Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ROSÁLIA CUNHA | ||
Descritores: | AMPLIAÇÃO DO PEDIDO NULIDADE DO TESTAMENTO RESOLUÇÃO DO TESTAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÕES | ||
Decisão: | APELAÇÕES IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - Por força do princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 260º, do CPC, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei. II - Nos casos em que não há acordo das partes, o autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, conforme permitido pelo art. 265º, nº 2, do CPC. III - A interpretação dos conceitos de desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo pressupõe a existência de uma origem comum. IV - Tendo sido formulado pedido de declaração de nulidade do testamento por o testador se encontrar incapacitado de entender o sentido da sua declaração, devido à demência de que padecia, não constitui nem desenvolvimento nem consequência deste pedido a formulação de pedido de resolução do testamento por o herdeiro não ter cumprido o encargo que lhe foi imposto de cuidar do testador até à sua morte, estando vedada a ampliação ao abrigo do disposto no art. 265º, nº 2, do CPC. V - O pedido de resolução constitui um pedido novo, autónomo e subsidiário, que, após a citação do réu e atenta a falta de acordo, não pode ser cumulado por exclusiva vontade da autora, por não se enquadrar nas exceções ao princípio da estabilidade da instância legalmente consagradas, pese embora na petição inicial já constassem os factos essenciais que teriam permitido a formulação desse pedido, mas sem que a autora o tenha deduzido. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO AA veio propor ação declarativa com processo comum contra BB pedindo que se declare nulo e/ou anulável o testamento lavrado no dia .../.../2017 que instituiu o réu como único herdeiro testamentário da quota disponível do testador CC, com todas as devidas e legais consequências. Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que autora e réu são ambos filhos do falecido CC o qual, além destes, deixou ainda mais três filhos. O falecido efetuou testamento, em .../.../2017, pelo qual instituiu o réu como herdeiro da sua quota disponível, disposição feita com a condição de o instituído herdeiro zelar pela saúde e bem-estar dele, testador, até à hora da sua morte, dando-lhe todo o apoio de que ele venha a necessitar, na saúde e na doença. Todavia, o testador desde 2011 demonstrava alterações significativas a nível cognitivo e, em 15 de dezembro de 2014, foi-lhe medicamente diagnosticado quadro demencial, provável demência frontotemporal. A situação neurológica do testador foi-se agravando progressivamente, acabando o mesmo por depender por completo de terceiros para quase todas as atividades, mormente para o ajudar na sua higiene diária, a trocar de roupa, a tomar medicação, a alimentar-se e a tratar de todos os atos diários da vida corrente. O falecido não dispunha de capacidade para querer e entender o alcance da outorga do testamento e o que aí ficou plasmado não refletia a sua vontade porquanto não estava no pleno uso das suas faculdades mentais, psiquiátricas e/ou psicológicas. Apesar de no testamento o réu ter ficado incumbido de zelar pela saúde e bem-estar do testador, até à hora da sua morte, dando-lhe todo o apoio de que o mesmo necessitasse, quer na saúde, quer na doença, o réu, desde .../.../2017 até à data da morte do seu testador, não cumpriu com as citadas obrigações testamentárias. * Regularmente citado, o réu contestou, impugnando a generalidade da factualidade alegada pela autora, tendo alegado, em síntese, que, aquando da outorga do testamento, o testador encontrava-se na posse de todas as suas faculdades mentais, estava lúcido e orientado e o testamento correspondia à sua vontade real, pois o testador achava-se capaz de compreender o teor e o alcance das suas declarações, tendo-as proferido de forma consciente e esclarecida e tendo agido com o propósito de compensar o réu pela dedicação que este lhe demonstrava.Considera que o testamento é totalmente válido e eficaz, não padecendo dos vícios que lhe são imputados, e, consequentemente, pugna pela improcedência da ação. * Foi proferido despacho que dispensou a realização da audiência prévia, fixou à causa o valor € 30 000,01, apreciou tabelarmente os pressupostos processuais, identificou o objeto do processo e enunciou os temas de prova. * Em 2.2.2023, a autora apresentou requerimento (ref. Citius ...41) pedindo que fosse admitida a ampliação do pedido inicial, aditando-se o seguinte pedido:a) deverá ser declarado resolvido e sem nenhum efeito o testamento supra identificado, lavrado no dia .../.../2017, no Cartório Notarial da Dra. DD, sito na Avenida ..., na cidade ..., que instituiu o Réu como único herdeiro testamentário, da quota disponível do testador CC, com todas as devidas e legais consequências. Para o efeito alegou, em síntese, que resultou do depoimento da testemunha EE que o falecido CC, caso soubesse ou suspeitasse que o réu não iria cumprir a condição estabelecida no testamento, não teria mantido a referida disposição testamentária. Este facto não era do conhecimento da autora aquando da instauração dos presentes autos, pois, se dele tivesse conhecimento, para além de ter pedido a declaração de nulidade e/ou anulabilidade do testamento teria também pedido a resolução da disposição testamentária, atento o não cumprimento do encargo, por parte do réu, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.248º, n.º 1, do Código Civil. Por outro lado, considera que o pedido ora formulado está virtualmente contido no pedido inicial, estando assim preenchidos os requisitos estabelecidos no artigo 265º, n.ºs 2 e 6, do Código de Processo Civil. * O réu opôs-se alegando que não se encontram preenchidos os requisitos legais que permitem a ampliação do pedido. Invoca, em síntese, que o novo pedido não é consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo da autora. Além disso, à data da apresentação da petição inicial, a autora já tinha conhecimento da factualidade que agora invoca para sustentar a ampliação do pedido pelo que poderia logo nessa altura ter formulado o pedido que agora pretende ver incluído. Não o tendo feito, não é admissível utilizar a faculdade processual de ampliação do pedido para corrigir um erro, um esquecimento ou um arrependimento.* Em 1.3.2023 foi proferido despacho (ref. Citius ...89) que indeferiu a requerida ampliação do pedido por considerar não estarem preenchidos os pressupostos necessários mormente a ocorrência de qualquer facto superveniente que sustentasse a sua dedução.* A autora não se conformou e interpôs recurso de apelação deste despacho, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:“1. O presente recurso tem como objeto o douto Despacho, proferido no passado dia 01/03/2023, nos presentes autos, o qual indeferiu o requerimento de Ampliação do Pedido, apresentado pela Autora, aqui recorrente, no decurso da lide. 2. Para o efeito, a M.ª Juíza, fundamentou o douto despacho, ora recorrido, no facto essencial de alegadamente a Autora, aqui recorrente, ao apresentar aquele requerimento de Ampliação do Pedido mais não pretendeu senão corrigir a omissão que cometeu na Petição Inicial. 3. Ou seja: o Tribunal a quo entendeu que, apesar de a Autora, na Petição Inicial, ter alegado factos capazes de sustentar o seu requerimento de ampliação do pedido, a mesma pura e simplesmente olvidou-se de efetuar tal pedido, a título subsidiário, situação que lhe está vedada pela lei, razão pela qual foi indeferida a requerida ampliação do pedido, por não estarem preenchidos os pressupostos necessários para o efeito. 4. Em matéria de ampliação do pedido regem os artigos 264º e 265º, ambos do Código de Processo Civil. 5. A nossa doutrina e jurisprudência maioritárias tem interpretado tais normativos, apesar da lei não definir expressamente o que se deve entender por “desenvolvimento” ou por “consequência” do pedido primitivo, no sentido de que os mesmos significam uma origem comum e/ou a mesma causa de pedir. 6. Veja-se, neste sentido, na nossa doutrina, por exemplo: o Prof. Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil - Conceito e princípios gerais à luz do novo Código”, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 29; o Prof. Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. III, Coimbra Editora, pág. 93 e o Prof. Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, vol. II, AAFDL, 1987, pág. 347. 7. E na nossa jurisprudência, veja-se, por exemplo, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 10/10/2019, Processo n.º 38/18.1T8VRL-A.E1, e acórdão de 23/03/2017, Processo n.º 108/16.0T8FAR-A.E1; pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/03/2009, Processo n.º 427/07.7TCSNT.L1-1; pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 6/02/2020, Processo n.º 992/18.3T8GMR.G1) e, ainda, pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20-09-2021, Proc. n.º 14456/18.1T8PRT.P2, todos consultáveis em www.dgsi.pt. 8. Ou seja: a ampliação do pedido será processualmente admissível, quando constitui um desenvolvimento ou uma consequência do pedido primitivo, quando esse (novo) pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido primeiramente deduzido, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos. 9. Dito de outro modo, a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a sequência do pedido primitivo, estando o mesmo virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da ação e/ou que a ampliação do pedido insere-se na mesma causa de pedir do pedido primitivo modificando-o para mais. 10. Como defende Mariana França Gouveia, in «A Causa de Pedir na Ação Declarativa», 2004, a pag. 306”, nesta matéria, quando procede à definição da causa de pedir através do facto principal comum a ambas as pretensões: «Pretensões processuais, se houver também alteração do pedido, pretensões materiais, se houver apenas alteração da norma invocada». Para mais adiante concluir: «A causa de pedir, para efeitos de cumulação sucessiva e alteração do objeto, superveniente ou não, deve ser definida como o facto principal comum às pretensões materiais alegadas originária e sucessivamente, em substituição ou em cumulação»” – (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26 Janeiro 2021, Processo n.º 5362/18.0T8CBR-B.C1, in www.dgsi.pt). 11. Ora, da simples análise ao teor dos factos constantes dos artigos 12º a 45º, da Petição Inicial, constata-se que todos os factos necessários para fundamentar, quer o pedido inicial, quer o constante do requerimento de ampliação do pedido, estão devidamente descritos e estruturados naquela peça processual. 12. Consubstanciando-se a referida ampliação do pedido num mero desenvolvimento, ou consequência, do pedido primitivo, que se sustenta nos factos inicialmente invocados, na Petição Inicial, o qual é complementar àquele que foi inicialmente apresentado em tal articulado. 13. Pelo que, concatenado tais aspetos com os aludidos doutos ensinamentos, nesta matéria, é forçoso concluir que a Autora, aqui recorrente, na Petição Inicial, articulou todos factos constitutivos e integradores do seu pedido inicial, mormente o de declarar-se nulo e/ou anulável o testamento, lavrado no dia .../.../2017, que instituiu o Réu como único herdeiro testamentário, da quota disponível do testador CC, com todas as devidas e legais consequências. 14. Para além de ter ainda articulado – atento o teor dos factos constantes da Petição Inicial - todos os factos constitutivos da ampliação daquele pedido inicial, nomeadamente que fosse declarado resolvido e sem nenhum efeito o testamento supra identificado, lavrado no dia .../.../2017, que instituiu o Réu como único herdeiro testamentário, da quota disponível do testador CC, com todas as devidas e legais consequências. 15. Sendo que, a ampliação do pedido primitivo que a Autora apresentou, salvo o devido respeito, justifica-se plenamente, na medida em que a causa de pedir em ambos os pedidos é a mesma, desde que se adote, como defende a nossa jurisprudência e doutrina maioritárias, o conceito amplo de causa de pedir a que se fez referência anteriormente. 16. Para além de a ampliação do pedido constituir uma mera consequência do pedido inicial, na medida em que era perfeitamente possível que a Autora, aquando da apresentação do seu primeiro pedido, tivesse efetuado o pedido que agora pretende ver deferido, situação que se enquadra no que defende o ilustre Prof. Alberto dos Reis, in «Comentário do Código de Processo Civil», III, a pag. 93, nomeadamente que: «a ampliação há-de estar virtualmente contida no pedido inicial». 17. Por outro lado, não se pode olvidar que a circunstância de a Autora poder, na Petição Inicial, ter pedido que fosse declarado resolvido e sem nenhum efeito o testamento, lavrado no dia .../.../2017, que instituiu o Réu como único herdeiro testamentário da quota disponível do falecido CC, tal não impede que o mesmo seja efetuado em momento posterior, desde que seja apresentado até ao encerramento da discussão em 1ª instância. 18. Pelo que, face ao anteriormente invocado, dúvidas não restam de que a requerida ampliação do pedido, apresentada pela Autora nos presentes autos, cumpre (cumpriu) todos os requisitos estatuídos no artigo 265º, n.º 2, do Código de Processo Civil, razão pela qua deverá o douto despacho, ora recorrido, ser revogado. 19. Tendo, pelos motivos e razões anteriormente invocados, o douto despacho recorrido violado o disposto no artigo 265°, do Código de Processo Civil. 20. Pelo exposto, deverá o douto despacho, ora recorrido, ser revogado, sendo o mesmo substituído por outro que admitia o requerimento de Ampliação do Pedido, apresentado pela Autora, aqui recorrente, nos presentes autos, para todos os legais efeitos aplicáveis.” * Não foram apresentadas contra-alegações quanto a este recurso.* Após realização da audiência final foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido.* A autora não se conformou e interpôs recurso de apelação da sentença, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:“1. O presente recurso interposto da douta sentença, proferida no dia 27 de maio de 2023, nos presentes autos, a qual julgou improcedente o pedido apresentado pela Autora, mormente que se declarasse inválido o testamento, outorgado pelo falecido CC (seu pai e pai do Réu) em 24-10-2017, por incapacidade do testador, e tendo decidido absolver o Réu de tal pedido. 2. Todavia, salvo o devido respeito, que é muito e que a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo nos merece, a aqui recorrente não se conforma com tal douta decisão, pelo que procurará demonstrar que a declaração de improcedência do pedido por si apresentado e consequente absolvição do Réu, não têm qualquer razão de ser pelas razões e fundamentos que se irão expor infra. 3. O primeiro deles, na análise da Autora, aqui recorrente, consiste em que os factos dados como não provados, na douta sentença/recorrida, deveriam ter sido dados como provados, razão pela qual tal douto aresto padece de um erro na apreciação da prova. 4. O segundo, consiste no facto de não ser possível, da concatenação e análise dos vários elementos probatórios coligidos nos autos, que o Tribunal a quo tenha dado como não provados aqueles factos, como deu, atentas as contradições e as incongruências que resultam da fundamentação constante da douta sentença/recorrida. § Da impugnação da matéria de facto dada como não provada. 5. Para fundamentar ter dado tais factos como não provados, o Tribunal a quo estribou-se em dois aspetos essenciais, o primeiro: no depoimento da Dra. FF, médica neurologista do falecido, e o segundo: no depoimento da notária Dra. DD, que celebrou o testamento objeto dos presentes autos. 6. Porém, a Autora não vislumbra que do teor das declarações prestadas pela neurologista e pela notária, concatenadas com os restantes depoimentos e demais prova produzida nos autos se possa concluir que os factos invocados na Petição Inicial não podem ser dados como provados. 7. Bastando, para se chegar a tal conclusão, ter em atenção três aspetos extraídos das declarações daquelas duas testemunhas, os quais se passam a enunciar de seguida: - a Exma. Sra. Notária, Dra. DD, que lavrou o testamento objeto dos presentes autos, quando prestou depoimento, em sede de audiência de julgamento, a primeira coisa que disse foi que “não se lembrava da situação em concreto”; - já a Exma. Sra. Dra. FF, médica neurologista que observou o testador, no dia .../.../2016 (cerca de 1 ano e 8 meses antes da outorga do testamento) não conseguiu afirmar se mesmo padecia de demência de Alzheimer ou de um mero défice cognitivo ligeiro; - questionada, esta última, se uma pessoa no estado do testador (em 2016 teria alegadamente demência ligeira) estaria capaz de entender o ato de testar, em .../.../2017, respondeu que não sabia, esclarecendo que apesar das demências serem de evolução progressiva, o certo é que a sua evolução depende de pessoa para pessoa, nomeadamente da adesão à medicação e de muitos outros fatores, que desconhece nesta situação, motivos pelos quais não se podia pronunciar. 8. Ora, conjugando aqueles testemunhos com as declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pela Autora e pelas restantes testemunhas (cujos depoimentos estão transcritos no Item 3, das presentes alegações de recurso, e para os quais se remete), cujos depoimentos confirmaram que o testador, na data da outorga do testamento, não estava no pleno exercício das suas capacidades mentais e físicas, não entende a Autora como foi possível o tribunal a quo ter dado como não provada a matéria de facto constante da douta sentença, ora recorrida, tendo, assim, tal douto aresto incorrido num claro erro de apreciação da prova produzida nos autos. 9. Ou seja: atento o anteriormente exposto, o Tribunal a quo ao fundamentar - como fundamentou - ter dado como não provados os factos constantes da petição inicial da douta sentença, ora recorrida, para além do mais, principalmente no teor das declarações da médica neurologista do testador e da notária que lavrou o citado testamento, desvalorizando na sua totalidade os testemunhos apresentados pela Autora, incorreu num claro erro de apreciação da prova produzida nos autos. 10. Porquanto, da análise e da concatenação do teor das declarações, supra transcritas, conjugadas com o teor das declarações prestadas pela médica neurologista e pela notária que celebrou o referido testamento, resulta, de forma cristalina, que o falecido CC, pai da Autora e do Réu, em .../.../2017, quando assinou tal documento, não estava capaz de entender o que estava a fazer. 11. Na medida em que, todos os irmãos do Réu, a sua mãe e a testemunha GG, quando inquiridas, em sede de audiência de julgamento, foram perentórios em afirmar que o falecido CC, cerca de 3 a 4 anos antes da consulta de neurologia de .../.../2016, já sofria de claros sinais de demência, mormente, desde pelo menos 2012/2013, que padecia das seguintes incapacidades: a. esquecia-se dos nomes dos filhos e dos netos; b. esquecia-se das datas e dos compromissos que tinha assumido; c. andava sempre “aluado”, ficando parado no meio da rua a “olhar” para as paredes das casas; d. andava desleixado, com a barba por fazer, muito mal vestido, parecendo um “mendigo”, sendo certo que antes de sofrer de demência o mesmo andava sempre impecável, de fato, e com aspeto muito cuidado; e. quando falava com alguém era sempre muito repetitivo, por exemplo, fazia dezenas de vezes sempre a mesma pergunta – mesmo depois de já lhe terem respondido por várias vezes; f. quando apresentava alguém a uma determinada pessoa fazia-o de forma repetitiva, por múltiplas e variadas vezes; g. não era capaz de tomar a medicação; h. não era capaz de se alimentar, de fazer a barba, de se vestir, de tomar banho e/ou de cuidar da sua higiene pessoal; i. não era capaz de se lembrar e de se deslocar aos exames médicos marcados nem às consultas do seu médico de família e da sua neurologista; j. não tinha, sequer, noção de quais as datas em que as mesmas se realizavam, motivo pelo qual tinha sempre de ser acompanhado por uma terceira pessoa, nunca tendo faltado exames e consultas enquanto esteve aos cuidados da sua filha AA, nomeadamente desde princípios de 2015 até junho de 2016; k. tendo, no entanto, faltado ao exame e consulta marcados a partir de junho de 2016, data em que regressou à sua casa e ficou aos cuidados do Réu, pelo que, muito antes do mês de .../.../2017, data em que o falecido CC assinou o aludido testamento, o mesmo estava incapaz de entender ou compreender os seus atos e o que fazia, padecendo de demência desde há vários anos, sendo, em tal data, apenas, desconhecido qual o grau ou o estado em que a mesma se encontrava. 12. Por sua vez, os médicos que assistiram o falecido CC também declararam, perante o Tribunal, que a demência é uma doença que não tem cura e que a mesma vai progredindo com o tempo, embora a sua evolução seja diferente de pessoa para pessoa, sendo certo que a medicação ajuda a travar um pouco a sua evolução, mas sem a curar, e que no caso de o doente deixar de a tomar a doença irá evoluir de uma forma muito mais célere. 13. Cumprindo, ainda, sublinhar que, no caso em análise, o falecido CC, em .../.../2016, faltou ao exame neuro psicológico que estava marcado para aferir qual o grau da sua demência e que, em junho de 2017, faltou à consulta de neurologia. 14. Ou seja: o falecido CC durante o período temporal em que se encontrava entregue aos cuidados do Réu não foi convenientemente tratado, não tomou a medicação e não compareceu ao exame e à consulta de neurologia previamente marcados com vista a determinar qual o efetivo grau da sua demência, razões pelas quais a demência de que padecia se agravou substancialmente, ao contrário do que se concluiu na douta sentença/recorrida. 15. Assim sendo, é manifesto que o falecido CC, pelo menos a partir de meados do ano de 2015, início do ano de 2016, por si só, não tinha a capacidade de se deslocar e muito menos era capaz de se lembrar que, em .../.../2016 e em junho de 2017, tinha de comparecer, respetivamente, ao aludido exame neuropsicológico e à referida consulta de neurologia, pois a sua comparência em tal exame e consulta só era possível se alguém o levasse, como se leva uma criança doente ao hospital. 16. Para além de ser igualmente forçoso concluir que o falecido CC, a partir de meados do ano de 2015, início do ano de 2016, até ao dia em que faleceu, não estava capaz de gerir a sua pessoa e os seus bens e muito menos era capaz de entender, de discernir e de compreender os atos que praticava. 17. Finalmente, cumpre sublinhar o seguinte aspeto: da fundamentação constante da douta sentença, ora recorrida, extrai-se que a principal razão que conduziu o Tribunal a quo a considerar não credíveis as declarações prestadas pelas aludidas testemunhas (cf. depoimentos supra transcritos), foi o facto de apesar de o falecido CC estar com os aludidos problemas, quer de saúde mental, quer de falta dos cuidados mais básicos e de higiene, de andar muito mal vestido e mal alimentado, não sendo, o mesmo, de per se, capaz de tomar os medicamentos e de se deslocar às consultas e exames médicos que lhe tinham sido marcados, nenhum dos seus familiares tomou uma atitude de forma a por termino a tais situações. 18. Isto é: o Tribunal a quo considerou pouco credíveis os depoimentos dos familiares do falecido CC pelo facto de nenhum deles, apesar de bem saberem que aquele não estava capaz, nada fizeram, por exemplo, não pediram que o mesmo fosse declarado incapaz e que lhe fosse nomeado um tutor. 19. Razão pela qual, o Tribunal a quo desvalorizou os depoimentos daqueles familiares, apesar de todos eles terem sido unânimes em declarar que o falecido CC, em 2015, 2016, 2017, 2018 até .../.../2019 não estava visivelmente capaz de entender o que o rodeava, de entender os atos que praticava, de gerir a sua vida e de não ser capaz de cuidar dele próprio, sem a ajuda de terceiros, pois necessitava de ser assistido e acompanhado em tudo. 20. Pelo que, atento o anteriormente exposto, impunha-se que o Tribunal a quo, tivesse dado como provados a totalidade dos factos dados como não provados na matéria de facto dada como não provada, descriminados na douta sentença, ora recorrida, mormente os factos seguintes: “ (…..) Factos não provados: - que desde meados do ano de 2011, o testador demonstrava alterações significativas a nível cognitivo e um acentuado alheamento temporal - que desde meados do ano de 2011, o testador padecia de um quadro demencial progressivo que se foi agravando de forma exponencial até meados do ano de 2015, data em que o mesmo deixou de ter capacidade para querer e entender, as razões das coisas, situação que se foi sempre agravando até ao final - que tal patologia demencial provocou no testador uma série de “deficiências” a nível cognitivo, nomeadamente a perda esporádica de lembranças de determinadas épocas e de memórias, para além de múltiplas e variadas dificuldades cognitivas, mentais e físicas. - que desde meados do ano de 2011 que o testador começou a evidenciar diversos episódios típicos de degeneração neurológica, mormente os seguintes: a) Perdas de memória sucessivas quanto a factos ou eventos do dia-a-dia; b) Deixou de conseguir fazer pequenas refeições ou lanches e, c) quando os tentava fazer, enganava-se, trocando a ordem das refeições do dia ou querendo fazê-las durante a noite; d) esquecia-se de se alimentar; e) Quando tentava cozinhar, abandonava tal tarefa a meio, esquecendo os alimentos ao lume, permitindo que tudo se queimasse; f) Esquecia-se frequentemente de pessoas, de lugares e de determinadas circunstâncias de tempo e de lugar; g) Não reconhecia, por vezes, os netos, os vizinhos e amigos; h) Manifestava, por vezes, dificuldade em distinguir o nome dos filhos; i) procedia ao levantamento de dinheiro, mas nunca mais sabia o que lhe tinha feito; - que no período compreendido entre os anos de 2011 e de 2016, tais episódios foram-se agravando e sucedendo de forma progressiva exponencial, de forma diária, apesar da medicação prescrita pela sua médica neurologista e de todo o acompanhamento e assistência que lhe foram prestados pela Autora; - tendo, o testador, ficado impossibilitado de, por si só e sem o auxílio de terceiros, vestir-se, alimentar-se e higienizar-se, tendo, mais tarde, passado a usar fralda; - Deixou de reconhecer o dinheiro; - Deixou de ser capaz de contar e distinguir quantidades e de fazer os pagamentos das suas despesas diárias - Acentuou-se a sua dificuldade em distinguir as pessoas; - Deixou de ter a capacidade de se informar e de gerir as suas contas bancárias; - Deixou de forma definitiva de entender o conteúdo da informação escrita; - Passou a ter dificuldade em caminhar, passando grande parte do tempo sentado ou na cama; - que partir do início do ano de 2017, em consequência da sua acentuada degeneração neurológica passou a depender, por completo, de terceiros para quase todas as atividades; mormente, para o ajudar na sua higiene diária, a trocar de roupa, a tomar medicação, a alimentar-se e a tratar de todos os atos diários da vida corrente, - passando a ser acompanhado diariamente por terceiros na execução de tais tarefas, - que o testador CC não teve a consciência de efetuar a declaração negocial que consta do testamento referido nos factos provados, não sendo, à data da celebração do testamento, capaz de entender e querer o sentido da declaração testamentária constante do mesmo, tendo assinado tal testamento sem saber o que declarava e assinava” – (Fim de citação – sublinhados e negritos da nossa autoria). 21. Ou seja: atento teor das declarações das testemunhas (cf. os depoimentos supra transcritos - para os quais se remete para todos os legais efeitos), conjugadas com o facto dado como provado, no artigo 8º, da matéria de facto dada como provada, na sentença/recorrida, nomeadamente que: “(…..) o médico Dr. HH, neurologista, o qual em 15 de dezembro de 2014, elaborou o relatório que consta de fls. 18v, onde se refere que “o doente.. é seguido na minha consulta por quadro de demência frontotemporal, estando medicado com Memantina 20. Em minha opinião, não tem aptidão neuro psicológica para a condução de veículos do Grupo 1(categoria B)”, tudo concatenado com as declarações da testemunha, médica neurologista, Dra. II, a qual, na consulta realizada, no dia .../.../2016, ao falecido CC, confirmou que o mesmo padecia de demência de alzheimer, sendo apenas desconhecido qual o seu grau, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse dado como provados todos os factos constantes da matéria de facto dada como não provada, na douta sentença ora recorrida. 22. Sendo, ainda, tal imposição reforçada com o facto de a. todas as testemunhas inquiridas que se relacionaram com o falecido CC, no período compreendido entre os anos de 2011 e o mês de .../.../2019, data da sua morte, foram unânimes em declarar que o mesmo, a partir de meados do ano de 2012 até ao final do ano de 2015, meados do ano de 2016, já não estava em condições de reger a sua vida diária apresentando sinais claros de demência; b. a partir do final do ano de 2016, até ao dia em que morreu em .../.../2019, a demência do falecido CC agravou-se substancialmente tendo o mesmo deixado de ter capacidade de entender e compreender os seus atos, pelo que, mais uma vez, da conjugação das declarações das testemunhas indicadas pela Autora, aqui recorrente, conjugadas com o teor das restantes provas, coligidas no decurso dos autos, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse proferido decisão diversa da que proferiu, nomeadamente impunha-se que tivesse dado como provados todos os factos que deu como não provados na matéria de facto dada como não provada, na douta sentença, ora recorrida. 23. Tendo, assim, pelos motivos e razões anteriormente invocados, a douta sentença recorrida violado o disposto nos artigos 640º e 662º, ambos do Código de Processo Civil. 24. Nesta conformidade, devem ser dados como provados a totalidade dos factos que foram dados como não provados na douta sentença, ora recorrida, para todos os legais efeitos aplicáveis. 25. Pelo exposto, ao ter dado como não provados tais factos, a douta sentença, ora recorrida, incorreu num claro erro de apreciação da prova, devendo, por conseguinte, os mesmos, serem dados como provados e consequentemente mais deverá aquela douta decisão ser revogada, sendo, a mesma, substituída por outra que declare procedente, por provado, o pedido (ou pedidos) apresentados pela Autora, na sua petição inicial, para todos os legais efeitos aplicáveis.” * O réu contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.* Os recursos foram admitidos na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.* Foram colhidos os vistos legais.OBJETO DO RECURSO Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso. Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes. Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes: I - quanto ao recurso do despacho proferido em 1.3.2023 (ref. Citius ...89): a) saber se se verificam os pressupostos legais de admissão da ampliação do pedido; b) na afirmativa, proceder à apreciação do mérito de tal pedido à luz da factualidade provada. II - quanto ao recurso da sentença: a) saber se a matéria de facto deve ser alterada; b) na hipótese afirmativa, proceder à reapreciação jurídica em função da alteração introduzida. FUNDAMENTAÇÃO FUNDAMENTOS DE FACTO Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos: 1. CC faleceu, no dia .../.../2019, com 80 anos de idade, no estado de divorciado – ver certidão de óbito de fls. 9v. 2. Deixou como herdeiros cinco filhos, a Autora, AA, o R. BB, GG, EE e JJ – ver certidões de fls. 10v e ss. 3. Após o falecimento do referido CC, o R. instaurou o Processo de Inventário, para partilha da herança deixada pelo seu pai, o qual corre seus legais termos na Instância Local Cível ... – Comarca ..., Juiz ... sob o n.º 3566/21.... – ver fls. 16. 4. No dia .../.../2017, no Cartório Notarial da Dra. DD, sito na Avenida ..., na cidade ..., o falecido CC outorgou testamento, onde declarou o seguinte: « (…) Que, por este testamento, o primeiro que faz, institui herdeiro da quota disponível da sua herança o seu filho BB, casado, residente na ..., ..., ... ..., freguesia ..., do concelho ... (…)»,e, ainda, que «(…) … esta disposição é feita com a condição de o instituído herdeiro zelar pela saúde e bem-estar dele, testador, até à hora da sua morte, dando-lhe todo o apoio de que ele venha a necessitar, na saúde e na doença (…)» - ver certidão do testamento constante de fls. 16v e ss 5. Desde 2011 que CC apresentava, por vezes, esquecimentos e mostrava-se muito repetitivo. 6. Em 9.10.2013 o seu médico de família pediu estudo com vista a aferir da existência de demência. 7. Em 22.10.2013 CC efectuou TAC Crânio-encefálica, cujo relatório consta de fls. 18, onde como informação clinica consta o seguinte: “ Doente 74 anos, com défice cognitivo ligeiro em estudo, sem antecedentes pessoais e familiares de relevo.” 8. CC era seguido na especialidade de neurologia do Hospital ..., pelo médico Dr. HH, neurologista, o qual em 15 de dezembro de 2014, elaborou o relatório que consta de fls. 18v, onde se refere que “ o doente.. é seguido na minha consulta por quadro de demência fronto-temporal, estando medicado com Memantina 20. Em minha opinião, não tem aptidão neuro psicológica para a condução de veículos do Grupo 1 ( categoria B). 9. Em 11.2.2016, CC teve consulta de neurologia no Hospital ..., com Dra. FF - conforme consta do resumo de informação clinica constante de fls. 20v. 10. Nessa data, atentas as queixas relatadas, foram solicitados pela Sra Dra exames e estudo neuropiscológico com vista a apurar se o mesmo padecia de doença de alzheimer ou défice cognitivo ligeiro. 11. Nessa ocasião, CC estava bem acordado, sem alterações de linguagem, sem défices Cvs, sem apraxias, reconhecendo bem os familiares – ver fls. 20v. 12. CC faltou ao estudo neuropiscológico em .../.../2016 e a consulta de neurologia em junho de 2017 – conforme registos clínicos de fls. 20v. 13. CC viveu com a A., na casa desta, entre agosto de 2015 e junho de 2016. 14. Nessa altura regressou ao seu domicilio, por vontade própria, passando a viver sozinho. 15. A sua esposa vivia no andar de baixo, fazendo vidas separadas desde 2001. 16. O R. vivia na casa ao lado do falecido. 17. Fornecendo diariamente a alimentação ao pai. 18. Em 15.9.2016 CC outorgou o contrato de comodato constante de fls. 24 e ss, tendo a sua assinatura sido reconhecida notarialmente. 19. No ano de 2017 o falecido divorciou-se, tendo o processo de divórcio corrido termos no juízo de Família e menores ... pelo nº 5057/16.... (a que acedi eletronicamente aquando da elaboração desta sentença ). 20. Nesses autos foi o R. citado e constituiu mandatário. 21. Tendo estado presente na tentativa de conciliação. 22. No julgamento fez-se representar pelo seu advogado. 23. Tendo o divórcio sido decretado por sentença de 3.5.2017. 24. Em .../.../2018, o falecido CC e a sua, então, ex-mulher, mãe do Réu, KK, outorgaram a favor deste procuração exarada no Cartório Notarial de LL, sito na Praça ..., ..., em ... (...25) - ver fls.40 e ss. 25. Essa procuração foi revogada pela referida EE a 22.3.2019 – ver fs. 66 e ss. 26. CC em 9.12.2015 formalizou o contrato de fls. 75 e ss, onde a A., teve também intervenção, para aquisição de um veículo destinado a um neto do referido CC. 27. Desde final 2018, até à morte do CC, em .../.../2019, foi a sua ex-mulher que dele cuidou, dando-lhe de comer, fazendo-lhe companhia, sendo ela que o lavava, que lhe mudava as fraldas e tratava de lhe dar a medicação e todo e qualquer tipo de apoio que o mesmo necessitasse. Na 1ª instância foram considerados não provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos, com exceção da ordenação alfabética a qual é da nossa lavra: A - que desde meados do ano de 2011, que o testador demonstrava alterações significativas a nível cognitivo e um acentuado alheamento temporal B - que desde meados do ano de 2011, o testador padecia de um quadro demencial progressivo que se foi agravando de forma exponencial até meados do ano de 2015, data em que o mesmo deixou de ter capacidade para querer e entender, as razões das coisas, situação que se foi sempre agravando até ao final C - que tal patologia demencial provocou no testador uma série de “deficiências” a nível cognitivo, nomeadamente a perda esporádica de lembranças de determinadas épocas e de memórias, para além de múltiplas e variadas dificuldades cognitivas, mentais e físicas. D - que desde meados do ano de 2011 que o testador começou a evidenciar diversos episódios típicos de degeneração neurológica, mormente os seguintes: a) Perdas de memória sucessivas quanto a factos ou eventos do dia a-dia; b) Deixou de conseguir fazer pequenas refeições ou lanches e, c) quando os tentava fazer, enganava-se, trocando a ordem das refeições do dia ou querendo fazê-las durante a noite; d) Esquecia-se de se alimentar; e) Quando tentava cozinhar, abandonava tal tarefa a meio, esquecendo os alimentos ao lume, permitindo que tudo se queimasse; f) Esquecia-se frequentemente de pessoas, de lugares e de determinadas circunstâncias de tempo e de lugar; g) Não reconhecia, por vezes, os netos, os vizinhos e amigos; h) Manifestava, por vezes, dificuldade em distinguir o nome dos filhos; i) procedia ao levantamento de dinheiro, mas nunca mais sabia o que lhe tinha feito; E - que no período compreendido entre os anos de 2011 e de 2016, tais episódios foram-se agravando e sucedendo de forma progressiva exponencial, de forma diária, apesar da medicação prescrita pela sua médica neurologista e de todo o acompanhamento e assistência que lhe foram prestados pela Autora; F - tendo, o testador, ficado impossibilitado de, por si só e sem o auxílio de terceiros, vestir-se, alimentar-se e higienizar-se, tendo, mais tarde, passado a usar fralda; G - Deixou de reconhecer o dinheiro; H - Deixou de ser capaz de contar e distinguir quantidades e de fazer os pagamentos das suas despesas diárias I - Acentuou-se a sua dificuldade em distinguir as pessoas; J - Deixou de ter a capacidade de se informar e de gerir as suas contas bancárias; K - Deixou de forma definitiva de entender o conteúdo da informação escrita; L - Passou a ter dificuldade em caminhar, passando grande parte do tempo sentado ou na cama; M - que partir do início do ano de 2017, em consequência da sua acentuada degeneração neurológica passou a depender, por completo, de terceiros para quase todas as atividades; mormente, para o ajudar na sua higiene diária, a trocar de roupa, a tomar medicação, a alimentar-se e a tratar de todos os atos diários da vida corrente, N - passando a ser acompanhado diariamente por terceiros na execução de tais tarefas. O - que o testador CC não teve a consciência de efetuar a declaração negocial que consta do testamento referido nos factos provados, não sendo, à data da celebração do testamento, capaz de entender e querer o sentido da declaração testamentária constante do mesmo, tendo assinado tal testamento sem saber o que declarava e assinava. FUNDAMENTOS DE DIREITO Recurso do despacho proferido em 1.3.2023 (ref. Citius ...89) I – a) Análise dos pressupostos legais de que depende a ampliação do pedido A autora apresentou requerimento a pedir a ampliação do pedido, o qual mereceu oposição por parte do réu. A decisão recorrida indeferiu a ampliação do pedido, no essencial e em apertada síntese, porque considerou que a autora poderia ter formulado inicialmente esse pedido, pois da petição inicial constavam todos os factos essenciais para o efeito, e, se não o fez, não pode socorrer-se agora da ampliação do pedido numa tentativa de corrigir a omissão cometida, tendo entendido não estarem verificados os pressupostos legais que permitem tal ampliação, mormente os constantes do art. 265º, nº 2, do CPC. A recorrente discorda deste entendimento e considera que se encontram verificados todos os pressupostos legais dos quais depende a ampliação do pedido uma vez que alegou na petição inicial todos os factos essenciais relativos quer ao pedido que inicialmente formulou, quer ao pedido que posteriormente veio formular, pelo que entende que o segundo pedido é um mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, pois é complementar deste. Defende ainda que a possibilidade de ter formulado inicialmente o pedido que agora veio deduzir, por da petição inicial constarem já todos os factos essenciais, não impede que o pedido só seja efetuado em momento posterior, desde que o seja até ao encerramento da discussão em 1ª instância. Analisemos, então, os pressupostos legais dos quais depende a alteração unilateral ou não consensual do pedido. A instância consiste na relação jurídica, por natureza dinâmica, existente entre cada uma das partes e o tribunal, bem como entre as próprias partes na pendência da causa, a qual é identificada por elementos objetivos e por elementos subjetivos. A instância inicia-se com a propositura da ação, tendo como objeto o pedido, fundado na causa de pedir, um e outro apenas modificáveis nos termos dos arts. 264º a 268º e 588º do CPC, nela assumindo um papel estruturante o princípio do dispositivo (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in CPC Anotado, Vol. 1º, 4ª ed., págs. 517 e 518). A instância é inicialmente delimitada e conformada pelo autor (com a receção da petição inicial na secretaria) quer relativamente aos elementos subjetivos, ou seja, quanto às pessoas demandadas, quer relativamente aos elementos objetivos, ou seja, quanto ao pedido formulado e fundado numa causa de pedir individualizada e concretizada. Essa conformação pode ser alterada pelo autor, mediante modificação dos sujeitos ou do objeto da ação, até à citação do réu, ato a partir do qual a relação jurídica se converte de bilateral em triangular. Após a citação, o réu fica constituído como parte e a instância estabiliza-se no tocante aos seus elementos subjetivos e objetivos e apenas será alterável na medida em que a lei, geral ou especial, o permita (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in ob. cit. págs. 518 e 519). Trata-se do princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 260º, do CPC, segundo o qual, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei. No que respeita à alteração do pedido nos casos em que não há acordo das partes rege o art. 265º, nº 2, do CPC, o qual dispõe que, nessa hipótese, o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. Conforme vem sendo sustentado na doutrina e na jurisprudência, a interpretação dos conceitos de desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo pressupõe a existência de uma origem comum. Neste sentido, e a propósito da noção de ampliação do pedido, referem Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa (in Manual de Processo Civil, Vol. I, pág. 463) que é necessário “que o pedido cumulado ou a ampliação sejam desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e que, por conseguinte, tenham essencialmente origem comum, ou seja, causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos” (sublinhado nosso). No mesmo alinhamento de ideias, concretiza Rui Pinto (in CPC Anotado, Vol. I, pág. 394) que “[p]ara que se possa dizer que o pedido é consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo ‘é necessário que o autor se mova ainda dentro da mesma causa de pedir (para o que não poderá acrescentar novos ‘factos essenciais stricto sensu’)“ (sublinhado nosso). A este propósito ensinava Alberto dos Reis (in Comentário ao CPC, Vol. 3º, págs. 93 e 94) que a modificação do pedido na vertente de ampliação contém um “[l]imite de qualidade e de nexo: a ampliação há-de ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, quere dizer, a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial” e prossegue dizendo que “[p]ara se distinguir nitidamente a espécie ‘cumulação’ da espécie ‘ampliação’ há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado ato ou facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso” (sublinhado nosso). No caso em apreço, a autora pediu inicialmente que se declare nulo e/ou anulável o testamento outorgado por CC em 24.10.2017 invocando que o testador à data da outorga do testamento se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração, devido à demência de que padecia. Posteriormente pediu que se adite um outro pedido consubstanciado na resolução desse mesmo testamento por o herdeiro não ter cumprido o encargo que lhe foi imposto nesse testamento de cuidar do testador até à sua morte. O pedido inicial assenta no pressuposto de que o testamento é inválido, ao passo que o pedido ampliado pressupõe que o testamento é válido. Tal significa que o segundo pedido só pode ser apreciado a título subsidiário, ou seja, para o caso do primeiro pedido improceder. Dada esta relação existente entre os dois pedidos a conclusão que se impõe é que o segundo pedido nem é desenvolvimento nem é consequência do pedido primitivo e, ao contrário do alegado pela recorrente, não está “virtualmente contido no pedido inicial”; bem pelo contrário a própria possibilidade da sua apreciação tem como pressuposto necessário a improcedência do pedido principal pois só se concluir que o testamento é válido se poderá apreciar se existe fundamento para resolução da deixa testamentária por incumprimento do encargo, nos termos do art. 2248º, do CC. Por conseguinte, o pedido que se pretende aditar não é desenvolvimento nem consequência do pedido primitivo, pelo que não se encontram preenchidos os requisitos para ampliação do pedido constantes do art. 265º, nº 2, do CPC. A recorrente defende que nada obsta ao aditamento de um novo pedido, pois na petição inicial constavam já todos os factos essenciais que integram a correspondente causa de pedir e, por isso, poderia efetuar tal aditamento até ao encerramento da discussão em 1ª instância. Como o devido respeito por opinião contrária, não entendemos que assim seja. É incontroverso que na petição inicial a autora alegou todos os factos essenciais que lhe permitiam ter formulado nessa altura o pedido de resolução da deixa testamentária, por incumprimento do encargo, ao abrigo do art. 2248º, do CC, como resulta da leitura dos arts. 33º a 42º da p.i. Não obstante ter tal possibilidade, a autora não a utilizou e não formulou o pedido correspondente. Ora, a partir do momento em que o réu foi citado, por força do princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 260º, do CPC, ficou vedada a possibilidade de alteração do pedido ou de formulação de novos pedidos, salvas as exceções previstas na lei. Já analisámos os casos em que é possível a ampliação unilateral do pedido e elencadas no art. 265º, nº 2, do CPC, e já concluímos que a situação em apreço não tem aí enquadramento. Por conseguinte, face ao princípio de estabilidade da instância, a autora não pode aditar um novo pedido subsidiário, porque tal exceção a esse princípio não se encontra legalmente consagrada, sendo irrelevante que os factos que suportam esse pedido já constassem da petição inicial. De referir ainda que, embora o art. 265º, nº 6, do CPC, permita a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, impõe que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida, além de que, para que a mesma possa ter lugar, é necessário que se verifiquem os requisitos de alteração do pedido e da causa de pedir que se encontram plasmados nos nºs 1 e 2 do mesmo artigo. No caso, tais requisitos dos nºs 1 e 2 não estão verificados e, além disso, trata-se de relação jurídica controvertida diversa pois o pedido que se pretende aditar baseia-se na existência de incumprimento de um encargo imposto num testamento válido ao passo que o pedido inicial se baseia num testamento inválido por incapacidade do testador. Embora se trate do mesmo testamento, as duas relações jurídicas controvertidas são distintas, não sendo nem dependentes nem sucedâneas. Não se coloca também a possibilidade de aditamento ao abrigo do disposto no art. 588º, nºs 1 e 2, do CPC, porquanto, como já referido, no caso em apreço não existem quaisquer factos supervenientes pois a autora já tinha alegado os factos nos arts. 33º a 42º da p.i., apenas não formulou o pedido correspondente. Do explanado conclui-se que, uma vez que não existe acordo, não é admissível a ampliação do pedido, porquanto o pedido formulado não constitui desenvolvimento nem consequência do pedido primitivo, sendo antes um pedido novo e autónomo que se pretende aditar, pelo que improcede o recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida que corretamente concluiu pela inexistência dos pressupostos legais necessários para a ampliação do pedido. * Perante esta conclusão, fica prejudicada a questão recursória elencada em I - b) pois a mesma tinha como pressuposto necessário a admissibilidade da ampliação do pedido, pressuposto esse que não se verifica.* Recurso da sentençaII - a) Alteração da matéria de facto Dispõe o artigo 662º, n.º 1, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. A norma em questão alude a meios de prova que imponham decisão diversa da impugnada e não a meios de prova que permitam, admitam ou apenas consintam decisão diversa da impugnada. Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.6.2019, Relatora Vera Sottomayor, (in www.dgsi.pt): “Importa referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no n.º 5 do artigo 607º do CPC (…), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial, ou aqueles só possam ser provados por documento, ou estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes. Sobre a reapreciação da prova impõe-se assim toda a cautela para não desvirtuar, designadamente o princípio referente à liberdade do julgador na apreciação da prova, bem como o princípio de imediação que não podem ser esquecidos no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos. Não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respetivos fundamentos, analisar as provas gravadas, se for o caso, e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação. Em suma, a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação tem de ser realizada ponderadamente, em casos excecionais, pontuais e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente. Tal sucede quando a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir.” No mesmo sentido, considerou o Acórdão desta Relação de Guimarães, de 2.11.2017, Relatora Eugénia Cunha (in www.dgsi.pt), em termos com os quais concordamos integralmente, que “o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade. Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem. (...) O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis. E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. (...). Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados. Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.” Por outro lado, importa salientar que, tal como deve suceder na decisão proferida na 1ª instância, também na reapreciação da prova que é feita em sede de recurso é formulado um juízo global que abarca todos os elementos em presença, sendo a prova produzida analisada, de forma direta e indireta, no seu conjunto. Como tal, não é suficiente para efeitos de prova de um facto a mera invocação e transcrição de segmentos de um depoimento feita de forma descontextualizada. Também o próprio depoimento não pode ser valorado de per se, devendo sempre ser articulado e concatenado com o conjunto da prova produzida. Por conseguinte, para efeitos de apreciação da impugnação da matéria de facto deduzida, a par da consulta dos elementos documentais juntos ao processo, procedeu-se à audição integral de todos os depoimentos e declarações prestados na audiência final. Tendo por base os critérios enunciados bem como todos os elementos probatórios existentes nos autos, os quais analisámos integralmente nos termos referidos, importa então apurar se a matéria de facto deve ser alterada nos termos pretendidos pela recorrente. Começamos por salientar que subscrevemos a motivação da decisão de facto que consta da sentença recorrida. Nessa motivação consta a enumeração dos elementos probatórios que foram tidos em conta e a análise crítica do conjunto da prova produzida, com indicação dos concretos motivos que levaram a que os factos fossem dados como provados e não provados nos termos decididos. Trata-se de uma fundamentação correta, clara e escorreita, efetuada à luz das regras da experiência comum, a qual, ao contrário do que é alegado pela recorrente, não padece de incongruências nem de contradições, pelo que a acompanhamos globalmente pois chegámos a idêntica conclusão após a análise que efetuámos de todos os elementos probatórios incluindo da audição integral de todos os depoimentos. Pese embora esta adesão global e genérica à motivação da decisão da matéria de facto constante da decisão recorrida, analisemos de forma mais detalhada os factos impugnados. (…) Por conseguinte, considera-se que os factos A) a O) devem considerar-se como não provados, pelo que improcede a impugnação quanto aos mesmos deduzida. * Perante esta conclusão, fica prejudicada a questão recursória elencada em II - b) pois a mesma tinha como pressuposto necessário a procedência da impugnação quanto à matéria de facto, pressuposto esse que não se verifica.* Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.Tendo o recurso sido julgado improcedente na totalidade, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar as apelações improcedentes, confirmando quer o despacho proferido em 1.3.2023 (ref. Citius ...89), que indeferiu a ampliação do pedido, quer a sentença recorrida. Custas das apelações pela autora. Notifique. * Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):I - Por força do princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 260º, do CPC, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei. II - Nos casos em que não há acordo das partes, o autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, conforme permitido pelo art. 265º, nº 2, do CPC. III - A interpretação dos conceitos de desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo pressupõe a existência de uma origem comum. IV - Tendo sido formulado pedido de declaração de nulidade do testamento por o testador se encontrar incapacitado de entender o sentido da sua declaração, devido à demência de que padecia, não constitui nem desenvolvimento nem consequência deste pedido a formulação de pedido de resolução do testamento por o herdeiro não ter cumprido o encargo que lhe foi imposto de cuidar do testador até à sua morte, estando vedada a ampliação ao abrigo do disposto no art. 265º, nº 2, do CPC. V - O pedido de resolução constitui um pedido novo, autónomo e subsidiário, que, após a citação do réu e atenta a falta de acordo, não pode ser cumulado por exclusiva vontade da autora, por não se enquadrar nas exceções ao princípio da estabilidade da instância legalmente consagradas, pese embora na petição inicial já constassem os factos essenciais que teriam permitido a formulação desse pedido, mas sem que a autora o tenha deduzido. * Guimarães, 9 de novembro de 2023 (Relatora) Rosália Cunha (1º/ª Adjunto/a) Pedro Maurício (2º/ª Adjunto/a) José Alberto Moreira Dias |