Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
720/18.3T8BCL.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: OBJECTO DO RECURSO
JUROS COMERCIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A alegação consiste na exposição do conjunto de motivos pelos quais o recorrente considera que a decisão recorrida não é a correta e as conclusões são a síntese desses motivos.
II - Assim como não é possível ter em consideração uma questão que não é referida nas conclusões de recurso, mesmo que o seja na alegação, também não é possível considerar uma questão que é referida nas conclusões, mas que não foi objeto de qualquer espécie de tratamento ou análise nas alegações.
Por conseguinte, não constitui questão objeto de recurso aquela que é referida nas conclusões, mas que não foi objeto de qualquer tratamento nas alegações.
III - O art. 102.º, § 3, do Código Comercial, não exige que o ato seja comercial relativamente a ambas as partes, referindo ser aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas. Por outro lado, o art. 99º do mesmo diploma refere também que, embora o ato seja mercantil só com relação a uma das partes, será regulado pelas disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes.
Acresce que a razão de ser da existência de juros moratórios comerciais não se relaciona com o devedor, mas sim com o credor.
IV - Por isso, nos atos de comércio unilaterais estabelecidos com consumidores são devidos juros comerciais por força do disposto no § 3.º do art. 102º, do Código Comercial.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na 1ª seção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

X-GABINETE DE ARQUITECTURA, LDA. veio propor ação declarativa de condenação, com processo comum, contra CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO Y pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe:
a) a quantia de € 1.065,57, correspondente ao valor do preço em falta respeitante ao contrato de empreitada referido nos arts. 2.º a 5.º da PI, acrescida de juros de mora à taxa legal comercial a computar desde o dia 19/01/2017– dia seguinte à data de vencimento da fatura e até efetivo pagamento;
b) a quantia de € 6.017,58 acrescida do valor do IVA à taxa legal de 23%, respeitante aos fornecimentos e trabalhos referidos em 9º, tudo acrescido de juros computados à taxa comercial desde a citação e até efetivo e integral pagamento;

Subsidiariamente,
c) a título de enriquecimento sem causa, as quantias de € 1.065,57 e de € 6.017,58, sendo esta última quantia acrescida do respetivo valor do IVA à taxa legal de 23%.

Como fundamento dos seus pedidos alegou, em síntese, que celebrou com o réu um contrato de empreitada para aplicação do sistema “capoto”, pelo preço global de € 32.000,00. A autora executou os trabalhos acordados em conformidade com o contrato, os quais ficaram concluídos em maio de 2016 e foram aceites pelo réu sem qualquer reserva ou reclamação.
Todavia, o réu não pagou parte do preço, encontrando-se em falta o valor de € 1.065,57, cujo pagamento peticiona.
Para além dos trabalhos inicialmente acordados, a autora realizou ainda outros trabalhos para o réu, a solicitação deste, no valor de € 6 450,96. Face à realização destes trabalhos, a autora não realizou a lavagem do edifício que fora acordada inicialmente e que tinha um preço de € 433,38, pelo que, deduzindo este valor, encontra-se por pagar, quanto aos trabalhos prestados a mais, a quantia de € 6.017,58. Os trabalhos forem entregues ao réu, que os recebeu e dos mesmos não reclamou. Ao valor em dívida acresce o IVA, à taxa legal de 23%. A autora não emitiu a fatura do valor de € 6.017,58 por não ter condições económicas para proceder ao pagamento do IVA.
Subsidiariamente, caso se entenda que os contratos de empreitada não são válidos ou que dos mesmos não resulta a obrigação do réu pagar à autora os montantes peticionados, sempre haverá enriquecimento sem causa por parte do réu, pois os trabalhos foram executados e os materiais foram incorporados no edifício, o que aumenta o seu valor, não podendo ser retirados sem prejuízo do edifício e dos materiais. Assim, sempre a autora tem direito a receber tal quantia a título de enriquecimento sem causa.
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Regularmente citado, o réu contestou alegando, em síntese, que os trabalhos realizados pela autora apresentaram vários problemas que causaram inúmeros danos ao réu. Porque os danos eram visíveis e porque havia uma comissão de acompanhamento de obras, a situação foi imediatamente comunicada à autora, tendo esta assumido a responsabilidade por tal ocorrência.
Pese embora tal assunção, a autora nunca procedeu à reparação desses danos e, em finais de setembro de 2016, abandonou a obra definitivamente. Perante tal facto, o réu teve de contratar um terceiro para concluir os trabalhos, no que despendeu a quantia de € 1 000.
O réu, com o recebimento das faturas, deparou-se com o facto de a obra estar toda a ser faturada a 23% de IVA, quando a mão de obra deveria ser faturada a 6%, o que tinha sido confirmado pela autora numa reunião.
O réu pagou à autora a quantia devida de € 38.294,43 e, como tal, nada mais lhe deve quanto ao contrato de empreitada.
O réu não acordou com a autora a realização de quaisquer trabalhos a mais, sendo que os trabalhos efetuados pela autora que não constavam do contrato se destinaram a corrigir os defeitos e reparar os danos causados pela própria autora durante a execução da obra.
A reparação dos defeitos existentes na obra e que a autora não eliminou tem um custo não inferior a € 2.000,00. Além disso, a autora não realizou os trabalhos de lavagem e impermeabilização das varandas sul do rés-do-chão, que têm o valor de €1 500,00.
Assim, em reconvenção, pede a condenação da autora no pagamento da quantia de 4.500,00€ a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais.
Pede ainda a condenação da autora como litigante de má fé, em multa e indemnização não inferior a € 2 500,00.
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A autora apresentou réplica na qual alegou, em síntese, que a taxa de IVA aplicável é de 23%.
Considera que a reconvenção é inepta por a causa de pedir ser ininteligível visto que o réu não identifica as situações urgentes que foram reparadas e não concretiza quais são as reparações que importa fazer.
Nega ter abandonado a obra, sendo falso que o réu não tenha aceitado os trabalhos/obra, visto que, já depois de setembro de 2016, o réu pagou ao autor, por conta do preço acordado, a quantia de € 11.494,44.
O réu nunca reclamou de quaisquer defeitos da obra, nem solicitou à autora a sua reparação, pelo que caducou o direito de denúncia e o direito à eliminação de quaisquer defeitos. O comportamento do réu constitui abuso do direito, pois recebeu a obra, não reclamou da mesma e só com a presente ação veio invocar a existência dos problemas.
Considera ainda que não litiga de má fé e termina pedindo que a reconvenção seja julgada improcedente.
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Foi julgada improcedente a exceção de ineptidão da reconvenção, foi admitida a reconvenção, foi fixado à causa o valor de € 11 583,15, foi proferido despacho saneador e foi proferido despacho sobre os requerimentos probatórios apresentados.
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Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“Pelo exposto, o Tribunal decide-se:
A. Julgar a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência, condena-se o réu Condomínio do Edifício Y a pagar à autora X-Gabinete de Arquitectura, Lda., a quantia de €.7.251,51 (sete mil duzentos e cinquenta e um euros e cinquenta e um cêntimo), acrescida de juros mora vencidos desde 11.04.2018, e vincendos até efectivo integral pagamento à taxa de juros vigente para as relações comerciais.
B. No mais absolve-se autora e réu do pedido.
C. Absolve-se a autora do pedido de condenação como litigante de má fé.”
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O réu não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem com exclusão da parte relativa à transcrição dos depoimentos):
“1- Quanto aos juros, salvo respeito por diferente opinião, julga-se que os juros comerciais se aplicam aos pagamentos efetuados como remunerações de transações comerciais.
2- Entende-se nos termos legais por «Transação comercial» qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação.
3- No caso tratando-se de uma empresa e um particular, os juros a aplicar seriam os juros civis.
4- De qualquer forma, mal se compreende que os juros igualmente incidam sobre o IVA, quando não foi emitida fatura.
5- Com efeito, determinou a 1.ª instância que ao valor sentencial a suportar pelo Réu Condomínio de 6.196,74€, acrescesse juros de 23%, deduzida quantia apurada 148,48€.
6- Não obstante se entender que o valor dos juros não seria de tal montante, nos termos da prova produzida em A.J. e infra melhor descriminado, o facto é que a sentença aplica os juros à quantia com IVA.
7- O que não se julga admissível porquanto a A. nunca emitiu sequer fatura da quantia reclamada.
8- Assim, sempre aceitação dos valores a suportar pelo Réu implicariam que os juros incidissem apenas sobre o montante de 6.048,26€ (6.196,74€ - 148,48€).
9- No mais, como este douto tribunal superior sindicará, se a prova de trabalhos não é condicionada à existência de fatura, crê-se todavia que o douto tribunal sempre estaria obrigado a condicionar o pagamento do IVA à emissão da mesma.
10- Cremos muito respeitosamente que extração de certidão da petição e da sentença ao Serviço de Finanças, conforme ordenado na sentença em crise, deve manter-se, mas não satisfaz suficientemente tal desiderato.
11- Pois que se entende ser condição de exigibilidade do imposto de IVA ao Réu a prévia emissão e apresentação de fatura pela A., com os requisitos estabelecidos no 36, n.º 5 do CIVA.
12- Pelo que, salvo o devido respeito sempre ao douto tribunal recorrido caberia, sendo o caso, determinar o pagamento do imposto, contra a emissão e apresentação de fatura.
13- No mais, pelos amplos poderes conferidos a este douto superior tribunal, não obstante a criteriosa sentença proferida, julga-se que se não poderá manter a decisão de 1.ª instância.
14-Muito respeitosamente, a pormenorizada análise encontra contraditoriedades em concretos factos probatórios dados uns como provados e outros como não provados em confronto com a prova produzida.
15- No que concerne ao objeto do litígio sobre o âmbito do contrato de empreitada celebrado entre A. e R. foi essencial ao desfecho da causa, na parte desfavorável ao Réu, 3 pontos concretos (CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE SE CONSIDERAM INCORRECTAMENTE JULGADOS e B) CONCRETOS PONTOS PROBATÓRIOS QUE IMPÕE DECISÃO DIVERSA):
• Com relação com 9) Factos provados
Que a A. forneceu e aplicou para além do acordado, mais 38 m2 de capoto, por solicitação do Réu
• Com relação com 11) Factos provados
Que a A. forneceu e aplicou 134 m2 de cerâmico, nas varandas sul do Rés-do-chão do edifício, por solicitação do Réu
• Com relação com k) dos Factos não provados
Que os trabalhos descritos em 10) a 15) foram feitos pela A. para reparar os danos que ela própria causou.
16- Com relação com 9) e 11) Factos provados
(…)
17- Com relação com k) dos Factos não provados que os trabalhos descritos em 10) a 15) foram feitos pela A. para reparar os danos que ela própria causou.
18- Resultou da prova produzida supra a violação dos mais elementares deveres de cuidado na obra e que a colocação da tijoleira no rés-do-chão foi precisamente para corrigir os danos que a A. provocou, conforme depoimentos supra.
19- Quanto aos direito e normas jurídicas violadas; salvo o devido respeito o doutro tribunal violou as normas sobre juros e sobre valoração de prova e ónus probatório, nomeadamente dos art. 452; 466.º C.P.C., 342 e 346 do C.C.
20- No que concerne à livre apreciação da prova, foi plenamente demonstrada em audiência de julgamento a forma pouco conforme às regras da arte mandadas aplicar pela A., no prédio, todavia o douto tribunal atribui credibilidade plena ao Arq. J. B., também conhecido por A. R., facto que não pode deixar de merecer censura, pela falta da fundamentação aduzida na sentença em crise.
21- Tanto mais que, apesar de criteriosa, a douta sentença olvida linhas gerais determinantes para o desfecho da causa.
22- O douto tribunal recorrido acaba por efetuar uma inversão do ónus da prova, não admissível.
23- A credibilidade do depoimento da parte ainda que valorada no contexto da prova produzida não pode ser valorada como testemunha isenta e sem interesse no desfecho da causa se tratasse.
24- Não pode merecer mais credibilidade ao douto tribunal o Sr. Arq., sócio gerente da A. e absolutamente comprometido com desfecho da causa, contra a legal representante da empresa que administra o condomínio P. N. ou P. R. e R. R. (irmãos) sócio e funcionário da dita empresa; a qual aliás apesar de representar Condomínio não tem qualquer interesse direto no desfecho da mesma.
25- Como esta Superior Instância sindicará, quer dos relatos de condóminos quer dos próprios subempreiteiros que trabalharam na obra, são coerentes no sentido de a mesma não ter sido efetuada de forma correta.
26- A A. não logrou provar que o Réu lhe encomendou mais serviços para além dos inicialmente contratados e o Réu conseguiu provar que a A. provocou diversos danos no decorrer da empreitada, conforme 19 a 27.º
27- Veja-se que a própria sentença reconhece que a A. danificou o piso das varandas do rés-do-chão, com marcas de ferrugem e partiu algumas peças numa pequena área, mas entendeu que não faz sentido que a A. se tenha disponibilizado a reparar todo o piso quando apenas danificou algumas.
28- Não é legitimo que o douto tribunal recorrido tenha concluído que a A. substituiu o material cerâmico a pedido do R., assim não se aceitando “Por todo o exposto, conjugando o depoimento de parte do legal representante da autora, com os demais elementos probatórios juntos aos autos, demos como provado que a autora substitui o material cerâmico a pedido do Réu.
29- A utilização da expressão “substituição” nos autos não pode ser inócua, tanto mais que a A. não substituiu as tijoleiras, antes tendo sido efetuada uma simples colagem de tijoleiras por cima das existentes.
30- Era à A. que cabia provar que o Réu a havia contratado para efetuar tal empreitada de “colagem de tijoleiras” o que não fez, nem se podendo tal deduzir quando a prova produzida aponta precisamente para uma tentativa de correção de danos.”

Termina considerando que não se pode julgar provada a existência de “obras extra” e muito menos que as mesmas foram efetuadas por solicitação do Réu.
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A autora contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I - saber se deve ocorrer alteração da matéria de facto;
II - proceder à reapreciação de direito, em função da alteração da matéria de facto;
III – saber se a taxa de juro aplicável é a dos juros civis ou comerciais.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1) A autora é uma sociedade comercial que se dedica, designadamente, à atividade da construção civil.
2) A 23 de Setembro de 2015, autora e ré outorgaram «Contrato de Empreitada» com o seguinte teor:
«Primeiro: Condomínio do «Edifício Y» (…) adiante designado por Primeiro Outorgante ou Dono da Obra.
Segundo: X – Gabinete de Arquitectura, Lda. (…) adiante designada por Segundo Outorgante ou Empreiteiro;
É celebrado o presente contrato de empreitada, que se rege pelas cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira
Pelo presente contrato o primeiro outorgante dá de empreitada ao segundo outorgante a aplicação de capoto na fachada virada a sul do «Edifício Y», pintura de grades, colocação de rufos, pintura dos muros da frente, remoção e pintura dos tubos de queda de águas pluviais (caso haja necessidade de substituição de algum, esse valor irá acrescer ao valor de contratação da obra), remoção do piso das varandas do 1.º e 2,º pisos, impermeabilização das mesmas e colocação de novo pavimento.
1 – Fica por conta do empreiteiro, o fornecimento, transporte, montagem, exploração, manutenção e desmontagem, no final da obra, de equipamento, vedações e instalações provisórias necessárias à execução da obra. Bem como a mão-de-obra e todos os materiais necessários para a execução dos trabalhos.
2 – O fornecimento de água e energia elétrica para a realização dos trabalhos é da responsabilidade do dono da obra.
3 – A discriminação dos trabalhos a efetuar bem como os materiais a utilizar constam do caderno de encargos em anexo.
4 – A obtenção das licenças necessárias à execução da obra, sua aprovação e receção, bem como o pagamento das respetivas taxas é da responsabilidade do primeiro outorgante.
Cláusula segunda
O valor da obra é de €.32.000,00 … ao qual acresce o valor do IVA à taxa legal em vigor, a pagar pelo primeiro outorgante, sendo este o valor de todos os trabalhos a realizar apresentados no caderno de encargos.
Cláusula terceira
1 – O preço devido pelo primeiro outorgante ao empreiteiro será pago da seguinte forma:
8000,00€ … aquando da adjudicação da obra
6000,00€ … aquando da colocação do capoto
6000,00€ … aquando da finalização das varandas
5000,00€ … aquando do início das pinturas
5000,00€ … logo que as obras estejam concluídas
2000,00€… 30 dias após a conclusão das obras
Cláusula quarta
(…)
Cláusula sexta
O empreiteiro é ainda responsável pela fiscalização da obra.
Cláusula Sétima
Assiste ao empreiteiro o direito a um aumento do preço estipulado se o dono da obra exigir alterações à obra; aumento esse que deverá ser correspondente ao acréscimo das despesas e ou trabalhos, que deverão ser pagos logo que executados.
Cláusula Oitava
A obra será iniciada no dia 28 de Setembro de 2015 e deverá estar concluída no prazo de noventa (90) dias após o início.
(…)»
3) Anexo ao «contrato de empreitada» referido em 2), está o «Caderno de encargos» junto a fls. 9v a 11v, assinado e rubricado pelas partes e do qual resulta, para além do mais, que:
«Caderno de encargos
Introdução
A obra a realizar consiste na imperialização [impermeabilização] da fachada sul, conforme assinalada nas imagens apresentadas no quadro abaixo, de um edifício sito na Rua do …, da freguesia de … do concelho de Barcelos.
Os trabalhos contemplam a aplicação de sistema de isolamento térmico e acústico nas referidas fachadas, e reabilitação das respectivas, que fazem parte do alçado em intervenção.
(…)
Reabilitação do alçado sul
- Fornecimento de mão de obra na aplicação de revestimento exterior sistema “cappotto”, da marca Viero, com EPS 15-20kg/m3, 3 cm;
- As placas de EPS, serão fixadas a parede por meio de barramento de cola em toda a superfície, aplicação de buchas por pontos, entre 6 a 8 por placa, a definir em obra;
- Nos vãos de portas e janelas será aplicado cantoneiras de rede;
- Fornecimento e colocação de prolongamento de soleiras em chapa pintada e branco ou creme;
- Remoção de rufos existentes e fornecimento e ecolocação de rufos em chapa pitada de branco, para remate da platibanda;
(…)
Varandas do 1.º e 2.º piso
- Extrair gradeamento existente, para uma melhor execução na aplicação do cappotto, posteriormente serão pintadas e recolocada de novo nas varandas;
- Remoção dos cerâmicos existentes nas varandas, regularização, aplicação de novas telas e fornecimento e aplicação de novos cerâmicos;
- A varanda do rés do chão será lavada e posteriormente aplicado um hidrófugo impermeabilizante.
Tetos Paredes separadoras das Varandas e Muros de Vedação
Tetos
- Lavagem para remoção das tintas e impurezas existentes, retificação de fissuras, posteriormente fornecimento e aplicação de pintura lavável em duas demãos.
Paredes separadoras das varandas
- Lavagem para remoção das tintas e impurezas existentes, retificação de fissuras, posteriormente fornecimento e aplicação de pintura lavável em duas demãos.
Muros de Vedação
- Lavagem para remoção das tintas e impurezas existentes, retificação de fissuras, posteriormente fornecimento e aplicação de pintura lavável em duas demãos.
(…)»
4) O réu pagou à autora a quantia de €.38.294,44 no âmbito do contrato referido em 2) e 3).
5) A autora executou os trabalhos descritos em 2) a 3), com exceção nas varandas sul do rés-do-chão, onde não efetuou a sua lavagem e não aplicou um hidrófugo impermeabilizante.
6) Os trabalhos previstos no contrato referido em 2) e 3) e que a autora executou, foram realizados até junho de 2016.
7) Os trabalhos referidos em 5) que não foram realizados pela autora, tinham o valor de €.987,00 acrescido do IVA, ou seja, €.1214,00.
8) A autora emitiu a fatura n.º 2017/16, datada de 18.01.2017, com vencimento na mesma data, no valor de €.866,32 acrescido de IVA à taxa de 23%, no valor total de €.1.065,57 e com a descrição «reabilitação de fachada e sacadas».
9) Para além dos trabalhos constantes do acordo referido em 2) e 3), a autora, por solicitação réu, na fachada do edifício na zona representada a amarelo da imagem constante do documento n.º 4 a fls. 12v, forneceu e aplicou mais 38 m2 de revestimento exterior sistema "capoto", da marca "Viero", com EPS 15-20kg/m3, 3cm, placas de EPS fixadas à parede por meio de barramento de cola em toda a superfície, com valor unitário de €.28,00, no valor de €.1.072,40.
10) O trabalho descrito em 9) foi aceite pelo réu sem qualquer reserva ou reclamação.
11) A autora, por solicitação do réu, nas varandas sul do rés-do-chão do edifício, forneceu e aplicou 134m2 de cerâmico, escolhido pelos condóminos do réu, o qual foi aplicado sobre o existente, do tipo "Pav 30x30 Pigmento Chumbo Nat. 1a", com preço unitário de €.11,45/m2, no valor de €.1534,30.
12) A autora, para colagem do material cerâmico sobre o existente e referido em 11), forneceu/aplicou 18 sacos de Cola Weber Col Flex XL Branco, no valor unitário de €.35,50, no valor de €.639,00.
13) A autora, nas varandas sul do rés-do-chão, forneceu e aplicou 47,45 ml de guias em pedra no valor unitário de €.15,00, no valor de €.711,75.
14) A autora, nas varandas sul do rés-do-chão, para colagem das guias em pedra referidas em 13), forneceu/aplicou 5 sacos de Color Flex Cinza Weber 5Kg, com preço unitário de €.6,81 (valor de €.34,05) e forneceu/aplicou 23kg de um saco Color Flex Cinza Weber 25Kg no valor unitário de €.28,95 (tendo os 23kg o custo de €.26,63), tudo no valor de €.60,68.
15) A autora custeou o preço/mão-de-obra respeitante ao assentamento do cerâmico e das guias e todos os demais trabalhos e intervenções inerentes referidos em 11) a 14) no valor de €.2.178,61.
16) Os trabalhos referidos em 11) a 15) foram concluídos durante o mês de julho de 2016.
17) O preço dos materiais e os trabalhos referidos em 11) a 15) encontram-se de acordo com o preço corrente e de mercado para o fornecimentos e serviços prestados.
18) Existia de entre os moradores uma comissão de acompanhamento das obras.
19) Os andaimes colocados pela autora para execução da obra enferrujaram um número não concretamente apurado de tijoleiras das varandas do rés-do-chão.
20) No desenrolar dos trabalhos de colocação de capoto, ocorreu o desprendimento de materiais dos andaimes que rachou um número não concretamente apurado de tijoleiras nas varandas do rés-do-chão.
21) Os restos de tinta, cimentos, colas e outros, decorrentes sobretudo da limpeza das fachadas, sujaram os vidros, os estores e o jardim, posto que a autora tão pouco assegurou a existência de resguardos nos andaimes colocados.
22) Em consequência dos trabalhos realizados pela autora, um número não concretamente apurado de estores encontram-se ainda, pontualmente, manchados com tinta.
23) O estore da fração “F” encontra-se danificado.
24) A substituição das lâminas plásticas do estore danificado da fracção “F” tem um custo de €.60,00 e a limpeza dos estores tem um custo global de €.100,00.
25) Pelo menos, as grades de uma varanda da fachada sul ficaram mal aparafusadas.
26) Das tijoleiras colocadas nas varandas do rés-do-chão, na fracção “E” cerca de 6 estão descoladas.
27) O levantamento e recolagem das tijoleiras referidas em 26) tem um custo de €.15,00 por m2, e o custo total de €.30,00.
28) Consta da ata de assembleia de condomínio do réu, realizada a 19.11.2015, e onde estiveram presentes o Arquiteto J. B. e o técnico Ricardo que «de referir ainda que esta empresa assumiu realizar mais trabalhos para além dos inicialmente previstos, nos valores calculados e orçamentados, sem qualquer custo adicional, a saber: fiscalização e acompanhamento de obra, pintura das grades da fachada sul e pintura dos muros exteriores.» (fls. 32)
29) Da ata referida em 28) resulta ainda que «ficou, no entanto, um pedido formal para melhor acompanhamento da obra, por parte da direção técnica, bem como para o levantamento rigoroso e criterioso de todos os danos e despesas supervenientes quer venham a ser causados no prédio ou aos condóminos pelos trabalhos e trabalhadores da empresa que está a executar a obra.» (fls. 32v)
30) Em novembro de 2015, havia problemas na obra que eram questionados pelos condóminos e foram comunicados à autora.
31) Durante a colocação das tijoleiras nas varandas do rés do chão referida em 11) a 15), algumas tijoleiras levantaram e isso foi comunicado à autora, que corrigiu.
32) Depois de Julho de 2016 os trabalhadores deixaram de comparecer em obra.
33) O réu mandou aparafusar e pintar as grades de frações não concretamente apuradas e procedeu à limpeza e reparação do jardim da fração de M. B..
34) No referido em 33), o réu despendeu quantia não concretamente apurada.
35) A pintura de 23metros lineares de grades (o que corresponde às frações G e I) tem um custo de €.15,00/m2, o que dá o valor de €.345,00 e a limpeza do jardim da fração de M. B. tem um custo de €.125,00.
*
Foram considerados não provados os seguintes factos:

a) A obra referida em 2) a 6) foi entregue ao réu que a aceitou sem qualquer reserva e ou reclamação.
b) Os trabalhos não executados referidos em 5) tinham o valor de €.433,38.
c) Os trabalhos não executados referidos em 5) tinham o valor de €.1500,00.
d) Os trabalhos referidos em 11) a 15) foram aceites pelo réu sem qualquer reserva ou reclamação.
e) O referido em 23) se ficou a dever às obras realizadas pela autora.
f) A autora danificou as telas de impermeabilização implicando agora a reparação das telas na zona das platibandas intervencionadas pela autora.
g) Todos os restos de tinta, cimentos, colas e outros, decorrentes sobretudo da limpeza das fachadas, danificaram vidros.
h) Em consequência das obras realizadas pela autora, entram humidades nas zonas das janelas.
i) Em consequência das obras realizadas pela autora, existem paredes esburacadas e partidas.
j) Em consequência das obras realizadas pela autora, ficaram varandins sujos e com tinta.
k) Os trabalhos descritos em 11) a 15) foram feitos pela autora para reparar os danos que a própria causou.
l) A autora abandonou a obra.
m) Em finais de Setembro de 2016 a autora comunicou ao réu que não iria para a obra efectuar qualquer outro trabalho.
n) Mais disse que aquela obra só lhes deu prejuízo.
o) A autora saiu da obra sem ter pintado as grades.
p) A autora foi por diversas vezes interpelada para limpar os restos de tinta, cimentos, colas e outros, que sujaram os vidros e os estores e o referido em 22), 25) e 26).
q) O réu insistentemente até meados de Setembro de 2016 peticionou à autora o retomo dos trabalhos, a que a autora ia dando diversas desculpas desde andarem os trabalhadores noutras obras ou ter acontecido imprevistos pessoais com os mesmos.
r) A pintura das grades e a limpeza do jardim eram urgentes, tendo o réu pago a quantia de €.1000,00 pelos trabalhos referidos em 33).
s) A limpeza, a realização de pequenas pinturas, reparação de estores, correspondente às fachadas de várias frações, mormente I, G, N, K e U terá um custo nunca inferior a €.2.000,00.
t) Com o envio das faturas a autora deparou-se com o facto de toda a obra estar a ser faturada a 23%, não discriminando entre material e mão de obra, tanto mais que o IVA dos materiais seria a 23% e da mão de obra a 6%, o que a autora havia confirmado em reunião, pelo Sr. Arq. Barreto e pelo Sr. Ricardo.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Antes de entrar na análise das questões objeto de recurso importa esclarecer porque não se elencou nessas questões saber se os juros podem, ou não, incidir sobre o IVA e se o IVA só tem de ser pago quando a fatura for emitida.
Esta matéria é referida nas conclusões nºs 4 a 12.
Todavia, sobre tal matéria nada é dito nas alegações de recurso.
Ora, como resulta do art. 639º, nº 1, do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Assim, a alegação consiste na exposição do conjunto de motivos pelos quais o recorrente considera que a decisão recorrida não é a correta e as conclusões são a síntese desses motivos.
As conclusões “exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do artigo 635º, n.º 3, do CPC. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo” (António Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª edição, Almedina, página 147).
Prosseguindo com o paralelismo invocado, as conclusões de recurso são o equivalente ao pedido da petição inicial, ao passo que a motivação ou alegação é o equivalente à causa de pedir.
Assim como não é possível ter em consideração uma questão que não é referida nas conclusões de recurso, mesmo que o seja na alegação, também não é possível considerar uma questão que é referida nas conclusões, mas que não foi objeto de qualquer espécie de tratamento ou análise nas alegações.
Por conseguinte, uma vez que as alegações são total e completamente omissas quanto ao que é referido nas conclusões 4 a 12, entende-se que tal matéria não constitui uma questão objeto de recurso, por não terem sido apresentadas alegações sobre a mesma.

I - Alteração da matéria de facto;

O art.º 640.º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”
*
No caso em apreço, entende-se que o recorrente deu cumprimento suficiente a este ónus na medida em que se extrai da leitura concertada e contextualizada da motivação e das conclusões:
- que o recorrente impugna os factos provados 9 e 11 e o facto não provado K;
- que fundamenta tal discordância nos depoimentos do senhor perito e da testemunha J. F., tendo procedido à transcrição dos depoimentos destes que considera que devem conduzir à alteração dos factos impugnados;
- que entende que, no que concerne aos factos 9 e 11, não se pode considerar que ocorreram por solicitação do réu e que o facto K) deve ser dado como provado.
Assim, nada obsta à reapreciação da matéria de facto impugnada no recurso quanto àqueles concretos factos e com base nos referidos elementos probatórios.
*
Dispõe o artigo 662º, n.º 1, do C.P.C. que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A norma em questão alude a meios de prova que imponham decisão diversa da impugnada e não a meios de prova que permitam, admitam ou apenas consintam decisão diversa da impugnada.

Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.6.2019, Relatora Vera Sottomayor, (in www.dgsi.pt):

Importa referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no n.º 5 do artigo 607º do CPC (…), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial, ou aqueles só possam ser provados por documento, ou estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se assim toda a cautela para não desvirtuar, designadamente o princípio referente à liberdade do julgador na apreciação da prova, bem como o princípio de imediação que não podem ser esquecidos no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos. Não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respetivos fundamentos, analisar as provas gravadas, se for o caso, e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Em suma, a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação tem de ser realizada ponderadamente, em casos excecionais, pontuais e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente. Tal sucede quando a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir.

No mesmo sentido, considerou o Acórdão desta Relação de Guimarães, de 2.11.2017, Relatora Eugénia Cunha (in www.dgsi.pt), em termos com os quais concordamos integralmente, que “o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade. Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem. (...)
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. (...).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância. Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação. Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos não apreensíveis na gravação dos depoimentos.
Em suma, na reapreciação das provas em segunda instância não se procura uma nova convicção diferente da formulada em primeira instância, mas verificar se a convicção expressa no tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que consta da gravação com os demais elementos constantes dos autos, que a decisão não corresponde a um erro de julgamento”.

Tendo por base estes critérios, analisemos então se a matéria de facto deve ser alterada nos termos pretendidos pelo recorrente.

Os factos provados 9) e 11) têm a seguinte redação:
9) Para além dos trabalhos constantes do acordo referido em 2) e 3), a autora, por solicitação réu, na fachada do edifício na zona representada a amarelo da imagem constante do documento n.º 4 a fls. 12v, forneceu e aplicou mais 38 m2 de revestimento exterior sistema "capoto", da marca "Viero", com EPS 15-20kg/m3, 3cm, placas de EPS fixadas à parede por meio de barramento de cola em toda a superfície, com valor unitário de €.28,00, no valor de €.1.072,40.
11) A autora, por solicitação do réu, nas varandas sul do rés-do-chão do edifício, forneceu e aplicou 134m2 de cerâmico, escolhido pelos condóminos do réu, o qual foi aplicado sobre o existente, do tipo "Pav 30x30 Pigmento Chumbo Nat. 1a", com preço unitário de €.11,45/m2, no valor de €.1534,30.

O facto não provado K tem a seguinte redação:
k) Os trabalhos descritos em 11) a 15) foram feitos pela autora para reparar os danos que a própria causou.
O recorrente pretende que se dê como não provado que os trabalhos referidos em 9 e 11 foram realizados por solicitação do réu e que se dê como provado o facto K.
Baseia a pretensão de alteração da decisão proferida quanto a estes factos com base nos depoimentos do perito e da testemunha J. F., depoimentos esses que transcreveu parcialmente nas suas alegações.
Da leitura desses trechos dos depoimentos do perito e da testemunha não resulta de forma alguma que os trabalhos não foram efetuados por solicitação do réu. Desses trechos nada resulta sequer de útil sobre tal matéria visto que nem o perito nem a testemunha nesses trechos se pronunciaram sobre a entidade que solicitou a realização dos trabalhos.
Por isso, contrariamente ao que é defendido pelo recorrente, dos depoimentos em questão cuja transcrição foi feita não resulta de forma alguma que os trabalhos não foram feitos por solicitação do réu, não impondo esses elementos que se dê tal matéria como não provada.
Dos mesmos depoimentos também não resulta que os trabalhos descritos em 11) a 15) foram feitos pela autora para reparar os danos que a própria causou pois nesses trechos os depoentes não se pronunciam sobre tal matéria.
De referir ainda que, embora nas alegações o recorrente diga a propósito do facto K que ”resultou da prova produzida supra a violação dos mais elementares deveres de cuidado na obra e que a colocação da tijoleira no rés-do-chão foi precisamente para corrigir os danos que a A. provocou” esta não é uma forma válida de impugnar um facto.
Como se referiu, a propósito do ónus imposto pelo art. 640º, do CPC, a parte tem que indicar os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa e, no caso de haver gravação, tem de indicar com exatidão as passagens da gravação, podendo transcrevê-las. Não o fazendo, ocorre imediata rejeição do recurso.
Ora, fazer uma alusão genérica à prova produzida não satisfaz o ónus em questão, não tendo o tribunal de recurso que reapreciar a matéria de facto à luz desta impugnação geral, indefinida e vaga.

Verifica-se ainda que o recorrente nas alegações, sob o título “NO QUE CONCERNE À MATÉRIA DE DIREITO”, faz ainda considerações igualmente genéricas, vagas e indefinidas relativamente ao valor dado pelo tribunal recorrido ao depoimento prestado pelo arquiteto J. B. em detrimento do valor dado ao depoimento do legal representante da empresa que administra o condomínio.
Também esta não é uma forma válida de impugnar os factos provados pois que não foi dado cumprimento ao ónus de indicar com precisão ou transcrever as partes desses depoimentos ou declarações que devem conduzir a decisão diversa. O recorrente não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida.
Portanto, e em suma, o recorrente apenas deu cumprimento ao ónus de impugnação da matéria de facto relativamente ao depoimento do perito e de J. F.. Porém, dos excertos destes depoimentos que foram transcritos não resulta de forma alguma que se deva dar como não provado que os trabalhos foram feitos a solicitação do réu e que o facto K seja verdadeiro e deva, por isso, ser dado como provado, pois, da leitura desses excertos, resulta que nada é dito que aponte no sentido da decisão pretendida pelo recorrente, razão pela qual improcede na totalidade a impugnação da matéria de facto.
*
Perante esta conclusão, não há que proceder à reapreciação da sentença do ponto de vista de direito pois esta pressupunha o sucesso daquela pretensão.
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III – Aplicação da taxa de juros civis juros civis ou comerciais

A sentença condenou o réu a pagar juros à taxa vigente para as relações comerciais.
O recorrente considera que “os juros comerciais aplicam-se aos pagamentos efetuados como remunerações de transações comerciais.
Por outro lado, entende-se por «Transação comercial» qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação.
Ora, o Réu é um Condomínio, não sendo qualquer entidade comercial e atuando como um particular consumidor; qualquer juro de que A. fosse titular teria de ser calculado à taxa civil.

O recorrente não indica qual o fundamento jurídico destas suas afirmações e conclusões. Porém, parece-nos que poderá estar a referir-se ao DL 62/2013, de 10.5, o qual estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, determina que os juros aplicáveis aos atrasos de pagamentos das transações comerciais entre empresas são os estabelecidos no Código Comercial ou os convencionados entre as partes nos termos legalmente admitidos, mas exclui do seu âmbito de aplicação os contratos celebrados com consumidores (arts. 1º, 2º e 4).
Sendo o réu um condomínio o mesmo enquadra-se na categoria de consumidor, razão pela qual consideramos incontroverso que o DL 62/2013 não lhe é aplicável e que a obrigação de pagamento de juros à taxa comercial não pode decorrer deste diploma legal.
Porém, além deste diploma, existem outras normas de onde decorre a aplicação da taxa de juros comerciais.
Determina o artigo 102º, do Código Comercial, que há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os atos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados naquele Código. E o seu § 3.º estipula que os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
Coloca-se, então, a questão de saber se para a aplicação deste § 3.º, do art. 102º, do Código Comercial, o ato ou negócio de onde provém a obrigação de pagamento de juros deve ser comercial em relação ao devedor, não bastando apenas que seja subjetivamente comercial em relação ao credor. Esta questão surge da confrontação, por um lado, dos interesses da defesa do consumidor e, por outro lado, da tutela do crédito e do credor comerciante profissional justificativa da existência de juros moratórios agravados.
Sobre esta questão pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos desta Relação de Guimarães, de 7.11.2019, Relatora Sandra Melo, e de 4.10.2017, Relator António Penha, os acórdãos da Relação de Coimbra, de 12.2.2019, Relatora Maria Teresa Albuquerque, e de 19.10.2010, Relator José Eusébio de Almeida, e os acórdãos do STJ, de 8.9.2016, Relator Orlando Afonso, e de 4.6.2013, Relator João Moreira Camilo (todos in www.dgsi.pt), tendo os mesmos considerado que nos atos de comércio unilaterais estabelecidos com consumidores são devidos juros comerciais por força do disposto no § 3.º do art. 102º, do Código Comercial.
Concordamos com o entendimento perfilhado nestes acórdãos.
Com efeito, o art. 102.º, § 3, do Código Comercial, não exige que o ato seja comercial relativamente a ambas as partes, referindo ser aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, bastando, por isso, para a sua aplicação a existência de um ato de comércio unilateralmente comercial.
Por outro lado, o art. 99º do mesmo diploma refere também que, embora o ato seja mercantil só com relação a uma das partes, será regulado pelas disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes, daqui decorrendo que a aplicação da lei comercial e, por consequência, da taxa de juro prevista no § 3.º do art. 102º, tem lugar ainda que só o credor seja comerciante, sendo o devedor um consumidor.
Na verdade, a razão de ser da existência de juros moratórios comerciais não se relaciona com o devedor, mas sim com o credor.
Com efeito, nas palavras do acórdão do STJ de 09-07-2014 (Proc. 433682/09), citado no acórdão do STJ, de 8.9.2016, relator Orlando Afonso, (in www.dgsi.pt): essa razão “radica na necessidade de compensar especialmente as empresas pela imobilização de capitais, pois que, para elas o dinheiro tem um custo mais elevado do que em geral, na medida em que deixam de o poder aplicar na sua actividade, da qual extraem lucros, ou têm mesmo de recorrer ao crédito bancário”.

No caso em análise, a autora é uma sociedade comercial que se dedica, designadamente, à atividade da construção civil, sendo que os juros de mora se referem à falta de pagamento parcial de serviços que a mesma executou, a solicitação do réu, no âmbito de um contrato de empreitada.
Como tal, face ao disposto nos arts. 13º e 99º, do Código Comercial, a obrigação de pagamento de juros decorre de um ato de comércio unilateral, sendo-lhe aplicável a taxa de juros comerciais prevista no § 3.º do art. 102º, do mesmo diploma legal.
Consequentemente, improcede a apelação.
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Uma vez que o recurso improcede na totalidade, o réu tem de suportar as custas respetivas nos termos do art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pelo réu.
Notifique.
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Guimarães, 21 de janeiro de 2021

(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Jorge Santos