Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
157/20.4GCVRL.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: REENVIO PARCIAL
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
APURAMENTO DAS CONDIÇÕES PESSOAIS E SITUAÇÃO ECONÓMICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
A sentença condenatória padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada da al. a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP caso dela resulte que, apesar de ser possível, nada foi feito no sentido de averiguar da personalidade, das condições pessoais, económicas, financeiras e encargos pessoais dos arguidos.
Decisão Texto Integral:
1. No processo comum singular nº157/20.4GCVRL do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Local Criminal de Vila Real – J2, em que são arguidos M. R. e L. M. e assistente M. C., todos com os demais sinais nos autos, por sentença datada, lida e depositada em 18.10.2021, foi decidido o seguinte [transcrição]:

Assim, e pelo exposto, julgo a acusação pública procedente, por provada, e em consequência:

a) condeno o arguido L. M. como autor material de um crime de dano simples, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do código penal, na pena de 90 (noventa) dias à taxa diária de € 6 (seis euros);
b) condeno o arguido L. M. como autor material de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do código penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;
c) condeno o arguido L. M., em cúmulo jurídico das penas, na pena única de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 6 (seis euros) e 9 (nove) meses de prisão;
d) condeno a arguida M. R. como autora material de dois crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do código penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, por cada um dos crimes;
e) condeno a arguida M. R., em cúmulo jurídico das penas, na pena única de 2 (dois) anos de prisão;
f) condeno os arguidos L. M. e M. R. nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 5 uc’s.
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A pena de 9 (nove) meses de prisão em que o arguido L. M. foi condenado será suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, nos termos do artigo 50.º, n.º 1 e 5, do código penal.

Contudo, a suspensão da execução, fica condicionada ao cumprimento dos seguintes deveres e regras de conduta:

- à obrigação de sujeitar-se e cumprir o plano de reinserção social adequado e entendido como necessário pela direção geral de reinserção social – nos termos do artigo 54.º, n.º 3, alíneas a), b) e c), do código penal;
- com a obrigação de não ter na sua posse objetos capazes de facilitar a prática de crimes, como quaisquer armas de fogo, caça ou armas brancas – artigo 52.º, n.º 2, alínea f), do código penal;
- com a obrigação de entregar arma ou armas que possua, registadas ou não registadas, em seu nome ou não, no prazo de 5 dias, sob pena de não o fazendo o tribunal determinar a apreensão dessas armas;
- com a proibição de contactos com a vítima;
- com a obrigação de pagar à demandante civil M. C. a indemnização que infra lhes vai ser determinada, ou garantir o seu pagamento através de prestação de caução idónea, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do código penal.
***
A pena única de 2 (dois) anos de prisão em que a arguida M. R. foi condenada será suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, nos termos do artigo 50.º, n.º 1 e 5, do código penal.

Contudo, a suspensão da execução será subordinada ao cumprimento dos seguintes deveres e regras de conduta:

- à obrigação de sujeitar-se e cumprir o plano de reinserção social adequado e entendido como necessário pela direção geral de reinserção social – nos termos do artigo 54.º, n.º 3, alíneas a), b) e c), do código penal;
- com a obrigação de não ter na sua posse objetos capazes de facilitar a prática de crimes, como quaisquer armas de fogo, caça ou armas brancas – artigo 52.º, n.º 2, alínea f), do código penal;
- com a obrigação de entregar arma ou armas que possua, registadas ou não registadas, em seu nome ou não, no prazo de 5 dias, sob pena de não o fazendo o tribunal determinar a apreensão dessas armas;
- com a proibição de contactos com a vítima;
- com a obrigação de pagar à demandante civil M. C. a indemnização que infra lhes vai ser determinada, ou garantir o seu pagamento através de prestação de caução idónea, no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do código penal.
***

Após trânsito em julgado, remeta boletins ao registo criminal.
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Julgo parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante civil M. C., condenando o arguido/demandado civil L. M. no pagamento da quantia de € 50 (cinquenta euros), a título de danos patrimoniais e na quantia de € 750 (setecentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais e condenando a arguida/demandada civil M. R. no pagamento da quantia de € 1500 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo-os do restante do pedido.
A estas quantias acrescem juros vincendos até efetivo e integral pagamento.
Custas a cargo dos demandados

2. Não se conformando com a mencionada decisão, dela interpuseram recurso os arguidos, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

- Conclusões do recurso da arguida M. R.
I. A Recorrente, com o devido respeito, que é muito, não se conforma com a decisão proferida nos autos, que a condenou como autora material de dois crimes de ameaça agravada, e, por isso, quer vê-la sindicada por esta Veneranda Relação e apreciadas as seguintes questões: da nulidade da decisão por violação do disposto no n.º 2, do artigo 374.º, do Código de Processo Penal; da nulidade da decisão por verificação do vício substancial da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no termos da alínea a), n.º 2, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal; da impugnação da decisão proferida quanto à decisão sobre a matéria de facto; e da ilegalidade da decisão, por excessiva e desproporcionada com a gravidade dos factos e a culpa do agente das penas a que a Arguida foi condenada.
II. Quanto à nulidade da decisão por violação do disposto no n.º 2, do artigo 374.º, do Código de Processo Penal, o Tribunal a quo considerou preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de ameaça imputado à Recorrente, contudo, quanto ao elemento subjetivo, omitiu quais as concretas provas que o levaram a concluir naquele sentido probatório, de forma a conhecer, a Recorrente e este Venerando Tribunal, o percurso lógico e racional que efetuou na sua apreciação e valoração, conducente à convicção formada.
III. A este título, a decisão sub judice, nas suas páginas 20 e 21, apenas refere o seguinte e que se traduz numa mera reprodução dos factos constantes da acusação pública, sem qualquer apreciação e valoração: “Finalmente e como ficou aflorado, o crime de ameaça exige a verificação do dolo; «o dolo exige e basta-se com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado». Resultou provado que no dia 1 de junho de 2020, pelas 19 horas e 30 minutos, quando a ofendida se encontrava no pátio contíguo à sua habitação a brincar com a sua neta de três anos de idade, a arguida M. R. proferiu de viva voz na direção da ofendida as seguintes palavras: «puta, velha, vaca, rainha das putas, o que tu queres é peso, quando te apanhar sozinha mato-te». Num fim de semana não concretamente apurado, mas posterior ao dia 2 de junho de 2020, a arguida M. R., junto da residência da ofendida, disse a esta em tom sério «se não tiras a queixa mato-te, tens os dias contados, sua puta, sua vaca.». Mostra-se assim preenchido o elemento objetivo deste tipo legal de crime, pois deu-se como provado que a arguida dirigiu à assistente expressões ameaçadoras, sendo a sua conduta agravada, dado que ameaçou a assistente com o cometimento de um crime com pena de prisão superior a 3 anos e por duas vezes, pelo que cometeu tantos crimes quantas as vezes que proferiu ameaças dirigidas à assistente. Em relação ao elemento subjetivo, deu-se como provado que os arguidos agiram e forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de, ao proferirem as citadas palavras, perturbar a quietude de espírito, o sossego, a tranquilidade e a liberdade de movimento da ofendida, já que lhe quiseram fazer crer que estava dispostos a atentar contra a sua integridade física/vida. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.”.
IV. Sem mais, o Tribunal a quo decidiu, da forma acabada de citar, encontrar-se preenchido o elemento subjetivo do tipo legal de crime sub judice, não estando essa verificação fundamentada nos autos.
V. Ora, pressuposto essencial para que a Arguida pudesse ser condenada pela prática do crime de ameaça agravada é que resultasse provado que a mesma representou que as palavras que proferiu eram idóneas a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da ofendida e, ainda assim, quis agir, ou tivesse representado que as mesmas palavras necessariamente provocariam medo ou inquietação ou prejudicassem a liberdade de determinação da ofendida e, ainda assim, quis agir, ou tivesse representado como possível que as mesmas palavras poderiam provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação do ofendido e, ainda assim, conformando-se com tal possibilidade, quis agir.
VI. O que não sucedeu no caso vertente, já que a decisão quanto a tal é completamente omissa, logo, a omissão assim detetada é causa de nulidade da sentença recorrida, conforme determina o artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.
VII. Quanto à nulidade da decisão por verificação do vício substancial da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no termos da alínea a), n.º 2, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, diga-se que existe insuficiência da matéria de facto quando da análise do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, faltam factos, cuja realidade devia ter sido indagada pelo tribunal, desde logo por imposição do artigo 340.º do Código de Processo Penal, porque os mesmos se consideram necessários à prolação de uma decisão cabalmente fundamentada e justa sobre o caso, seja ela de condenação ou de absolvição.
VIII. São tidos como exemplos de verificação positiva do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, entre outros, o seguinte caso: tendo em vista a escolha e determinação da medida da pena, não hajam sido recolhidos factos concretos atinentes à personalidade do arguido, à sua situação económico-social e familiar ou relativamente aos seus antecedentes criminais10.
IX. Da leitura da sentença recorrida extrai-se que nada foi apurado quanto às condições pessoais da Recorrente e à sua situação económica, fatores de determinação da pena que, entre outros, constam do elenco não taxativo previsto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal como elementos relevantes a ponderar na determinação da pena.
X. Resulta dos princípios da investigação e da verdade material que ao tribunal cumpre investigar, independentemente da acusação e da defesa, e com os limites previstos na lei, os factos sujeitos a julgamento, de modo a se habilitar a proferir uma decisão justa.
XI. No caso vertente, crê a Recorrente que o tribunal a quo ficou aquém do mínimo razoavelmente exigível, carecendo a sentença recorrida de elementos que o habilitassem, conscienciosamente, a levar a bom termo o procedimento de determinação individualizada da pena, seja quanto à pena principal, seja quanto às condições da suspensão da sua execução, com maior acuidade quando impõe o pagamento ou a garantia do pagamento da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), tudo no prazo de 60 dias após o trânsito em julgado da sentença, quando desconhece as condições pessoais da arguida (o que faz, situação familiar, etc.) e a sua situação económica.
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10 Cfr. Francisco Mota Ribeiro, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto, in «Processo e Decisão Penal – Textos», ebook do CEJ, páginas 40 e 41, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_DecisaoPenal.pdf.

XII. A ser assim, como é, esta situação traduz-se na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, integradora do vício da alínea a), n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
XIII. Ainda, a Arguida, ressalvado sempre o máximo respeito, não se conforma com a douta decisão condenatória proferida nos autos, por julgar que a mesma encerra em si um pré-juízo formado pelo Ministério Público e que acabou por vencer em julgamento, onde apenas as testemunhas indicadas por aquela autoridade judiciária mereceram credibilidade pelo Tribunal a quo, sendo totalmente desconsiderados os depoimentos das testemunhas indicadas pela Arguida, bem como as declarações da própria.
XIV. A Recorrente impugna, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal, os seguintes pontos da matéria de facto provada, que deviam ter sido dados, total ou parcialmente, como não provados:
Ponto 6.º - “Num fim de semana não concretamente apurado, mas posterior ao dia 2 de junho de 2020, a arguida M. R., junto da residência da ofendida, disse a esta em tom sério «se não tiras a queixa eu mato-te, tens os dias contados, sua puta, sua vaca»”, uma vez que não resulta da prova produzida que as expressões dirigidas pela arguida à assistente o foram em tom sério e que as mesmas foram adequadas a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação;
Ponto 7.º - “Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de, ao proferirem as citadas palavras, perturbar a quietude de espírito, o sossego, a tranquilidade e a liberdade de movimentos da ofendida, já que lhe quiseram fazer crer que estavam dispostos a atentar contra a sua integridade física/vida.”, uma vez que não resulta da prova produzida que os arguidos tivessem agido da forma e com o propósito descritos, sendo a decisão recorrida, conforme aduzido supra, totalmente omissa quanto à verificação deste elemento tipo do crime de ameaça;
Ponto 9.º - “Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.”, uma vez que tais factos não resultam da prova produzida em sede de audiência e julgamento, pois, pelo contrário, desde a assistente às testemunhas ouvidas, entre elas a testemunha M. J., indicada pela própria arguida, afirmaram que tais expressões apenas ocorrem quando aquela se encontra visivelmente embriagada.
XV. Também impugna, nos termos do aludido preceito legal, os seguintes pontos da matéria de facto não provada, que deviam ter sido dados como provados:
Alínea b) – “A arguida, apesar de ter 57 anos de idade, nos últimos anos tem sofrido de uma lesão nos tornozelos e joelhos, que a tem incapacitado para o trabalho e condiciona os seus movimentos diários.”, pois foi percetível pelo próprio Tribunal a quo que a arguida apresentava dificuldades de locomoção, sendo visível para todos os que aí se encontravam apresentar aquelas ambos os pés e tornozelos inchados, tanto mais que na primeira sessão de julgamento a arguida faltou, precisamente, por ter comparecido no centro hospitalar de Vila Real para uma consulta médica. Isso mesmo foi confirmado pelas testemunhas M. J. e pela testemunha M. P.;
Alínea c) – “Pelo que a arguida passa os seus dias praticamente em casa, dadas as dores que sente e enquanto aguarda pelo agendamento da cirurgia a que terá de ser submetida, o que tudo se verifica, com maior acuidade, desde o mês de março de 2020.”, na medida em que resultou provado que a arguida sente dores nos tornozelos e joelhos aguardando o agendamento da cirurgia, motivo pelo qual foi chamada, no dia da audiência de julgamento ao hospital para a realização de um exame complementar diagnóstico, tudo conforme documento justificativo junto aos autos.
XVI. Perante a prova produzida e à luz das regras da experiência, não poderia o tribunal a quo concluir que as expressões e ameaças melhor indicadas em XIV destas Conclusões foram proferidas num tom sério, suscetíveis de provocar na ofendida medo ou inquietação.
XVII. A própria ofendida, nas suas declarações, referiu inequivocamente o seguinte – cfr. ata da audiência de julgamento de 12/10/2021, com início pelas 10:47:40 e termo pelas 11:16:28: “A música é sempre a mesma!”, referindo-se aos comportamentos cuja autoria é atribuída à arguida e, quando relatava o facto ocorrido no dia 01 de junho de 2020, que “Aquela criança [referindo-se à neta] todos os dias a assistir os nomes daquela mulher…Então quando estão bêbados…ainda ontem me encheu de nomes.”.
XVIII. Mais esclareceu o tribunal que “Eles passaram para baixo para casa de um vizinho que tem lá uma garagem de motas, isto e aquilo, passaram para baixo e estava ali a brincar com a menina. Quando vieram para cima eles vinham bêbados completamente e começaram a encher-me de nomes e eu meti a menina em casa.” (…) “Disse o de sempre, que me há-de matar, que me há-de matar, foi uma cisma que ela meteu na cabeça.”.
XIX. Aliás, ao minuto 11:08, a ofendida ainda disse que “Eu nesse dia [referindo-se ao dia 01 de junho de 2020] digo, tenho de o dizer aqui em frente ao tribunal, eu só disse à minha filha, toma conta da menina, põe-na dentro de casa, e eu saí para fora do meu portão, sem nada nas minhas mãos, e disse-lhe [referindo-se à arguida]: Se és mulher então vem para ao pé de mim. Eu confrontei-a, se és mulher vens para ao pé de mim, mas ela não.”.
XX. Novamente questionada em que circunstâncias a arguida profere tais ameaças, a ofendida esclareceu que “Eles vêm de um lado para o outro bêbados como (impercetível), bebem muito”, e se tal ocorre, então, quando os arguidos já estão bêbados, respondeu que “sim, senhor! As filhas não lhe dão o vinho, quem é, é o outro das motas que está lá, o amigo dela!.”.
XXI. Tal factualidade foi, ainda, confirmada in totum pela testemunha M. T. – cfr. ata da audiência de julgamento de 12/10/2021, com início pelas 11:17:21 e termo pelas 11:41:11; pela testemunha C. S. – cfr. ata da audiência de julgamento de 12/10/2021, com início pelas 12:09:45 e termo pelas 12:27:04, que referiu, entre o mais, que “Eles de manhã não falam muito, mas quando vão buscar o vinho onde querem e lhes apetecem, depois ninguém os atura.”, justificando aperceber-se dessa circunstância dado a arguida surgir corada e a andar de um lado para o outro, isto é, a cambalear, não mantendo um sentido de marcha firme e orientado; pela testemunha M. A. – cfr. ata da audiência de julgamento de 12/10/2021, com início pelas 12:27:50 e termo pelas 12:45:06; e pela testemunha P. V. – cfr. ata da audiência de julgamento de 12/10/2021, com início pelas 15:56:34 e termo pelas 16:01:25 – que, questionada sobre o porquê de tais factos ocorrerem, disse: “Esta senhora que está aqui atrás bebe, bebe, bebe, e depois vem para a rua chamar nomes aos vizinhos, ameaça-os de morte, não é só com a minha mãe, mas ela está ali perto e é a mais afetada.”.
XXII. Em suma, a Recorrente discorda quanto ao modo como o tribunal recorrido valorou a prova produzida, pois, salvo melhor entendimento em contrário, à luz das regras da experiência, impunha-se, concede-se, dar como provadas as expressões proferidas pela arguida, mas não que as mesmas foram adequadas a provar na ofendida medo ou inquietação.
XXIII. A própria ofendida não só reconhece que tais ameaças surgem num quadro em que a arguida se apresenta altamente alcoolizada, como, quando confrontou a arguida se esta lhe iria fazer algum mal, relatou que a arguida se afastou, fugindo, portanto, revelando que tais ameaças não eram mais do que palavras de uma pobre bêbada.
XXIV. No caso vertente, a Recorrente crê não restarem dúvidas de que as expressões proferidas por si mais não foram do que palavras ocas de alguém em estado de embriaguez e por se encontrar nesse estado de embriaguez, que perturbam a ofendida, acredita-se, mas que, em concreto, não são, como não foram, aptas a provocar medo ou inquietação quanto à sua integridade física ou quanto à sua própria vida.
XXV. Por último, o tribunal a quo desconsiderou, sem qualquer fundamentação, as declarações prestadas pela arguida quanto à sua condição física – cfr. ata da audiência de julgamento de 12/10/2021, com início pelas 15:43:04 e termo pelas 15:56:18 e novamente início pelas 16:59:44 e termo pelas 17:06:45 –, o mesmo sucedendo quanto aos depoimentos das testemunhas M. J. – cfr. ata da audiência de julgamento de 12/10/2021, com início pelas 16:13:22 e termo pelas 16:24:13 – e M. P. – cfr. ata da audiência de julgamento de 12/10/2021, com início pelas 16:24:52 e termo pelas 16:33:13.
XXVI. Pelo exposto, julga a Recorrente que deve ser dado como não provado o ponto 6.º, nomeadamente que a arguida tenha proferido as expressões aí melhor indicadas em tom sério, o ponto 7.º e o ponto 9.º da factualidade provada, e deve ser dado como provadas as alíneas b) e c) da factualidade não provada e, consequentemente, deve a Recorrente ser absolvida da prática do crime de ameaça agravada, o que tudo se requer.
XXVII. Quanto à ilegalidade da decisão, por excessiva e desproporcionada com a gravidade dos factos e a culpa do agente das penas a que a Arguida foi condenada, sem prescindir, julga a Recorrente que a decisão em apreço se afigura, ainda, claramente excessiva e desproporcionada quando aplica uma pena privativa da liberdade, desconsiderando a ausência de quaisquer antecedentes criminais da arguida, e condiciona a suspensão da sua execução ao pagamento ou à garantia do pagamento da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) no prazo de 60 (sessenta) dias após o trânsito em julgado da sentença, quando foi atestado pela própria encontrar-se desempregada, com uma incapacidade temporária para o trabalho fruto de uma lesão nos joelhos e tornozelos, que a obrigará a ser intervencionada cirurgicamente, e que vive com a quantia mensal de € 186,00 (cento e oitenta e seis euros), a título de Rendimento Social de Inserção.
XXVIII. A Recorrente entende que as penas determinadas pelo tribunal recorrido como sanção da prática de cada um dos crimes em causa, como a pena única emergente do cúmulo, não são, como deviam ser, um reflexo sério e justo da culpa da arguida e das reais e atuais necessidades de prevenção, geral e especial, que a situação reclama e, por outro lado, na determinação das penas parcelares e na operação do cúmulo jurídico, o tribunal a quo não teve em consideração nenhum dos factos que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor da arguida, como lhe impunha o citado artigo 71.º, n.º 2, do Código. Penal.
XXIX. Sem prejuízo da matéria que deu como provada sob ponto 23º) dos factos provados, o tribunal recorrido não sopesou as declarações da arguida quanto à sua situação pessoal e socioeconómica na determinação da medida da pena, tendo prescindido de solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social.
XXX. Acresce que a quantia objeto de condenação civil é elevada, tendo em conta a situação social, familiar e económica descrita pela arguida em sede de audiência de julgamento, o que faz perspetivar dificuldades económicas daquela em pagar a indemnização civil, sendo manifestamente impossível garantir ou proceder ao seu pagamento no prazo de 60 (sessenta) dias após o trânsito em julgado da decisão, o que tudo foi percetível pelo Tribunal a quo.
XXXI. Ora, com a impossibilidade de cumprimento de tal dever (em virtude da ausência de rendimentos auferidos pela arguida), recairá sobre a Recorrente a imposição de cumprimento efetivo da pena de prisão de dois anos.
XXXII. Como muito bem é descrito no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/03/2013, processo número 506/10.3TAMNC.P1, sendo relator o Juiz Desembargador Pedro Vaz Pato11, “Importa distinguir os planos, sob pena de a suspensão de execução da pena condicionada se transformar numa pura e simples forma de obtenção do pagamento coercivo dessa indemnização, pagamento coercivo sob a ameaça de eventual cumprimento de uma pena de prisão. Dessa forma, poderia estar aberta à lógica subjacente à “prisão por dívidas”, contrária aos princípios básicos da Constituição e do sistema jurídico-penal que nos regem. O condicionamento da suspensão de execução da pena ao pagamento da indemnização devida pelo condenado em consequência da prática do crime há-de justificar-se, por isso, à luz dos fins gerais das penas, não como um modo mais eficaz (no confronto com os meios executivos normais, a que o ofendido e demandante sempre poderá recorrer) de cobrança coerciva desse indemnização.”.
XXXIII. E acrescenta, “É por estes motivos que a jurisprudência vem entendendo que a fixação do montante da indemnização que condiciona a suspensão de execução de uma pena de prisão há-de reger-se por critérios de razoabilidade, proporcionalidade e exigibilidade faca à concreta situação económica do condenado (ver, neste sentido, os acórdãos da Relação de Évora de 1/4/2008, in C.J., 2008, II, pg. 270; da Relação de Coimbra de 15/6/2005, in C.J., 2005, III, pg. 48; da Relação de Lisboa de 10/10/2006, in C.J., 2006, IV, pg. 116, e de 5/3/2008, in C.J., 2008, II, pg. 135; e da Relação de Guimarães de 23/4/2007, in C.J., 2007, II, pg. 293; assim como o acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2012). Se assim não fosse, a opção pela suspensão de execução da pena, justificada à luz da preferência legal por penas não privativas da liberdade (e dos malefícios da pena de prisão na perspetiva da inserção social do
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11 Disponível para consulta em www.dgsi.pt.
condenado) frustrar-se-ia através desse condicionamento e da impossibilidade prática de pagamento dessa indemnização.”.


XXXIV. Com o devido respeito, este raciocínio não esteve na base da decisão da sentença recorrida e, tendo sido desconsiderada a precária situação económica da arguida, na prática frustrar-se-á a suspensão da execução da pena, pela real impossibilidade de pagamento dessa indemnização, ficando irremediavelmente afetada a finalidade subjacente à opção por tal pena.
XXXV. Como tal, a douta decisão recorrida incorre, na determinação da pena, na violação dos artigos 40.º, n.os 1 e 2, 71.º, n.os 01 e 2, e 51.º, n.º 2, ambos do Código Penal, padecendo, por via disso, de ilegalidade, cuja apreciação e reconhecimento se pretende ver declarada por este Venerando Tribunal, com as consequências legais.

NESTES TERMOS, e nos melhores de direito aplicáveis, requerer-se a V.as Ex.as se dignem julgar totalmente procedente, por provado, o presente recurso e, nessa sequência, revogar a douta sentença recorrida, substituindo-a por uma outra que:

A) Declare a sentença recorrida nula, conforme determina o artigo 379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por violação do disposto no n.º 2, do artigo 374.º, do mesmo diploma legal;
B) Declare a nulidade da decisão por verificação do vício substancial da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no termos da alínea a), n.º 2, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal;
C) Declare como não provados os factos vertidos nos pontos 6º), nomeadamente que as ameaças foram proferidas em tom sério, 7º) e 9º), e declare como provados os factos vertidos sob as alíneas b) e c), absolvendo, em ambos os casos, a arguida M. R. dos crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;
D) Sem prescindir, à cautela, declarar que a decisão recorrida incorre, na determinação da pena, na violação dos artigos 40.º, n.os 1 e 2, 71.º, n.os 01 e 2, e 51.º, n.º 2, ambos do Código Penal, padecendo, por via disso, de ilegalidade.
Assim decidindo farão V.as Ex.as a habitual JUSTIÇA!

- Conclusões do recurso do arguido L. M.
1.º - Afigura-se ao aqui Recorrente que, salvo o devido respeito, carece de fundamento de facto e de direito a douta Sentença que condenou o arguido L. M. pela prática dos crimes de dano simples, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 6, e ameaça, na pena de 9 meses de prisão, penas estas que foram cumuladas, sendo o arguido condenado numa pena única de 90 dias de multa à taxa diária de € 6 e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e condicionada ao pagamento à demandante de uma indemnização no valor de €50 de danos patrimoniais e €750 de danos não patrimoniais.
2.º - Encontra-se errada e incorretamente julgada a matéria de facto vertida nos pontos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, os quais deveriam ter sido dados como não provados, porque assim o impunha a ausência de prova, na medida em que a produzida, pelo menos, é francamente dúbia.
3.º - Não foi produzida prova alguma que permita ao Tribunal a quo, com segurança e o mínimo grau de certeza, dar como provado e assente que o arguido, ora recorrente, praticou os crimes nos quais foi condenado.
4.º - o Tribunal formou a sua convicção para dar como provados os factos constantes dos pontos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, nas declarações da assistente M. C. e no depoimento das testemunhas M. T., C. S., M. A., P. V. e P. M., considerando igualmente os certificados do registo criminal.
5.º - Da conjugação dos elementos de prova nos quais o Tribunal a quo se baseou para dar como provados os factos supra referidos, impunha desde logo uma decisão diversa da tomada quanto aos factos considerados como provados.
6.º - De facto, analisando os depoimentos prestados pela assistente e pelas testemunhas e conjugando os mesmos, verifica-se a existência de diversas contradições que certamente não foram percecionadas pelo Tribunal, pois se assim fosse não se teria chegado a outra solução que não fosse a absolvição do arguido.
7.º - Na verdade, da conjugação de tais depoimentos, resulta o seguinte:
a) Das declarações da assistente M. C., gravadas em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, em 20211012104738_1417543_3994986, desde o minuto 04:30m ao 06:05m, resulta o seguinte:
- O arguido foi apanhar as cerejas e deu cabo de tudo, partiu e esgaçou todos os ramos da cerejeira.
- Veio para a estrada e partiu o cabo da sachola enquanto a insultava, (insultos que decorrem todos os dias), e dizia ‘parto-te hoje os cornos’. Seriam umas 15h, pouco tempo antes de a mesma ir trabalhar, quando tinha a sua neta consigo.
Nos minutos 11.42 a 11:52, a mesma referiu:
- Eles bebem muito. Vão de um lado para o outro como congros. Fazem isto mais quando estão bêbedos.
Aos minutos 18.50 até 18:58 a mesma refere que o viu cortar os ramos da cerejeira e que depois daí deu a volta com a sachola...
Aos minutos 19:25 a 19:32 quando questionada se o arguido estava alcoolizado, refere que eles estão todos os dias alcoolizados.
Nos minutos 27.26 até 27:56, quando questionada do porquê de naquela situação em concreto, lhe merecer mais credibilidade a ameaça, uma vez que estavam embriagados, a mesma não soube precisar, referindo que são coisas diárias.
b) Por sua vez, conforme depoimento da testemunha M. T., na gravação 20211012111720_1417543_3994986, ao minuto 3:14, esta declara que o arguido na ameaça que terá feito, terá dito que ia matar a ofendida, o que contraria a expressão que a ofendida diz que o mesmo terá usado.

Também aos minutos 16:47 até 17:30, a testemunha refere que o viu cortar os ramos da cerejeira com as mãos.
Aos minutos 18:13 a 18:30, referiu que quando o arguido veio ameaçar a ofendida, a ofendida estava em frente à porta com a filha, o que vem contradizer o referido pela ofendida que estaria com a neta quando isso aconteceu.
Aos minutos 18:47 a 18:55 quando questionada sobre se tinha a certeza de a expressão utilizada pelo arguido ter sido aquela de ‘hei-de te matar’, a mesma afirma que sim.
c) A testemunha C. S., filha da ofendida, na gravação 20211012120944_1417543_3994986, aos minutos 1:56 até 2:45, afirma que o arguido foi ‘roubar’ as cerejas, tendo partido uma única galha, pois que para chegar à galha e colher as cerejas, terá puxado a galha com a sachola e a galha terá esgaçado.
Ao minuto 3:31 a 3:42 refere que a dita galha estava metade na parte do vizinho e outra parte na sua mãe.
Aos minutos 4:00 a 4:15, diz que posteriormente, o arguido terá dito à ofendida ‘’que a ía matar e que ela não ia trabalhar hoje’’, o que mais uma vez não vai de encontro à expressão que terá sido ouvida pela ofendida.
Aos minutos 4:36 a 4:59, diz que o arguido deitou a sachola ao chão, que disse à ofendida que não ia sair de casa sem a matar, e que quebrou a sachola na parte do metal.
Aos minutos 14:45 a 14:54 admite que a expressão pudesse ser ‘parto-te hoje os cornos’ e que aparentava estar alcoolizado.
Aos minutos 15:03 até 15:44 quando questionada do porquê de a ofendida ter tido maior receio naquele dia do que nos outros, referiu que nunca se tinham metido com ela com a sachola, que só falavam de casa.
Aos minutos 16:29 até 16:33, quando questionada se quando não estão embriagados, eles fazem a vida deles normal, refere que ele, o arguido, sim.
Aos minutos 16:39 até 16.55 refere que apercebe-se que estão embriagados porque nota-se que estão todos vermelhos e a andar todos tortos, e que obedecem sempre ao mesmo padrão de injuriar e dizer ‘vou-te matar’.
d) A testemunha M. A., na gravação 20211012122749_1417543_3994986, ao minuto 2:38 até 3:03, refere que ambos os arguidos ‘roubaram’ as cerejas à ofendida, que os viu lá a ambos. Estavam junto à cerejeira os dois e cortaram-lhe as galhas.
Aos minutos 4:25 a 4:45, diz que ambos disseram que iam matar a ofendida e que o arguido partiu uma sachola no meio da estrada.
Aos minutos 11.12 a 11.15, refere que quando isso aconteceu, estava com a ofendida em casa.
Aos minutos 12:18 até 12:23 refere que vieram ambos do terreno da ofendida insultá-la.
Aos minutos 14:57 até 17:09, quando confrontada com a questão se estava mesmo lá ou se lhe terão contado porque aquilo que diz é incongruente e nada tem a ver com o que já foi dito, manteve que ela e a ofendida estariam sentadas no terraço da casa da ofendida.
e) A testemunha P. V., também filha da ofendida, não assistiu aos factos, tal como gravação 20211012155736_1417543_3994986, aos minutos 1:49 a 1:55.
f) A testemunha P. C., tal como gravação 20211012160213_1417543_3994986, aos minutos 2.10 até 2.52, e 2.55 a 3.17, diz que os episódios que presenciou aconteceram num dia que não sabia precisar mas que sabia que seriam 18h ou 18.30h, em que ouviu insultar e ameaçar a sua sogra (ofendida) de morte, situação que acontece quase todos os dias, conforme minuto 4:00 da gravação. pelo que tudo leva a crer, pela contradição no horário indicado, que não teria sido no dia do episódio constante da acusação.
8 - Em suma, analisando os depoimentos ficamos sem saber se o arguido teria cortado os ramos ou não, se estaria sozinho, se o terá feito inadvertidamente ou propositadamente, se terá realmente proferido uma ameaça e qual, se a mesma seria susceptível de provocar medo e inquietação na ofendida, se os episódios relatados seriam respeitantes ao episódio constante da acusação, se as testemunhas teriam realmente visto e ouvido o que relataram, uma vez que os seus depoimentos não se podem considerar isentos, idóneos e desinteressados, pois todas se encontravam incompatibilizadas com o arguido, sendo que a única coisa que parece ter ficado demonstrada, terá sido a embriaguez evidente do arguido no momento dos factos.
9 - Ora, tendo em conta todas estas dúvidas, resultantes da conjugação dos depoimentos da assistente e das testemunhas, não se percebe como pôde o Tribunal concluir que as suas declarações foram “sinceras e objetivas” e “coerentes”, quando na verdade tais depoimentos são tudo menos coerentes, ao invés, são manifestamente contraditórios e inverosímeis.
10 - E por conseguinte não se percebe também como pôde o Tribunal formar a sua convicção e dar como provados os factos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, com base nestes depoimentos tão incoerentes entre si.
11 - É que de facto, estando várias pessoas no mesmo local a presenciar os mesmos factos, não se percebe como podem ter visto coisas tão distintas, pelo que forçoso é concluir que ou as testemunhas não presenciaram os factos e por isso os seus depoimentos não podem ser valorados ou então os factos descritos quer por estas testemunhas quer pela assistente não correspondem à verdade, sendo certo que em qualquer dos casos, havendo dúvidas sobre a veracidade do ou dos depoimentos, não podiam os factos supra referidos ser dados como provados.
12 - Aliás, atentando na conjugação dos depoimentos vindos de referir e na absoluta incongruência e consequentemente falta de credibilidade destes, nem sequer se poderia, com grau de certeza ou com mínimo de segurança, concluir que o arguido praticou os crimes pelos quais foi condenado, pelo que se impunha que toda a factualidade vertida nos factos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 fosse dada como não provada.
13 - Pois, havendo dúvidas quanto à prática dos factos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, por parte do arguido, necessariamente não podiam ter sido dados como provados os factos constantes dos pontos 11, 12, 13, 14 e 15, ou melhor, não podia ter sido dado como provado que tais factos advieram do comportamento do arguido.
14 - Pelo exposto, face à ausência de prova segura e inequívoca quanto à prática pelo aqui recorrente dos factos que integram os crimes pelos quais foi condenado, toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, e, a factualidade vertida nos citados pontos ou artigos 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 dos factos provados deveria ter sido dada como não provada.
15 - Acresce que, conforme supra referido, perante a prova validamente produzida em audiência de discussão e julgamento, a qual era manifestamente insuficiente para atribuir ao recorrente a autoria nos crimes dos autos, deveria o Tribunal a quo ter absolvido o arguido, e ao não o fazer, violou, entre outros, o princípio in dubio pro reo e da verdade material.
16 - O princípio in dúbio pro reo “pretende garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos do facto típico e ilícito que a suporta, assim como do dolo ou da negligência do seu autor”, Cristina Líbano Monteiro “Perigosidade de inimputáveis e «in dubio pro reo»”, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 11.
17 - Ou seja, sempre que o juiz tenha dúvidas – ou devesse ter sem recurso à arbitrariedade – quanto à responsabilidade criminal do agente, deverá decidir no sentido mais favorável àquele, aplicando o princípio in dubio pro reo, que deve ser aplicado sem qualquer restrição, não só nos elementos fundamentadores da incriminação, mas também na prova de quaisquer factos cuja fixação prévia seja condição indispensável de uma decisão suscetível de desfavorecer, objetivamente, o arguido.
18 - Sendo certo que, qualquer caso de dúvida no espírito do Tribunal deve dar lugar a uma absolvição por falta de prova inequívoca, este é, de resto, o conteúdo com que se afirma o princípio da presunção de inocência do arguido até prova irrefutável em contrário.
19 - Ora, como melhor se deixou exposto no ponto anterior, os depoimentos nos quais o Tribunal a quo se baseou para formar a sua convicção são manifestamente contraditórios e como tal necessariamente colocam dúvidas sobre a veracidade dos factos narrados pelas testemunhas que estão na origem da incriminação do arguido, pelo que na dúvida deveria o Tribunal tê-lo absolvido.
20 - Ao não ter aplicado o princípio in dubio pro reo e da verdade material e ainda da livre apreciação da prova, o Tribunal a quo violou assim o preceituado no art. 32.º, n.º 2 da Lei Fundamental.
21 - Sem prescindir, ainda que o arguido tivesse efetivamente praticado os factos dados como provados, sempre se diria que os mesmos não são subsumíveis ao crime de ameaça.
22 - Para efeitos do preenchimento do tipo legal previsto no artigo 153º do Código Penal, a ameaça com a prática de um dos crimes de referência do artigo 153º não é típica se ocorrer em simultâneo com a sua execução, sob a forma tentada ou consumada, ou se a execução do crime prometido ainda não se iniciou mas está iminente, pois em ambas as situações (ou seja, quando se verifique identidade do crime prometido com o crime concretamente executado) o desvalor inerente à ameaça é desconsiderado pelo legislador, por estar abrangido pela incriminação do crime prometido.
23 - Tal como Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/12/2001, o Código Penal acolhe a liberdade individual como um "bem jurídico intrassocial", sendo que, a tutela penal da liberdade é, por excelência, uma tutela negativa, na medida em que visa impedir as acções de terceiros que afectem a liberdade de acção e de decisão individual e uma tutela pluridimensional, uma vez que assume as diversas manifestações da liberdade pessoal (liberdades de autodeterminação, de movimento, de acção sexual). O bem jurídico protegido pelo art. 153º é a liberdade de decisão e de acção.
24 - Neste tipo objectivo de ilícito, o conceito "Ameaça" apresenta 3 caracteristicas essenciais.
1 - Mal: O mal tanto pode ser de natureza pessoal (ex. lesão à saúde) como patrimonial (ex destruição de automóvel ou danificação de um imóvel);
2 - Futuro: O mal ameaçado tem que ser futuro, isto é, o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento (art. 22º/2 c), do respectivo mal (esta característica temporal da ameaça e um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre a ameaça e a violência - ex.. haverá ameaça, quando alguém afirma "hei-de-te matar"; já se tratará de violência quando alguém afirma "vou-te matar já"), sendo, irrelevante que o agente refira ou não o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo.
3 - Que dependa da vontade do agente: E indispensável que a ocorrência do mal futuro apareça como dependente da vontade do agente, sendo, esta característica permite a distinção entre a ameaça e o simples aviso ou advertência; É indiferente a forma que revista a acção de ameaçar: tanto pode ser oral (directa ou por via telefone) escrita (assinada ou anónima), gestual, ou se sirva de interposta pessoa...
25 - A ameaça tem de ser adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação: o crime de ameaça é (actualmente) um crime de perigo concreto, isto é, exige-se apenas que a ameaça seja susceptível de afectar a liberdade de determinação e que na concreta, seja adequada a provocar medo ou inquietação, não sendo necessário que, em concreto tenha provocado medo ou inquietação, ou afectado a liberdade de determinação, sendo que, o critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação é um critério objectivo individual, isto é, o critério do homem comum, médio (pessoa adulta e normal), tendo em conta as características individuais do ameaçado; assim, ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptivel de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente).
26 - Não nos parece, no nosso modesto entender, que o mal em causa fosse futuro, uma vez que a expressão ouvida pela ofendida ‘’parto-te hoje os cornos’’, indica um mal iminente, critério pelo qual, nos parece tratar-se de violência e não de ameaça, tal como discrimina o Acórdão supra citado.
27 - Também de acordo com Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18/11/2013, é requisito do crime de ameaça o anúncio de um mal futuro. Há o anúncio de um mal futuro sempre que as palavras susceptíveis de provocar medo ou intranquilidade não tiverem sido proferidas na iminência da ‘’execução’’ do crime anunciado, no sentido em que esta expressão é tomada para os efeitos de tentativa.
28 - Em relação à vontade do agente, encontrando-se, pelo que foi referido em todos os depoimentos, o arguido num estado de embriaguez, no momento da prática dos factos, estavam diminuídas as suas capacidades intelectuais e volitivas.
29 - A perturbação resultante da ingestão de bebidas alcoólicas pode consistir na incapacitação do arguido para avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação (embriaguez completa), que leva a uma situação de inimputabilidade, ou numa simples diminuição dessa capacidade, que tem como efeito, mitigar a culpa do arguido com reflexo na determinação da medida concreta da pena (imputabilidade diminuída).
30 - Tal como Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23/01/2018, quando em sede de julgamento houver suspeitas fundadas sobre a imputabilidade do arguido deve ser ordenada a realização de perícia psiquiátrica. A falta de realização dessa perícia ao arguido consubstancia indubitavelmente a preterição de uma diligência indispensável à descoberta da verdade, mas também algo mais do que isso, pois implica a omissão por parte do Tribunal de julgamento de averiguar os factos, que, por força das disposições dos arts. 20 nº 1, do CP e 351, nº 1, do CPP, se impunha que averiguasse, a saber se o arguido, ao tempo que incorreu na conduta, pela qual foi condenado, tinha ou não a capacidade de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação.
31 - A ameaça tem de ser adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação. Do depoimento da ofendida, a mesma não conseguiu precisar o porquê de naquele dia ter levado a expressão a sério e noutras alturas não, ainda por cima quando a própria admitiu que o arguido estava notoriamente alcoolizado.
32 - Ora, na situação em apreço, não se infere do depoimento de nenhuma das testemunhas, nem da própria assistente, que tenha havido uma verdadeira ameaça.
33 - Sem prescindir ainda, a escolha da pena reconduz-se, numa perspetiva politico-criminal a um movimento de luta contra a pena de prisão. A este propósito dispõe o art.º 70º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Assim exprime, o legislador, a preferência pelas penas não privativas da liberdade.
34 - É certo que a única vantagem que a pena de prisão pode apresentar face a qualquer outra pena não privativa da liberdade, reside precisamente na circunstância de corresponder ainda hoje ao sentimento generalizado da comunidade a convicção de que, em muitos casos criminais, a privação de liberdade é o único meio adequado de estabilização das suas expectativas de, em seu entender, “fazer-se justiça”, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do transgressor.
35 - Por conseguinte, a opção pela pena de prisão só se justificará quando tal for imposto pelos fins das penas – previstos no art.º 40º, n.º 1 do Código Penal: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (sublinhado nosso).
36 - Estes fins – comummente designados pela doutrina como prevenção geral positiva ou de integração e prevenção especial positiva ou de socialização traduzem respetivamente o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face ao atentado contra a vigência da norma penal e a necessidade de efetuar um raciocínio de prognose em relação aos efeitos da pena na futura conduta do Arguido em vista da sua ressocialização - cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal II, Parte Geral, As Consequências Jurídicas do Crime”, Secção de Textos da Universidade de Coimbra, 1988, pág. 229 e ss. e “Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, Ano 1993, pág. 198 e ss. e por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.97 no processo nº 1057/96).
37 - O disposto no artigo 40º do Código Penal fornece os critérios que devem presidir à aplicação das penas: a proteção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo certo que “em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
38 - Compaginando o teor do artigo 40.º nº 2 e os elementos contidos no artigo 71.º, ambos do Código Penal, temos que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente (limite inultrapassável), das exigências de prevenção e tendo-se ainda em linha de conta todas as demais circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime (dos elementos essenciais da infração), deponham a favor do arguido ou contra ele.
39 - A tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal, (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstrata, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à “reafirmação contrafáctica da norma jurídica violada” e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial ou de socialização. Como se refere no acórdão de 28-09-2005, Coletânea de Jurisprudência Supremo Tribunal de Justiça, 2005, tomo 3, 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71º do C. Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 196/7, § 255.
40 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção conforme dispõe o art.º 71º, n.º 1 do Código Penal. Na determinação concreta da pena devem ponderar-se todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente as referidas no n.º 2 da mesma disposição legal.
41 - Pelo exposto, sem prescindir o supra referido quanto à absolvição do arguido e subsunção dos factos ao direito e admitindo-se a prática pelo mesmo dos crimes nos quais foi condenado para mero efeito de raciocínio, embora o Tribunal a quo tenha obedecido a todos os princípios vindos de elencar, optando pela pena de multa quanto ao crime de dano simples, no que toca ao crime de ameaça, poderia também o Tribunal ter optado por pena de multa, até mesmo para que tal pena pudesse ser substituída por trabalho a favor da comunidade, uma vez que esta realizava e realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
42 - Acresce que, muito embora o raciocino lógico que norteia a escolha da pena e da medida da pena, relativamente aos crimes de dano simples, não mereça o menor reparo, o mesmo já não se verifica em relação à determinação do quantum da pena a aplicar ao crime de ameaça.
43 - No que à determinação da medida concreta desta pena e respetiva fundamentação diz respeito, o Tribunal a quo não fundamentou suficientemente a sua decisão, nem esclarece o processo lógico-mental que motivou aquela concreta escolha da pena e respetiva dosimetria, numa clara violação do disposto no artigo 205.º, n.º 1 e 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, bem como, no artigo 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) do Código Processo Penal, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos.
44 - De facto, é nosso entendimento – sem prescindir o supra referido quanto a absolvição e quanto à subsunção dos factos ao direito – que a concreta pena aplicável ao crime de ameaça deveria ser substituída por trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58º do Código Penal, para a qual o arguido dá o seu consentimento expresso e que permitiria que o arguido adquirisse mais competências profissionais nesta fase da sua vida e uma consciência social mais concisa e alicerçada no cumprimento rigoroso das normas legais, cumprindo-se assim da forma que se reputa mais eficaz, porque também suficiente, as finalidades da punição.
45 - Mais uma vez sem prescindir o supra referido quanto à absolvição, caso se entenda que o arguido praticou os factos pelos quais foi condenado, sempre se dirá que é manifestamente exagerado o montante fixado pelos danos morais alegadamente sofridos pela assistente.
46 - Aliás, atento o seu elevado valor, mais parece que o montante fixado, ao invés de visar tão só o ressarcimento dos danos da demandante, serve neste caso como punição, na medida em que o seu pagamento integral é condição de suspensão da pena de prisão na qual foi o arguido condenado, vivendo o arguido no limiar da pobreza e sendo, portanto, muito difícil conseguir pagar o montante referido.
47 - Em face de tudo o que se deixa dito, verifica-se que foram assim violados os artigos 154º, n.º 1 do Código Penal e ainda os artigos 127º, 340º, 355º, 374º, 379º do Código de Processo Penal e os artigos 40º, n.º 1 e 2, 50º, 51º, 58º, 70º, 71º, n.º 1 e 2 e 72º, todos do Código Penal e ainda os artigos 205º e 32º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida nos precisos termos e pelas razões supra expendidas, absolvendo o arguido dos crimes pelos quais foi condenado, ou, se assim não se entender deverá relativamente ao crime de ameaça optar-se por uma pena de multa, em detrimento da de prisão, ou, assim não se entendendo, deve a pena de prisão ser substituída por trabalho a favor da comunidade nos termos do artigo 58º do Código Penal, uma vez que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo ainda a indemnização à demandante civil ser fixada em montante inferior e caso se mantenha a pena de prisão suspensa na sua execução, não ser condição da sua suspensão.
Assim se espera, confiadamente, na certeza de que, Vossas Excelências, Juízes-Desembargadores, farão inteira e objectiva J U S T I Ç A

3. O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelos arguidos, tendo concluído, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

1. A sentença encontra-se devidamente fundamentada quer de facto quer de direito.
2. O Tribunal a quo formou a sua convicção na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como na prova documental constante dos autos, considerada igualmente naquela sede, e devidamente articulada entre si. Mais referiu e adjectivou o tribunal a quo de como foram tais depoimentos prestados. A convicção do tribunal é formada através dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e, ainda, das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, ansiedade, embaraço, desamparo, serenidade, olhares para alguns dos presentes, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, de tais declarações e depoimentos.

3. Para que haja erro notório é preciso responder a duas questões prévias:
- A versão dada como provada tem apoio na prova produzida na audiência de julgamento e é, face às regras da experiência comum e à livre convicção do julgador, uma leitura razoável dessa prova?
- A solução a que chegou o tribunal está fundamentada?

Ora, no caso vertente, a resposta só pode ser afirmativa a ambas as questões.
4. A versão que foi dada como provada dos factos assenta numa das possíveis que resulta da discussão da causa e está fundamentada e motivada pelo Mº Juiz a quo, que analisa criticamente as provas em que fundamentou a sua decisão.
5. Ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados aos arguidos e que motivaram a sua condenação, apreciando prova válida e sem contrariar as regras da experiência comum.
6. Os factos respeitantes ao elemento subjectivo se aferem através da prova indirecta visto pertencerem ao mundo interior de cada um e representarem a volição do agente.
7. A sua demonstração exige a existência de factualidade instrumental que, ao ser correlacionada entre si, ateste com segurança a intenção criminosa do agente do crime.
8. Note-se que os factos são sempre cometidos naquele local que deveria ser o reduto de segurança da ofendida: o lar. No entanto, a mesma não pode em paz e tranquilidade usufruir do seu próprio lar e espaço exterior sem que seja perturbada pelos arguidos, sobretudo por M. R..
9. Como é natural, e efectuando o obrigatório exercício de se colocar na posição da vítima, encarnando a posição do homem médio posto perante tais circunstâncias, teria o julgador de concluir no caso vertente que a mesma, depois de ouvir tais palavras num tal contexto, ficou efectivamente com medo que o arguido o pudesse matar.
10. Do mesmo modo, o julgador ao se colocar na posição de um agressor, que agiu da forma descrita no comportamento objectivo dos arguidos retractado na factualidade provada, inevitavelmente concluiu que este agressor quis efectivamente amedrontar a ofendida, atacando a sua liberdade de determinação.
11. Não se compreende, portanto, como é possível, perante os factos enunciados na sentença como provados, que venham os arguidos asseverar que foram um mero desabafo dirigido à ofendida e não uma forma de a intimidar e prejudicar a sua liberdade de determinação!
12. Uma avaliação dos factos em apreço sujeita às regras da experiência comum, demonstra uma clara intenção de anunciar um mal futuro que se irá abater sobre a ofendida por vontade exclusiva dos arguidos.
13. Logo, perante esta linha de pensamento urdida pelo Tribunal recorrido, não faz sentido a arguida tentar “suavizar” sua intencionalidade dizendo que se encontrava embriagada. Pelo contrário! O facto de os arguidos estarem constantemente embriagados apenas aumenta o perigo que constituem. Diz-nos uma leitura da jurisprudência que os crimes de homicídio entre vizinhos, são muitas vezes pautados pelo estado ébrio dos agressores. O álcool leva ao cometimento de factos hediondos.
14. Em conformidade com o disposto no artigo 70º do Código Penal, a escolha da pena deve ser feita, dando preferência à pena não privativa da liberdade sempre que esta se mostre suficiente para promover a ressocialização do arguido e satisfaça a protecção dos bens jurídicos (cfr., artigo 40º, nº1, do CP), sendo alheias, neste momento, considerações relativas à culpa que apenas funciona como limite (e não como fundamento) em momento posterior, isto é, no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida.
15. A aplicação de pena visa, por um lado, reafirmar na comunidade o reforço da vigência das normas violadas, sempre que as mesmas tenham sido abaladas pela prática de um crime (prevenção geral positiva ou de integração), dado que a aplicação de pena tem como objectivo a protecção de bens jurídicos, e, por outro lado, pretende alcançar a reintegração do agente na sociedade, através da chamada “prevenção da reincidência” ou prevenção especial positiva.
16. No que à escolha da pena diz respeito, concorda-se integralmente com os argumentos aduzidos na douta decisão ora posta em crise que sustentam a pena aplicada.
17. O critério legal que serve de guia na determinação da medida da pena é o constante no artigo 71.º, n.º s 1 e 2 do Código Penal, onde se explicita que a medida da pena se determina em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, no caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
18. No direito vigente, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal, e a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º, nº 1 do Código Penal). Contudo, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (artigo 40º, nº 2, do Código Penal).
19. Por outro lado, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, podem, e devem actuar, aspectos da prevenção especial de socialização, advertência individual e mesmo, de segurança, sendo estes que irão determinar, em último termo, a medida concreta da pena.
20. De acordo com o preceituado no nº 2 do art. 71º do Código Penal, “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
21. Aqui chegados, observamos que a gravidade dos factos imputados aos arguidos é media alta, já que actuaram com dolo directo, em ocasiões diferentes contra a mesma ofendida. Note-se que a ofendida é uma pessoa com pouco mobilidade. Os factos foram sempre praticados contra ela no seu reduto de segurança: o lar.
22. Porém, na tarefa da escolha da pena e fixação do seu quantum o julgador não pode abster-se de avaliar todo o contexto passado e presente do arguido em ordem a aferir com o necessário rigor as exigências de prevenção geral e sobretudo especial emergentes em cada caso.
23. Reconhecendo-se que existe alguma tolerância social para pessoas embriagadas, não pode aceitar-se que o seu comportamento seja por essa razão aceitável ou se tente desvalorizar tal comportamento.
24. Note-se ainda que nenhum dos arguidos reconheceu a prática dos factos ou mostrou qualquer tipo de arrependimento.
25. Ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação, apreciando prova válida e sem contrariar as regras da experiência comum.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos arguidos, e, em consequência, manter-se e ser executada a pena em que o mesmo foi condenado, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

4. A assistente respondeu ao recurso interposto pelos arguidos, tendo concluído, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
A ofendida acompanha in totum o teor da d. Decisão recorrida, cuja fundamentação, com o respeito devido e a inerente permissão, faz seu.

Na verdade, a d. Sentença recorrida não merece qualquer censura pois atendeu a toda a factualidade dada como provada e não provada e não violou qualquer princípio ou preceito legal, nomeadamente os invocados pelos recorrentes.

A fundamentação do Tribunal a quo, atento o teor das alegações dos recorrentes, é intocável, sendo certo que, o que os recorrentes apontam agora em sentido contrário apenas é fruto da sua visão redutora e pessoal, logo subjectiva / parcial.

Estamos também perante situações em que o princípio in dubio pro reo não tem aplicação.

Diga-se aqui que, na presença dos factos dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo bem andou o Mesmo ao decidir nos precisos termos que constam da d. Decisão recorrida, o que o Mº Juiz a quo fez no espaço do “crivo” da sua percepção e imparcialidade, tal qual o artº 127 do CPP, entre outros, consagra.

Pelo que, nenhuma censura ou reparo merece a douta Decisão impugnada que, no entender da ofendida, deve ser mantida na íntegra, assim fazendo V.Exªs JUSTIÇA !!
5. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, tendo concluído no sentido de que os recursos dos arguidos não deverão obter provimento.
6. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, apenas a assistente respondeu, assentindo com o parecer do Exmo. Procurador Geral Adjunto e, consequentemente, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Objeto dos recursos

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso (1) do tribunal, cfr. artigos 402, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.

Assim, considerando o teor das conclusões dos recursos interposto pelos arguidos, as questões a decidir reconduzem-se às seguintes matérias:

- Quanto ao recurso da arguida M. R.
- Nulidade da sentença por violação do disposto no nº 2 do artigo 374º do CPP, em conformidade com o disposto no artigo 379º, nº 1 al. a) do CPP, por ter omitido a fundamentação com base na qual considerou provados os factos relativos ao elemento subjetivo do crime de ameaça;
- Vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por não ter sido apuradas as condições pessoais da arguida e a sua situação económica, em conformidade com o disposto no artigo 410º, nº 2 al. a ) do CPP.
- Erro de julgamento da matéria de facto, por se encontrarem erradamente julgados os factos a que se reportam os pontos 6, 7 e 9 dos factos provados e as alíneas b) e c) dos factos não provados da sentença recorrida, os quais devem ser julgados como não provados e provados, respetivamente;
- Medida das penas parcelares de prisão e da pena única, bem assim a condição de natureza económica da suspensão desta última.

- Quanto ao recurso do arguido L. M.
- Nulidade da sentença por fundamentação insuficiente quanto à escolha e dosimetria da pena relativamente ao crime de ameaça, em conformidade com o disposto nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1 al. a) do CPP e artigos 205º, nº 1 e 32º, nº 1 da CRP;
- Erro de julgamento da matéria de facto, por se encontrarem erradamente julgados os factos a que se reportam os pontos, 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 dos factos provados da sentença, os quais devem ser julgados como não provados.
- Violação do princípio do in dubio pro reo;
- Qualificação jurídica dos factos quanto ao crime de ameaça;
- Escolha da pena quanto crime de ameaça;
- Pedido de indemnização civil - Valor dos danos não patrimoniais

2- A decisão recorrida
1. Na sentença recorrida consideraram-se como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação de facto [transcrição]:

Fundamentação de Facto

a) Factos provados:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1º) Os arguidos residem na rua da ..., ..., Vila Real, e são vizinhos da ofendida M. C..
2º) No dia 5 de maio de 2020, o arguido L. M. entrou num prédio rústico pertencente à ofendida e confinante com a sua habitação, tendo, sem autorização da ofendida, procedido ao corte dos ramos de uma cerejeira, impedindo o natural crescimento das cerejas.

3º) Com esta conduta o arguido provocou um dano de valor não concretamente apurado.
4º) Logo de seguida, quando a ofendida se preparava para sair de casa, o arguido L. M. proferiu em tom sério as seguintes palavras na direção da ofendida: “você hoje não sai de casa, não vai trabalhar, vou-lhe rachar os cornos”, ao mesmo tempo que bateu com uma sachola no chão, partindo o cabo.
5º) No dia 1 de Junho de 2020, pelas 19 horas e 30 minutos, quando a ofendida se encontrava no pátio contíguo à sua habitação a brincar com a sua neta de três anos de idade, a arguida M. R. proferiu de viva voz na direção da ofendida as seguintes palavras: “puta, velha, vaca, rainha das putas, o que tu queres é peso, quando te apanhar sozinha mato-te”.
6º) Num fim de semana não concretamente apurado, mas posterior ao dia 2 de junho de 2020, a arguida M. R., junto da residência da ofendida, disse a esta em tom sério “se não tiras a queixa eu mato-te, tens os dias contados, sua puta, sua vaca”.
7º) Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de, ao proferirem as citadas palavras, perturbar a quietude de espírito, o sossego, a tranquilidade e a liberdade de movimentos da ofendida, já que lhe quiseram fazer crer que estavam dispostos a atentar contra a sua integridade física / vida.
8º) O arguido L. M. atuou ainda com o propósito concretizado de danificar a cerejeira pertencente à ofendida, bem sabendo que tal árvore de fruto não lhe pertencia e que atuava contra a vontade da ofendida.
9º) Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
*****
10º) No circunstancialismo referido em 2º e 3º, o arguido L. M. causou um prejuízo no valor de cerca de € 50 (cinquenta euros).
11º) Com as expressões referidas em 4º, a ofendida ficou com receio e medo de que o arguido L. M. concretizasse tais intentos.
12º) É que a ofendida, de um modo especial quando se encontrava e encontra na rua e/ou via pública, passou a andar sobressaltada, a olhar para os lados, com receio de que o arguido L. M. possa estar por perto para atentar contra a sua integridade física.
13º) A ofendida, que é pessoa com algum défice de mobilidade, passou a andar perturbada e inquieta, dado que não tem capacidade para caminhar com rapidez e muito menos para correr, caso pressinta que o arguido se prepara para concretizar o que disse, pois a ofendida passou a ter em conta a ameaça contra a sua integridade física proferida pelo arguido.
14º) As ameaças de que foi vítima a ofendida, fizeram e fazem com que a mesma viva humilhada e aterrorizada, ficando, por isso, em estados de nervos constantes, angústia, privação de sono, excitação e irritabilidade permanentes.
15º) Com esta situação, a ofendida ficou aborrecida, magoada e chateada.
16º) Ao ouvir as expressões referidas em 5º e 6º, a ofendida ficou com receio e medo que a arguida M. R. concretizasse tais intentos. 17º) A ofendida, de um modo especial quando se encontrava e encontra na rua e/ou via pública, passou a andar sobressaltada, a olhar para os lados, com receio que a arguida M. R. possa estar por perto para atentar contra a sua integridade física.
18º) A ofendida, que é pessoa com algum défice de mobilidade, passou a andar perturbada e inquieta, dado que não tem capacidade para caminhar com rapidez e muito menos para correr, caso pressinta que a arguida se prepara para concretizar o que disse, pois a ofendida passou a ter em conta a ameaça contra a sua integridade física proferida pelo arguido.
19º) As ameaças de que foi vítima a ofendida, fizeram e fazem com que a mesma viva humilhada e aterrorizada, ficando, por isso, em estados de nervos constantes, angústia, privação de sono, excitação e irritabilidade permanentes.
20º) Com esta situação, a ofendida ficou aborrecida, magoada e chateada.

Mais se provou que:
21º) Apesar da assistente e a arguida serem vizinhas, as propriedades não são confinantes entre si, encontrando-se a propriedade da assistente murada.
22º) O arguido L. M. foi condenado no processo comum singular n.º 486/13.3 GCVRL, do 3º juízo do tribunal judicial de Vila Real, por factos praticados em 20 de setembro de 2013, que integram dois crimes de violência doméstica, por sentença proferida no dia 15 de julho de 2014, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e 6 meses.
23º) A arguida M. R. não tem antecedentes criminais.

b) Factos não provados
Da audiência de julgamento não se provou:
a) No circunstancialismo espácio temporal referido em 5º dos factos provados, a arguida M. R. disse à ofendida “vou-te esganar”.
b) A arguida, apesar de ter 57 anos de idade, nos últimos anos tem sofrido de uma lesão nos tornozelos e joelhos, que a tem incapacitado para o trabalho e condiciona os seus movimentos diários.
c) Pelo que a arguida passa os seus dias praticamente em casa, dadas as dores que sente e enquanto aguarda pelo agendamento da cirurgia a que terá de ser submetida, o que tudo se verifica, com maior acuidade, desde o mês de março de 2020.
d) A arguida mantém uma relação salutar com todos os vizinhos e demais pessoas que com a mesma convivem e/ou contactam, é cordial e bem-educada. 25º) A arguida observa uma vida pacata e humilde.
Não se responde aos artigos 1º, 12º, 13º, 14º, 15º, 25º, 26º e 28º do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante civil M. C., por se tratar de matéria conclusiva.
Não se responde aos artigos 2º, 4º, 16º, 17º e 27º do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante civil M. C., por se tratar de matéria repetida do que consta da acusação pública.
Não se responde aos artigos 9º, 10º, 22º e 23º do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante M. C., por se tratar de matéria repetida.
Não se responde aos artigos 1º, 2º e 9º, da contestação apresentada pela arguida M. R., por se tratar de matéria conclusiva.
***
Motivação da Decisão de Facto

a) Quanto aos factos provados:
O tribunal formulou a sua convicção, com base no depoimento da testemunha M. C., vizinha dos arguidos há mais de 30 anos, na rua da ..., em ..., Vila Real.
As casas, da depoente e da arguida, são ao correr mas mete um vizinho ao meio.
Em maio de 2020, no princípio do mês, o arguido L. M. deu cabo de uma cerdeira/cerejeira. A árvore estava atrás de sua casa, no quintal, que está vedado – ele entrou lá, não lhe deu autorização. O arguido foi apanhar cerejas e esgaçou os ramos.
Estava a sair de casa, por volta das 15 horas e 15 minutos, o arguido L. M. disse-lhe “ó sua puta, parto-te os cornos, vou rachar os cornos, que não era para vir trabalhar nesse dia” e batia com a sachola no chão.
O arguido entrou pelo terreno da vizinha e entrou no seu terreno – viu-o a cortar. Depois deu a volta ao caminho e confrontou-a com a sachola e disse “sua puta, parto-te os cornos”.
No dia à noite, estava com a neta, que tem 4 anos, já depois de maio. Eles, os dois arguidos, vinham bêbados e começaram, a chamar-lhe nomes, como “puta, vaca, rainha das putas” e a arguida disse que a há de matar, não disse que a ia esganar.
Ela, arguida, soube que apresentou queixa – foi lá à porta e disse “sua pita, sua vaca, se não tiras a queixa eu mato-te, tens os dias contados” – neste dia chamou a guarda nacional republicana.
Os arguidos metem-se consigo todos os dias. Fazem mais isto quando estão bêbados.
Tem medo deles. Tem receio de andar na rua. Não sai à rua sozinha, só acompanhada. Tem que vir para as consultas de táxi, não vem de autocarro.
Só apresentou queixa porque estava farta. A sua vida tem sido um inferno. A parir de março/abril/maio tem sido todos os dias.
A ofendida prestou depoimento de forma objetiva, escorreita, demonstrando que o que relatava era o que tinha vivenciado, o que mereceu acolhimento por parte do tribunal. A forma como depôs, a chorar, são demonstrativas do seu sentimento de medo, receio, verdadeiro inferno” em que tem vivido, sentindo-se prisioneira na sua própria casa, pois não pode fazer a sua vida de forma normal que está sempre a ser incomodada pelos arguidos – e esse choro era de desespero, de medo, de forma genuína, de quem está a relatar o que viveu, e não de quem pretende influenciar o julgador.
O tribunal teve ainda em consideração o depoimento das testemunhas M. T., C. S., M. A., P. V. e P. M..
A testemunha M. T., vizinha dos arguidos e da ofendida há mais de 30 anos, referiu que há um ano e pouco, o arguido foi buscar cerejas e cortou ramos, no quintal da ofendida, em ele entra em qualquer lado, sem ordem de ninguém e ele disse que a ia matar e deu com a sachola no chão e partiu o cabo.
Foi de tarde, ia a caminhar e viu tudo – viu o arguido a entrar pelo terreno da prima dele e depois para o terreno da ofendida. Ele, arguido, depois saiu e ameaçou a ofendida, “parto-te os cornos”, dando com a sachola no chão.
Vai caminhar 1 hora/1 hora e meia, e é quando se apercebe disto, dos arguidos chamaram nomes e ameaçarem a d. M. C.. Eles fazem isto a qualquer hora do dia.
A arguida chama a ofendida de “puta, vaca leiteira”. A arguida está sempre a enchê-la de nomes e a ameaçá-la que a vai matar.
A ofendida estava a brincar com a neta e a arguida encheu-a de nomes e ameaçou-a que a ia matar.
A arguida disse para tirar a queixa que senão a matava.
O corte da cerejeira tem que ser feito de uma forma e numa determinada época do ano, senão a cerejeira pode secar e no ano seguinte não dar cerejas.
A ofendida evita andar sozinha, tem receio de sair da porta que a matam ali.
Vê a ofendida muito em baixo.
A ofendida tem dificuldades em andar, tem dificuldades em fugir.
A ofendida tem medo deles, está dependente da filha e da depoente, até para a levar ao autocarro.
A testemunha C. S., filha da ofendida, referiu que em maio, no início, o ano passado, o arguido foi roubas as cerejas – viu-o a ir lá. A mãe não lhe deu autorização para ir às cerejas. Partiu pelo menos um galho, esgaçou-o, com a sachola puxou o galho para baixo. Ele entrou por cima, saltou o muro do vizinho de cima.
Minutos depois ele com uma sachola, disse que ela, referindo-se à mãe, que “ela não ia trabalhar hoje e que ia rachar os cornos à mãe e que a ia matar. Ele quebrou a sachola – viu isso tudo. Foi por volta das 15 horas, a mãe entrava por volta das 16 horas.
Estavam os dois arguidos, a mãe, a depoente e a sua filha, que tinha 3 anos de idade, e as testemunhas M. T. e M. C..
No mês de junho, estava a depoente a chegar a casa, por volta das 19 horas, a mãe estava a brincar com a sua filha e eles, referindo-se aos dois arguidos, veem e começam a chamar nomes à mãe – “puta, vaca” e que a vão matar. Chamaram a guarda nacional republicana.
Dizem que vão matar a mãe todos os dias.
A mãe não sai à rua sozinha, está sempre a depoente com ela. Tem muito medo que façam mal à mãe.
Quando dizem isto, eles, os dois arguidos, estão agressivos, de maus, não estão a brincar.
A mãe vive amedrontada, não pode andar nem se pode defender. Aa mãe vive aterrorizada com isto tudo.
Anda deprimida, anda sempre a chorar, dorme mal, toma medicamentos.
As cerejas são caras, ainda tinha uns quilinhos, o prejuízo será pelo menos € 75.
A testemunha M. A., vizinha da arguida e da ofendida, há cerca de 5 anos, viu, mais do que uma vez, em maio e junho de 2020, os dois arguidos juntos na cerejeira, a apanhar cerejas e a cortar as galhas.
Os dois arguidos insultar e ameaçam a ofendida, dizem que a vão matar – o arguido partiu a sachola no meio da estrada – viu-o a fazer isso. Tem que caminhar e caminha algumas vezes com a sua irmã, a M. T..
Ele partiu a sachola, eram 15 e tal. Estava a depoente, a irmã, a ofendida, a filha e a neta dela, que na altura tinha 3 anos de idade.
A ofendida tem muito medo de sair de casa, chora muito, sente-se prisioneira na sua casa. A ofendida tem medo.
Os demais factos que a testemunha relatou reportam-se a outros episódios, que não fazem parte do objeto deste processo, mas de um outro.
A testemunha P. V., filha da ofendida, esclareceu que visita a mãe aos fins de semana, dado que reside em Vila Real. A mãe liga-lhe todos os dias, de manhã e à noite.
A mãe tem muito medo, ao ser ameaçada de morte. A mãe não consegue dormir, ao ser ameaçada de morte.
A testemunha P. M., genro da ofendida, estando a viver com a também testemunha C. S., filha da ofendida, esclareceu que vivem na parte de baixo da casa e a ofendida na parte de cima.
No dia em que chegou a casa, por volta das 18, 18 horas e 30 minutos, estavam os dois arguidos a insultar a sogra e a mulher, a filha estava a chorar.
Os dois arguidos ameaçaram a sogra de morte e disseram que “era uma filha da puta, vaca, puta, o que tu queres é peso” e um dia “destes vamos-te matar” – isto é quase todos os dias.
A sogra fica perturbada.
A sogra tem um problema numa perna, que lhe dificulta o andar.
Ela tem medo, muito, não vai sozinha à rua.
Quando vinha trabalhar, vinha com a esposa ou com outras pessoas.
As testemunhas prestaram depoimentos de forma serena, objetiva, isenta e credível, relatando factos que presenciaram, apesar dos laços familiares com a ofendida, como as testemunhas C. S. e P. V., filhas da ofendida e P. M., genro da ofendida, mas precisamente por isso, por terem essa ligação à ofendida, revelaram conhecer bem a situação vivenciada pela mesma, sendo os seus depoimentos credíveis.
O tribunal teve ainda em consideração o teor dos certificados de registo criminal dos arguidos, quanto aos respetivos antecedentes criminais.

b) Quanto aos factos não provados:
Não foi feita prova qualquer prova certa, segura e cabal sobre estes factos.
Quanto à matéria constante da alínea a), a própria ofendida referiu que não proferiram a ameaça de “vou-te esganar”.
As testemunhas de defesa inquiridas nada sabem de relevante sobre os factos em discussão.
A testemunha M. J., cunhado do arguido L. M., não presenciou os factos.
Encontrava-se emigrado, só desde maio é que se encontra em Portugal – portanto, o que se passou no ano anterior nada sabe.
A testemunha M. P., amiga da arguida M. R., referiu que esta, arguida, tinha problemas em se deslocar, mas que se encontrava com a mesma na cidade. Tem dificuldades em se movimentar, mas em que é que isso impede a prática dos factos? Nada.
E, em segundo lugar, se tem dificuldades em se movimentar, teria dificuldade em vir passear para a cidade.
Por conseguinte, o seu depoimento, de concreto, nada de relevante acrescenta aos factos em discussão nos autos.
A arguida M. R. negou a prática dos facos.
Mas perenta a prova produzida, nos termos acima expostos, o tribunal, devidamente sopesada a prova testemunhal e de acordo com as regras da experiência comum, conferiu credibilidade aos depoimentos das testemunhas, em contraponto com o que a arguida afirmou, pelo que não conferiu credibilidade ao que a arguida referiu.

3. Apreciação dos recursos
3.1- A arguida M. R., ora recorrente, suscitou o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada do nº 2 al. a) do artigo 410º do CPP, com fundamento em que não foram averiguados quaisquer factos relativos às suas condições pessoais de vida, o que releva em sede de determinação da medida da pena e para a decisão de suspender a execução da pena de prisão, com a condição de proceder ao pagamento da indemnização devida à ofendida.
Não obstante o arguido, aqui recorrente, não ter suscitado, relativamente a ele, a verificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque se trata, como deixamos nota, de matéria de conhecimento oficioso do tribunal de recurso, iremos apreciar, também relativamente a ele, esta mesma questão.
O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nada tem que ver com a falta ou a insuficiência da prova, pois que que, como qualquer dos vícios do nº 2 do artigo 410º do CPP, é um vício de confeção da decisão, o qual terá de resultar do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. E significa que os factos são insuficientes para justificar a solução de direito ou o tribunal não esgotou os seus poderes de investigação sobre o objeto do processo tal como se encontra definido pela acusação, contestação e dos factos que resultem da discussão da causa, em conformidade com o disposto no artigo 368º, nº 2 do CPP.
Por outras palavras, como dizem Simas Santos e Leal Henriques, “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação; no cumprimento do dever de descoberta da verdade material, que lhe é imposto pelo normativo do art.º 340.º do Código de Processo Penal, o tribunal podia e devia ter ido mais longe; não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa, cfr. Código de Processo Penal Anotado, pág. 738, parafraseando o acórdão do STJ de 99/06/02, processo n.º 288/99.
No caso vertente, a questão da verificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada coloca-se apenas relativamente ao apuramento das condições pessoais de vida de ambos os arguidos, porquanto na decisão da matéria de facto da sentença nada se refere a tal propósito.
Como é sabido, o Código de Processo Penal consagrou um sistema mitigado de cisão (césure) na fase decisória do processo, distinguindo dois momentos: o primeiro relativo à questão da culpa, em que são fixados os factos provados e não provados; e um segundo momento, no qual é determinada a pena, sendo neste momento que devem ser consideradas e valoradas as condições pessoais do arguido e a sua personalidade, cfr. artigos 369º, 370º e 371º, do CPP.

No caso vertente os arguidos estiveram presentes em audiência de julgamento, sendo que o arguido apenas esteve presente na última sessão da audiência de julgamento, mas não foram questionados sobre as suas condições pessoais, nem foi realizada qualquer diligência de prova no sentido de apurar essas condições.
O apuramento de factos com relevo para a determinação da pena apresenta-se como fundamental, porque é inaceitável que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não juridicamente vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”, cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, 194 e seguintes.
Outrossim, o artigo 71º, nº 2 als. d), e) e f) do CP, na determinação concreta da pena, manda atender às condições pessoais do agente, à sua situação económica, conduta anterior e posterior e à sua personalidade. E o nº 2 do artigo 47º do CP determina que a taxa diária da pena de multa é fixada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
O princípio da investigação, também chamado “da verdade material” encontra-se consagrado, com caráter geral no artigo 340º do CPP, é simultaneamente um princípio geral da prossecução processual e um princípio geral de prova e significa que o tribunal investiga o facto sujeito ou a sujeitar a julgamento, independentemente dos contributos da acusação e da defesa, construindo autonomamente as bases da sua decisão (2).
Por isso, no caso sub judice, o tribunal recorrido, tendo considerado como provados os factos da acusação, não podia ter assumido uma posição de total inercia quanto à averiguação das condições pessoais dos arguidos, das suas personalidades e da situação económica de cada um deles. Com efeito, o tribunal recorrido poderia até ter produzido prova suplementar, procedendo à reabertura da audiência, cfr. artigo 371º do CPP.
A verdade é que as operações relativas à determinação da medida das penas, da taxa diária da pena de multa, da imposição de deveres de natureza económica a que condicionou a suspensão da execução das penas de prisão foram realizadas com total desconhecimento da personalidade, das condições pessoais, económicas, financeiras e encargos pessoais dos arguidos.
Para além dos elementos constantes dos certificados de registo criminal, nada mais foi averiguado, quando é certo a aludida indagação poderia e deveria ter sido efetuada, designadamente, através da solicitação de relatório social aos serviços de reinserção social, e /ou através de questões que poderiam ter sido colocadas aos arguidos, caso eles naturalmente estivessem na disposição de esclarecer o tribunal sobre as suas condições de vida.
Nas decisões condenatórias as exigências de fundamentação são acrescidas, devendo o tribunal, independentemente do contributo dos sujeitos processuais, esforçar-se por reunir todas as provas legalmente admissíveis, construindo a base da sua decisão.
O tribunal tem o poder dever de produzir todos os meios de prova necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, sendo que as diligências a realizar dependem das circunstâncias do caso concreto e deverão ser, além do mais, viáveis, ou seja, à partida como podendo alcançar, com êxito, fim tido em vista com a sua realização.
Com efeito, se o meio de prova for de realização muito duvidosa não deverá ser levada a cabo. Neste sentido, vide, v.g., Ac RE de 05.12.2017, processo nº 51/15.0GTSTR.E1, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual “Sendo desconhecido o paradeiro do arguido aquando da realização do julgamento, o não apuramento de factos referentes às suas condições pessoais e à sua situação económica, nomeadamente através da elaboração de relatório social, não redunda diretamente em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando a obtenção desse meio de prova se mostrava à partida inviabilizada”.
Ora, não foi o que sucedeu no caso vertente, pois que os arguidos estiveram presentes em audiência de julgamento e o tribunal nada vez no sentido de averiguar a personalidade, as condições pessoais, económicas, financeiras e dos seus encargos pessoais.
Assim, a sentença recorrida carece de elementos que habilitassem o tribunal recorrido a, em consciência, proceder à determinação da medida das penas de prisão e de multa, da taxa diária da pena de multa, bem assim do dever de natureza económica a que subordinou a suspensão da execução das penas de prisão, que se encontra sujeito a um princípio de razoabilidade quanto à possibilidade do seu cumprimento, o que se traduz em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, integradora do mencionado vício da alínea a) do nº2 do artigo 410.º, do CPP.

Aliás, sobre esta questão, tem sido este o entendimento da jurisprudência. Assim, vide, v.g., os seguintes arestos:

1) Ac. S.T.J., de 06/11/2003, proc. nº 03P3370, disponível em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta, nomeadamente, que:
II - A matéria de facto recolhida pelo tribunal recorrido enferma do vício de insuficiência sempre que dela conste não serem conhecidas as condições pessoais do arguido e se comprove que aquele tribunal nada fez para o conseguir.
III - A indagação das condições pessoais do arguido, mormente em caso de condenação, é um elemento inseparável do thema probandum delineado pelo objeto do processo, que o tribunal tem o dever de esgotar convenientemente.
2) Ac. RC de 05.11.2008, processo 268/08.4GELSB.C1, disponível em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta que:
II. – Não tendo o tribunal indagado das condições pessoais (familiares) e económicas do agente verifica-se o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código Penal.
3) Ac. RE de 06.01.2015, processo 2696/12.1GBABF.E1, disponível em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta, nomeadamente, que: “1. A decisão condenatória omissa quanto a factos pessoais do arguido está, em princípio, ferida de vício de insuficiência da matéria de facto provada (art. 410º, nº 2, al. a) do CPP). Mas as diligências que o tribunal deve fazer oficiosamente, e o grau de conhecimento que se exige sobre a pessoa do condenado, variam segundo as circunstâncias do caso e o sentido da decisão”.
4) Ac. RC de 24.10.2018, processo 10718.1T9FIG.C1 disponível em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta, nomeadamente, que “A sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, i) por não ter sido apurada a situação económica da recorrente”.
5) Ac. RE de 01.07.2010, processo 553/08.5GFLLE.E1, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário tem o seguinte teor: “Não tendo o tribunal diligenciado pelo apuramento de factos relativos à personalidade, condições pessoais e económicas do arguido, ocorre insuficiência de factos para uma cabal e fundamentada decisão sobre a escolha e determinação da pena, que impõe o reenvio parcial para novo julgamento”.
6) Ac. RP de 09.11.2016, processo 1927/05.9TAVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta, nomeadamente, que “A omissão na sentença dos factos relevantes para determinar a pena, apenas conduz ao vicio do artº 410º 2 al. a) CPP se do processo, resultar que o tribunal não teve a iniciativa de os investigar quando devia e podia tê-lo feito sendo possível produzir essa prova”.
Por conseguinte, porque sem a referida indagação não é possível decidir da causa relativamente à determinação da medida das penas, da taxa diária da pena de multa e da imposição de deveres de natureza económica como condição da suspensão da execução da pena de prisão, impõe-se reenviar o processo à primeira instância para novo julgamento restrito a estas questões, em conformidade com o disposto nos artigos 426º e 426ºA, ambos do CPP.
Em consequência, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, revogando-se parcialmente a sentença recorrida e, em consequência, ordenar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto nos artigos 426.º e 426-A, ambos do C.P.P., apenas para averiguação das condições pessoais e situação económica dos recorrentes e consequente determinação das penas.
Sem custas (artigo 513º, nº 1 do CPP a contrario).
Notifique.
Guimarães, 21.03.2022
(Texto integralmente elaborado pelo relator e revisto pelos signatários - artigo 94º, nº 2 do C. P. Penal).

(Armando da Rocha Azevedo - Relator)
(Mário Fernando Teixeira Lopes da Silva – Adjunto)
(Fernando Chaves – Presidente)


1. De entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
2. Neste sentido, maria João Antunes, Direito Processual penal, Almeida, 2016, pág. 164.