo nada dizem. A testemunha VV, membro da Junta, que haveria de saber disso, não sabe nada, a não ser que cederam e o réu comprou uns metros “para lhe dar mais conforto a um palheiro que tinha”, que foi para “apoio do palheiro” e “acima do palheiro” mas nada sabe sobre a construção do muro e a única coisa que pode dizer é que foi lá mais o Presidente e “marcou-se” e aquele pagou, mas não sabe “se foi mais pr´aqui ou pr´ali”.

Recorde-se que os réus alegaram que compraram a parcela, que ela coincidia com a comprada pelos autores e que o muro está implantado nela. Porém, sobre isso, o Tribunal apenas deu como assente a compra – facto 18 – e não demonstrada tal correspondência (alínea i), justificando que se estribou “no recibo emitido pela Junta de Freguesia ... cuja cópia consta a fls. 40, corroborado em audiência pelo seu subscritor, VV, que, de modo sereno e circunstanciado, explicou os termos do negócio de compra e venda da parcela de terreno. No entanto, quer porque os autores, em bom rigor, não reivindicam apenas uma concreta parcela de terreno - mas, com relevo, a propriedade do prédio A e dos muros (e pilar) da sua estrema poente – quer porque nenhuma localização existe da parcela de terreno adquirida pelos réus à Freguesia ..., não se pode dar como provado que esta equivalha a qualquer trato de terreno reivindicado pelos autores, nomeadamente aquele onde os muros e pilar se encontram implantados.”.

É curioso verificar-se que, apesar de a dita testemunha ter dito que foram lá e balbuciado que “marcou-se”, não há qualquer sinal demarcatório, sequer foi requerida – maxime pelos réus – qualquer diligência in loco para o mostrar ou ao menos levar lá a testemunha a apontá-lo pessoalmente e no sítio respectivo por onde se teria feito tal demarcação sobre que, contudo, disse, repetidamente, na sala de audiências, não saber “ao certo”.

Mesmo admitindo-se que se tratará de uma área contígua ao palheiro, no lado sul (da rua), e que a cedência se destinou a “confortar” ou a “apoiar” a saída ou entrada para ele caso a mesma já então e aí existisse (o que não sabemos), nada existe que esclareça se a área do quadrilátero onde assenta o questionado muro foi incluída na cedência, nem sequer se era necessária para qualquer daqueles fins. Para entrar ou sair com o tractor [[48]], como alegaram os réus, de certeza, não era e ninguém se referiu a tal utilização.

De resto, duvida-se que alguma “marcação” tenha sido feita, como se estranha a cedência sucessiva, em tais termos e circunstâncias, de parcelas do domínio público pela autarquia local. Sendo, porém, tal cedência consensual, relevam para indiciar quem actuou como dono e adquiriu o domínio sobre o muro e o referido quadrilátero de terreno onde ele está implantado, o acto de construção (não havendo dúvidas que foram os antecessores dos autores), o do seu “reboco” (que a testemunha FF asseverou ter sido feito ainda pelo seu sogro que lá trabalhou), a implantação do pilar e, neste, das dobradiças da metade esquerda do portão que dá acesso da rua para o logradouro dos autores – acção nunca, que se saiba, questionada pelos réus, como seria lógico questionarem se certos e seguros estivessem do que alegam e, portanto, que são proprietários do muro que, em tal hipótese, estaria a ser violado.

Em nenhuma das fotos – não se sabe a qual se referem os réus –, apesar de algumas retratarem a obra de construção de uma casa que parece ser a deles, em determinado momento se observa que o muro “se encontrava a ser construído naquela data”. É que, além de elas serem mal enquadradas, confusas (mostram uma espécie de estaleiro com apetrechos diversos espalhados e terreno revolvido), não se identifica com certeza o muro, muito menos o seu estado, logo se algum sinal ostenta de “estar a ser” construído.

Sintomática é a declaração do réu CC, a abrir o seu depoimento, quando perguntado pelo Mº Juiz sobre de quem é o muro e respondeu espontaneamente parecendo que lhe “fugiu a boca para a verdade”: “aquele muro que fizeram… é meu”. E o pilar “fizeram-no os vizinhos de cima” (os autores), como salientou o Tribunal na motivação. Acrescentou, depois, parecendo emendar, que “o muro quem o fez foi o meu empreiteiro que fez a casa”.

Apesar de nenhuma passagem exacta da gravação os apelantes indicarem a respeito dos respectivos depoimentos sobre a matéria, escutámos o da testemunha NN, a qual asseverou (e naturalmente a ré alinhou na mesma versão) que o muro é dos réus e foi o empreiteiro “RR” que o fez. Todavia, ouvido também, RR (filho do empreiteiro SS, que com 17 anos refere ter trabalhado com o pai na obra) e perguntado se o pai fez algum muro além dos da casa, respondeu, prontamente: “não, não!”.

Enfim, com os fundamentos oferecidos pelos impugnantes, não resulta demonstrado muito menos evidente qualquer erro de apreciação ou de valoração das provas nem, portanto, que em consequência da nossa reapreciação, se imponha qualquer alteração, designadamente no sentido de que foram os réus que construíram o muro.

O ponto 7 contém a afirmação de que o pilar também foi edificado pelos antecessores dos autores.

Limitam-se os apelantes, para o impugnar, a dizer que o dito para o ponto seis “se aplica mutatis mutandis” a este e, os apelados, a responder igualmente, mas em sentido oposto.

Ora, nada de específico se fundamentando, bastaria também, pelo mesmo modo, considerar infundada qualquer alteração. Importa, porém, enfatizar o que disse o próprio réu CC: “o pilar fizeram-no os vizinhos de cima”.

Pontos 10 a 12

10. O muro e pilar entre o antigo palheiro e a via pública foram concluídos por volta do ano 1984.
11. As construções levadas a cabo na parcela de terreno correspondente ao prédio A foram efetuadas à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, convencidos os antepossuidores dos autores que não lesavam qualquer direito e de que o prédio A e todos os muros a norte, sul, nascente e poente lhes pertenciam.
12. Desde 1970, foram os autores, por si e antepossuidores, quem, de forma continuada e ininterrupta detiveram a casa de habitação, o logradouro e os muros de vedação do prédio A.”.

Os apelantes, nos nºs 31 a 40 das alegações, dizem que “nenhuma prova foi produzida” capaz de sustentar a sua demonstração, argumentam que o anteproprietário FF ora diz que foi ele que mandou construí-lo, ora que o mandou construir, nenhum acto de posse invoca, ele próprio referiu um episódio significativo de oposição por parte dos recorrentes. Por isso, deviam ser julgados não provados.

Os recorridos, acobertam-se na motivação exposta pelo Tribunal a quo, alegam que é inconsequente aquela argumentação, pois mesmo como “mandante” aproveitam ao antecessor os actos de posse, e enfatizam que prova boa é a colocação do portão cravado no pilar.

Ora, olhando à motivação expendida na sentença, constata-se que não é verdade nenhuma prova ter sido produzida sobre a matéria daqueles pontos.

Sendo perceptível, no depoimento de FF, que ele ora diz que fez ele próprio, ora que mandou fazer, não tem qualquer desvalor, na formação da convicção sobre o facto, a diferente expressão, uma vez que sendo dono da obra, residia (certamente como emigrante) no ..., e só trabalhava ele próprio nela quando vinha a Portugal, evidentemente tendo incumbido terceiros daquela, nomeadamente familiares. O episódio que referiu ocorreu na altura em que estavam a contruir um muro, com ele presente, e lá apareceu um Advogado e um familiar dos réus a “reclamar”. Isso consta referido na motivação tal como o que dele resultou: verificaram presencialmente o alinhamento do muro, então já feito (alinhamento, como se referiu pelo lado nascente), nenhuma objecção mais dizendo que tenha sido apresentada. Ora, depois disso (como salientou, 38 anos), para além do episódio da pintura e do desaguisado de 03-08-2020, nada mais aconteceu tendente a contestar a implantação do muro e do pilar.

Os argumentos descritos não mostram, pois, que outra decisão se imponha.
***
           
Continuando
           
Na conclusão recursiva g), defendem os apelantes:

”50. Por sua vez, devia ter sido dado como provado e, portanto, acrescer à lista de factos, porque essenciais e importantes para o apuramento da verdade material e, consequentemente, para a absolvição dos Recorrentes do pedido, que...
51. “Na estrema poente, entre um palheiro, então ali existente, e o muro construído a norte, ambos propriedade dos RR., os AA. altearam um muro com blocos de cimento”;
52. “Foram os RR. que a poente, no sentido poente/sul, a partir da construção do antigo palheiro até ao limite da via pública, edificaram um muro de blocos de cimento”;
53. “Há mais de 20 anos, os réus edificaram um muro sob as paredes do palheiro, que segue até à parcela que compraram à Freguesia ..., respeitando sempre os limites dos prédios confinantes, o que fizeram à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja”;
54. “A parcela de terreno que os réus adquiriram à Freguesia ... corresponde à parcela de terreno na qual se encontra contruído o muro construído no sentido poente/sul”.
55. “Em 03-10-1974, os réus compraram à Freguesia ... uma parcela de terreno na qual construíram um muro”.”.

Os apelados refutam tal pretensão.

Ora, a matéria do nº 51 já foi apreciada e decidida a propósito da impugnação, não atendida, ao ponto provado 5 e que culminava em igual pretensão. O alteamento do muro (lado norte), pelos autores, consta ali como assente. De que tal muro fosse “propriedade dos RR” não só é matéria jurídica como não tem qualquer suporte em adequada factualidade demonstrada.

Quanto à propriedade do palheiro, aí sim, sendo também matéria de direito mas situação pacífica, irá contemplar-se em alteração oficiosa do ponto 19, a título de esclarecimento.

A do nº 52, idem, no contexto da impugnação do ponto provado 6, cuja modificação se pretendia nos mesmo termos, mas foi desatendida.

A do nº 53 – a construção sobre [e não “sob”] as paredes do palheiro, como a restante matéria, é inócua para o desfecho da acção ou da reconvenção, além de que não está demonstrado onde começa e onde acaba a parcela que compraram à Junta.

De resto, tal matéria está contemplada e julgada não provada na alínea h), não questionada em conformidade com as regras previstas no artº 640º, do CPC.

A do nº 54, por esta última razão e por tudo quanto se disse a respeito de outros pontos em sede de impugnação, não resulta provada, nem os apelantes sequer tal alegam e fundamentam.

Aliás, também esta matéria respeita à julgada não provada na alínea i), igualmente não impugnada nos moldes exigidos por aquela citada norma.

O mesmo sucede quanto à matéria do nº 55 que, para além do provado no ponto 18, quanto ao mais não encontra suporte probatório nos elementos já analisados e nenhum outro invocando os recorrentes.

Com os fundamentos esgrimidos por estes, não há, pois, lugar às pretendidas alterações da decisão da matéria de facto.
***
Os apelantes, ainda no âmbito da matéria de facto, sugerem, já no final das suas alegações (nºs 136 a 138), e insistem precipitando-as na conclusão v), que, caso não se entenda como aventam em qualquer dos seus múltiplos argumentos – desprovidos de qualquer mérito, como se verá adiante – antes daí brandidos, mormente os relativos ao mérito da causa, então “sempre seria de entender-se que a matéria de facto até agora fixada e discutida no processo se mostra deficiente” porque os factos provados “em nada afetam a matéria fundamental em discussão no processo, constituindo-se irrelevantes” [sic], pelo que “deverá este tribunal ordenar que o Tribunal a quo, aplicando o julgamento em matéria de facto, diligencie pela prova de factos que concorram para uma concreta decisão sobre a propriedade dos AA./recorridos e dos RR./recorrentes, tudo em conformidade com o disposto no artº 662º, nºs 2, alínea c), e nº 3 do CPC”.

Sucede que, além de não se perceber – mesmo depois do convite ao aperfeiçoamento das conclusões – o que dizem e onde querem chegar [[49]], não cuidam eles de indicar em que consiste e onde está, em termos de matéria de facto, a “deficiência” esgrimida.

Não indicam um único ponto – de entre os alegados ou porventura de entre os que tenham resultado da discussão da causa – que deva, ao abrigo da referida norma, cujos critérios e âmbito de aplicação estão nela definidos em termos precisos, ser alterados e considerados em qualquer sentido e de modo a lastrear a sua pretensão, nomeadamente que diligências entendem dever ser levadas a cabo e “que concorram para uma concreta decisão sobre a propriedade…”.

É, portanto, manifestamente infundada e inconsequente tal pretensão assim formulada.
***
Sem embargo, decorre da apreciação da prova implicada pela impugnação que há alguns factos provados, de entre os alegados e resultantes da ampla e contraditória discussão da causa, mormente do que pelas testemunhas especificadas naquela sede foi dito no decurso da audiência, que importa aditar, de modo a tornar claros, harmónicos, completos e mais concretos os factos assentes que o não são.

Tal cabe no âmbito dos poderes oficiosos do Tribunal, de acordo com os artºs 662º, nº 1, e 5º, nº 2, do CPC.

Assim:

a)

O ponto 2 encerra uma imprecisão: a escritura de compra e venda, a que se reporta certamente, não é de 23-12-1999 mas de 07-02-2000.

Acontece que, como se infere dos documentos juntos aos autos, a aquisição dos prédios foi registada provisoriamente a favor dos autores em 22-12-1999. Está convertida em definitiva. Daí que correcta seja a data referida no ponto 1 como a do registo.

Apesar de a esta data retroagir, para esse efeito (o do registo predial), a aquisição posterior, o certo é que importa precisar o ponto, por referência aos documentos (escritura notarial e cópia conservatorial), quando se alude ao negócio de compra e venda que só foi formalizado mais tarde.

Assim, alterar-se-á, para clarificação, a redacção daquele ponto 2, em conformidade com a certidão respectiva, ficando: “O prédio A foi adquirido pelos autores a FF e mulher II mediante compra e venda cuja escritura foi formalizada em 07-02-2000, conforme documento ... junto com a petição inicial, tendo aqueles, contudo, registado a sua aquisição, primeiro provisória e mais tarde convertida em definitiva por averbamento, em 22-12-1999, conforme ponto 1 e documentos ... e ... juntos com aquele articulado”.
                       
b)

O ponto 3, reportando-se embora, como é manifesto, ao teor da escritura de justificação notarial outorgada em 03-11-1991 pelos vendedores FF e mulher II, junta como documento nº ... com a petição inicial, tal como ele está descrito no ponto 1 mas então ainda omisso à Conservatória, envolve factualidade que daquele não consta e que é relevante precisar e tornar clara.

Com efeito, relembre-se, os autores dizem que, na origem do prédio urbano comprado e edificado por aqueles FF e esposa, esteve uma “parcela de terreno” destacada de outro prédio pertencente a JJ e KK. 

Além disso, alegaram os autores e está provado (ponto 9) que, em 1984, os antecessores FF e esposa adquiriram, para alinhamento, uma outra parcela de terreno à Freguesia ... que passou a integrar o seu prédio urbano como ele se encontra descrito e se apresenta actualmente.

Importa, pois, de harmonia com os demais factos e a prova produzida, nomeadamente a documental e a testemunhal, clarificar as sucessivas aquisições e harmonizar tudo com a escritura de justificação de 1991 – que se refere já a um prédio urbano e não a terreno nem a parcelas – pois que a “correspondência”, tal como afirmada no ponto 3, entre o que foi primitivamente (1970) adquirido a JJ e KK e o actual prédio A não é integral, como se viu, face às alterações sucessivas operadas.  

Por isso, precisar-se-á, de harmonia com os demais factos e esse ponto 3, reduzindo-o àquilo que resulta do texto da escritura de justificação de 03-11-1991.

Deste modo, o ponto 3 ficará assim redigido:

“Em escritura de justificação notarial outorgada por FF e mulher II, consta que: «com exclusão de outrem se declaram donos e legítimos possuidores» de «um prédio urbano, composto de casa destinada a habitação, de ... com três divisões e ... andar com quatro divisões, tem logradouro», na rua freguesia e concelho, com as áreas, número e inscrição na Matriz e confrontações referidas no ponto 1 mas então «omisso» na Conservatória; Mais consta que «O referido prédio veio à posse e domínio dos justificantes, por o terem construído há mais de vinte anos em terreno que adquiriram por compra verbal a JJ e marido KK, residentes no ..., por volta do ano de 1970, não tendo sido formalizada por documento autêntico a referida aquisição»; e que, «desde então, portanto há mais de vinte anos, têm possuído o referido prédio, em nome próprio, retirando as utilidades pelo mesmo proporcionadas, guardando nele haveres, pagando os respectivos impostos com o ânimo de quem exerce direito próprio, sendo reconhecidos como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa-fé, por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente porque sem violência, contínua e publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém. Que dadas as características de tal posse, os justificantes adquiriram o referido prédio por usucapião, título esse que pela sua natureza não é susceptível de ser comprovado pelos meios extrajudiciais normais»”.

c)

Em consequência, o ponto 4, por semelhantes razões e em coerência, deverá explicitar a sucessão temporal em conformidade.

Ficará assim:

“Depois de os antecessores dos autores FF e esposa II terem adquirido, por compra verbal, em 1970, a JJ e KK, o terreno, neste edificaram a casa de habitação que veio a dar origem ao prédio urbano A descrito no ponto 1 e, com blocos de cimento, muros nas estremas norte e nascente e, ainda, o muro a sul, do lado da rua, conforme ponto 9.”.

d)

Na sequência do ponto 5, tendo em conta o alegado pelos autores (que o terreno era todo murado, ao contrário do dos réus que não o era pelos demais lados, e que havia um desnível de dois metros entre ambos),  em conformidade com o depoimento da testemunha FF, credível e fundado, e, aliás, já referido neste particular, bem assim em função do que as fotos permitem visualizar sobre o local e disposição dos prédios vizinhos, e atendendo também ao que consta na motivação [segundo a qual a dita “testemunha ainda precisou que a parte do muro que existia do antigo palheiro até à estrema norte do prédio A foi a que foi construída (alteada) mais tarde, correspondendo esta, em bom rigor, a um alteamento de um antigo muro em pedra, cuja propriedade (dos autores) não foi, aliás, questionada por nenhuma outra testemunha (e nem mesmo pelas partes)], quanto ao lanço de muro, na parte traseira, estrema poente, a seguir à parede do palheiro que, conforme este ponto foi alteado, releva incluir facticamente o esclarecimento da razão do alteamento e respectiva contextualização no tempo e no lugar.

Para tanto aditar-se-á o ponto 5-A que ficará assim:

“Tal muro já existia, feito em pedra, na estrema poente do prédio dos autores que confina com terreno dos réus, servindo de suporte do terreno daquele situado a cota mais elevada do que o destes, que fica todo ele a cota mais baixa em relação aos confinantes”.

e)

Em complemento do ponto provado 6, importa aditar o ponto 6-A, com um facto resultante da discussão.

Com efeito, no decurso do seu depoimento, a testemunha FF foi questionada sobre o reboco do muro (troço do lado sul).

A Srª Advogada, lembrando introdutoriamente à instância respectiva as fotos (que realmente, como ela expôs, mostram o pilar e o muro rebocados e pintados uniformemente, sendo que, acrescentamos, a pintura está provada conforme ponto 13), e depois de sobre isso obter o “Sim” concordante da testemunha, prosseguiu: “O Sr. Acompanhou, sabe, se foi o Sr. CC que mandou fazer estas pinturas, que mandou rebocar o muro?” Resposta, imediata, espontânea e, como se verá, só confirmativa em parte: “Sei”. E prosseguiu a Srª Advogada, conclusivamente, em tom de exclamação/interrogação, e tentando arrancar a anuência global (quanto à autoria da pintura e reboco que tinha em mente mas a testemunha, notoriamente, não estava a alcançar e a distinguir): “Foi o Sr. CC, então?!”. E assentiu a testemunha: “Foi”. Convindo-lhe esta resposta formal, abrangente de um sentido e alcance que a testemunha ainda não captara, tentou a Srª Advogada findar abruptamente o diálogo: “Pronto, muito obrigado, não desejo…”, ao que a testemunha, nitidamente despertando e só então percebendo, reagiu, interrompendo-a e, pressurosa mas firmemente (como se colhe da rapidez com que interveio e tom de voz empregue), acrescentou: “Arrebocar não foi ele que o arrebocou, arrebocar foi o meu sogro que o arrebocou.”

Neste contexto, face à credibilidade da testemunha e recordando-se que o seu sogro participou nas obras (já que estava no ...), é convincente que o muro foi rebocado pelos antecessores dos autores, como é lógico que fizessem então, uma vez que para tal adquiriram a parcela à Junta e igualmente erigiram e remataram o muro do lado da rua.

Assim, aditar-se-á o ponto 6-A com a seguinte redacção:

“Este muro foi rebocado a mando de FF.”

f)

O ponto 12, refere o exercício da posse sobre a casa, o logradouro e os muros desde 1970.

Só a posse do terreno adquirido verbalmente naquele ano remonta à época. Tendo ocorrido a construção da casa e muros em 1984 (e, para o alinhamento de parte destes, sido adquirida a parcela à Junta nesse ano, conforme acta documentada nos autos), só depois estes se tornaram objecto dela.

Logo, importa referir, precisa e claramente, a posse aos termos em que o imóvel se foi transformando e ao âmbito e modo como, em função disso, o seu exercício se foi, objectiva e subjectivamente, manifestando ao longo do tempo, termos esses que decorrem dos factos descritos nos pontos anteriores (2 a 11).

Assim, o ponto 12, ficará:

“Desde 1970, foram os autores, por si e pelos seus antepossuidores, quem, de forma continuada e ininterrupta, detiveram, conforme pontos 2 a 11 anteriores, a casa de habitação, o logradouro e os muros do prédio A e sobre eles actuaram”.

g)

Ainda quanto ao ponto 19, importa também aditar o facto que, embora conclusivo é esclarecedor e pacífico, de que o palheiro pertence aos réus.

Por isso, o ponto 19 ficará assim:

“Previamente à construção e edificação do muro e casa dos réus, existia um palheiro, que pertence aos réus.”.
***
Posto isto, o elenco dos factos provados ficará, então, assim organizado:

1. Através da apresentação n.º... de 1999/12/22, os autores têm a seu favor registado o prédio urbano, sito na Rua ..., Freguesia ..., concelho ..., com a área total descrita de 540,00 m2, correspondendo 140,00 m2 à superfície coberta e 400,00 m2 à superfície descoberta, a confrontar a norte com GG, a sul com rua, a nascente com HH e a poente com CC, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00.º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...76 (doravante também identificado como prédio A).
2. O prédio A foi adquirido pelos autores a FF e mulher II mediante compra e venda cuja escritura foi formalizada em 07-02-2000, conforme documento ... junto com a petição inicial, tendo aqueles, contudo, registado a sua aquisição, primeiro provisória e mais tarde convertida em definitiva por averbamento, em 22-12-1999, conforme ponto 1 e documentos ... e ... juntos com aquele articulado.
3. Em escritura de justificação notarial outorgada por FF e mulher II, consta que: «com exclusão de outrem se declaram donos e legítimos possuidores» de «um prédio urbano, composto de casa destinada a habitação, de ... com três divisões e ... andar com quatro divisões, tem logradouro», na rua freguesia e concelho, com as áreas, número e inscrição na Matriz e confrontações referidas no ponto 1 mas então «omisso» na Conservatória; Mais consta que «O referido prédio veio à posse e domínio dos justificantes, por o terem construído há mais de vinte anos em terreno que adquiriram por compra verbal a JJ e marido KK, residentes no ..., por volta do ano de 1970, não tendo sido formalizada por documento autêntico a referida aquisição»; e que, «desde então, portanto há mais de vinte anos, têm possuído o referido prédio, em nome próprio, retirando as utilidades pelo mesmo proporcionadas, guardando nele haveres, pagando os respectivos impostos com o ânimo de quem exerce direito próprio, sendo reconhecidos como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa-fé, por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente porque sem violência, contínua e publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém. Que dadas as características de tal posse, os justificantes adquiriram o referido prédio por usucapião, título esse que pela sua natureza não é susceptível de ser comprovado pelos meios extrajudiciais normais».
4.Depois de os antecessores dos autores FF e esposa II terem adquirido, por compra verbal, em 1970, a JJ e KK, o terreno, neste edificaram a casa de habitação que veio a dar origem ao prédio urbano A descrito no ponto 1 e, com blocos de cimento, muros nas estremas norte e nascente e, ainda, o muro a sul, do lado da rua, conforme ponto 9.
5. Na estrema poente, entre um palheiro, então ali existente, e o muro construído a norte, altearam um muro com blocos de cimento.
5-A. Tal muro já existia, feito em pedra, na estrema poente do prédio dos autores que confina com terreno dos réus, servindo de suporte do terreno daquele situado a cota mais elevada do que o destes, que fica todo ele a cota mais baixa em relação aos confinantes.
6. E ainda a poente, no sentido poente/sul, a partir da construção do antigo palheiro até ao limite da via pública, edificaram um muro de blocos de cimento.
6-A. Este muro foi rebocado a mando de FF.
7. E no topo desse muro, a poente/sul, edificaram um pilar em betão armado.
8. Nesse pilar cravaram uma folha de portão – a do lado esquerdo, visto de frente, para o prédio A – que dá acesso de carro e a pé ao prédio A.
9. Para alinhamento da estrema poente/sul do prédio A e construção do muro e pilar, no ano de 1984, FF e II compraram à Freguesia ... uma parcela de terreno.
10. O muro e pilar entre o antigo palheiro e a via pública foram concluídos por volta do ano 1984.
11. As construções levadas a cabo na parcela de terreno correspondente ao prédio A foram efetuadas à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, convencidos os antepossuidores dos autores que não lesavam qualquer direito e de que o prédio A e todos os muros a norte, sul, nascente e poente lhes pertenciam.
12. Desde 1970, foram os autores, por si e pelos seus antepossuidores, quem, de forma continuada e ininterrupta, deteve, conforme pontos 2 a 11 anteriores, a casa de habitação, o logradouro e os muros do prédio A e sobre eles actuaram.
13. Os réus, sem autorização dos autores, pintaram o referido muro e pilar de branco, para o que entraram no logradouro do prédio A.
14. Os réus têm a seu favor registado o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da Freguesia ... sob o artigo ...91.º e descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ...85 (doravante também denominado de prédio B).
15. O prédio B foi adquirido pelos réus em 14-12-1985.
16. No prédio B, os réus edificaram uma moradia.
17. O prédio B sempre beneficiou de duas entradas desde a via pública.
18. Em 03-10-1974, os réus [[50]] compraram à Freguesia ... uma parcela de terreno.
19. Previamente à construção e edificação do muro e casa dos réus, existia um palheiro, que pertence aos réus.
20. Desde que construíram a casa de habitação no prédio B, os réus passaram a habitá-la, o que fizeram à vista de todos, de forma contínua, sem oposição de quem quer que seja, convictos de que eram seus proprietários e de que não lesavam direitos de outrem.”

V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Relembremos, por um lado as pretensões dos autores e dos réus, assentando que não está em causa a propriedade dos prédios mas principalmente a dos muros divisórios da estrema poente (em relação aos réus) ou nascente (em relação aos autores) e, pressupostamente, a do espaço onde eles estão implantados: aqueles pretendem que o Tribunal declare serem eles seus proprietários exclusivos; estes, o contrário.

E relembrar também, por outro, o resumo que acima se fez da versão fáctica de cada uma das partes e dela agora ter bem presente o essencial que, para tanto, se recopila.

Segundo os autores/apelados:

-o seu prédio, hoje urbano, foi edificado no terreno rústico que os antecessores adquiriram, na origem murado por todos os lados;
-foram esses adquirentes da parcela que construíram a moradia e muraram-na toda;
-o troço de muro desde o palheiro até à rua (pilar) foi por estes construído, a expensas suas, alinhado, na estrema poente da parcela (outra) adquirida à Junta de Freguesia, sobre terreno desta, só serve o prédio dos autores;
-do lado oposto a esse troço há uma parcela, entre ele e a parede nascente da casa dos réus, com cerca de 8 m2, que pertence ao domínio público, com ela confinando o prédio dos réus e não com esse muro.
 
Segundo os réus/apelantes:

-o muro foi edificado por eles (réus), há mais de 20 anos, sobre terreno do seu prédio;
-a parcela de terreno que os autores alegam terem adquirido e pertencer-lhes (onde implantaram o muro) foi comprada pelos réus à Junta de Freguesia e é contígua ao palheiro que lhes pertence.

Ora, ambas as partes sustentam que o muro é exclusivamente seu. Rejeitam, por consequência, a compropriedade – artº 1371º, CC.

Cada uma pretende tê-lo adquirido originariamente, porque ela própria alegadamente o edificou em terreno sua propriedade, aliás logradouro do respectivo prédio urbano.

Os modos de adquirir estão enunciados no artº 1316º, CC.

Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 26-04-2016, processo nº 170/13.8TBSBG.C1 (Sílvia Pires):

“Em segundo lugar, podendo as presunções legais serem ilididas mediante prova em contrário - art.º 350º, n.º 2, do C. Civil -, a presunção de compropriedade estabelecida no art.º 1371º, n.º 2, do C. Civil, pode ser ilidida pela prova da aquisição de um direito de propriedade exclusiva sobre o muro, podendo essa prova resultar ainda da existência dos sinais referidos no n.º 3 do mesmo art.º 1371º, ou da circunstância referida no n.º 5 do mesmo artigo.
E se é verdade que a construção de um bem imóvel, através da celebração de um contrato de empreitada, constitui um peculiar modo de aquisição originária do direito de propriedade sobre a coisa a favor do dono da obra, sob a forma de uma acessão atípica, nos termos do art.º 1212º, n.º 2, do C. Civil, desde que o solo ou a superfície onde é construída a coisa seja propriedade deste, no caso dos muros divisórios, em que é incerto este último requisito (estes muros situam-se na linha divisória dos prédios), tal construção, só por si, não é suficiente para ilidir a presunção que consta do n.º 2 do art.º 1371º, até porque, como lembrou Cunha Gonçalves, o facto do preço da construção do muro ter sido pago apenas por um dos proprietários confinantes não significa que não possa ter existido uma comunhão convencional, consistindo a contribuição do outro proprietário na cessão gratuita do terreno, quando só o proprietário dono da obra tenha empenho e maior proveito em tal construção.”.

O artº 204º, nº 2, engloba os logradouros na noção de prédio urbano.

Dizendo cada uma das partes que foi ela quem ergueu o muro, a expensas suas, sobre o espaço do respectivo prédio e na respectiva estrema, importa sobremaneira apurar previamente esse pressuposto: se tal espaço faz parte de facto de um ou de outro dos respectivos logradouros.

O logradouro não deixa de ser uma parcela de terreno servindo o edifício e para usufruição do dono deste.

Não se discutindo a propriedade do prédio urbano mas disputando-se a do logradouro, a prova da pertença deste aparenta-se à de qualquer parcela de terreno.

Sobre isto, remete-se para os Acórdãos deste Tribunal de 01-03-2018 [[51]] e de 06-02-2020. [[52]]

Sobre a noção de logradouro tenham-se em conta os ensinamentos vertidos no texto do Acórdão do STJ, de 28-02-2008 [[53]] e os demais nele citados e, bem assim, o da Relação de Coimbra, de 27-04-1995 [[54]].

Na sentença recorrida, sobre o caso concreto e depois de se observar, e bem, que a presunção derivada do registo dos prédios não abrange os elementos atinentes à sua identificação, composição, área e confrontações, expôs-se:

“Assim, no caso, discutida que é a propriedade dos referidos muros, apenas se presumiam os autores e os réus reconvintes como proprietários, respetivamente, dos prédios A e B, pelo que os pedidos de reivindicação, nessa parte, hão de proceder, mas já não daquelas construções.
Não estavam, pois, os autores e os réus reconvintes dispensados de demonstrar que são os proprietários dos muros ora em discussão, para o que invocaram, de modo relevante, a usucapião e, no caso dos autores, as exceções à presunção de compropriedade dos muros divisórios estabelecidas no artigo 1371.º, n.ºs 2 a 5 do Código Civil.”

Depois da habitual excursão teórica pela matéria da posse e usucapião, continuou-se:

“Descendo, agora, ao caso concreto, da conjugação dos factos provados e não provados, resulta conclusão evidente que foram os autores quem, por si e através da posse pública e pacífica que vinha sendo exercida por FF e II, adquiriu a propriedade dos muros e pilar em discussão, posto que foram estes antepossuidores quem, cerca do ano de 1984, mandaram erigir tais construções e que, desde então, passaram a ser por si detidas de modo ininterrupto, tendo inclusivamente ali colocado um portão. Essa posse manteve-se com os autores depois de 1999, ano em que adquiriram a propriedade e a posse do prédio B, até 2004, altura na qual se completaram os 20 anos necessários à usucapião.
Quanto aos réus/reconvintes apenas se provou que, em data não concretamente apurada, sem autorização dos réus, mandaram pintar o muro que se encontra entre o antigo palheiro e a via pública e o pilar de branco. Todavia, essa atuação isolada, temporalmente indefinida e desprovida de demonstração de qualquer outro tipo de atuação possessória relevante sobre o muro e pilar, nomeadamente que configurasse impedimento de os autores continuarem a utilizá-lo como vinham fazendo – não só para vedar o seu prédio, mas também para fixar o portão de entrada do logradouro - não é suficiente para que aqueles passem a ser considerados possuidores, em nome próprio, do muro situado a nascente do prédio B (poente do prédio A), no segmento que se situa entre o antigo palheiro e a via pública.
Isto é, a atuação dos réus nem correspondeu à prática reiterada, com publicidade, de atos materiais correspondentes ao exercício do direito que se exige para a aquisição da posse – visto que apenas correspondeu à prática de um único ato -, nem, precisamente porque se tratou de atuação isolada, se poderá considerar posse mantida por 1 ano que, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 1267.º, alínea d) do Código Civil, pudesse ter levado à perda da posse pelos autores.
Pelo que, há de julgar-se a presente ação provada e procedente, e improcedente, neste segmento, a reconvenção, reconhecendo-se os autores como proprietários (donos e legítimos possuidores) do muro de vedação a poente, em toda a sua extensão, entre a parede do palheiro e a parede norte que veda o prédio A e, bem assim, do muro de vedação a poente, entre o palheiro e a via pública, do qual faz parte integrante o pilar em betão armado.
Nesse sentido, mais deverão os réus ser condenados a absterem-se de impedir os autores de usarem, reconstruírem, de fazerem os melhoramentos ou alterações que julgarem mais convenientes nas referidas edificações e de, no futuro, fazerem qualquer pintura quer no pilar, quer no muro, tanto do lado externo como do lado interno.”

Apreciemos agora os fundamentos dos apelantes.

Confiantes na modificação da matéria de facto e que esta ficaria reduzida aos pontos 1 a 4 e na ampliação defendida, dizem eles, nos nºs 56 a 60 das alegações, que, apenas contendo aqueles pontos “referências documentais a registos matriciais, prediais, escrituras públicas”, todavia “não são adequados a provar a posse, sequer a titularidade de qualquer prédio e/ou muro”, pois que a propriedade não se prova por presunção registral nem matricial, e, por isso, que “a ser bem decidida a questão”, tal levaria à improcedência da acção.

Como decorre de tudo quanto se expendeu a tal propósito, não lograram os recorrentes qualquer das alterações pretendidas.

Por isso e porque as oficiosamente introduzidas não conferem qualquer fundamento à sua pretensão, daí não resulta qualquer abalo na decisão de mérito proferida.

Ainda assim, a partir do nº 61 até ao 135 das alegações, a pretexto de ser errada a fundamentação jurídica da sentença com que não concordam, tentaram com diversos argumentos, alvejá-la de outras tantas maneiras, de modo a alcançarem a improcedência da acção e a procedência da reconvenção.

O primeiro, parte da afirmação de que não se verificam os pressupostos da acção de reivindicação, previstos no artº 1311º, CC: não basta a prova da descrição predial, não pode a sentença basear-se em presunções do registo ou cadastrais, exigindo-se a “prova da aquisição derivada e seus exactos termos”, os autores não provaram, como lhes competia, a sua propriedade de modo a abranger a faixa de terreno onde está “instalado” o muro, só esta parcela está em causa, também não provaram os factos constitutivos da aquisição originária dela, têm o ónus de provar os factos por virtude dos quais adquiriram face ao “princípio da substanciação” nos termos do artº 581º [[55]], só podiam os autores recorrer a “outras formas de aquisição do direito, o que se não logrou” quanto à “extensão, configuração e confrontações alegadas”.

Ora, já a propósito da questão da propriedade e qualificação da forma de processo nos referimos ao problema da acção de reivindicação e concluímos que não existe processualmente tal forma nem substancialmente aqui se trata do exercício do direito de reivindicar coisa ilegitimamente detida ou possuída por outrem, nos termos do artº 1311º.

Os autores pediram que o Tribunal apurasse, reconhecesse e declarasse – e também que condenasse – os réus a reconhecerem que são eles os exclusivos proprietários dos dois muros.

O Tribunal, no essencial, julgou como provados os factos por eles alegados e entendo-os como integrantes da forma de aquisição originária (usucapião). Com base nesta julgou procedente a acção e, consequentemente, improcedente a reconvenção.

Nenhuma outra “forma de aquisição do direito” está em causa. Não se vê como é que os apelantes, com aquele compulsado argumentário, possam conseguir, de que maneira e com que eficácia, atingir o que deveria ser seu único alvo: a decisão e seu suporte, agora o jurídico.

É inconsequente a alegação de que os factos constitutivos do direito de propriedade não admitem prova por confissão resultante da não impugnação, porque ela exige documento com força probatória plena – artºs 364º e 875º, CC, pois confundem manifestamente os requisitos formais do negócio translativo do direito de propriedade como é a compra e venda (aquisição derivada) com os meios de prova admissíveis dos factos (possessórios) susceptíveis de integrar o outro modo de adquirir (o originário), como é a usucapião invocada e reconhecida.

Pelejam, de seguida, com as armas do ónus da prova (artºs 342º, do CC) e a regra do artº 414º, do CPC. Porém, não se vê, nem eles apontam, onde está a dúvida justificativa da aplicação desta ou qualquer erro na verificação do cumprimento daquele.

Espraiam-se, depois, por considerações sobre a aquisição derivada e a aquisição originária sem explicarem o que querem dizer e pretendem com a alegação de que “deveriam ter sido definidas e provadas, para que pudesse ter sido julgada procedente a acção dos aqui recorridos, o que não aconteceu”.

É que a propriedade dos prédios é pacífica. A dos muros controversos, foi reconhecida com base em factos julgados bastantes, sendo que, em boa verdade, não atacam, directa e proficientemente, tal suficiência e correcção.

Sugerem que deveria ter sido produzida (oficiosamente) “outra prova (como inspecções ao local ou prova pericial) nos termos do artº 411º, CPC.

Esquecem, que tal norma não serve para colmatar as falhas das partes, designadamente na indicção das provas ou a ineficácia das produzidas : “O princípio do inquisitório tem de ser conjugado com os princípios do dispositivo, da autorresponsabilidade e da igualdade das partes, da preclusão dos direitos processuais destas e o da imparcialidade que norteia a atuação do juiz, decorrendo dessa conjugação que a intervenção do juiz, no âmbito do princípio do inquisitório, apenas pode assumir uma natureza complementar relativamente ao ónus da iniciativa da prova que impende sobre as partes, a que o juiz tem o poder/dever de se socorrer apenas quando, uma vez produzida a prova apresentada pelas partes, se lhe prefigurar objetivamente que a dúvida sobre a ocorrência de determinado facto é suscetível de ser superada mediante a produção de prova complementar.”. [[56]]

Não se vê que concretas razões tenham para apelar a tal intervenção.

Muniram-se de documentos idóneos? Requereram peritagem, inspecção ao local, verificação não judicial qualificada, inquirição no sítio da questão, como prevê a lei? Nada.

Voltam a insistir, ainda, em que deveria ter sido proposta acção especial de demarcação e de reivindicação, para concluir que também por isto não deveriam os pedidos do autor proceder.

Remete-se de novo para o já dito acima sobre a acção de reivindicação e sobre a forma de processo.

Preconizam também que deveriam os autores “ter chamado à colação a figura da acessão imobiliária” e que não o tendo feito, deveria a acção ter improcedido.

De facto, nos artºs 1325º a 1343º, do CC, trata-se dessa “figura”. Não explicam é os apelantes porque é que ela há-de ser aqui “chamada à colação” e como é que isso há-de poder interferir na procedência ou na improcedência desta acção, que tem um objecto próprio, definido pela causa de pedir e pelo pedido, julgados procedentes e contra cuja fundamentação deviam dirigir as razões, também pertinentes e fundadas, do seu descontentamento.

Também não invocaram eles, seja em sede excepcional, seja em sede reconvencional, a compropriedade dos muros. Não a admitiram sequer. Fundamentaram-se na alegação de que são deles exclusivos proprietários. Foi esse reconhecimento que pediram.

Logo, tal invocação está à margem da causa, como do recurso, pois que neste se reapreciam questões decididas, não tendo aquela sido alvo (nem podia sê-lo) de pronúncia em 1ª Instância, tanto mais que, tendo-se julgado procedente a aquisição exclusiva pelos autores, tal necessariamente excluiu a, em contrário, alegada pelos réus e, portanto, afasta qualquer hipótese de comunhão ou compropriedade.

“Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova.”. [[57]]

“Estamos perante o que se costuma designar de questão nova, quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida.” [[58]].

“I - Os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas;
II - Só não será assim quando a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra, ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso.”.[[59]]

Enfim, não se mostrando tais alegações dotadas de proficiência capaz de abalar o decidido, importa corroborar a sentença quando conclui que foram os autores quem, nas circunstâncias apuradas e pelas razões de direito expostas, adquiriram originariamente e titulam o direito de propriedade dos muros e pilar, notando-se ainda, quanto ao das traseiras, que, além do mais, a base dele em que foi feito o respectivo alteamento já se presumia excluída de comunhão, nos termos do artº 1371º, nº 2, alínea c), do CC. [[60]]

Deve, portanto, improceder o recurso e confirmar-se a sentença.
***
Questão da litigância de má fé no recurso 

Haverá deturpação voluntária, consciente, dolosa ou, pelo menos, grosseiramente negligente, da transcrição feita na impugnação da matéria de facto da parcela do depoimento da testemunha FF, como sustentam os apelados, a propósito da utilização feita como fundamento daquela da expressão “posso dizer que era dele”, em vez de “posso dizer que era meu”, de modo a justificar a condenação em multa e na indemnização, conforme peticionado?

Os pressupostos da litigância de má fé resultam do artº 542º, do CPC.

Reporta-se à violação dos deveres cominados nos artºs 7º e 8º.

Os seus pressupostos estão vastamente discutidos na Jurisprudência, sobejamente conhecida, para que se remete [[61]].

Revisitando-se tudo quanto foi referido a propósito da apreciação da impugnação do ponto provado 5 e que a esta questão respeita, mormente o que resulta da gravação ter efectivamente sido dito pela testemunha FF e da argumentação em torno das suas afirmações tecida pelos apelantes, conclui-se que há uma distorção do sentido da afirmação, bem como dos efeitos a partir dessa distorção pretendidos.

Contudo, não cremos poder afirmar-se, com certeza e segurança, olhando globalmente ao teor dos articulados dos réus, das suas alegações e das pretensões manifestadas, que se trate de atitude voluntária e mal intencionada, mas antes fruto de precipitação impulsionada pelo ímpeto de defesa acirrada da tese dos réus na captação, interpretação, avaliação, compreensão e utilização, como argumento para basear o recurso, daquilo que a testemunha realmente disse e do verdadeiro sentido com que o disse.

 Haverá, sem dúvida, negligência, uma vez que a audição da testemunha deve ser feita com tranquilidade, objectividade, buscando precisão e clareza. A audição e análise da gravação com vista a sustentar o recurso devem ser cuidadosas e rigorosas. A sua invocação deve fazer-se com escrupulosa fidedignidade.

Não poderá dizer-se, contudo, que ela seja grave, face a todo o contexto que resulta da postura dos réus, em que pontifica a manifestação de teses e pretensões a esmo, manifestamente sem sólida e razoável elaboração, na ânsia de que alguma porventura vingue, admitindo-se que tal resulta mais de uma certa maneira actual de exercer a actividade forense do que de distorcida, reprovável e persistente descuido na observância dos deveres cometidos pela lei processual que deva ser qualificado como má fé.

Não se condenarão, pois, os réus, como tal, ao contrário do pedido pelos autores.
***

Quanto às custas

A decisão de 1ª instância, quanto a isso, não vem questionada. Tem de ser respeitada. [[62]]

Decidindo sobre as custas do recurso, nos termos do artº 607º, nº 6, CPC (aplicável ex vi do artº 663º, nº 2, in fine), é linear a conclusão de que elas recaem evidentemente sobre os apelantes, na totalidade, de acordo com o artº 527º, nºs 1 e 2, por decair in totum.

Face ao que já se disse sobre a conduta processual dos réus quanto à sua prolixidade (mormente a propósito das alegações e conclusões) e da pelos autores acusada má fé, ponderou-se o uso dos mecanismos dos artºs 531º e 530º, nº 7, alínea a), CPC.

Não estamos, porém, perante um recurso que possa dizer-se em absoluto total e manifestamente improcedente, fruto exclusivamente da apontada imprudência que careça de ser prevenida e deva ser censurada com taxa excepcional, nem de uma prolixidade com dimensão justificativa de tributação acrescida, tanto mais que houve um esforço de aperfeiçoamento.

Não estamos, pois, ante caso que justifique o merecimento de qualquer das referidas sanções, como noutros tem sucedido. [[63]]

 VI. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação em, embora com as alterações fácticas introduzidas oficiosamente, julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelos recorrentes – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do CPC).
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Notifique.
Guimarães, 02 de Fevereiro de 2023

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral
                       
Adjuntos: Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Martins Moreira Dias


[1]Por opção do relator, o texto próprio não segue as regras do novo acordo ortográfico.
[2] Ou seja: “prédio urbano, sito na Rua ..., Freguesia ..., concelho ..., com a área total de 540,00 m2, correspondendo 140,00 m2 a superfície coberta e 400,00 m2 a superfície descoberta, a confrontar a norte com GG, a sul com Rua, a nascente com HH e a poente com CC, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00.º e, conforme artigo 2º, descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...76”.
[3] Todavia, mal correlacionados e explicados, como é suposto que os réus fizessem, no texto do seu articulado, onde não lhes encontrámos sequer referência explicativa.
[4] Não se considerou necessário convite às partes para aperfeiçoarem os seus articulados, como permite o artº 590º, nºs 2, alínea b), e 4, CPC.
[5] Longas, relativamente claro, em vista do objecto do processo, das questões por ele propiciadas e da sua pertinência, como se verá: 30 páginas, com 138 parágrafos, e extensas e prolixas conclusões em 8 páginas e 41 parágrafos.
[6] Não se respeita, antes se adapta, a formatação de texto usada nos originais transcritos.
[7]Acórdão do STJ, de 10-11-2022, processo nº 815/20.3T8BGC-B.G1.S1 (Maria da Graça Trigo).
[8] Caso não seja arguida a nulidade com base em tal omissão de pronúncia e se não trate de matéria de conhecimento oficioso.
[9] Isto mesmo foi lembrado no Acórdão desta Relação de 07-10-2021, proferido no processo nº 886/19.5T8BRG.G1 (Vera Sottomayor).
[10] No despacho de recebimento do recurso, corrigiu-se, pois constava, por lapso, “os autores”.
[11] Por requerimento, simples e específico – não em recurso e nas alegações respectivas.
[12] Que é, em princípio, do Juiz de 1ª Instância – por simples despacho, sobre o qual as partes poderão alegar, perante o tribunal superior o que entenderem quanto à rectificação depois, naturalmente, de esta ter sido decidida, conforme nºs 1 e 2, do artº 614º, CPC – e não da Relação, em recurso.
[13] Cfr. Exposição de Motivos da Proposta nº 113/XII/2ª subjacente à Lei 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o actual CPC.
[14] Cfr. Acórdão do STJ, de 28-10-2021, no processo nº 8975/17.4TSTB.E1.S1, de cujo sumário se destaca: “I. Não obstante o disposto as prescrições dos artigos 637º, nº 2 e 639º, nº 1, do CPC, são frequentíssimas as situações de afastamento de tais critérios, com a apresentação de alegações e/ou conclusões insuficientes, contraditórias, excessivas, incongruentes, confusas, prolixas ou inócuas, que tornam sobremaneira penoso descortinar qual seja o objecto do recurso. II. Assumindo-se impotente para obviar a um tão generalizado e reiterado afastamento dos padrões legalmente estabelecidos e procurando assegurar uniformidade de critério e evitar o excesso de imputação às partes das consequências de condutas que não dominam, entranhou-se na jurisprudência uma atitude condescendente em que os Tribunais Superiores desconsideram o incumprimento dos ónus de alegação e conclusão, avançando para a decisão em face do que têm como, em face do que depreendem da decisão recorrida e da alegação, as questões que constituem o objecto do recurso. III. Atitude que se adopta, entendendo que, para além da total inexistência, só em casos extremos em que de todo em todo não se consiga vislumbrar qualquer conteúdo útil na alegações e/ou conclusões se deve lançar mão da rejeição do recurso, cabendo ao tribunal, nos demais casos, delimitar o âmbito do recurso em função do que, em face da decisão recorrida e do conteúdo da alegação e suas conclusões, ainda que deficientes, depreende serem as questões relevantes, sem embargo, porém, do respeito pelo contraditório. IV. Esse abaixamento do grau de exigência no critério de aferição do cumprimento do ónus de alegação e conclusão implica, no entanto, que os recorrentes fiquem destituídos de legitimidade para contestar posteriormente o resultado da especificação levada a cabo pelo tribunal.”.
[15] Apesar do modo como eles estão formulados, é claro que não é a propriedade de qualquer dos prédios A ou B que estava ou está em causa no litígio (direito esse pacífico), mas essencialmente a dos muros existentes entre eles e, pressupostamente, o terreno sobre que se encontram implantados que, na parte da frente, segundo os autores, foi comprada à Freguesia pelos seus antecessores mas cuja “área reclamada”, segundo os réus, integra o prédio destes e parcela alegadamente também por eles comprada à mesma Autarquia e na qual eles próprios construíram esse mesmo muro.
[16] Já que uma síntese não é fácil, em vista da matéria em causa e forma de redacção dos articulados e das pretensões. Nota-se neles, por exemplo, além de outras deficiências, falta  de apoio e referência a plantas ou fotos cabalmente legendadas capazes de retratar a situação real in loco, anterior e actual, como é ou era banal fazer-se em litígios análogos (os autores apenas juntaram uma e, os réus, duas, e só no final da audiência o Tribunal mandou juntar cinco, quatro nesse acto exibidas – mas por uma testemunha! – e outra por mandatário) ou, ao menos, num croquis suficientemente preciso e explicativo da versão de cada parte (os dois juntos pelos réus não indicam quaisquer dados relativos à implantação das edificações correspondentes às representadas nas figuras, não referem as confrontações, nem sequer os pontos cardeais, menos ainda a parcela alegadamente por cada uma delas adquirida!).
[17] Palheiro cuja implantação não se descreve com precisão e cuja pertença (titularidade e integração) não se expõe com clareza, como é suposto que acontecesse nos articulados (artºs 204º, do CC, e 131º, nº 3, do CPC), mas veio a apurar-se pertencer aos réus.
[18] Não se precisa, com clareza, a demarcação de tal parcela, ao menos com referência aos pontos cardeais, a não ser que nela se encontra o muro.
[19] Isto dizem os autores. Os réus dirão exactamente o contrário, ou seja, que essa área lhes foi cedida pela Freguesia e lhes pertence, abrangendo a do muro. Nenhum deles, porém, explica como se configurava, antes da cedência que cada um invoca, a área pública no local nem precisa a implantação linear da parcela adquirida.
[20] Supõe-se que, nesta frase, a palavra “construção” refere-se ao edifício (palheiro construído) e não ao acto de o construir, ou seja, ao substantivo.
[21] Ter-se-ão os autores querido referir, ao que parece, aos balaústres que se vêm na parte superior do troço de muro  retratado no documento ... da pi, encimados por uma placa longitudinal que os remata e liga.
[22] Como “sul/poente” e “poente/sul” definem a mesma direcção, embora não o mesmo sentido, deduz-se que o pilar do muro de vedação do lado sul alegadamente localizado na “parte sul/poente” é o que se vê à direita do observador na referida foto do doc. ... e define o lado direito do portão; e, o do “topo poente/sul”, é o da extremidade sul do questionado muro da estrema poente que vai do palheiro até à rua e termina no enfiamento da linha demarcatória deste lado (sul) e que se vê do lado esquerdo da mesma foto tendo nele cravadas as dobradiças de uma folha aberta do portão da referida entrada.
[23] Os autores referem “concluir” à colocação dos balaústres, conforme já referido.
 [24]Deduziu-se, pelo contexto da alegação algo confusa, que os autores aqui se referem ao tal segundo muro, lado norte.
[25] Assim está alegado no item 11 e repetido ipsis verbis no 39, com remissão ora para o documento ... ora para o documento ..., uma escritura, sendo que o 4 é que é um “Alvará de Utilização” emitido em 2013 pela Câmara, desconhecendo-se nos autos qualquer Projecto. No dito Alvará, consta que a moradia familiar dos réus licenciada é de tipo T4 e composta por cave destinada a garagem e arrumos, ... e ... andar destinados a habitação, com a área total 381,00m2”. O documento ... é que é uma escritura de compra.
[26] Na alegação (itens 12 e 28), referem-se “os AA” e remete-se para documento ..., que no Citius é a procuração, sendo ilegível o teor dos nºs 3 e 4, embora ambos contenham a notação manuscrita “doc. ...” mas respeitantes a pagamento de Sisa. Na escritura, que é documento ... do Citius, refere-se a compra (em 1985 e não em 1974), pelos réus, de vários prédios – e não “parcelas” –, um dos quais corresponde ao nº 11 da CRP – que terá vindo a originar a moradia licenciada – mas nenhum ao número ... da Matriz – o que evidencia incongruências na alegação!
[27] Alega-se, repetidamente, “os AA.” e remete-se para “doc. ...” que, como já se viu, é uma procuração, tendo querido, por certo, dizer-se “os RR” (como se deduz) e remeter para o recibo da Junta no qual está manuscrito um número rasurado, não seguramente perceptível. Nesse recibo, manuscrito e pouco legível, datado de 03-10-1974, a Junta declara que recebeu 1.250$00 do réu pela venda do que parecem ser “12,50 metros cuadrados de terreno” para “ampeliação duma casa que ele possui” [?]. Não consta no documento qualquer referência elucidativa à localização, lá no sítio, dessa área nem à sua delimitação.
[28] Não precisam de que Adega se trata e onde se localiza. Se, como parece, pretendem referir-se à entrada do palheiro, as fotos não esclarecem se essa construção serve de adega e se nela entram tractores.
[29] Apesar de se repetir tal alusão a “configurações” (no plural), nos itens 18 e 44, não se encontra no articulado mais nenhuma “descrição” para além da relatada.
[30] Na redacção, utiliza-se, sistemática e incorrectamente, e até na sentença chega a repercutir-se isso (cfr. facto não provado h), a preposição “sob” (que significa por baixo de) em vez da preposição “sobre” (que significa em cima de), que é a adequada, face ao contexto e ao pretendido. Nessa conformidade se corrigiu quando necessário.
[31] Deduz-se que, alegadamente, compraram eles, réus, apesar da falta de clareza e insuficiência do alegado nos itens 19 e 45 da contestação sobre a pessoa dos compradores e de confirmarem idêntica aquisição pelos autores, mas tendo em conta que juntam um recibo da autarquia local da venda de 1.250 m2 de terreno.
[32] As únicas áreas são as mencionadas nos documentos mas em nenhum existe qualquer elemento referencial da sua implantação in loco, tal como, alegando-se actos de posse sobre o prédio no seu todo, nenhum, especifica e concretamente, se detalha (para além da construção e pintura) sobre o muro e sobre as áreas controversas.
[33] Estes alegaram diversamente que se aprestavam para concluir o muro quando disso foram impedidos pelos réus.
[34] Apesar de os autores peticionarem o reconhecimento da propriedade exclusiva dos dois muros, os réus, embora impugnando de tabela a matéria alegada quanto a ambos, referem-se, repetidamente, apenas, a um muro, no singular, e, agora, no recurso, questionam ambos.
[35] Terão querido os autores referir-se ao “Recibo” da Junta de Freguesia junto aos autos pelos réus, já antes referido.
[36] Tratar-se-á, de novo, do referido “recibo” respeitante à venda aos réus de uma parcela de terreno, que tem aposta a data de 03-10-1974.
[37] Note-se que, tão curiosa quanto contraditoriamente, os autores replicantes, tendo comprado também, segundo alegaram na petição, uma parcela à Freguesia, não juntaram qualquer escritura dessa aquisição mas apenas uma cópia da acta de reunião da autarquia, de 10-12-1984, em que a Junta respectiva deliberou vender-lha.
[38] Mais precisamente, será: prédio urbano.
[39] Se é essa que os recorrentes tiveram em mente.
[40] Pode ver-se isso e proficiente enquadramento do tema no Acórdão da Relação do Porto, de 08-03-2019, processo nº 7829/17.9T8PRT.P1 (Aristides Rodrigues de Almeida).
[41] Ainda para melhor explicação, sobretudo da diferenciação entre o objecto da reivindicação e o da demarcação, pode ver-se, cotejando-o com o presente caso, o Acórdão desta Relação, de 05-04-2018, no processo nº 75/15.8T8TMC.G1 (José Alberto Moreira Dias), para que se remete e cujo sumário diz: “1- A forma de processo adequada tem de ser determinada em função do pedido ou pedidos deduzidos pelo Autor em sede de petição inicial e a(s) causa(s) de pedir que invoca para sustentar esse(s) pedido(s). 2- Com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, foi eliminado o processo especial de arbitramento, passando a ação de demarcação, tal como a ação de reivindicação, a seguir a mesma forma de processo – o processo comum de declaração. 3- Ocorre ineptidão da petição inicial com fundamento em cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis quando, em cumulação real, são deduzidos pedidos cujos efeitos jurídicos mutuamente se repelem, isto é, pedidos que mutuamente se excluem ou que assentam em causas de pedir inconciliáveis. 4- A ação de reivindicação é uma ação real, petitória e condenatória, destinada à defesa da propriedade, sendo a respetiva causa de pedir integrada pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e pela violação desse direito pelo reivindicado (que detém a posse ou a mera detenção desta). O pedido é o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e a restituição desta àquele. 5- A ação de demarcação não visa a declaração do direito real, mas apenas definir as estremas entre dois prédios contíguos, propriedade de donos distintos, perante o estado de indefinição/incerteza das respetivas estremas. O direito de propriedade de Autor e Réu sobre os respetivos prédios, a demarcar, não integra a causa de pedir da ação de demarcação, mas funciona como mera condição de legitimidade ativa (Autor) e passiva (Réu) para a ação de demarcação. 6- A causa de pedir na ação de demarcação é complexa e desdobra-se na existência de prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos, cujas estremas são duvidosas ou se tornaram duvidosas. O pedido é a fixação da linha divisória entre os prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos. 7- A distinção entre ação de reivindicação e de demarcação passa por verificar se perante o(s) pedido(s) e causa(s) de pedir invocadas pelo Autor em sede de petição – a relação jurídica material por ele delineada – se invoca um conflito de títulos de aquisição dos prédios ou um conflito de prédios. Se na ação se discute o título de aquisição dos prédios, então a ação é de reivindicação (conflito de títulos). Se na ação não se discute o título de aquisição dos prédios, mas a relevância deles em relação ao prédio, no sentido de se saber onde acaba um e começa o outro (conflito de prédios), a ação é de demarcação.”.
[42] Neste sentido, especialmente quanto ao pedido de reconhecimento da propriedade, e para maior aprofundamento do tema, pode ver-se o estudo do Prof. Oliveira Ascenção, proferido em conferência de homenagem ao Professor Castro Mendes (publicado no portal da OA e acessível na Internet), intitulado Acção de Reivindicação, onde refere que tal pedido comporta uma ambiguidade, “não tem em Direito nenhum sentido”, pois “O réu não é condenado a reconhecer, não tem de prestar facto ou declaração com este conteúdo. A única declaração que pode estar em causa é a do próprio tribunal” (página 6).
[43] Relembre-se que nem os autores nem os réus fizeram qualquer esforço quanto a isso nos seus articulados.
[44] Por exemplo e por recente: Acórdão desta Relação, de 29-09-2022, processo nº 307/20.0T8CHV.G1 (Alcides Rodrigues):
Ora, como assinala Abrantes Geraldes (4), a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de julgamento, sendo um dos vícios que naquela decisão pode ser detetado – ao lado dos vícios que se traduzem em decisões deficientes, obscuras ou contraditórias – o da integração na sentença, na parte em que se enuncia a matéria de facto provada (e não provada), de pura matéria de direito e que nem sequer em termos aproximados se possa qualificar como decisão de facto.
Dispõe o art. 607.º, n.º 4, aplicável “ex vi” do art. 663º, n.º 2, ambos do CPC, que, na fundamentação da sentença, o juiz tomará «em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
No âmbito do pretérito regime do Código de Processo Civil, o art. 646.º, n.º 4, previa, ainda, que têm-se «por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes».
Muito embora esta norma tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria suscetível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos (5).
O que significa que, quando tal não tenha sido observado pelo tribunal “a quo” e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas ou de direito, considerando-as provadas ou não provadas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita (6).
Como é sabido, a distinção entre matéria de facto e matéria de direito tem sido controversa, quer na doutrina quer na jurisprudência.
Na formulação de Alberto dos Reis (7), «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei».
Nas palavras de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora (8), dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírica-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (a vontade real do declarante – art. 236º, n.º 2 do Cód. Civil; o conhecimento dessa vontade pelo declaratório; as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria).
Acrescentam os citados autores que, embora a área dos factos cubra, principalmente, os eventos reais, também pode abranger as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros juízos de facto (nexo causal – art. 563º do CC; lucros cessantes – art. 563º do CC; vontade hipotética ou conjetural das partes cessantes – arts. 292º e 293º do CC). Tais juízos de facto traduzem realidades de uma zona empírica que faz ainda parte da instrução da causa (thema probandum). Trata-se da zona imediatamente contígua à dos juízos de valor e à dos juízos significativo-normativos, que, esses sim, integram a esfera do direito, como sejam, a fixação do sentido decisivo da declaração de vontade (art. 236º do CC), se a falta do interesse do credor no cumprimento parcial da obrigação por impossibilidade parcial da prestação imputável ao devedor tem ou não escassa importância para o credor (art. 802, n.º 2 do CC), se a alteração das circunstâncias básicas do contrato é normal ou anormal.
Deste modo, “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes” (9).
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, os juízos conclusivos ou de valor não retratam ocorrências da vida real, quer internas, quer externas, mas sim o efeito e consequência dessas mesmas ocorrências, conclusões essas que cabe ao julgador extrair na prolação da sentença, dos factos dados como provados. Trata-se de matéria que não se cinge ao elencar do facto, mas tem em si, explicita ou implicitamente, considerações valorativas sobre esse facto, ou seja, apreciações que ultrapassam a objetividade do facto e trazem consigo a subjetividade da análise valorativa de uma determinada ocorrência da vida real. Dito de outro modo, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova (10).
“A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso, o facto conclusivo deve ser havido como não escrito. No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito” (11).
Contudo, como salienta Abrantes Geraldes (12), no atual figurino do Código de Processo Civil, “devem ser admitidas com mais naturalidade asserções que, não correspondendo, no contexto da concreta ação, a puras “questões de direito”, sejam algo mais que puras “questões de facto” no sentido tradicional”.”.
[45] Frase cujos termos não são exactamente os transcritos pelos apelantes. O verbo foi “suportar” e não “construir”.
[46] Como não se espera que seja em pessoas de idade muito avançada, como é a da testemunha em apreço, cujo aparelho fonador já acusa desgaste e já não se mostra como de “alta fidelidade”.
[47] Note-se como foi percebido bem que havia o “muro” do palheiro – o tal “muro dele”!
[48] Ou com animais, como também alegaram os réus, no contexto da descrição de actos de posse.
[49] A não ser que “deficiente”, para eles, será sempre qualquer decisão que não lhes dê razão!
[50] No despacho de recebimento do recurso, corrigiu-se, pois constava, por lapso, “os autores”.
[51] Processo nº 4546/15.8T8VCT.G1 (mesmo Relator).
[52] Processo nº 861/18.7FAF.G1 (Idem).
[53] Processo nº 08A075 (Fonseca Ramos)
[54] Processo nº 1192/94 (Cardoso de Albuquerque), in BMJ nº 446, página 368.
[55] Citaram, ainda, o velho 498º.
[56] Acórdão da Relação de Guimarães, de 05-11-2020, processo nº 1228/18.2T8PTL.G1 (Relatado pelo 2º Adjunto deste).
[57] Acórdão desta Relação de Guimarães, de 08-11-2018, processo nº 212/16.5T8PTL.G1 (Afonso Cabral de Andrade).
[58] Acórdão desta Relação de Guimarães, de 13-10-2022, processo nº 872/21.5T8GMR.G1 (José Cravo).
[59] Acórdão do STJ, de 07-04-2005, processo nº 05B175 (Ferreira Girão), por exemplo.
[60] Acórdão do STJ, de 20-10-2011, processo nº 2018/07.3TBFAR.E1.S1 (António Silva Gonçalves), secundado pelo da Relação de Lisboa, de 25-02-2012 , processo nº 9520/08.8TBCSC.L1-1 (Pedro Brighton): “1. A verdade presumida e descrita na lei (n.º 1 e 2 do art.º 1371.º do C. Civil) tão-só vale se não for provado que os muros ou paredes pertencem só a um dos proprietários dos edifícios ou prédios rústicos que eles dividem, designadamente porque foi o dono de um dos edifícios, prédio rústico, pátio ou quintal quem os construiu a sua expensas ou que, por título validamente expresso, os adquiriu fora da defendida comunhão; 2. Estas presunções (as mencionadas no n.º 1 e 2 do art.º 1371.º do C.Civil) são consecutivamente afastadas se ficarem comprovados os sinais relacionados no n.º 3 do art.º 1371.º do C.Civil.”. Sobre isto, também, cfr. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, 2ª edição, volume III: “Contra a presunção de domínio exclusivo a favor de um dos proprietários confinantes com o muro, tanto poderá provar-se que este é comum (porque, por exemplo, foi construído pelos dois proprietários confinantes em terreno de ambos, ou porque a meação foi adquirida por um deles através de negócio jurídico ou usucapião), como provar-se que pertence em exclusivo ao outro proprietário.
[61] Por exemplo: Acórdãos da Relação de Guimarães, de 03-11-2022 e de 26-09-2019, processos nº 45663/18.6YIPRT.G1 e 1188/19.2T8FAF.G1, respectivamente (mesmo Relator).
[62] Na sua totalidade, da acção e da reconvenção, foram condenados os réus, embora procedente o seu pedido reconvencional quanto ao prédio B, tal como o dos autores quanto ao A – no fundo pedidos aparentes e desnecessários por pacífica a propriedade respectiva.
[63] Acórdãos da Relação de Guimarães, de 22-04-2021 e de 10-10-2019, processos nº 2476/20.0T8BRG.G1 e nº 555/18.3T8PTL.G1 (mesmo Relator).