Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3530/24.5T8VNF-A.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: DÍVIDAS DE CAPITAL E JUROS
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
.1- As obrigações decorrentes da resolução de um contrato que previa o pagamento em prestações que aglutinavam a amortização do capital e juros não perdem a sua natureza de junção de capital e juros, por a sua origem e estrutura ser a mesma, sendo-lhe, pois, aplicável o prazo da prescrição de cinco anos, por força da alínea e) do artigo 310º do Código Civil.
.2- A extinção do processo executivo por desconhecimento de bens penhoráveis, nos termos do artigo 750.º, nº 2 do Código de Processo Civil põe termo ao processo e faz cessar os efeitos interruptivos da prescrição da citação operada nesse processo, nos termos do nº 1 do artigo 327.º do Código Civil, pelo que começa a correr novo prazo prescricional a partir dessa extinção.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - Relatório

Por apenso à execução, para pagamento da quantia de 47 920,64 €, a Executada e ora Recorrente deduziu oposição à execução, mediante embargos de executado, invocando, em síntese:

- A ilegitimidade da Embargada/Exequente, porquanto não ocorreu a notificação da cessão de créditos que lhe terá transmitido o direito que pretende exercer;
- A prescrição nos termos do artigo 310.º, al. e) do Código Civil, porquanto a dívida em discussão seria paga em 408 prestações mensais e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a última prestação no dia 11-11-2010 e a execução instaurada sob o processo n.º 2666/11.7TJVNF foi extinta em 16-01-2015.
A exequente contestou, invocando, em súmula:
- ambas as cedências de créditos foram comunicadas a Executada;
-  a presente situação não é subsumível à previsão contida na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, uma vez que estamos na presença uma única obrigação (valor remanescente da liquidação de um bem que não foi suficiente para pagamento de um contrato de empréstimo) e já não, por via da anterior resolução e subsequente judicialização, de prestações periódicas e renováveis, cuja constituição depende do decurso do tempo, considerando-se, no mais, que os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam assumir, nunca prescrevem antes de decorrido o prazo geral ordinário de prescrição.
Foi proferida decisão que julgou procedente a exceção da prescrição invocada quanto à totalidade do crédito exequendo, e, em consequência, julgou totalmente procedentes os presentes embargos de executado e declarou extinta a execução quanto à Executada/Embargante.

É desta decisão que o apelante recorre, com as seguintes
conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal “a quo”, que julgando procedente a execpção peremptória da prescrição alegada pela Recorrida, julgou prescrito o crédito da Recorrente.
2. Salvo o devido respeito pelo decidido, que é muito, a aqui Apelante permite-se discordar em absoluto desta decisão do Tribunal “a quo”, que não foi proferida conforme aos ditames da lei e do direito, pois entende que não terá sido apreciada nos termos que eram exigidos, no que tange à aplicação do direito.
3. O Tribunal “a quo” considerou que o facto da exequente ter exigido a totalidade das prestações em falta, considerando vencida a totalidade da dívida, não altera o regime legal aplicável, ou seja, significa isto que, tendo a primitiva acção executiva sido interposta em 09/08/2011 para cobrança do valor em incumprimento, acção que foi extinta em 28-01-2015 por insuficiência de bens, e tendo sido interposta nova execução em 15-05-2024, se completou efectivamente o prazo prescricional quinquenal relativamente a todas as prestações que constituem a obrigação exequenda.
4. Não sendo esta uma questão que esteja totalmente sanada e uniformização na jurisprudência, com o devido respeito, o Tribunal “a quo” sem fundamentação, e ao arrepio da documentação junta aos autos nos articulados, decidiu da forma mais gravosa para a recorrente.
5. A Recorrente também não pode deixar de discordar com o prazo de prescrição quinquenal decidido como aplicável ao caso em apreço, pois estamos perante uma situação que exige a aplicação do prazo ordinário de prescrição de 20 anos, aplicável nos termos do disposto no artigo 309º do CPC.
6. A situação em apreço não pode ser subsumível à previsão contida na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, uma vez que estamos na presença uma única obrigação (um contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo, sendo que, os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam assumir, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos.
7. Ao invés, o artigo 310º, alínea e) do Código Civil abrange as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a suas frações distintas : uma de capital e, outra, de juros em proporção variável, a pagar conjuntamente, o que não sucede com o crédito exequendo, que não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como uma dívida global proveniente da denominada “relação de liquidação”, correspondente ao valor do capital em dívida, à data da interpelação para o pagamento do valor integral em dívida.
8. Pelo que, resolvido o contrato extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo de um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no artigo 310º, alínea e) do Código Civil.
9. Não resultando do teor do disposto no artigo 310º do Código Civil qualquer elemento que permita a interpretação que aquele prazo de prescrição tem aplicabilidade nos mútuos bancários à totalidade do capital em dívida à data do incumprimento.
10. O vencimento imediato das prestações restantes significa somente a perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, ficando sem efeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado e os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros, caso em que, atento o fim da união anteriormente contida em cada uma das prestações nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e dívida de juros ao mesmo prazo prescricional.
11. É a partir da data do vencimento antecipado/exigibilidade integral da quantia que deixam de existir quotas de amortização de capital, existindo tão somente uma única parcela em dívida que vence juros e esta natureza unitária faz com que deva ser aplicado o prazo de prescrição ordinário previsto no artigo 309º do Código Civil, pois que, a Recorrente interpelou os Recorridos para o pagamento do valor total em dívida decorrente de todas as prestações vencidas,
12. Entendimento que tem sido ensinado, sufragado e partilhado na doutrina e na jurisprudência.
13. A Recorrente pugna assim pela exigibilidade integral do seu crédito por considerar que é aplicável ao contrato de mútuo bancário executado o prazo ordinário de 20 anos, nos termos do disposto no artigo 309º do Código Civil, sendo que a data de referência para se iniciar essa contagem teria de ser a partir da interpelação aos Recorridos ocorrida em 27-01-2021
14. Devendo atento o supra exposto ser revogada a decisão recorrida, sendo substituída em conformidade com o aqui exposto, reconhecendo-se a exigibilidade do direito de crédito da Recorrente e improcedendo a excepção de prescrição e assim todos os embargos,
15. Entendendo-se, que o prazo prescricional a ser aplicável ao caso em apreço é de 5 anos, nos termos do que resulta consignado na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, torna-se primordialmente defensável que a prévia instauração de acção executiva para cobrança do valor em incumprimento dos contratos aqui executados, constitui, nos termos do disposto no artigo 327º do Código Civil, causa interruptiva duradoura da prescrição;
16. Assim, o prazo de prescrição interrompeu-se nos 5 dias após a instauração daquela acção, reiniciando-se a sua contagem, não com a decisão provisória de extinção da execução, mas outrossim, na data em que não mais se torna possível proceder à renovação da execução nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 850º do CPC;
17. Para os pretendidos efeitos, necessário se torna que desde a data de extinção da execução decorram 5 anos, reiniciando-se o prazo de prescrição quinquenal no termo deste período.
18. E isto porque, a decisão de extinção impõe-se como uma decisão provisória, sendo equiparada a uma mera suspensão da instância, sendo aspecto evidenciador desta provisoriedade o facto de a execução ser extinta por imposição legal e não por vontade do credor, podendo sempre ser renovada nos termos do que resulta legislado a propósito da referida renovação.
19. Não sendo tal decisão uma decisão definitiva que põe, de imediato, termo definitivo ao processo, não tem cabimento legal nas situações das quais, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 327º do Código Civil, se justifica o reinício imediato do novo prazo de prescrição;
20. A solução aqui sufragada, impõe-se como aquela que melhor se coaduna com a visão global que se pretende do regime jurídico da execução e da prescrição, com a necessidade de salvaguarda dos interesses do credor, mas também com a necessidade que o regime tem de sancionar o mesmo pela sua inércia de cobrança no curto prazo de prescricional de 5 anos a que alude a alínea e) do artigo 310º do Código Civil.
21. Complementando a argumentação precedente, temos que, à data de instauração da acção executiva – 15/05/2024, ainda não se encontrava prescrito o direito de crédito da Recorrente, porquanto,
(i) A acção executiva com o nº 2666/11.7TJVNF foi instaurada em 09-08-2011,  em data anterior ao decurso do prazo quinquenal de prescrição;
(ii) Foi extinta, nos termos do disposto no artigo 750º do CPC, por insuficiência de bens, em 28/01/2015, considerando-se notificada às partes na mesma data, tornando-se insusceptível de reclamação em 02-02-2015;
(iii) A exequente dispunha de prazo até 02-02-2020 para proceder, querendo, e reunindo-se as condições para o efeito, à renovação da execução nos termos do disposto no artigo 850º CPC;
(iv) Contando-se o prazo quinquenal de prescrição, o mesmo encontra-se assim completado em 02-02-2025;
22 Importa assim concluir que por força desta suspensão, e tendo a acção executiva a que este recurso respeita sido interposta em 15/05/2024, ainda não se encontra transcorrido o prazo de prescrição;
Por tudo quanto resulta do teor destas alegações de recurso, devem as mesmas proceder, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, decidindo este Venerando Tribunal que o crédito exequendo não se encontra prescrito, prosseguindo a execução os seus termos até integral e efectiva liquidação, POIS SOMENTE COM ESTA DECISÃO FARÃO V. EXAS., A TÃO COSTUMADA JUSTIÇA!

A Recorrida respondeu, apresentando as seguintes
conclusões:
“i. Decorre das disposições conjugadas entre os art.ºs 635º e 639.º do Cód. Proc. Civil, que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, constituindo por isso, o thema decidedum do mesmo.
ii. A questão a decidir resume-se ao prazo de prescrição da obrigação exequenda em causa nos autos, concretamente se é aplicado prazo prescricional de 5 anos previsto na alínea e)  do artigo 310 º do Código Civil, ou  o prazo de prescrição ordinário previsto no artigo 309º do Código Civil. 
iii. Em virtude do incumprimento contratual ocorrido em 11/11/2010 por parte da Executada aqui recorrida e do executado AA, o Banco cedente (Banco 1...) exerceu o direito potestativo de resolução, exigindo o pagamento do crédito concedido, na sua totalidade com efeitos à data do pagamento da última prestação (11/11/2010), intentando execução em 09/08/2011, a qual correu termos pelo Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão- Juiz ...  sob o processo n.º 2666/11.7TJVNF.
iv. A Execução  n.º 2666/11.7TJVNF veio a  ser extinta por falta de bens, nos termos do n.º 2 do art. 750.º do CPC, em 16-01-2015.
v. O banco credor cedeu a sua posição à aqui Recorrente em 27/01/2021.
vi. A Recorrente/Embargada  na qualidade de cessionária intentou nova  execução em 15/05/2024, à qual estes se encontram apensos.
vii. Instaurando assim uma execução autónoma, prescindindo da renovação da instância executiva n.º 2666/11.7TJVNF, e consequentemente da possibilidade de aproveitamento de qualquer dos atos praticados nessa  execução, concretamente a citação que aí foi efetuada à Recorrida/executada.
viii. A aqui Recorrida/Executada exerceu nos presentes autos a faculdade  decorrente do disposto no artigo 304.º, C.C., recusando o cumprimento da prestação e pugnando pela aplicação do prazo prescicional de 5 anos previsto na alínea e) do artigo 310º do C.C.
ix. É entendimento unanime da Jurisprudência que a circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.
x. A finalidade pretendida pelo legislador com a fixação do prazo curto de prescrição de 5 anos, prevista na alínea e) do 310 do C. Civil,  seria afastada se fosse permitida que a aqui Apelante, viesse agora, passado 15 anos após a resolução do contrato de mútuo fracionado, e depois de ter sido adjudicado ao banco credor,  na venda executiva,  o imóvel hipotecado pelo valor de €72.150,00, de ter sido declarada extinta a execução, confrontar a executada com o pagamento de um valor exorbitante de €47.920,64 nele se incluindo juros  acumulados durante esses 15 anos.
xi. Pelo que, bem andou o Tribunal “a quo” ao conclui que aquando da entrada da execução em causa nos autos, já os créditos e juros peticionados se  encontravam prescritos pelo decurso do prazo de 5 anos, nos termos do artigo 310º  alínea e) do Código Civil, declarando procedente os embargos de Executado.”

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face às conclusões do recurso, importa apreciar, por ordem lógica:
- Qual o prazo de prescrição a que está sujeita a obrigação exequenda, se lhe é aplicável o prazo de cinco anos por ter resultado da resolução de dois créditos bancários por falta de pagamento das prestações;
- Em que momento se deve reiniciar o prazo prescricional, visto que o mesmo fora interrompido por citação ocorrida em processo executivo que foi extinto, após o pagamento parcial da obrigação exequenda, por insuficiência de bens.

III- Fundamentação de Facto

Na sentença foram fixados os seguintes factos provados, não impugnados:
1. No dia 15-05-2024, a aqui embargada EMP01... Stc, S.A deu entrada do requerimento executivo para pagamento de quantia certa, de 47 920,64 € (Quarenta e Sete Mil Novecentos e Vinte Euros e Sessenta e Quatro Cêntimos), contra os Executados BB e AA.
a) Como título executivo apresentou: Escritura pública instrumento do Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca a que foi atribuído o n.º de contrato/operação n.º ...02 celebrado entre o Banco 1... S.A., e os Executados AA e BB, no dia 25/11/2009, pelo qual lhes mutuou o montante global de € 90.000,00 (noventa mil euros);
b) Escritura pública instrumento do Contrato de Mútuo com Hipoteca a que foi atribuído o n.º de contrato/operação n.º ...01, celebrado entre o Banco 1... S.A. e os Executados AA e BB, no dia 25/11/2009, pelo qual lhes mutuou o montante global de € 13.500,00 (treze mil e quinhentos euros).
3. De acordo com as cláusulas dos anexos aos contratos de mútuo referido em 2. b), os referidos empréstimos, seriam amortizados em prestações 408 prestações mensais, sucessivas e constantes de capital e juros, acrescidas do respetivo Imposto do Selo, a primeira a vencer-se no dia 1 de dezembro de 2009 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
4. A executada incumpriu com as obrigações de pagamento por si assumidas, e por este motivo, foi resolvido o contrato de empréstimo e instaurada pelo Banco Cedente a execução n.º 2666/11.7TJVNF, que correu termos pelo Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, Juiz ....
5. Nessa execução foi vendido o imóvel em 02/05/2013, em consequência, sido entregue ao Banco Cedente a quantia de € 72.150,00 (setenta e dois mil cento e cinquenta euros).
6. Após a venda, não foi recuperada qualquer quantia, tendo a execução sido extinta por insuficiência de bens, em 16-01-2015.

III- Fundamentação de Direito

Da prescrição
Os direitos estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, desde que não sejam indisponíveis nem, por norma especial, dela estejam isentos, di-lo o artigo 298.º, n.º 1, do Código Civil.
A prescrição tem como fundamento, genericamente, a ideia que a inércia do titular no exercício do seu direito permite que se lhe retire efetividade, visto que interessa ao Direito obter a paz social, impedindo a perpetuação de conflitos, que desta forma promove, ao definir um tempo limite, findo o qual o titular já não o pode exigir.
Defende o interesse do devedor na sequela de determinado período temporal, o qual se inicia com a exigibilidade da dívida num período considerado suficiente para que aquele possa confiar que a dívida já lhe não será exigida, para garantir que as pessoas saibam com o que podem contar.
Tem, em regra, como efeito direto a transformação da obrigação numa obrigação natural: atribui ao devedor a faculdade de recusar o respetivo cumprimento. Pode operar fazendo presumir o cumprimento (a prescrição presuntiva) ou só atribuindo ao devedor a possibilidade de recusar o cumprimento e de se opor ao exercício do direito (a prescrição extintiva), tudo como decorre dos artigos 298º, 304º, 312º, 318º a 322º e 323º a 326º do Código Civil.
Quando o credor demonstre a vontade de exercer o diteito, na forma prescrita por lei, ainda antes de ocorrer a prescrição, esta interrompe-se e inutiliza-se todo o tempo decorrido anteriormente.
Sem inércia do titular, o que implica que o mesmo pudesse exercer o direito, mas o não fez, não há prescrição.
.1- Prazo prescricional: 5 ou 20 anos?
(Seguiremos de perto o acórdão proferido no processo 3254/21.5T8GMR-A.G1, de 06-10-2022, confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2023, no processo 3254/21.5T8GMR-A.G1.S1).
A prescrição a que se refere o artigo 310.º, alínea e) do Código Civil é uma prescrição de curto prazo.
É hoje pacífico que, “no mútuo bancário, em que a obrigação de reembolso do capital mutuado é objeto de um plano de amortização que se traduz na fixação de determinado número de quotas de amortização que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios vencidos, originando uma prestação unitária e global, cada uma dessas prestações mensais está, por opção legislativa, sujeita ao prazo prescricional de cinco anos previsto na al. e) do artigo 310.º do Código Civil.” Cf, a título meramente exemplificativo, acórdão nº 22815/19.6T8PRT-A.P1 de 24/01/2022, que remete para o acórdão proferido no processo nº 201/13.1 TBMIR-A-C1.S1 de 29/09/2016.
Tem sido observado que este prazo tem em vista evitar que o credor retarde a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor, podendo causar-lhe a sua insolvência, que de outro modo poderia ser evitada, não fosse a demora do credor.
Assim, o prazo de prescrição de cada uma das prestações do plano de amortização é de cinco anos, a contar da data de vencimento de cada uma delas, por força do disposto na alínea e) do artigo 306º do Código Civil.
Está em causa, nestes autos, não a prescrição de cada uma das prestações acordadas, mas a totalidade da obrigação apurada por força da resolução do contrato.
Pode discutir-se qual é o prazo de prescrição aplicável á obrigação resultante da declaração de antecipação do vencimento de todas as prestações vincendas com base no incumprimento de prestações vencidas (e não prescritas, a que se reporta, além do mais o artigo 781º do Código Civil) e à obrigação resultante da resolução do contrato por incumprimento.
Tendo em conta o escopo da prescrição prevista na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, pareceria que, se perante o incumprimento de prestações já vencidas, mas não prescritas, o credor declarasse vencidas todas as prestações ou resolvido o contrato com esse mesmo fundamento se consumaria o risco de onerosidade excessiva que se pretenderia evitar, perderia sentido ou razão de ser a aplicação deste prazo mais curto sobre essa prestação global.
Por isso, parte da jurisprudência aplicava à prestação unitária resultante da declaração de imediato vencimento de todas as prestações acordadas em virtude da mora do devedor o prazo geral de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil, considerando que ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros (remetendo depois a questão para o apuramento do valor devido, retirado o já prescrito, sendo exemplo os acórdãos proferidos nos processos nº 589/15.0T8VNF-A.G1, de 03/16/2017, 525/14.0TBMGR-A.C1 de 04/26/2016, nº 17012/17.8YIPRT.C1 de 06/12/2018, entre muitos).
No entanto, outra corrente, que veio a ter vencimento em acórdão uniformizador de jurisprudência, teve em atenção que a obrigação constituída pelo vencimento imediato de todas as prestações que consistiam em quotas de amortização do capital pagáveis com os juros não perde tal natureza, pelo que está sujeita ao prazo de prescrição de cinco anos estipulado na alínea e) do artigo 310º do Código Civil, como se fez no acórdão nº 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1, de 09/10/2020 (“Às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas).”
Como se escreveu no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2022, proferido a 30 de junho de 2022, pelo pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça no proc. n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, publicado no  Diário da República n.º 184/2022, Série I de 2022-09-22, páginas 5 - 15 , “O prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol.106/112ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de “proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos….Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.”
Com efeito, o que ocorria com frequência era que antes de decorridos os cinco anos desde o primeiro incumprimento era enviada missiva aos devedores exigindo o pagamento global da dívida (por via da perda do beneficio do prazo ou da resolução do contrato – e sem a concessão do prazo de regularização concedido aos consumidores concedido pelo DL 133/2009 e posteriormente pelo DL 74-A/2017 –) e só decorridos mais de cinco anos era apresentada a execução, assim se buscando desvirtuar o instituto da prescrição quinquenal, permitindo aos credores uma inércia na execução do direito, sem sofrer as consequentes perdas das prestação com mais de cinco anos. Tal permitia um avolumar da dívida pela simples inércia das entidades bancárias, que não exigiam em tempo razoável o seu pagamento (tantas vezes já apenas contra os fiadores, distanciados da situação).
A questão aqui em apreço difere da sujeita a tal acórdão por se estar perante um caso em que o contrato foi declarado resolvido (e não expressa a vontade pelo credor de beneficiar da perda do beneficio do prazo com base no incumprimento do devedor), como resulta da matéria de facto provada.
Será que o facto de se estar perante obrigação resultante de resolução do contrato e não simples antecipação do vencimento tem influência na aplicação deste prazo de cinco anos? Também aqui a jurisprudência se divide, uns salientando que a obrigação resultante da resolução do contrato é uma obrigação diferente da inicialmente acordada, outros salientando que a ratio do artigo 310º, nº 1, alínea e) do Código Civil também se estende ao presente caso, salientando que ambas se fundamentam no incumprimento das mesmas prestações fracionadas compostas de capital e juros e que são os mesmos os pressupostos que permitem ao credor escolher entre a resolução do contrato e a antecipação do vencimento das prestações.
Por entendermos que a segunda posição observa de forma substantiva as soluções materiais pretendidas pelo nosso sistema jurídico, dando o mesmo tratamento a questões materialmente semelhantes, é essa a posição que seguimos.
Salienta-se o entendimento expresso nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/03/2020, no processo 8563/15.0T8STB-A.E1.S1, reiterado em 07/06/2021, no processo 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1, considerando que a “circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição do art. 310/-e do Código Civil e que “O STJ tem entendido que nas situações de contratos de mútuo com acordo de reembolso periódico de capital e juros remuneratórios o prazo de prescrição aplicável às duas componentes (capital e juros), mesmo que ocorra resolução do contrato e vencimento antecipado ou exigibilidade antecipada da totalidade das prestações, é o de 5 anos, sendo aplicável à situação o regime da al. e) do art. 310º do Código Civil”.
Concordamos que não se deve desvirtuar o objetivo da lei, que, como vimos, é impulsionar o credor a ser diligente a exigir o pagamento neste tipo de prestações constituídas por quotas de amortização de capital pagáveis com os juros, a fim de evitar a insolvência do devedor, não permitindo que o credor, sem correr o risco de ir sendo confrontado com a prescrição das prestações vencidas há mais de cinco anos, possa ir protelando a exigência da dívida.

.2- Data do início da contagem do prazo de prescrição    
.a. Da interrupção do prazo
A lei prevê factos que inutilizam todo o tempo que decorreu desde o início da prescrição até à data em que esse facto ocorre. São os factos que operam a interrupção da prescrição.
De acordo com o disposto no artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
Por outro lado, os n.º 2 e 4 deste preceito estabelecem que se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias e que para estes efeitos qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido é equiparado à citação ou notificação.
Veio a ser, por isso, jurisprudência comum que o prazo de prescrição que esteja a correr interrompe-se por mero efeito da instauração da execução contra o devedor, logo que decorram cinco dias (embora se discuta quando é que a mesma não ocorre por causa não imputável ao requerente, caso em que não opera esta regra, questão que aqui não tem relevância prática).
Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição, em regra, não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
No entanto, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo, se se verificar a desistência, a absolvição da instância por causa imputável ao titular do direito, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, como decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 327.º do Código de Processo Civil.
O mesmo é dizer que se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado e se não ocorrer a deserção, a desistência, a absolvição da instância por causa imputável ao titular do direito, nem fique sem efeito o compromisso arbitral, começa a correr novo prazo de prescrição quando o processo terminar por decisão transitada em julgado.
É pacífico que este preceito tanto se aplica aos processos declarativos como executivos.
Como tão eloquentemente se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-07-2024, no processo 3481/10.0T2AGD-A.P1: “Todos parecem, pois, estar de acordo que o que justifica que o novo prazo não se comece a contar enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo onde ocorreu a citação ou notificação judicial é o facto de a pendência da ação ser uma forma (judicial) do exercício do direito de crédito e, por isso, se o direito está a ser exercido (e o devedor sabe disso pois foi citado ou notificado), não se pode acusar o credor de inércia do exercício do direito, sendo que o devedor está em condições de aí exercer todos os meios de defesa que tenha para opor ao direito.
Esta consequência pode, é certo, importar que o devedor fique durante muito tempo sem obter a segurança jurídica que o instituto da prescrição visa proporcionar-lhe. Contudo, a razão de ser do instituto da prescrição (o qual representa sempre uma violência para o titular do direito, que apesar dessa qualidade fica impedido de o exigir judicialmente) é a de sancionar o desleixo do titular do direito em o exercer. Por isso, faz sentido e afigura-se justo que não se devendo ao credor a demora na tramitação da ação destinada ao exercício do direito, entre o interesse do credor (em exercer o direito de que é titular) e o interesse do devedor (de não cumprir a obrigação que o onera), prevaleça o interesse do titular do direito.
O sentido último do Direito e da Justiça é mesmo o de que os direitos sejam respeitados, as obrigações livremente constituídas sejam cumpridas, a ordem estabelecida seja observada. É assim que deve ser e que, por definição, é Justo.”
O presente caso difere de forma premente daquele que foi apreciada nessa decisão, porquanto enquanto naquela se recusou que a interrupção se iniciasse enquanto o credor estava a receber pagamentos em prestações por força de ato judicial que estava a operar após a declaração da extinção da execução, no presente a extinção da execução colocou um terminus total ao processo.
.b. Da extinção da execução por desconhecimento de bens penhoráveis
A Recorrente entende que a decisão que extinguiu o processo é meramente provisória e não colocou lhe colocou um termo definitivo, por se fundar na falta de bens penhoráveis e a execução poder ser renovada.
É certo que, porque a extinção se fundou no desconhecimento de bens penhoráveis, a execução podia vir a ser renovada, mas tal não significa que a decisão que terminou o processo não o findou, quer formal, quer materialmente. Podem é ocorrer situações (a indicação de novos bens a penhorar) em que a execução se reinicia, sem necessidade de novas citações, o que não impede que a execução se tenha efetivamente extinguido (artigo 850.º, n.º 5 do Código de Processo Civil).
A extinção da execução não é provisória: pode é renovar-se a execução, mas tal não implica que a decisão não valha definitivamente. Funda-se, aliás, numa situação que também justifica, no processo declarativo, a extinção da instância: a sua impossibilidade.
Aliás, para a execução poder ser renovada, exige-se – o que aqui é de muito relevo – um novo impulso do exequente.
Assim, é claro que a execução foi extinta (nos termos do artigo 750.º, n.º 2 do Código de Processo Civil) e o processo está findo, sem necessidade de qualquer outra decisão que dê definitividade ao seu terminus.
Assim, com a extinção da execução iniciou-se novo prazo prescricional, de cinco anos, a tanto não obstando o facto de a execução poder ser reiniciada (em sentido paralelo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2024, no processo 1350/18.5T8PRT-D.P2.S1, em caso menos claro, por fundado no artigo 777.º, n.º 4, alínea b) do Código de Processo Civil).
.c. Concretização
Como tão bem explicou a sentença recorrida: “O que significa, portanto, que com a decisão de extinção da execução n.º 2666/11.7TJVNF, que correu termos pelo Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., datada de 16-01-2015, ou melhor com o seu trânsito, começou a correr novo prazo de prescrição (de 5 anos). Ora, a execução de que estes autos são apenso apenas deu entrada em 15-05-2024 quando haviam passado mais de 9 anos desde o trânsito em julgado da decisão que extinguiu a primeira execução. Assim, perante o prazo prescricional do artigo 310.º alínea e) do Código Civil e a data do incumprimento, aquando da entrada do requerimento executivo já há muito que havia decorrido o novo prazo prescricional.”
Enfim, com a extinção da execução ocorrida em 2015 iniciou-se novo prazo de prescrição quinquenal que terminou em 2020, data muito anterior até à propositura da apensa execução, pela ora Recorrente.
A mesma dá conta desse facto “A exequente dispunha de prazo até 02-02-2020 para proceder, querendo, e reunindo-se as condições para o efeito, à renovação da execução nos termos do disposto no artigo 850º Código de Processo Civil”, mas depois, inexplicavelmente, soma-lhe um novo prazo prescricional de cinco anos, o que não se compreende, por não ter e não lhe ter sido apresentado fundamento.
No presente caso, não há dúvidas que correu termos uma execução em que a cedente do direito exigiu o crédito aqui em discussão, tendo o processo corrido termos até à venda do imóvel e pagamento de parte do crédito ao cedente. No entanto, não foi recuperada qualquer quantia após a  venda, pelo que tal execução foi extinta por insuficiência de bens, em 16-01-2015.
Considera-se, pois, que foi proferida decisão que pôs termos ao processo, transitada, a partir da qual começou a correr o novo prazo prescricional de cinco anos.
 Enfim, quando a Recorrente intentou a execução já o direito estava prescrito pelo que a mesma não tem que se extinguir.

V- Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, julga-se improcedente o recurso e em consequência mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente (artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Guimarães,

Sandra Melo
José Manuel Flores
Conceição Sampaio