Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1665/14.1T8BRG-N.G1
Relator: JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE
Descritores: CANCELAMENTO DA PROTECÇÃO JURÍDICA
COMPETÊNCIA
SEGURANÇA SOCIAL
PODER JURISDICIONAL
DECISÃO INEFICAZ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A decisão de cancelamento da proteção jurídica é da competência dos serviços da Segurança Social nos termos do artº. 10º, nº. 3 da Lei nº 34/2004 de 29/7.
II - A decisão do tribunal que cancela a protecção jurídica viola o âmbito do poder jurisdicional em matéria de proteção jurídica e é absolutamente ineficaz.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
           
1. Relatório
           
Por apenso ao processo de divórcio e constituindo o seu apenso I, AA instaurou, contra BB, acção de prestação de contas.

A 18/01/2022 foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, condenou o A. nas custas e ordenou a notificação do A. para no prazo de 10 dias se pronunciar sobre a sua eventual condenação como litigante de má fé.

A 18/02/2022 foi o A. condenado como litigante de má fé na multa de 20 (vinte) UC.

O A. interpôs recurso quer da sentença, quer da decisão que o condenou como litigante de má fé.

Esta RG, por Acordão de 11/05/2022, manteve ambas as decisões, julgando improcedente o recurso.

A 28/06/2022 foi proferido o seguinte despacho:
“(…)
Notifique o requerente para os efeitos tidos por pertinentes em face do disposto no art. 10º, nº 1, alínea d) e nº 3 da Lei 34/2004, de 29.07, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28.08.
Após, vão os autos ao MP.”

O A., notificado, pronunciou-se, dizendo:
1. O requerente vendeu a meação dos bens do casal à sociedade P..., Lda.
2. Como tal, é esta sociedade que tem legitimidade em agir no âmbito dos presentes autos
3. O requerente foi incumbido de exercer a função de cabeça-de-casal, o que tem feito desde então
4. Como tal, o apoio judiciário concedido nos autos destina-se à intervenção enquanto cabeça-de-casal – para o qual foi nomeado por este tribunal
5. Como tal, pelo exposto e para estes efeitos, o tribunal terá que
a. Manter o apoio judiciário concedido para o efeito, sem o cancelar; ou, caso assim não se entenda
b. Nomear o sujeito processual P..., Lda., na pessoa do seu legal representante, como cabeça-de-casal para os termos e feitos previstos na lei civil.
TERMOS EM QUE, se requer que o tribunal:
a. Mantenha o apoio judiciário concedido para o efeito, sem o cancelar;
b. ou, caso assim não se entenda, nomeie o sujeito processual P..., Lda., na pessoa do seu legal representante, como cabeça-de-casal para os termos e feitos previstos na lei civil

O MP teve vista e pronunciou-se nos seguintes termos.
Uma vez que o requerente foi condenado como litigante de má-fé e tal condenação foi mantida em sede de recurso, a situação enquadra-se no disposto no art.º 10., n.º 1, al. d), da LAJ.
Termos em que, a proteção jurídica caducou.
Em consequência, as custas do processo ficarão a cargo do requerente, tanto mais que não houve qualquer substituição processual.

A 22/11/2022 foi proferido o seguinte despacho:
O A foi condenado como litigante de má fé por sentença confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação
Nos termos do disposto no art. 10º, nº 1, al. d) da LAJ, a “proteção jurídica é cancelada, quer na sua totalidade quer relativamente a alguma das suas modalidades: d) Se em recurso, for confirmada a condenação do requerente como litigante de má fé”.
Pelo exposto e atento o disposto no mencionado preceito legal, determina-se o cancelamento da proteção jurídica na sua totalidade e consequentemente as custas do processo ficam a cargo do A, tanto mais que não houve qualquer substituição processual.
Notifique e comunique aos Serviços da Segurança Social.

O A. veio interpor recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. O presente recurso interposto do despacho datado de 22/11/2022, ao qual foi atribuído a ... (notificado através da Notificação citius com a referência ...49) na parte onde consta o seguinte: “determina-se o cancelamento da proteção jurídica na sua totalidade e consequentemente as custas do processo ficam a cargo do A, tanto mais que não houve qualquer substituição processual”.
II. O tribunal a quo, determinou no despacho recorrido o cancelamento da proteção jurídica,
III. Ora, sempre se considerará que a retirada (cancelamento) da protecção jurídica opera ex nunc – ou seja, “desde agora” – cfr. jurisprudência Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Processo n.º 328/19.6T8PDL.L1-4) e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (Processo n.º 268/11.7TBAVV-D.G1).
IV. Quer dizer que, qualquer cancelamento da proteção jurídica ao recorrente apenas poderá operar a partir de agora, estando todas as despesas e encargos no âmbito dos presentes autos que correram, até agora, asseguradas pelo apoio jurídico que foi concedido e, agora, cancelado pelo tribunal a quo
V. O aludido despacho de que se recorre refere que não existiu qualquer substituição processual do aqui recorrente
VI. O que, se atentarmos à tramitação dos presentes autos não sucede
VII. No apenso J que correu junto aos presentes autos (Processo:
1665/14....), a sociedade P..., Lda. requereu a habilitação dos presentes autos
VIII. A qual veio a ser admitida por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (...)
IX. Ora, notificada para indicar o processo onde quer ser habilitada, a requerente P..., Lda. veio requerer que fosse admitida como cessionária no apenso E
X. Não se poderá olvidar que a P... comprou a meação ao recorrente
XI. ao requerer a sua habilitação, a P... substitui-se processualmente a AA em todo o processo
XII. Como tal, a P..., Lda. já há muito que é sujeito processual nos autos
XIII. Apesar do despacho de 06/06/2022 do tribunal a quo, ao qual foi  atribuído a ..., a P..., Lda. foi admitida a habilitar-se há muito enquanto cessionária
XIV. Neste sentido, não vislumbramos o porquê de que se continue, meses após meses, a que ainda se chame o aqui requerente aos autos, quando já há muito foi reconhecido pelo Tribunal da Relação de Guimarães que a P..., Lda. se poderia habilitar enquanto cessionária
XV. Em suma: A P..., Lda. habilitou-se, logo AA não tem legitimidade quanto a este
XVI. Deve, portanto, o despacho recorrido ser substituído por outro que
 a. Considere o cancelamento da proteção jurídica ex nunc, determinando que apenas nos novos apensos se considere que o recorrente não seja beneficiário de proteção jurídica;
b. notifique o sujeito processual P..., Lda., do despacho datado de 22/11/2022, ao qual foi atribuída a ... (notificado através da Notificação citius com a referência ...49);
c. considere a P..., Lda. como habilitada nos presentes autos, em todos os seus apensos, bem como no processo principal.

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Vislumbrando-se a possibilidade de, face à factualidade referida no Relatório supra, esta Relação conhecer oficiosamente da questão de “o despacho recorrido exceder o poder jurisdicional no âmbito do apoio judiciário e, como tal, não se poder manter, devendo ser revogado e substituído por outro que, com referência ao oficio que comunicou a concessão do beneficio da protecção jurídica ao A., comunique aos serviços da segurança social, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 10º n.º 1, alínea d) da LAPJ, o facto de em 1ª instância e por decisão de 18/02/2022 o mesmo ter sido condenado como litigante de má fé e essa decisão ter sido confirmada por Acordão desta RG de 11/05/2022, comunicação essa acompanhada de certidão das referidas decisões”, foi ordenada a notificação das partes para se pronunciarem em 10 dias, ao abrigo do disposto no art.º 652º n.º 1 e 3º n.º 3, ambos do CPC,.

Nenhuma das partes o fez

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida,

O Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” ( cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida).
 
Das conclusões recursivas resulta que são duas as questões colocadas:
- o âmbito de eficácia do cancelamento da protecção jurídica;
- a questão da “substituição processual”.

No entanto e como referido o Relator suscitou a questão de esta Relação conhecer oficiosamente da questão de o despacho recorrido exceder o poder jurisdicional no âmbito do apoio judiciário, pelo que cumpre apreciar a mesma, antes daquelas, dada a sua precedência lógica e que, a proceder, prejudica a apreciação das questões suscitadas pelo recorrente.

3. Fundamentação de facto

A factualidade a considerar é constituída pelas incidências processuais descritas no Relatório supra.

4. Direito
4.1. Cancelamento da protecção jurídica
Como já referido suscita-se a questão de saber se está no âmbito do poder jurisdicional decretar o cancelamento da protecção jurídica à luz do disposto no art.º 10º da LAPJ, questão que é sinalizada pelo recorrido nas suas contra-alegações, ou se, ao invés, tal é uma competência de um órgão da Administração.

Impõe-se um breve enquadramento jurídico.

O art.º 2º n.º 2 da Lei nº 34/2004 de 29/07, doravante e abreviadamente LAPJ, dispõe que o acesso ao direito compreende a informação jurídica e a protecção jurídica.

Por sua vez o art.º 6º n.º 1 da mesma Lei dispõe que a protecção jurídica reveste a modalidade de consulta jurídica (regulada nos art.ºs 14º e 15º da LAPJ) e de apoio judiciário (regulado no art. 16º e segs. da LAPJ).

Como decorre do art.º 16º, n.º 1 da LAPJ o apoio judiciário compreende as seguintes modalidades:

a) Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
b) Nomeação e pagamento da compensação de patrono;
c) Pagamento da compensação de defensor oficioso;
d) Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
e) Nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono;
f) Pagamento faseado da compensação de defensor oficioso;
g) Atribuição de agente de execução.

Dispõe o n.º 1 do art.º 20º da LAPJ que a decisão sobre a concessão de protecção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente.

A intervenção do tribunal de 1ª instância está limitada aos casos de impugnação judicial dessas decisões (artºs 26º, nº. 2, 27º e 28º da LAPJ).

Relativamente ao cancelamento da protecção jurídica, dispõe o art.º 10º n.º 1 alínea d) da LAPJ que a protecção jurídica é cancelada, quer na sua totalidade quer relativamente a alguma das suas modalidades: (…) d) Se, em recurso, for confirmada a condenação do requerente como litigante de má fé.

Em decorrência do disposto no art.º 6º, n.º 1 da LAPJ, o conceito de protecção jurídica utilizado neste art.º 10º abrange quer a consulta jurídica, quer o apoio judiciário, nas suas diversas modalidades.

Se a protecção jurídica for cancelada na sua totalidade, isso significa que abrange quer a consulta jurídica, quer o apoio judiciário, nas suas diversas modalidades.

Quanto ao âmbito de eficácia da decisão de cancelamento, Salvador da Costa, in O Apoio Judiciário, 10ª edição, depois de referir (pág. 36) que “O conceito de cancelamento implica a revogação do beneficio concedido a alguma das partes na causa”, mais adiante, pág. 42, refere (sublinhado nosso):
 “A revogação da concessão de protecção jurídica no âmbito deste incidente produz efeitos a partir da data da definitividade da decisão administrativa que proferiu a decisão revogatória.
Mas a lei não prevê a consequência jurídica da referida revogação, ou seja, no que concerne àquilo que o beneficiário da protecção jurídica deixou de pagar a título de taxa de justiça, encargos do processo ou à remuneração a patrono, defensor ou agente de execução e que foi suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP.
Face à similitude desta situação com a decorrente do indeferimento do apoio judiciário, propendemos a considerar, nos termos do artigo 10º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, dever aplicar-se por analogia o estatuído no n.º 4 do artigo 29º deste diploma.
Decorrentemente, a partir da definitividade da referida decisão revogatória, o requerido que tenha perdido o respectivo benefício suporta o pagamento dos supracitados valores e constitui mandatário que substitua o patrono ou defensor que o tenha patrocinado na causa, conforme os casos.”

Quanto à legitimidade para suscitar o cancelamento da protecção jurídica, decorre do disposto no art.º 10º n.º 3 da LAPJ a protecção jurídica pode ser cancelada oficiosamente pelos serviços da segurança social ou a requerimento do Ministério Público, da Ordem dos Advogados, da parte contrária, do patrono nomeado ou do agente de execução atribuído.

Decorre ainda do segmento deste normativo, em que se expressa que “a protecção jurídica pode ser cancelada oficiosamente pelos serviços da segurança social”, que, da mesma forma que são os serviços de segurança social que têm competência para conceder o beneficio da protecção jurídica, são, também, os mesmos serviços que têm competência exclusiva para a cancelar.

Não estando incluído, no âmbito do poder jurisdicional, conceder o beneficio da protecção jurídica, também não está cancelar tal beneficio.

Aliás, isto mesmo decorre do n.º 5 do art.º 6º, onde se dispõe que sendo cancelada a protecção jurídica concedida, a decisão é comunicada ao tribunal competente, o que não faria qualquer sentido se o tribunal pudesse, oficiosamente, cancelar a protecção jurídica.

Como também decorre do n.º 1 do art.º 12º ao dispor que da decisão que determine o cancelamento ou verifique a caducidade da protecção jurídica cabe impugnação judicial, que segue os termos dos artigos 27.º e 28.º, o que também não faria qualquer sentido se ao tribunal estivesse o poder de determinar tal cancelamento.

E no sentido de tudo o exposto, o Ac. desta RG de 14/03/2019, processo 268/11.7TBAVV-D.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em cujo sumário consta
I) - A decisão de cancelamento da proteção jurídica é da competência dos serviços da Segurança Social nos termos do artº. 10º, nº. 3 da Lei nº. 34/2004 de 29/7, desde que estejam reunidos os requisitos para o efeito previstos nas alíneas do nº. 1 do mesmo artigo, e é passível de ser impugnada judicialmente.

O tribunal pode mandar entregar certidão ao MP para requerer, junto dos serviços da segurança social, o cancelamento (cfr. Salvador da Costa, in ob. cit., pág. 41) e não lhe está vedado, certamente, comunicar aos serviços da segurança social o facto susceptível de determinar o cancelamento.

4.2. Do conhecimento oficioso da referida questão

Como refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 137, “uma vez interposto recurso, é lícito ao tribunal ad quem conhecer oficiosamente de determinadas questões relativas ao segmento decisório sob apreciação, sejam de natureza processual (…) sejam de natureza substantiva, desde que estejam acessíveis os necessários elementos de facto e seja respeitado o contraditório, tendo em vista evitar decisões surpresa, nos termos do art.º 3º n.º 3.”.

E no mesmo sentido, a pág. 141 refere: “Do mesmo modo, para a decisão do recurso, pode o tribunal apreciar tais questões [de conhecimento oficioso] ex officio, ainda que sobre as mesmas não tenha existido anterior pronúncia ou não tenham sido suscitadas pelo recorrente ou pelo recorrido, embora deva acautelar o principio do contraditório, a fim de evitar decisões surpresa ( art.º 3º n.º 3).

E na nota (219), pág. 137 refere: “A regra que impede o tribunal de recurso de conhecer questões novas não vale quanto às questões de conhecimento oficioso, de que podem conhecer tanto o tribunal a quo como o tribunal ad quem, ainda que as partes as não tenham suscitado.”

A questão suscitada é matéria de conhecimento oficioso da Relação, na medida em que se trata de questão que o próprio tribunal a quo podia suscitar oficiosamente, ou seja, o tribunal a quo pode (e deve) decidir não conhecer de dada questão se a mesma não estiver no âmbito do seu poder jurisdicional, matéria em que está em causa o interesse público na boa administração da justiça.

4.3. Em concreto
Concretamente, resulta da factualidade referida no Relatório supra que o tribunal recorrido declarou o cancelamento da protecção jurídica de que o A. beneficia, em virtude de em 1ª instância e por decisão de 18/02/2022 o mesmo ter sido condenado como litigante de má fé e essa decisão ter sido confirmada por Acórdão desta RG de 11/05/2022.

Porém e em face de tudo o exposto, não estava no âmbito do poder jurisdicional do tribunal a quo determinar esse cancelamento, antes se verifica que a competência para tal está cometida exclusivamente aos serviços de segurança social.

Ao tribunal, apenas é licito mandar entregar certidão ao MP para requerer, junto dos serviços da segurança social, o cancelamento (cfr. Salvador da Costa, in ob. cit., pág. 41) ou comunicar directamente aos serviços da segurança social o facto susceptível de determinar o cancelamento.

Destarte e em face de tudo o exposto, o despacho recorrido excede o poder jurisdicional no âmbito do apoio judiciário.

4.4. Consequência
A lei não refere directamente a consequência para uma decisão que extravasa as atribuições cometidas ao juiz no âmbito do apoio judiciário, sendo certo que:
a) não quadra a absolvição da instância por incompetência absoluta, porque não está em causa uma estrita questão de competência material, mas de limites dos poderes jurisdicionais definidos por lei;
b) não integra as nulidades da sentença porque não estamos perante um vicio intrínseco á decisão.
c) não quadra às nulidades processuais – prática de um acto que a lei não admite – art.º 195º n.º 1 do CPC – porque não está em causa o itinerário processual, a prática de um acto que o itinerário processual previsto na  lei não admite; está em causa uma realidade diversa: a intervenção do juiz num âmbito, domínio, fase, que extravasa as atribuições que lhe estão cometidas pela lei.

O Professor Alberto dos Reis estudou a questão dos vícios da sentença, no seu Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 115 e segs., ali assinalando três situações: a sentença inexistente, a sentença nula, a sentença injusta.

Quanto à sentença inexistente, assinalava que a lei de então não a referia (o mesmo sucedendo hoje) e abarcava as situações em que o acto produzido não tinha o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter a eficácia jurídica própria duma sentença, integrando em tal qualificação as seguintes situações (aut. e ob. cit. pág. 119 e segs): a) é produzido um acto com a forma externa de sentença, mas por alguém que não está investido do poder jurisdicional, seja pelo Estado, seja pelas partes, no domínio da arbitragem; b) a sentença tem como partes pessoas imaginárias; c) não há decisão, no sentido de que não há comando.

Todas as situações em que a sentença reúne os elementos essenciais, mas está inquinada por vícios de formação, deveriam cair na nulidade absoluta.

Quanto à sentença injusta, aqui irrelevante, é a sentença viciada por erro de julgamento e o meio de reacção adequado é a interposição de recurso.

Salvo melhor opinião, mas podemos considerar outra hipótese: uma decisão que extravase os limites dos poderes atribuídos ao juiz pela lei, ou seja, uma decisão que conheça de determinada questão, cujo conhecimento e decisão, está cometido por lei exclusivamente a entidades administrativas, é ilegal e, como tal, não pode produzir quaisquer efeitos, é absolutamente ineficaz e, em consequência, não se pode manter, devendo ser revogada.

E no caso e em função do acima referido, em sua substituição deve determinar-se que, com referência ao oficio que comunicou a concessão do beneficio da protecção jurídica ao A., comunique aos serviços da segurança social, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 10º n.º 1, alínea d) da LAPJ, o facto de em 1ª instância e por decisão de 18/02/2022 o mesmo ter sido condenado como litigante de má fé e essa decisão ter sido confirmada por Acórdão desta RG de 11/05/2022, comunicação essa acompanhada de certidão das referidas decisões.

4.5. Custas
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.

No caso em análise, o recorrente, ainda que por razões substancialmente diversas, obteve vencimento.

Destarte, as custas seriam a cargo do Ministério Público, que contra-alegou, tendo ficado vencido.

No entanto, o mesmo está isento do pagamento de custas ao abrigo do disposto no art.º 4º, nº 1, al. a), do RCP.

Destarte, conclui-se que no presente recurso não há lugar ao pagamento de custas.

5. Decisão

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª secção da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso, ainda que por fundamentos diversos e em consequência, revogar o despacho recorrido, proferido a 22/11/2022 e, em sua substituição, determina-se que, com referência ao oficio que comunicou a concessão do beneficio da protecção jurídica ao A., comunique aos serviços da segurança social, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 10º n.º 1, alínea d) da LAPJ, o facto de em 1ª instância e por decisão de 18/02/2022 o mesmo ter sido condenado como litigante de má fé e essa decisão ter sido confirmada por Acórdão desta RG de 11/05/2022, comunicação essa acompanhada de certidão das referidas decisões.

Sem custas

Notifique-se
Guimarães, 12/10//2023
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
 
Relator: José Carlos  Duarte
Adjuntos:  Maria Gorete Morais
Gonçalo Magalhães