Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
101/21.1T8MLG.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: FACTOS ESSENCIAIS À DECISÃO DA CAUSA
FALTA
ANULAÇÃO DE SENTENÇA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- Revela-se exigível a ampliação da matéria de facto, quando a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes, tendo em vista todas as soluções plausíveis de direito, e quando não constarem no processo todos os elementos probatórios relevantes e se não for possível assumir, por outra via, designadamente, por acordo ou confissão, o facto cuja resposta se omitiu.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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I. Relatório (que se transcreve):

M. C., contribuinte nº ………, viúva, residente na rua … nº …, da cidade de Barcelos (…), instaurou contra M. J., divorciada, residente na rua …, nº … da vila de Ponte da Barca (…), ação especial de divisão de coisa comum.
Pediu a declaração de que o prédio rústico denominado “Y” sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ... inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ... é divisível, devendo proceder-se à divisão em substância do mesmo e à composição dos quinhões.

Alegou, para tanto, o seguinte:

A autora e a ré são legitimas proprietárias, em comum e em partes iguais, do prédio rústico denominado “Y” sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ... inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de ...sob o nº ... (Docs.nº 1 e 2).
O referido prédio rústico é composto por terreno de cultivo e vinha.
Não obstante constar da matriz que o mesmo tem a área de 1.000 m2, a autora mandou efetuar um levantamento topográfico tendo apurado que a área é de 712 m2;
Tendo como confrontações: Norte – A. V.; Sul – o prédio urbano da autora; Nascente – Herdeiros de A. E.; Poente – Herdeiros de F. D..
Com acesso à via pública pelo caminho de servidão localizado a poente conforme vem assinalado na referida planta topográfica.
A autora é proprietária do prédio urbano localizado a sul por o ter adquirido na qualidade de herdeira testamentária de sua tia A. D. (Docs. nº 4 e 5).
O prédio rústico aqui em causa é divisível em virtude da autora ser proprietária do prédio urbano confrontante a sul.
Deverá ser adjudicado à autora, uma parcela de terreno com a área de 356 m2, que será integrada no logradouro do seu prédio urbano.

Prédio este que continuará a ter o seu acesso à via pública pelo caminho de servidão já referido.
Regularmente citada, a ré contestou, dizendo, em suma:
A norte o prédio rústico dos autos confronta com os bens da herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito de A. L.;
O imóvel objeto da ação não tem a área total de 712m2, mas antes a área de 652m2.
O socalco nascente, tem um desnível de cerca de 2m em relação ao socalco que lhe fica contíguo e acede-se a ele através dumas escadas – representadas no levantamento topográfico – constituindo outro prédio rústico, autónomo e independente, que embora esteja a ser cultivado por Autora e Ré, desde há cerca de 15 anos e tenha sido prometido vender pelos herdeiros de A. L. aos seus pais, a verdade é que nunca foi pago o preço desta compra e venda e, por isso, também não foi, até ao momento e enquanto não houver pagamento, formalizada a prometida compra e venda.
Este socalco nascente tem a área aproximada de 60m2.
A área total do prédio rústico, identificado no artigo 1º da petição inicial é de (712m2 – 60m2) 652m2
O prédio rústico dos autos está destinado a cultura arvense de regadio e vinha em ramada, onde se cultiva o milho, erva, vinho, produtos hortícolas e outros.
Considerando os produtos agrícolas desde sempre cultivados neste imóvel, temos de concluir que ele está na categoria de terrenos agrícolas de regadio.
A unidade de cultura, fixada nesta zona e para esta categoria de terreno, é de 2,5ha, conforme anexo II, da Portaria 219/2016.
O prédio rústico dos autos é terreno apto para cultura e não constitui parte componente do prédio urbano daquela;
É inquestionável que o prédio rústico identificado no artigo 1º da petição inicial, considerando a sua natureza, localização e área é indivisível em substância.
Terminou pedindo que fosse declarado o prédio rústico em causa indivisível em substância, seguindo-se os demais trâmites legais previstos no art. 929.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
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Foi proferido despacho que ordenou a realização de perícia singular ao prédio em causa, bem como a aplicação da tramitação incidental nos termos do art. 926.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Realizou-se prova pericial, constando dos autos o respetivo suporte escrito (relatório com a ref. n.º 3420940).
Realizou-se a audiência final, que cumpriu todas as formalidades legais, conforme decorre da respetiva ata.
No decurso da audiência as partes prescindiram da produção de todos os meios de prova por si indicados, à exceção dos esclarecimentos orais a prestar pelo Sr. Perito.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Atento tudo o exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julgo o incidente totalmente improcedente, por não provado, e declaro a indivisibilidade do prédio descrito no ponto 1.º da petição inicial e determino que os autos prossigam ulteriores termos de acordo com o disposto no art. 929.º, n.º 2 e ss. do Código de Processo Civil.
Fixo em 50% o quinhão de cada comproprietária.
Valor do incidente: €7.000,00 (sete mil euros)
Custas pela Autora atento o seu total decaimento.
Registe e notifique..”
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Inconformada com esta decisão, a autora, dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

1. Na sentença recorrida foi declarada “a indivisibilidade do prédio descrito no ponto 1.º da petição inicial”.
2. Discordamos da sentença recorrida por duas razões sendo estas: - Matéria de facto provada (área do prédio rústico);
- Divisibilidade ou indivisibilidade do prédio rústico.
3. Entendemos que a área do prédio rústico deveria ter sido fixada em 712 m2.
4. A recorrente juntou na p.i., sob os documentos nºs 1 e 2, a descrição predial e a caderneta predial referentes ao prédio rústico, objecto da presente acção de divisão de coisa comum.
5. Em ambos os documentos, a área do prédio rústico é de 1.000 m2.
6. Recorrente e recorrida compraram por escritura pública de compra e venda celebrada em 26 de março de 2021, o prédio rústico dos presentes autos tendo o procurador dos vendedores, Dr. A. S., declarado “que a presente venda é feita livre de quaisquer ónus e encargos e que contíguo ao bem ora alienado os seus representados não possuem qualquer outro apto para cultura”.
7. Na p.i., a recorrente deu a saber que não obstante constar da matriz, que a área era de 1.000 m2, o prédio rústico tem na verdade, somente 712 m2 conforme levantamento topográfico efectuado que juntou.
8. No relatório pericial, ao quesito 1º cuja pergunta é “qual a área do prédio rústico aqui em causa”, o senhor perito respondeu “como atrás referido, a Certidão Permanente de Registo Predial .../20210329 e Caderneta Predial Rústica Modelo A mencionam a área de 1.000m2. No entanto, de acordo com o levantamento topográfico do prédio, a área é de 712m2”.
9. Entendemos que o Meritíssimo Juiz “a quo” não podia dar como facto provado “Não obstante constar da matriz que o mesmo tem a área de 1.000 m2, o prédio objeto dos presentes autos tem a área total entre 652m2 a 712 m2”.
10. O Meritíssimo Juiz “a quo” deveria ter fixado a área do prédio rústico. 11. Deveria fixá-la em 712 m2, área que resulta do levantamento topográfico.
12. Facto este confirmado pelo procurador dos vendedores que declarou na escritura de compra e venda não serem proprietários de qualquer prédio rústico confinante, apto para cultura.
13. Discordamos ainda, da sentença recorrida por defendermos a divisibilidade do prédio rústico dos presentes autos.
14. Consideramos estar perante uma excepção à proibição de fraccionamento de prédio rústico prevista na alínea a), parte final, do artigo 1377 do Cód. Civil.
15. No momento em que a acção de divisão de coisa comum é instaurada, o prédio rústico aqui em causa destina-se à cultura.
16. Com o fraccionamento deste prédio rústico a parcela fraccionada destinar-se-á ao aumento do logradouro do prédio urbano pertencente à recorrente, que confronta a sul.
17. O prédio rústico após o fraccionamento, terá a área de 356 m2 a qual é superior à área total do prédio urbano.
18. Sendo a recorrente, proprietária do prédio urbano que confronta a sul com o prédio rústico, objecto da presente acção de divisão de coisa comum, cuja área de implantação é de 135 m2 e logradouro com 85 m2, Na parcela fraccionada teria como finalidade, o aumento do logradouro do prédio urbano.
19. Neste caso concreto, o prédio rústico aqui em causa é divisível em virtude: - da autora ser proprietária do prédio urbano confrontante a sul.
- da parcela fraccionada se destinar não, à cultura mas sim, ao aumento do logradouro do prédio urbano.
20. À recorrida seria adjudicado o prédio rústico aqui em causa com uma área correspondente a 356 m2.
21. Prédio este que continuará a ter o seu acesso à via pública pelo caminho de servidão conforme declarado pelo senhor perito, no relatório pericial, mais precisamente, na resposta ao quesito 4º.
22. No momento do fraccionamento, o prédio rústico, objecto dos presentes autos, destina-se a cultura agrícola.
23. Uma das parcelas que resultar do fraccionamento será destinada não, à cultura agrícola, mas sim, ao aumento do logradouro do prédio urbano pertencente à recorrente, justificando, assim, o fraccionamento.
24. Verifica-se a excepção à probição do fraccionamento do prédio rústico da presente acção, prevista na alínea a) parte final do artigo 1377 do Cód. Civil tornando por isso, viável a divisão do prédio.
25. A sentença recorrida deveria ter considerado o prédio rústico, divisível em substância.
26. A sentença recorrida violou o artigo 342 nº 1 e 1377 a) parte final do Cód. Civil.”.
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Contra-alegou a ré, pugnando pela improcedência do recurso.
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O recurso foi admitido, por despacho de 2 de julho de 2022, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
1 – Como questão prévia, da falta, na decisão proferida, da decisão sobre os factos essenciais à decisão da causa;
2 – Conhecer da impugnação da matéria de facto;
3 – Se deve a sentença apelada ser revogada/alterada, em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo – no seguimento da impugnação da autora/apelante - decidindo-se pela procedência da acção.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:
1. A autora e a ré são legitimas proprietárias, em comum e em partes iguais, do prédio rústico denominado “Y” sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ... inscrito na respetiva matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...
2. O referido prédio rústico é composto por terreno de cultivo e vinha.
3. Está destinado a cultura arvense de regadio e vinha em ramada, nele se cultivando o milho, erva, vinho, produtos hortícolas e outros.
4. Não obstante constar da matriz que o mesmo tem a área de 1.000 m2, o prédio objeto dos presentes autos tem a área total entre 652m2a 712 m2;
5. Tendo como confrontações: Norte – A. V.; Sul – o prédio urbano da autora; Nascente – Herdeiros de A. E.; Poente – Herdeiros de F. D..
6. Com acesso à via pública pelo caminho de servidão localizado a poente.
7. A autora é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º …, que confronta a sul do prédio objeto destes autos por o ter adquirido na qualidade de herdeira testamentária de sua tia A. D..
8. O prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º … tem a área total de 220m2, com 135m2 de implantação de edifício –habitação de 3 pisos.
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Não foram fixados os factos dados como não provados.
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IV. Do objecto do recurso.

1. Da questão prévia, da falta, na decisão proferida, da decisão sobre os factos essenciais que não foram dados como provados ou não provados.

Compulsada a matéria alegada pela autora na sua petição inicial, em contraposição com a matéria que foi dada como provada na sentença proferida, desde logo se constata que, uma parte da matéria alegada pela autora na sua petição inicial, não consta quer dos factos dados como provados, quer dos factos dados como não provados.
Trata-se da matéria alegada no art. 12º da p.i. e concernente à alegação de que a parcela fracionada se destinaria a ser integrada no logradouro do prédio urbano contíguo a sul com o prédio rústico em análise.
Na verdade, na sentença, na fundamentação da matéria de facto, faz-se referência à impossibilidade da integração do logradouro no prédio urbano contíguo, com base na simples opinião do perito e aludindo à área claramente inferior à unidade de cultura na parte remanescente, mas não toma posição quanto àquele facto nos factos provados ou não provados, tratando-o quando muito como facto instrumental.
Na fundamentação de direito, seguindo igual raciocínio, a sentença reafirma, de forma simplista, que “nenhuma fração ou parte do prédio em causa é logradouro do prédio confrontante da autora” e ainda “a divisão pretendida pela Autora transformaria a metade que corresponderia à Ré, num novo prédio rústico com a área de 356m2 (cerca de metade da área do prédio) o que redundaria, na quase impossibilidade do seu aproveitamento agrícola.”.
Ou seja, cremos que a sentença analisou o caso em apreço apenas em atenção à hipótese da alínea a) primeira parte do art. 1377º do CC e alínea b), olvidando a segunda parte da alínea a) do art. 1377º do CC “ terreno que se destinem a algum fim que não seja a cultura” e nestes podem incluir-se, em tese, os que terão um destino posterior como terreno de logradouro do prédio urbano contíguo.
Nesse caso, a admitir-se tal situação, caso se prove tal fim ou destino, o legislador entendeu que seria de admitir o parcelamento, mesmo que a parte restante não corresponda à unidade de cultura.
Vejamos.
Na petição inicial, a autora sustenta que se verifica a situação de proibição do fracionamento do prédio, a que se reporta a alínea a) do artigo 1377º, do CC, na base da alegação de que o fim a que se destina a parcela fracionada é ser integrada no logradouro do prédio urbano contíguo e de que é proprietária.
Preceitua o artigo 1377º, al. a) do CC, no que ao objeto da apelação importa, que “a proibição do fracionamento não é aplicável a terrenos que constituam partes componentes de prédios urbanos ou se destinem a algum fim que não seja a cultura”.
Efetivamente, lê-se na sentença que não ficou provado que o terreno em causa constitua parte componente de um prédio urbano, e, com efeito, nem sequer tal foi alegado.
Sem embargo, restaria, então, analisar, mais profundamente, se o mesmo se destina a algum fim que não seja a cultura.
Em atenção ao fim a que se destina, é possível a divisão de qualquer terreno, desde que a parcela fracionada se destine a alguma finalidade que não seja a cultura.
Ainda que o terreno, no momento do fracionamento, tenha por fim a cultura agrícola, se o seu destino posterior passar a ser outro, cessa a proibição da sua divisão.
O fim relevante, para efeitos de aplicação do disposto na al. a) do art° 1377 °, não é aquele a que o terreno esteja afetado à data do fracionamento mas, como se disse, antes o que o adquirente pretenda dar-lhe (cfr. P.de Lima e A.Varela, CC Anotado, Vol III, pág. 263).
E o facto de, no caso concreto, o prédio em causa ser terreno de cultivo e vinha, não impede que seja suscetível de ser afetado a um fim diferente, como seja um aumento de logradouro do prédio urbano contíguo, mesmo que a parte restante não corresponda à unidade de cultura.
É que atento o disposto no art. 1377º, al. b), do CC, este preceito aplica-se aos casos em que a parcela seja alienada a um proprietário de terreno contíguo, desde que o prédio-mãe mantenha uma área superior à unidade de cultura, o que pressupõe estarmos perante terrenos rústicos ou destinados à cultura.
Ora, tal não ocorre no caso vertente, em que o prédio contíguo pertence à autora e é um prédio urbano e a parcela fracionada alegadamente destina-se a um fim que não seja a cultura: integração no logradouro do prédio urbano, ou seja, aumento do logradouro do prédio urbano.
Assim, constatamos que não foi alvo de apreciação e consignação em sede decisória aquele facto que se reputa como absolutamente essencial à decisão do objeto da ação e que necessita de ser alvo de apreciação, nomeadamente o alegado no art. 12º da pi a respeito do destino posterior da parcela fracionada.
O artigo 662°, n.º 2, c) do Código de Processo Civil prevê duas situações em que a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância sobre a matéria de facto.
A primeira dessas situações, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração dessa decisão, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.
A segunda, quando considere indispensável a ampliação desta.
Estabelecem-se soluções diferenciadas entre os casos de decisão deficiente, obscura ou contraditória, e o caso de se considerar indispensável a ampliação da matéria de facto.
Com efeito, na primeira situação, só há lugar à anulação quando não constarem do processo todos os elementos que permitam a alteração dessa decisão.
No segundo caso, deve ser sempre anulada a decisão da 1ª instância, mesmo quando constem do processo todos os elementos de prova que permitam a alteração dessa decisão.
E isto porque, assegurando a lei a dupla apreciação da decisão sobre a matéria de facto, pela 1ª instância e pela Relação em sede de recurso, no caso de decisão deficiente, obscura ou contraditória, essa imposição encontra-se desde logo assegurada, uma vez que a primeira instância se pronunciou sobre os factos em causa, ainda que de forma deficiente, obscura ou contraditória, pelo que só a ausência de todos aqueles elementos de prova impedem a reapreciação pela Relação.
Já no caso de indispensabilidade de ampliação da matéria de facto, a Relação decidiria em primeira instância e aquela imposição resultaria frustrada uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça não julga matéria de facto.
“Por outro lado, tal como sucede com as anteriores situações, a anulação da decisão da 1ª instância apenas deve ser decretada se não constarem no processo todos os elementos probatórios relevantes. E se não for possível assumir, por outra via, designadamente, por acordo ou confissão o facto cuja resposta se omitiu como se refere no AC da RP de 1-03-99, CJ, T. III, p. 239” (in A. Geraldes, Recursos no Novo CPC, p. 308, e nota 452, 5ª ed.)
Face ao que acima ficou exposto, reconhecendo-se a relevância do supra citado facto alegado na petição inicial e sobre o qual a 1ª instância se não pronunciou (quer considerando-o como provado, quer como não provado), mostra-se indispensável a ampliação da matéria de facto no que se refere ao mesmo, tendo em vista todas as soluções plausíveis de direito, sendo certo que apesar de ter sido junta prova documental e realizada prova pericial, não foi produzida prova testemunhal acerca do mesmo ou outra que possa ser relevante oficiosamente ordenar a sua junção, nomeadamente documental.
Impõe-se assim, ao abrigo do citado artigo 662°, n.º 2, c) do Código de Processo Civil, anular a decisão da 1ª instância, tendo em vista a ampliação da matéria de facto relativamente àquele facto, sendo que a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não está viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições, ficando, por ora, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
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V. Decisão.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em:
- Anular a sentença recorrida tendo em vista a ampliação da matéria de facto relativamente aos factos acima referenciados, sendo que a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não está viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições.
Custas pela parte vencida a final.
Guimarães, 06 de outubro de 2022

Assinado eletronicamente por:
Relatora: Anizabel Sousa Pereira
Adjuntos: Jorge dos Santos e
Margarida Gomes