Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2442/19.9T8GMR-M.G1
Relator: PEDRO MAURÍCIO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
SENTENÇA DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
RECURSO DE APELAÇÃO
RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: RECLAMAÇÃO DESATENDIDA
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – No caso de indeferimento liminar da petição inicial do recurso extraordinário de revisão nos termos previstos no nº1 do art. 699º do C.P.Civil de 2013, o meio processual adequado para reagir é o recurso de apelação e não a reclamação prevista no art. 643º do mesmo diploma legal.
II – No caso concreto, a decisão reclamada e que apreciou o recurso de revisão, reveste a natureza de um indeferimento liminar, não consubstanciando um despacho de não admissão de recurso, pelo que a reclamação não configura o meio legal próprio para reagir contra a decisão em causa, carecendo de fundamento legal, sendo certo que o Tribunal nem sequer pode aproveitar a pretensão reclamatória como se tratasse de recurso uma vez que os Recorrentes não formularam quaisquer conclusões [o que conduziria necessariamente ao seu indeferimento - cfr. art. 641º/2b) do C.P.Civil de 2013].
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
* * *
1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Reclamada
Nos autos principais de acção especial de insolvência, na data de 11/07/2019, foi proferida sentença que declarou a insolvência dos Requeridos AA e ....
Na data de 12/04/2023, os Insolventes AA e ... interpuseram recurso de revisão relativamente àquela sentença, invocando que «tendo tomado conhecimento de documentos de que os Recorrentes não tinham conhecimento, e que não puderam fazer uso no presente processo e que, por si só, são suficientes para modificar a decisão em sentido mais favorável aos Recorrentes», terminando pedindo que seja «revogada a sentença recorrida».
Na data de 15/05/2023, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão (a qual se transcreve na parte que aqui releva):
“(…) Uma simples carta ou oficio de uma entidade bancária dirigida a este Tribunal, quase três anos depois da sentença ter sido proferida em que apenas afirma que as dividas relativas a duas hipotecas de fracções com valor de €19.000,00 cada uma, já estão pagas e como tal esses imóveis estão livres de ónus, bem como a perícia realizada, também somente em 2022 e corrigida em 2023, aos imóveis no sentido de se apurar, o seu valor para efeitos de liquidação, são destituídos de força probatória plena, já que, necessariamente, o seu teor teria de ser conjugado (o que é vedado em sede de recurso de revisão) com outros meios de prova, mormente, até o nosso despacho referido, que se limita a referir os valores, até agora obtidos com a liquidação e que são bastantes baixos, atento o enorme passivo dos insolventes, o que não se imporia aos fundamentos da sentença revidenda.
A revisão pretendida pelos insolventes não pode ter como base, apenas, indícios da razão daqueles que a pretendem, mas sim uma consistente demonstração de que essa razão é provável, ou seja, o art. 771.º do CPC exige que os documentos por si só indiciem tal probabilidade. Ora dos documentos apresentados, apenas é referido o oficio bancário e uma avaliação pericial aos imóveis, necessária para efeitos de liquidação dos mesmos.
Qualquer interpretação mais ampla deste preceito constituiria uma infracção ao princípio do processo equitativo do art. 20.º, n.º 4, da CRP, bem como ao princípio da confiança ali previsto. Efectivamente este Tribunal proferiu a sentença de insolvência em 2019, a qual transitou em julgado, tendo sido retido o recurso e confirmado por várias instâncias, tal decisão. A liquidação já se iniciou, tal como o apenso de qualificação da insolvência, o qual se encontra com conclusão aberta, para ser proferida sentença.
A interpretação no nosso, modesto entender, que resultaria de se apurar que afinal os bens dos insolventes, permitiam pagar as dividas existentes (no que não se crê atendendo aos valores actuais resultantes da liquidação) não seria desvirtuar a sentença proferida, a qual o foi com os termos e factos, à data existentes, mas sim determinar o encerramento do processo de insolvência nos termos do art. 230º n.º 1 al. c) do CIRE. O que nem existe no caso concreto, pois mesmo que se tivesse apurado em 2019, que tais fracções estavam livres de ónus, com um valor de €38.000,00, seria uma parte insignificante numa divida de mais de um milhão de euros! E como tal não imporia decisão diversa da que foi tomada, na data (…).
Retomando a análise do caso sub judice, sem perder de vista as considerações expendidas, crê-se ser evidente que o ofício/ documento da entidade bancária, apresentado pelos recorrentes, não é, à luz da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, subsumível à previsão contida no artigo 696.º, alínea c), do Código de Processo Civil. Mas ainda que assim não fosse, a verdade é que tal documento junto aos autos, se trata de um documento produzido, fora do processo, por terceiro – no caso, a entidade bancária – que, para além de não se encontrar revestido de força probatória qualificada, não alteraria a decisão tomada.
Está em causa, portanto, um mero documento particular que, por si só, sempre estaria longe de ter a virtualidade de alterar a decisão transitada em julgado em sentido mais favorável aos recorrentes, já que, mesmo que tivesse sido apresentado a tempo, não era susceptível de criar no Tribunal uma convicção nesse sentido, nem com ele, sem necessidade de outra prova, resultaria provado que os devedores não estavam insolventes. O referido documento apenas indicia que existem duas fracções, num valor total de €38.000,00 que estarão livres de ónus, quando os créditos reclamados são na ordem dos €1.067.591,21!
Com efeito, os documentos particulares – como aqueles que estão agora em causa e no qual os recorrentes alicerçam o pedido de revisão – sendo reconhecida a sua autoria, apenas fazem prova plena quanto às declarações neles atribuídas ao seu autor, não resultando, contudo, daí que os factos abrangidos por essas declarações se hajam de considerar provados e nem que essas declarações correspondam à realidade (artigos 363.º, n.º 2, 374.º, e 376.º do Código Civil e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-12-2008, disponível em www.dgsi.pt).
Tudo para concluir que, sendo taxativos os fundamentos do recurso de revisão, não podem os mesmos ser interpretados de forma elástica ou extensiva, tal como parece pretender os recorrentes, sob pena de se atentar, de forma desproporcionada e injustificada, contra o princípio da intangibilidade do caso julgado, abrindo-se as portas à incerteza e à insegurança das decisões judiciais transitadas (…).
Por tais motivos, nos termos do art. 699º n.º 1 do CPC, este Tribunal não recebe o recurso de revisão apresentado (…)”.
Desta decisão, os Recorrente deduziram a reclamação prevista no art. 643º/1 do C.P.Civil de 2013, pugnando pela sua procedência e «por via dela, recebido e admitido o recurso de revisão interposto da sentença de fls., tudo com as legais consequências», e alegando o seguinte (mas sem formular quaisquer conclusões):

O Recorrido intentou a presente acção pedindo a declaração de insolvência dos Recorrentes. Estes deduziram oposição invocando a ilegitimidade do Recorrido por não ser credor da Recorrente nem do Recorrente e a não verificação da situação da insolvência devido à existência de ativo superior ao passivo e bens imóveis livres de ónus e encargos.

Foi proferida sentença a declarar a insolvência dos Recorrentes, com a qual os mesmos jamais se poderão conformar.

Foram juntos aos autos novos documentos de que os Recorrentes não tinham conhecimento, e de que não puderam fazer uso, no presente processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, são suficientes em conjunto para modificar a decisão em sentido mais favorável aos Recorrentes, ou seja, improcedência da declaração de insolvência dos mesmos, tudo nos termos do disposto no artigo 696º, al. c) do CPC.

O presente recurso é admissível, pois como Requeridos os Recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 9º, 14º, n.º 5, 42º, n.ºs 2 e 3, 40º, n.º 3, todos do CIRE e 696º do CPC podem interpor recurso de revisão da sentença que declarou a insolvência. O presente recurso com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo e suspensivo imediato da liquidação e partilha do ativo, nos termos do disposto nos artigos 696º e ss. do CPC, 9º, 14º, n.º 5, 42º, n.ºs 2 e 3, 40º, n.º 3, todos do CIRE

Os créditos a que se reportavam as hipotecas de 07/02/2003 Ap. ...0 sobre a fração ... da descrição ...63 de ... e de 07/02/2003 Ap. ... sobre a fração ... da descrição ...63 de ... foram liquidados conforme resulta da informação prestada a fls. – pela Banco 1... S.A. relativa às responsabilidades dos Requeridos, sendo que esta deveria ter procedido ao cancelamento das hipotecas, o que não fez até à presente data.

Devia ter sido dado como não provado o ponto 16º da matéria de facto dada como provada: “16.º Nenhum dos prédios está livre de ónus, pois que todos foram dados de garantia para o cumprimento de obrigações dos requeridos perante a Banco 1... e o Banco 2...,” Esta matéria não poderia ter sido dada como provada, uma vez que existem dois prédios livres de ónus e encargos.

Tendo os Recorrentes solicitado a confirmação de tal informação perante a Banco 1... S.A. foi a mesma indeferida em plena audiência pelo Tribunal a quo, o que consubstancia nulidade por falta de produção de prova que expressamente se arguiu para os devidos efeitos legais.

A informação prestada pela Banco 1..., S.A. relativa às responsabilidades dos Recorrentes, acrescida da informação da Conservatória do Registo Predial e informação referida ora junta permite concluir que o ponto 16º da matéria de facto dada como provada deveria ter sido dado como não provado e devia ter sido dado como provada a seguinte matéria da facto: as hipotecas de 07/02/2003 Ap. ...0 sobre a fração ... da descrição ...63 de ... e de 07/02/2003 Ap. ... sobre a fração ... da descrição ...63 de ... foram liquidados conforme resulta da informação prestada a fls. – pela Banco 1... S.A. relativa às responsabilidades dos Requeridos, encontrando-se livres de ónus. Cada uma das frações H e I tem um valor de mercado de pelo menos 19.000,00€ e 19.100,00€€, perfazendo um total de 28.100,00€.

Devia ter sido dado como não provado o ponto 50º da matéria de facto dada como provada: “50.º Os requeridos deixaram de cumprir de forma generalizada as suas obrigações em Janeiro de 2016, data em que deixaram de pagar uma das principais obrigações, a de contribuição para a pensão de reforma.” Esta matéria não podia ter sido dada como provada, uma vez que está em contradição com o ponto 18º da matéria de facto provada,  e com as informações prestadas pela Banco 1..., S.A. relativamente às frações H e I cujos créditos se encontram liquidados.
10º
Devia ter sido dado como não provado o ponto 51º e 52º da matéria de facto dada como provada: “51.º Os requeridos deixaram de pagar todo o tipo de obrigações e dos mais variados montantes, alguns cuja falta de pagamento constitui crime. 52.º o que revela da incapacidade dos requeridos para cumprir com as suas obrigações.” Esta matéria não podia ter sido dada como provada, uma vez que está em contradição com o ponto 18º da matéria de facto provada, e com as informações prestadas pela Banco 1..., S.A. relativamente às frações H e I cujos créditos se encontram liquidados. Além disso, é matéria conclusiva e não matéria de facto.
11º
Devia ter sido dado como não provado o ponto 53º da matéria de facto dada como provada: “53.º Os requeridos não têm património livre de ónus e encargos que permita ao requerente obter a cobrança do seu crédito, tendo o seu património todo apreendido,” Esta matéria não podia ter sido dada como provada, uma vez que está em contradição com o ponto 18º da matéria de facto provada, , e com as informações prestadas pela Banco 1..., S.A. relativamente às frações H e I cujos créditos se encontram liquidados, património de valor superior a 28.100,00€. Além disso, é matéria conclusiva e não matéria de facto
12º
O património dos Requeridos é de valor superior a 1.239.000,00€, ultrapassando o ativo o valor do passivo fixado em 1.067.591,21€. Tendo sido requerida com a oposição a junção aos autos da avaliação judicial de tais imóveis foi a mesma indeferida, consubstanciando nulidade que expressamente se arguiu.
13º
Realizada perícia junta aos autos em fevereiro de 2022, a qual continha lapsos na identificação de imóvel e levou à retificação da mesma em 02/03/2023 conjugada com despacho de 29/03/2023 que informou o valor de venda de bens, conclui-se que o ativo ascende a mais de 1.239.157,46€, não considerando o valor dos bens móveis da residência dos Recorrentes que o administrador considerou de valor elevado.
14º
Apenas em 29/03/2023 tiveram os Recorrentes acesso a todos os documentos e informações que permitem em conjunto concluir que o ativo é substancialmente superior ao passivo, não se verificando a insolvência.
15º
Devia ter sido dado como não provado o ponto 54º e 55º da matéria de facto dada como provada: “54.º Os requeridos deixaram de pagar, por bem mais do que seis meses, obrigações de empréstimos garantidos por hipotecas. 55.º E continuam a contrair dívidas depois de se encontrarem naquele estado de insolvência (a mobília foi comprada já depois de estar em incumprimento com a Banco 1..., a FAZENDA NACIONAL e a CAIXA DE PREVIDÊNCIA, o que também aconteceu com o empréstimo pedido ao aqui Requerente).” Esta matéria não podia ter sido dada como provada por ser matéria conclusiva e não de facto.
16º
Os Recorrentes recorreram da decisão quanto à matéria de facto erradamente julgada, recurso este que abrange a matéria supra mencionada, tudo nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 696º, al. c), 712º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código de Processo Civil.
17º
O presente recurso abrange a decisão quanto à matéria de facto, abrangendo os pontos supra transcritos da matéria de facto dada como provada, bem como os pontos supra transcritos que deveriam ter sido dados com provados. Os Recorrentes consideram incorretamente julgados os pontos de facto supra referidos, o que declaram nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 696º, al. c) e ss. 685º-B do Código de Processo Civil.
18º
O recurso é tempestivo, cfr. artigo 697º do CPC.
19º
Quanto ao disposto no artigo 698º, n.ºs 1 e 2 do CPC, os mencionados documentos: ofício da Banco 1..., S.A. de 21/10/2022; perícia de fevereiro de 2022 corrigida em março de 2023 e despacho notificado em 29/03/2023 que fundamentam o presente recurso de revisão já se encontram juntos aos autos.
20º
Artigo 3º, n.º 1 do CIRE: “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” “Para determinação da situação de insolvência é necessário apurar “o valor do ativo e se este se encontra onerado”1. O Tribunal a quo, não o fez não obstante tal tenha sido requerido, o que impossibilita igualmente concluir pela situação de insolvência dos Recorrentes.
21º
Além de negar aos Recorrentes o direito de demonstrarem a sua solvabilidade, o não apuramento do valor do ativo e se este se encontrava ou não onerado determina desde logo a improcedência da ação, nos termos do artigo 20º do CIRE, além de consubstanciar nulidade já arguida.
22º
Pelo exposto, a sentença recorrida viola o disposto no artigo 615º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, 1802º do Código Civil, 2º do Código do Registo Civil, 3º e 20º do CIRE.
23º
Não existe qualquer fundamento para declarar a insolvência dos Recorrentes, pelo que a presente ação sempre deveria ter sido julgada improcedente, o que se requereu no âmbito do recurso de revisão.
24º
O recurso é admissível, pois como Requeridos os Recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 9º, 14º, n.º 5, 42º, n.ºs 2 e 3, 40º, n.º 3, todos do CIRE e 696º do CPC podem interpor recurso de revisão da sentença que declarou a insolvência.
25º
Como admite a decisão de indeferimento reclamada, “Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: Acórdão de 13- 11-2014 (proc. 1544/04.0TVLSB-B.L2.S1, Relatora Maria Clara Sottomayor, Adjuntos Sebastião Póvoas e Moreira Alves, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel 2014.pdf): (…) IV - Considera-se superveniente tanto o documento que se formou ulteriormente ao trânsito da decisão a rever, como o que já existia na pendência do processo em que essa decisão foi proferida sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo. V - A lei não exige a superveniência objectiva do documento, mas apenas a superveniência subjectiva, bastando que se prove que o recorrente não teve conhecimento do documento em tempo útil de com ele conseguir obter uma alteração dos factos provados na acção principal. VI - O documento é novo (i) requisito da novidade, no sentido em que não foi apresentado no processo onde se emitiu a decisão a rever, porque ainda não existia, ou porque, existindo a parte não pôde socorrer-se dele, por não ter tido conhecimento e porque quando teve este conhecimento já a fase dos articulados da acção principal onde se discutia a questão.”
26º
Acresce que os documentos em questão: declaração do credor hipotecário a afirmar estarem pagos os créditos s que se reportam as hipotecas e avaliação dos imóveis e valores obtidos nos autos, permitem concluir sem margem para dúvidas que as hipotecas estão liquidadas pois é o próprio credor hipotecário que o declara e permitem os demais documentos concluir que o valor do ativo é superior ao passivo, questões que o Tribunal procura ignorar.
27º
Sendo certo que a verdade e a justiça se sobrepõem à alegada segurança. Pois se assim não fosse, por uma questão de segurança, as mencionadas hipotecas, não obstante agora se tenha apurado terem sido liquidadas, teriam de ser pagas novamente ao credor, pois a verdade e justiça já não interessavam.
28º
Pelo que deveria ter sido recebido e admitido o recurso interposto”.
Na data de 05/10/2022, foi proferido despacho singular pelo Relator,  com referência citius «...74», cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e se transcreve o respectivo decisório:
“Face ao exposto, decide julgar-se improcedente a presente reclamação apresentada pelos Recorrentes/Reclamantes AA e .... contra a decisão proferido pelo Tribunal a quo na data de 15/05/2023 e, consequentemente, mais se decide manter na íntegra tal decisão.
Custas da reclamação pelos Recorrentes/Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs…”.
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1.2. Da Reclamação para a Conferência
Inconformados com a decisão singular, os Insolventes/Recorrentes deduziram reclamação para a conferência nos termos dos arts. 643º/4, parte final, e 652º/3 do C.P.Civil de 2013, requerendo que “que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão”, e deduzindo as seguintes conclusões (que repetem as alegações):

Tendo sido notificados da decisão de fls.-, que julgou improcedente a reclamação e considerando-se prejudicados pela mesma, requererem que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão. Pelo exposto requerem que V. Ex.ª submeta o caso à conferência, tudo nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 643º, n.º 4 e seguintes e 652º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil.

Com efeito os requerentes consideram-se prejudicados, desde logo, porque,
«Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: Acórdão de 13- 11-2014 (proc. 1544/04.0TVLSB-B.L2.S1, Relatora Maria Clara Sottomayor, Adjuntos Sebastião Póvoas e Moreira Alves, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios- civel 2014.pdf): (…) IV - Considera-se superveniente tanto o documento que se formou ulteriormente ao trânsito da decisão a rever, como o que já existia na pendência do processo em que essa decisão foi proferida sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo. V - A lei não exige a superveniência objectiva do documento, mas apenas a superveniência subjectiva, bastando que se prove que o recorrente não teve conhecimento do documento em tempo útil de com ele conseguir obter uma alteração dos factos provados na acção principal.
VI - O documento é novo (i) requisito da novidade, no sentido em que não foi apresentado no processo onde se emitiu a decisão a rever, porque ainda não existia, ou porque, existindo a parte não pôde socorrer-se dele, por não ter tido conhecimento e porque quando teve este conhecimento já a fase dos articulados da acção principal onde se discutia a questão.»

Ac. do STJ de 18/04/2002:4
I - Se um dado documento particular junto em audiência não foi objecto de impugnação, mas se o respectivo conteúdo fora já antecipadamente impugnado na contestação, surgindo assim a pretensa declaração confessória no mesmo inserta como incompatível com a defesa no seu conjunto - satisfação oportuna do ónus da impugnação especificada - valerá tal documento como prova livre, como tal devendo ser apreciada pelo tribunal.
II - A eficácia / força probatória de um documento particular diz apenas respeito à materialidade ou realidade das declarações no mesmo exaradas, que não à exactidão ou à verosimilhança das mesmas.
III - Tais declarações só vinculam o seu autor se forem verdadeiras. Os documentos em questão não foram impugnados, fazendo prova plena do constante dos mesmos.

De acordo com o princípio da igualdade, o presente processo cabe no âmbito do regime executivo, pois existe ativo superior ao passivo e não no âmbito das insolvências. Se assim não fosse, teria de ser extinto o regime das execuções e vigorar apenas insolvências.

Como refere o Ac. TRE de 07/03/2013:5
«- Os factos referidos no artº 20º nº 1 do CIRE constituem factos-índices ou presuntivos de insolvência da requerida a que respeitam, tal como definida no artº 3º do CIRE, a qual tem que ficar efectivamente demonstrada no processo.
- O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias
circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
- A relação entre o activo e o passivo não se basta com qualquer défice do activo.
Exige-se uma desconformidade significativa, traduzida na superioridade manifesta, expressiva, do passivo sobre o activo.»

Sendo certo que a verdade e a justiça se sobrepõem à alegada segurança. Pois se assim não fosse, por uma questão de segurança, as mencionadas hipotecas, não obstante agora se tenha apurado terem sido liquidadas, teriam de ser pagas novamente ao credor, pois a verdade e justiça já não interessavam.

Como refere o Ac. Tribunal Constitucional de 28/01/20056
“«A doutrina(x), a jurisprudência do Tribunal Constitucional(x1) e este Conselho(x2) vêm generalizadamente afirmando que o respeito pelo princípio da igualdade implica o tratamento igual de situações objectivamente iguais, e o tratamento adequadamente diverso de situações objectivamente diferentes. Por outras palavras, a observância de tal princípio “consiste em tratar por igual o que é essencialmente igual e em tratar diferentemente o que
essencialmente for diferente. A igualdade não proíbe, pois, o estabelecimento de distinções; proíbe, isso sim, as distinções arbitrárias ou sem fundamento material bastante”(x3)».”
Pelo que a decisão proferida viola o princípio da igualdade, o que expressamente se argui para os devidos efeitos legais, sendo inconstitucional – artigo 13º CRP”.
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Notificados da presente reclamação, o Requerente da Insolvência e os Credores nada disseram.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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2. OBJECTO DA RECLAMAÇÃO E QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do referido art. 652º/3, aplicável ex vi do art. 643º/4, parte final, ambos do C.P.Civil de 2013, a parte que se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, devendo o relator submeter o caso à conferência. Perante a configuração prevista neste preceito legal, a parte pode limitar-se a manifestar a vontade de que a matéria em causa seja levada à conferência: a lei prevê simplesmente que a parte prejudicada requeira que sobre o despacho em causa «recaia um acórdão», sem exigir qualquer justificação/fundamentação para essa iniciativa, sendo que o facto de ter sido proferido despacho sobre qualquer questão processual ou material delimita suficientemente o objecto do posterior acórdão, dispensando outros desenvolvimentos[1], tanto mais que, como se decidiu no Ac. do STJ de 17/10/2019[2], As reclamações apresentadas ao abrigo do disposto no art. 652.º, n.º 3, do CPC, não podem servir para aditar novos fundamentos ou questões (o sublinhado é nosso).
Neste “quadro”, o objecto da “reclamação para a conferência” é delimitado pelo âmbito do despacho do relator que não admitiu o recurso e, por via disso, é apenas uma a questão que incumbe apreciar e decidir por esta conferência: se a reclamação deduzida pelos Insolventes/Recorrentes é admissível, devendo ser revogada a decisão singular que manteve a decisão do Tribunal a quo?
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3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos que revelam para a presente decisão são os que se encontram descritos no relatório que antecede.
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4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como resulta da decisão singular, da qual agora se impugna/reclama para a presente conferência, a improcedência da reclamação basou-se em três fundamentos distintos: 1) inadmissibilidade da reclamação sem a formulação concreta de conclusões; 2) a reclamação não configura o meio legal próprio para reagir contra a decisão do Tribunal a quo em causa porque a mesma não consubstancia um despacho de não admissão de recurso; e 3) manifesta falta de fundamento.
Embora no requerimento da presente reclamação para a conferência não se questione o primeiro fundamento, a presente Conferência considera como efectivamente essencial e relevante para a presente decisão o segundo dos fundamentos indicados.
Ora, relativamente à «reclamação não configurar o meio legal próprio para reagir contra a decisão do Tribunal a quo em causa porque a mesma não consubstancia um despacho de não admissão de recurso», o Relator consignou a seguinte fundamentação:
«O recurso de revisão extraordinário pode incidir sobre qualquer decisão judicial, independentemente da sua natureza ou objecto, e/ou da categoria do Tribunal que a proferiu, mas exige-se que tal decisão já tenha transitado e só pode ter como fundamento alguma das situações elencadas nas diversas alíneas do art. 696º do C.P.Civil de 2013.
Decorre do disposto no art. 697º do mesmo diploma legal que o recurso de revisão extraordinário não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão (excepto se respeitar a direitos de personalidade), e está sujeito a um prazo de interposição de 60 dias, o qual é contado nos termos estipulados nas alíneas do nº1 deste preceito [mas tal prazo é de dois anos no caso da alínea g) do art. 696º - cfr. nº3 do referido art. 697º].
A instrução do requerimento deste recurso extraordinário é regulada no art. 698º, sendo que, quanto à sua admissão, estatui o art. 699º do C.P.Civil de 2013:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 641.º, o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão.
2 - Admitido o recurso, notifica-se pessoalmente o recorrido para responder no prazo de 20 dias.
3 - O recebimento do recurso não suspende a execução da decisão recorrida”.
Interposto o recurso de revisão, como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa[3], o respectivo “requerimento inicial é submetido à apreciação liminar do juiz (ou do relator), seguindo-se, na parte que for aplicável, o que dispõe o art. 641º. Será rejeitado, para além do mais, se faltar a legitimidade ativa, se a decisão ainda não estiver transitada em julgado ou se tiver excedido algum dos prazos de caducidade previstos no art. 697º, nº2”. E mais salientam que “a rejeição liminar pode fundar-se ainda na falta de junção de elementos documentais que a lei impõe ou na falta de alegação de elementos de facto pertinentes para o preenchimento de cada um dos fundamentos de revisão se, neste caso, se verificar uma verdadeira situação de ineptidão traduzida na falta ou ininteligibilidade da causa de pedir. Ou ainda quando se constate que os factos alegados não preenchem os pressupostos da revisão, designadamente quando não conduzam ao resultado pretendido ou quando inexista uma relação da causalidade entre o facto e a decisão revivenda”.
Frise-se que, utilizando o legislador a expressão «indefere-o», quando o Tribunal rejeita o recurso «com fundamento no reconhecimento imediato de que não há motivo para a revisão», isto, é, quando considere que os factos alegados não são susceptíveis de consubstanciarem nenhum dos pressupostos legais da revisão, tal decisão corresponde a um verdadeiro indeferimento liminar, até porque esta decisão encerra a formulação de juízo sobre o mérito da pretensão.
Como se refere no Ac. do STJ de 14/09/2021[4], “O requerimento de interposição do recurso é apresentado no tribunal que proferiu a decisão, autuado por apenso, constituindo ónus do recorrente alegar no requerimento os factos constitutivos do fundamento do recurso (cf. arts. 697º e 698º do CPC). Sobre a admissão do recurso, rege o art. 699º (…) Como decorre do nº 1 do art. 699º, a lei prevê o indeferimento liminar do recurso de revisão quando o relator constatar que os factos alegados não preenchem os pressupostos da revisão” (o sublinhado é nosso). Também o Ac. do STJ de 31/01/2023[5], “O indeferimento liminar da petição inicial do recurso extraordinário de revisão encontra-se expressamente previsto no art. 699.º, n.º 1, do CPC”.
Ora, no caso de indeferimento liminar do recurso de revisão, o meio processual adequado para reagir é o recurso de apelação e não a reclamação prevista no art. 643º. Pronunciando-se ainda no âmbito do C.P.Civil anterior ao de 2013 (mas no qual as normas em causa dispunham no mesmo sentido ao do versão agora em vigor), decidiu-se no Ac. da RP de 19/04/2010[6], “I- O recurso extraordinário de revisão destina-se a fazer ressurgir uma acção finda e que vai reabrir uma instância anterior. II- Se rejeitado liminarmente não lhe cabe a reclamação do art. 688º do CPC, mas antes o recurso ordinário”. Já no âmbito do actual C.P.Civil de 2013, o Ac. desta RG de 08/06/2015[7] pronunciou-se no sentido de que “No âmbito do recurso extraordinário de revisão, no caso de indeferimento liminar, a reação contra o mesmo, pela parte interessada, terá de ser feita, não através de reclamação, mas mediante recurso de apelação”. Este entendimento foi ainda sufragado pelo Ac. do TCAS de 20/05/2021[8]: “i) O recurso de revisão é um recurso extraordinário que visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto, renovando a instância extinta pelo trânsito em julgado da sentença. ii) Este recurso assume características típicas de uma acção declarativa ou de reconhecimento de uma pretensão em sentido amplo. iii) Da decisão de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão, de acordo com o disposto no art. 629.º, n.º 3, al. c), do CPC, cabe recurso jurisdicional e não reclamação do art. 643.º, do CPC”.
No caso em apreço, a decisão reclamada configura, efectivamente, um indeferimento liminar.
Com efeito, por um lado, jamais se pronuncia no sentido da inadmissibilidade no recurso (seja por falta de legitimidade dos Recorrentes, seja por falta de trânsito em julgado da decisão revivenda, seja por estar fora de prazo).
Por outro lado, o Tribunal a quo consignou expressamente que o não recebimento do recurso de revisão funda-se nos «termos do art. 699º n.º1 do CPC».
Por fim, analisados os fundamentos em que se alicerçou, verifica-se facilmente que o Tribunal a quo considerou imediatamente que não há motivo para a revisão: “(…) Uma simples carta ou oficio de uma entidade bancária dirigida a este Tribunal, quase três anos depois da sentença ter sido proferida em que apenas afirma que as dividas relativas a duas hipotecas de fracções com valor de €19.000,00 cada uma, já estão pagas e como tal esses imóveis estão livres de ónus, bem como a perícia realizada, também somente em 2022 e corrigida em 2023, aos imóveis no sentido de se apurar, o seu valor para efeitos de liquidação, são destituídos de força probatória plena, já que, necessariamente, o seu teor teria de ser conjugado (o que é vedado em sede de recurso de revisão) com outros meios de prova, mormente, até o nosso despacho referido, que se limita a referir os valores, até agora obtidos com a liquidação e que são bastantes baixos, atento o enorme passivo dos insolventes, o que não se imporia aos fundamentos da sentença revidenda. A revisão pretendida pelos insolventes não pode ter como base, apenas, indícios da razão daqueles que a pretendem, mas sim uma consistente demonstração de que essa razão é provável, ou seja, o art. 771.º do CPC exige que os documentos por si só indiciem tal probabilidade (…), crê-se ser evidente que o ofício/ documento da entidade bancária, apresentado pelos recorrentes, não é, à luz da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, subsumível à previsão contida no artigo 696.º, alínea c), do Código de Processo Civil. Mas ainda que assim não fosse, a verdade é que tal documento junto aos autos, se trata de um documento produzido, fora do processo, por terceiro - no caso, a entidade bancária - que, para além de não se encontrar revestido de força probatória qualificada, não alteraria a decisão tomada (…) Tudo para concluir que, sendo taxativos os fundamentos do recurso de revisão, não podem os mesmos ser interpretados de forma elástica ou extensiva, tal como parece pretender os recorrentes(…)” (os sublinhados são nossos). Desta fundamentação, decorre inequivocamente que o Tribunal a quo considerou, logo em sede liminar que os factos alegados (nomeadamente, os documentos apresentados) não preenchem os pressupostos da revisão previstos na alínea c) do art. 696º (e que, aliás, foi o único fundamento invocado para sustentar a pretensão de revisão).
Nestas circunstâncias, a decisão (ora reclamada) que apreciou o recurso de revisão reveste a natureza de um indeferimento liminar, jamais podendo configurar um simples despacho que não admitiu o recurso. Aliás, na reclamação, os Recorrentes jamais invocam o motivo concreto pelo qual o recurso deve ser admitido (porque têm legitimidade, porque é tempestivo, porque a decisão revivenda transitou em julgado).
Por conseguinte, uma vez que não consubstancia um despacho de não admissão de recurso, então a presente reclamação não configura o meio legal próprio para reagir contra a decisão em causa e, por via disso, carece de fundamento legal, não podendo proceder (também) por esta razão.
Os Recorrentes estavam legalmente obrigados a interpor recurso desta decisão, o que não fizeram, sendo certo que o Tribunal nem sequer pode aproveitar a presente pretensão reclamatória como se tratasse de recurso uma vez que, como supra já se explicou, os Recorrentes não formularam quaisquer conclusões [o que conduziria necessariamente ao seu indeferimento - cfr. art. 641º/2b) do C.P.Civil de 2013].»
Analisando o requerimento da presente reclamação para a conferência, verifica-se que, tal como já ocorria com o requerimento em que deduziram a reclamação prevista no art. 643º/1 do C.P.Civil de 2013, os Insolventes/Reclamantes não produziram qualquer mínima argumentação jurídica para colocar em causa este entendimento (e respectiva sustentação) perfilhado pelo relator (e que supra se transcreveu na íntegra): em rigor, não questionam, nem de forma directa nem sequer indirecta, que a decisão do Tribunal a quo objecto daquela reclamação configura um indeferimento liminar, e não um verdadeiro «despacho de não admissão de recurso».
Logo, este fundamento subsiste com inteira validade e absolutamente decisivo e determinante para a improcedência da reclamação, sendo inteiramente sufragado nesta Conferência.
Mas sempre se frise que também seria relevante o terceiro fundamento, relativamente ao qual o Relator consignou:
«Mas ainda que assim não fosse, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, mesmo que a presente reclamação tivesse cabimento legal, então sempre se apresentaria como manifestamente infundada.
Na verdade, analisando todo o seu conteúdo, verifica-se que os Recorrentes (ora Reclamantes) não produziram uma única alegação no sentido de contrariar o entendimento do Tribunal a quo de que os documentos em que se funda o recurso de revisão «são destituídos de força probatória plena», «não se impõem aos fundamentos da sentença revidenda», «não são subsumíveis à previsão contida no artigo 696.º, alínea c)», e «não se encontram revestidos de força probatória qualificada e não alterariam a decisão tomada».
Como supra já se explicou, o conteúdo da presente reclamação corresponde, em grande parte, à motivação e às conclusões constantes do próprio requerimento do recurso de revisão (é o caso dos arts. 1º a 20º e 22º da presente reclamação), mas inexiste uma identificação concreta do objecto da presente reclamação: os agora reclamantes alegam, basicamente, que «discordam da sentença de insolvência», que «os novos documentos são suficientes para modificar a decisão em sentido mais favorável aos recorrentes», que «vários factos não podiam ter sido dado como provados na sentença de insolvência», que «podem interpor o recurso de revisão», que «o recurso é tempestivo», e que «o seu património é superior ao passivo», mas sem indicar as razões (os fundamentos) em que alicerçam a sua discordância relativamente ao despacho reclamado (ou seja, em momento algum se «questiona/ataca» os fundamentos e entendimento sufragados pelo Tribunal a quo).
Frise-se, aliás, que a presente reclamação, atento o seu conteúdo (cfr. os seus arts. 6º a 16º), mais se enquadra num verdadeiro recurso de apelação com impugnação da matéria de facto relativamente à sentença de insolvência, o que, para além de constituir uma pretensão totalmente extemporânea, não preenche nenhum dos pressupostos legais do recurso de revisão.
E, na realidade, este Tribunal ad quem não vislumbra quais são os concretos fundamentos sobre os quais se deveria debruçar por forma a apreciar e decidir sobre a manutenção, ou não, da rejeição (indeferimento) do recurso de revisão, sendo certo que nos afigura que o entendimento explanado pelo Tribunal a quo se mostra acertado.
Nestas circunstâncias, mesmo que tivesse cabimento legal como reclamação, também por mais esta razão sempre teria que improceder
Mais uma vez, no requerimento da presente reclamação, os Insolventes/Reclamantes omitem qualquer argumentação jurídica que, em concreto, pudesse contrariar este entendimento (e respectiva sustentação) perfilhado pelo relator (e que supra se transcreveu na íntegra) no sentido da manifesta falta de fundamento da reclamação (caso a mesma como tal pudesse ser apreciada e decidida).
Efectivamente, no requerimento da presente reclamação, limitam-se:
- por um lado, a invocar um aresto sobre «documento superveniente» (conclusão 2ª), não se descortinando qual a conexão e/ou a relevância relativamente ao caso em apreço (designadamente, para efeitos de procedência ou improcedência da reclamação);
- por outro lado, a invocar um aresto relativo à «força probatória do documento particular não impugnado» e alegar que «os documentos em questão não foram impugnados, fazendo prova plena do constante dos mesmos» (conclusão 3ª), o que se mostra absolutamente inconsequente já que não coloca minimamente em causa os fundamentos (entendimento) do Tribunal a quo [«caso se apurasse que afinal os bens dos insolventes, permitiam pagar as dividas existentes, não desvirtuava a sentença proferida, a qual o foi com os termos e factos, à data existentes, mas determinaria o encerramento do processo de insolvência nos termos do art. 230º/1c) do CIRE»; «o ofício/ documento da entidade bancária, apresentado pelos recorrentes, não é subsumível à previsão contida no artigo 696º/c) do C.P.Civil, porque produzido, fora do processo, por terceiro, que não alteraria a decisão tomada», «o referido documento apenas indicia que existem duas fracções, num valor total de €38.000,00 que estarão livres de ónus, quando os créditos reclamados são na ordem dos €1.067.591,21», e «os documentos particulares apenas fazem prova plena quanto às declarações neles atribuídas ao seu autor, não resultando daí que os factos abrangidos por essas declarações se hajam de considerar provados e nem que essas declarações correspondam à realidade»], entendimento este que o Tribunal ad quem sempre subscreveria;
- e, por fim, invoca-se o princípio constitucional da igualdade e, com base no mesmo, alega-se que ao processo principal caberia o regime executivo e não o das insolvências, e indicam-se dois arestos, um sobre a relação entre o activo e o passivo nas insolvências e outro sobre aquele princípio (conclusões 4ª a 7ª), o que configura um novo fundamento (porque apenas alegado em sede de reclamação) e que, por isso, revela-se como legalmente inadmissível (como supra já se referiu, a reclamação prevista no art. 652º/3 do C.P.Civil de 2013 não tem essa finalidade); mas ainda que assim não fosse (o que se admite por mera hipótese de raciocínio), tal conjunto de “alegações” apresenta um conteúdo totalmente ininteligível quanto ao seu sentido e/ou efeitos uma vez que, tendo-se considerado (na decisão singular) que «a pretensão (de revisão) não preenche nenhum dos pressupostos legais do recurso de revisão» e que (na reclamação do 643º/1) «inexistiam concretos fundamentos sobre os quais se deveria debruçar por forma a apreciar e decidir sobre a manutenção, ou não, da rejeição (indeferimento) do recurso de revisão», as referidas “alegações” não configuram qualquer argumento juridicamente válido e eficaz para contrariar e alterar tal entendimento.
Deste modo, sempre permaneceria inteiramente válido mais este fundamento, que igualmente conduziria à improcedência da reclamação, merecendo a adesão nesta Conferência.
Nestas circunstâncias e sem necessidade de demais considerações, impõe concluir-se inexiste qualquer fundamento legal para, no contexto dos autos, deferir a presente pretensão dos Insolventes/Reclamantes.
Consequentemente, deverá improceder a presente reclamação para a conferência e manter-se integralmente a decisão singular do Relator.
Improcedendo a reclamação, porque ficaram vencidos, deverão os Insolventes/Reclamantes suportar as respectivas custas - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013.
* *
5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a presente reclamação para a conferência deduzida pelos Insolventes/Reclamantes e, em consequência, em manter a decisão singular do Relator.
Custas da reclamação pelos Insolventes/Reclamantes.
* * *
Guimarães, 14 de Setembro de 2023.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
 
Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1ºAdjunto - Maria João Marques Pinto de Matos;
2ºAdjunto - José Carlos Pereira Duarte.


SUMÁRIO (663º/7 do C.P.Civil de 2013):

I – No caso de indeferimento liminar da petição inicial do recurso extraordinário de revisão nos termos previstos no nº1 do art. 699º do C.P.Civil de 2013, o meio processual adequado para reagir é o recurso de apelação e não a reclamação prevista no art. 643º do mesmo diploma legal.
II – No caso concreto, a decisão reclamada e que apreciou o recurso de revisão, reveste a natureza de um indeferimento liminar, não consubstanciando um despacho de não admissão de recurso, pelo que a reclamação não configura o meio legal próprio para reagir contra a decisão em causa, carecendo de fundamento legal, sendo certo que o Tribunal nem sequer pode aproveitar a pretensão reclamatória como se tratasse de recurso uma vez que os Recorrentes não formularam quaisquer conclusões [o que conduziria necessariamente ao seu indeferimento - cfr. art. 641º/2b) do C.P.Civil de 2013].


[1]António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 302.
[2]Juíza Conselheira Maria do Rosário Morgado, proc. nº8765/16.1T8LSB.L1.S2, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[3]In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ªedição, p. 901
[4]Juiz Conselheiro Ferreira Lopes, nº217/14.0TCGMR-A.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[5]Juiz Conselheiro Luís Espirito Santo, nº8986/12.6T2SNT-A.L1-A.S1-A, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[6]Juíza Desembargadora Ana Paula Amorim, proc. nº 629-C/2001.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
[7]Juiz Desembargador António Figueiredo de Almeida, proc. nº71934/12.7YIPRT-A.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[8]Juiz Desembargador Pedro Marchão Marques, proc. nº3260/11.8BELSB-S1-R1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.