Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO EXCEÇÃO DILATÓRIA DE INEPTIDÃO REQUERIMENTO EXECUTIVO FALTA DE ALEGAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR NEGÓCIO JURÍDICO TRILATERAL TÍTULO EXECUTIVO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1- Enquanto nos negócios jurídicos unilaterais há uma só declaração de vontade ou várias, mas paralelas, formando um só grupo, em que apenas existe um autor dessas declarações, nos contratos ou negócios jurídicos bilaterais existem duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergente, que se sintetizam, fundem ou conciliam num mútuo consenso, em que os declarantes formam uma única disciplina jurídica em que constituem, regulam, modificam ou extinguem relações jurídicas entre eles de acordo com os seus interesses. 2- Um título executivo integrado por um documento particular autenticado, no qual figuram três outorgantes, em que estes acordam na extinção da dívida que estava a ser cobrada coercivamente pela nele 1ª outorgante da 2ª outorgante em processo executivo em curso; em que acordam na constituição de nova dívida da 2ª outorgante perante a 1ª, que declara reconhecer essa dívida, em que regulam o modo de pagamento dessa nova dívida e as consequências decorrente do seu incumprimento e em que o aí 3º outorgante se declara fiador das obrigações assumidas pela 2ª outorgante perante a 1ª, renunciando ao benefício de excussão prévia, não configura um negócio jurídico unilateral, mas sim um negócio jurídico trilateral, isto é, um contrato, ao qual não é aplicável o regime jurídico do art. 428º do CC. 3- Não é juridicamente possível autonomizar a declaração de reconhecimento de dívida feita pela 1ª outorgante nesse documento, das demais declarações negociais que nele se encontram explanadas e, com fundamento de que esse reconhecimento de dívida é uma declaração unilateral, submeter esse pretenso negócio unilateral (e todo o regime jurídico regulado no documento que corporiza o contrato) ao regime jurídico do art. 428º do CC, sob pena de se postergar a unidade teleológica das declarações negociais vertidas no contrato, em que os contraentes, no exercício da sua liberdade contratual, fundiram, num todo único e incindível, a disciplina jurídica que nele acordaram. 4- O contrato é fonte autónoma de obrigações (art. 406º, n.º 1 do CC), pelo que, em execução para pagamento de quantia certa, fundada em incumprimento de contrato, o exequente, para além de ter de juntar o título executivo (contrato, com os requisitos de exequibilidade previstos na al. b), do n.º 1, do art. 703º do CPC), no requerimento executivo, apenas tem o ónus de alegação da facticidade referente ao incumprimento contratual do executado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: * RELATÓRIOE... Lda., com sede na ..., ... ..., instaurou execução para pagamento de quantia certa contra AA, residente na Rua ..., ... ..., visando obter a cobrança coerciva da quantia de 3.873,90 euros de capital em dívida, acrescida da quantia de 2.107,61 euros de juros de mora vencidos, a que acrescem os vincendos, dando à execução um documento particular autenticado, outorgado em 18/1/2021, assinado, entre outros, por exequente e executado. Para tanto alegou, em sede de requerimento executivo, que, por documento particular autenticado por advogado, outorgado em 18/01/2021, foi celebrado um acordo de pagamento em prestações entre diversos outorgantes, em que figuram a aqui exequente e o aqui executado, assinado pel(a)os aí outorgantes, através do qual convencionaram o seguinte: o executado confessou-se devedor à exequente da quantia de 3.873,90 euros, correspondente ao valor em dívida do processo executivo n.º ...6..., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Cível, Juiz ...; as partes convencionaram que a dita quantia deveria ser paga em 77 prestações, no valor unitário de 52,35 euros, a serem pagas ao dia 18 de cada mês; o pagamento das referidas prestações deveria ser efetuado através de entidade e referência emitidas pelo mandatário da exequente e entregue ao executado. Acontece que, em 18/04/2021, venceu-se a 4ª prestação, que não foi liquidada, o que determinou o vencimento das restantes prestações. No âmbito da execução que antecede procedeu-se, em 21/03/2022, à penhora do saldo de uma conta bancária, no montante de 515,10 euros (cfr. auto de penhora junto aos autos de execução a 06/05/2022); em 28/09/2022, à penhora de um prédio urbano composto por fração autónoma designada pela letra ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...53 – ... (cfr. auto de penhora junto aos autos de execução em 06/12/2022); e à parte penhorável do vencimento do executado (cfr. auto de penhora junto aos autos de execução em 06/12/2022). Citado o executado para pagar, querendo, a quantia exequenda e/ou deduzir oposição à execução e/ou à penhora, deduziu oposição à execução e à penhora. Em sede de oposição à execução, invocou a exceção dilatória de inexistência de título executivo, alegando que o termo de autenticação do “acordo de assunção e pagamento prestacional” que serve de título executivo à presente execução é nulo, dado não conter a identificação completa das partes quanto aos segundos e terceiros outorgantes no “acordo de assunção e pagamento prestacional”, e quanto ao aí primeiro outorgante (o executado), não só o termo de autenticação não contém a identificação completa deste, como também não contém a qualidade da sua verificação e a verificação dessa qualidade; acresce que também existem dois termos de autenticação distintos para servir de base à autenticação do referido “acordo de assunção e pagamento prestacional”, os quais igualmente pecam por defeito, o que tudo determina a invalidade dos termos de autenticação, na medida em que nenhum deles engloba a identificação e assinatura de todas as partes intervenientes no “acordo de assunção e pagamento prestacional” e tão pouco os referidos termos de autenticação identificam a entidade autenticadora, nem neles se encontra aposta a assinatura dessa entidade, nem a qualidade em que os autenticou, arrastando os mencionados vícios a nulidade dos termos de autenticação e, em decorrência dela, a nulidade do “acordo de assunção e pagamento prestacional”, com a consequente falta de título executivo que serve de base à execução. Invocou a exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo por falta de alegação de causa de pedir e por ininteligibilidade do pedido, sustentando que o valor em dívida que figura no “acordo de assunção e pagamento prestacional” ascende a 3.680,00 euros, e não à quantia de 3.873,90 euros que vem narrada pela exequente no requerimento executivo; naquele “acordo de assunção e pagamento prestacional” prevê-se que aquela quantia será paga em 70 prestações mensais, no valor de 52,56 euros cada, e não em 77 prestações, no valor de 52,35 euros, conforme vem alegado pelo exequente no requerimento executivo; o valor referido no requerimento executivo a título de cláusula penal não ascende aos 1.936,95 euros narrados no requerimento executivo, mas sim a 1.840,00 euros; finalmente, a exequente reclama juros de mora à taxa comercial quando o executado é uma pessoa singular e aquela não alegou, no requerimento executivo, o fundamento para reclamar juros à taxa comercial. Impugnou a facticidade alegada pela exequente no requerimento executivo. Em sede de oposição à penhora, alegou existir excesso de penhora. Concluiu pedindo que se julgasse a oposição à execução procedente e se determinasse a extinção da execução e, bem assim, se julgasse procedente a oposição à penhora e se ordenasse o imediato levantamento da penhora e o cancelamento do registo do prédio constituído por fração autónoma designada pela letra ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...53 – ..., inscrito na matriz sob o art. ...89º. Recebidas liminarmente as oposições à execução e à penhora, a exequente contestou, defendendo-se por impugnação. Concluiu pela improcedência da exceção de falta de título executivo invocada pelo executado, alegando que os atos notarias apenas são nulos nas situações previstas nos arts. 70º e 71º do Código de Notariado, pelo que, entre os vários vícios que vêm invocados pelo executado, apenas a falta de assinatura dos outorgantes ou do notário (no caso, de advogado) seria suscetível de determinar a nulidade do título executivo, o que não é o caso, dado que o termo de autenticação encontra-se devidamente assinado pelos devedores, e no final deste, encontra-se devidamente assinado e carimbado pelo advogado certificante. Concluiu pela improcedência da exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo suscitada pelo executado, sustentando que o teor do documento dado à execução corresponde integralmente ao que se encontra alegado pela exequente no requerimento executivo, não existindo as divergências apontadas pelo executado; quanto aos juros de mora à taxa supletiva aplicável às relações comerciais, alegou que a obrigação exequenda provém de uma transação comercial, no âmbito do que foram, designadamente, fornecidas bebidas para venda em estabelecimento comercial, sendo, neste conspecto, irrelevante o facto de o executado ser uma pessoa singular, sendo os juros moratórios devidos a calcular à taxa comercial. Impugnou a existência de excesso de penhora e a facticidade alegada pelo executado a propósito desse pretenso excesso. Concluiu pedindo que se julgassem as oposições à execução e à penhora improcedentes e se mantivessem todas as penhoras realizadas no âmbito da execução. Dispensou-se a realização de audiência prévia e proferiu-se despacho saneador, em que se julgou procedente a exceção dilatória de nulidade do requerimento executivo por falta de alegação de causa de pedir e, em consequência, absolveu-se o executado da instância executiva e declarou-se extinta a execução, constando esse despacho da seguinte parte dispositiva: “Em face do exposto e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 196.º, 278.º, n.º 1, alínea b), 577.º, alínea b), e 578.º, todos do NCPC, julga-se verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo com fundamento na ineptidão do requerimento executivo por falta de causa de pedir, absolvendo-se o embargante/executado AA da instância executiva e declarando-se, consequentemente, extinta a execução. Custas pela embargante. Fixo o valor da causa em 5.981,51 € – cfr. artigos 304.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC. Notifique”. Inconformada com o decidido a exequente interpôs o presente recurso de apelação em que formulou as seguintes conclusões: I- O presente recurso tem como objeto a matéria de Direito do despacho saneador através do que, em suma, o Tribunal a quo julgou verificada a ineptidão do requerimento executivo, absolveu o Recorrido da instância executiva e declarou extinta a execução, por entender que o título executivo encerra um ato causal (ou corporiza um negócio jurídico unilateral) e que, em face de tal, o Exequente deveria ter alegado, e não o fez, a relação fundamental subjacente, posto que a mesma não consta, segundo considerou o Tribunal a quo, do próprio título executivo. II- Efetivamente, a simples declaração confessória, não aceite pelo credor, constitui negócio jurídico unilateral, não sendo, por regra, fonte autónoma de obrigações. III- Sucede que o título executivo nos presentes autos corporiza um acordo de pagamento em prestações celebrado no âmbito de um processo executivo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 806.º e ss. do CPC, outorgado pela devedora, pelo Embargante (como fiador) e pela Recorrente, em que se encontram, além do mais, estabelecidos o meio de pagamento e as consequências para o incumprimento. IV- Tal título executivo, integrando, por isso, um acordo de vontades, com obrigações recíprocas e em composição de interesses dos outorgantes, remete, assim, para a figura negocial do contrato, consubstanciando um negócio jurídico bilateral, designadamente nos termos do disposto no artigo 1248.º e ss. do CC. V- Nada obsta à emissão de uma declaração confessória de uma dívida no âmbito de um contrato, estabelecendo-se, como sucedeu no caso vertente, um esquema de cumprimento, dependente, como se mostra evidente, do acordo de vontades do devedor e do credor. VI- Acresce que, uma vez que o Recorrido se constituiu fiador da obrigação assumida no documento que constitui título executivo, e posto que a constituição de fiança depende, como resulta dos artigos 627.º e 628.º do CC, do encontro de vontades entre o credor e o fiador (cf., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 14 de março de 2002, no âmbito do processo n.º 02B2620), necessário se torna concluir que, particularmente no que respeita ao Recorrido, o documento dado à execução incorpora um negócio jurídico bilateral. VII- Do exposto decorre, assim, que o título executivo nos presentes autos não está sujeito à disciplina do artigo 458.º do Código Civil na medida em que formaliza a constituição de contratos, fontes da respetiva obrigação de pagamento e prestação de fiança. VIII- Pelo exposto, ao decidir como decidiu – i. e., que o título executivo corporiza, não um negócio jurídico bilateral (ou negócio abstrato), mas sim um ato causal (no sentido de se tratar de um negócio jurídico unilateral) – o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 458.º, 1248.º, 627.º e 628.º do CC, 806.º, 703.º, n.º 1, alínea b), e 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC, preceitos estes que, isolada ou conjugadamente, deveriam ter sido interpretados no sentido de que o título executivo em causa incorpora negócios jurídicos bilaterais que alicerçam suficientemente a relação causal, sendo inaplicável o regime do artigo 458.º do CC, bem como, por esse motivo, a necessidade de alegação da relação fundamental. IX- Ainda que assim não se entendesse, nem do artigo 458.º do CC (que apenas estabelece a presunção da existência de relação fundamental subjacente à emissão da declaração unilateral), nem do artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC (que apenas impõe a obrigação de expor os factos que fundamentam o pedido quando não constem do título executivo), resulta que tais normas impunham a obrigação de alegação, no requerimento executivo, da relação fundamental subjacente aos negócios jurídicos unilaterais. X- Pelo exposto, ao decidir como decidiu – i. e., que do disposto nos artigos 458.º do CC e 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC decorre a obrigação de alegação, no requerimento executivo, da relação fundamental subjacente aos negócios jurídicos unilaterais – o Tribunal a quo violou o disposto nesses artigos, preceitos estes que, isolada ou conjugadamente, deveriam ter sido interpretados no sentido de que tais normas não impõem essa obrigação. XI- Ainda que assim também não se entendesse, resultando do requerimento executivo e, principalmente, do documento dado à execução que os respetivos signatários estabeleceram um acordo para pagamento de uma quantia que se encontrava em dívida no âmbito de uma ação executiva e que o Recorrido se comprometeu perante a Recorrente assinando esse documento na qualidade de fiador, tal seria, só por si, suficiente para que se concluísse que do título executivo constam suficientemente os factos que fundamentam o pedido e de que a relação fundamental subjacente se encontra suficientemente alegada no requerimento executivo. XII- Pelo exposto, ao decidir como decidiu – i. e., que o título executivo não contém a indicação da relação fundamental e/ou que esta não se encontra suficientemente alegada no requerimento executivo – o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 724.º, n.º 1, alínea e), 806.º do CPC, 1248.º e 627.º e 628.º do CC, preceitos estes que, isolada ou conjugadamente, deveriam ter sido interpretados no sentido de que, no caso vertente, do título executivo constam suficientemente os factos que fundamentam o pedido e de que a relação fundamental subjacente se encontra suficientemente alegada no requerimento executivo. TERMOS EM QUE e noutros que VV. Exas. suprirão, concedendo-se a apelação e revogando-se a sentença revidenda, substituindo-se por outra que julgue inverificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo com fundamento na ineptidão do requerimento executivo por falta de causa de pedir, far-se-á JUSTIÇA. * Não foram apresentadas contra-alegações.* A 1ª Instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos de oposição mediante embargos e com efeito meramente devolutivo, o que mereceu a adesão do relator.* Corridos os vistos legais cumpre decidir. * II- DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso do tribunal - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido objeto da decisão recorrida, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido nelas apreciadas, visando obter a anulação destas quando padeçam de vício determinativo da sua nulidade, ou a sua revogação ou alteração quando padeçam de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito, nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído a decisão sob sindicância[1]. No seguimento desta orientação, cumpre ao tribunal ad quem apreciar uma única questão que consiste em saber se o despacho saneador recorrido, ao nele se julgar procedente a exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo por falta de alegação de causa de pedir e, em consequência, ao se ter absolvido o apelado (executado) da instância executiva, declarando extinta a execução, padece de erro de direito. * III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos que relevam para o conhecimento do objeto do recurso são os que constam do relatório acima exarado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, a que acresce a seguinte facticidade: A- O título executivo junto pela apelante em anexo ao requerimento executivo é um documento autenticado em 18/01/2021, por advogado, intitulado de “Acordo de Assunção e Pagamento Prestacional de Dívida”, outorgado entre E..., Lda., enquanto Primeira Outorgante (aqui exequente e embargada - apelante), BB, enquanto Segunda Outorgante, e AA, enquanto Terceiro Outorgante (aqui executado e embargante – apelado) , o qual consta do teor que se segue: “(…) é estabelecido e reciprocamente aceite o presente acordo a reger-se pelas cláusulas seguintes: 1- A Segunda Outorgante reconhece-se devedora ao Primeiro Outorgante da quantia de 4.030,95 euros, incluindo juros vencidos e todas as despesas judiciais incluindo os honorários do solicitador de execução a que se reporta o litígio que sob o n.º 4069/16.... corre os seus termos no 1º Juiz ... do Juízo Local Cível ... (Tribunal Judicial da Comarca ...). 2- Aquela quantia será paga em 77 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor unitário de 52,35 euros (cinquenta e dois euros e trinta e cinco cêntimos) vencendo-se a primeira no dia 18-01-2021 e as seguintes em iguais dias dos meses subsequentes. 3- Acordam as partes que o pagamento das prestações deverá ser efetuado através da seguinte referência da rede MB Entidade:...79 Referência: ...09 Valor: 52,35. 4- Estabelecem expressamente as partes que o não pagamento pontual das referidas prestações importará o vencimento de todas as demais, bem como o vencimento de juros correspondentes ao referido valor de capital pelo período de diferimento das prestações, e ainda o pagamento da quantia de 50% sobre o valor em dívida, a título de cláusula penal, juros de mora à taxa legal acrescida da sobretaxa de 3%, também a título de cláusula penal. 5- Ademais, estabelecem expressamente as partes que dispensam/renunciam à interpelação prévia necessária ao vencimento de todas as prestações pelo incumprimento de uma delas. 6- O Terceiro Outorgante intervém como fiador e principal pagador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, e assume todas as obrigações emergentes deste contrato para a Segunda Outorgante, as aqui estabelecidas e as que resultarem das prorrogações contratuais, durante vinte anos, respondendo diretamente perante a Primeira Outorgante. 7- O incumprimento do presente acordo confere à Primeira Outorgante o direito de requerer o prosseguimento da presente execução, nos termos do n.º 1 do artigo 808º do Código de Processo Civil, pelas quantias peticionadas após deduzidos os pagamentos efetuados, acrescida dos juros de mora. 8- O incumprimento do presente acordo implica o incumprimento simultâneo e imediato do acordo celebrado no processo que corre termos sob o n.º 55/17.... no Juízo de Competência Genérica ... (Tribunal Judicial da Comarca ...). 9- Por ser verdade e corresponder à vontade das partes vai o presente acordo, com duas folhas, ser datado e assinado, em quatro exemplares, todos fazendo igual fé destinando-se uma delas a dar conhecimento ao tribunal referido acima. ..., 18-01-2021 1ª Outorgante: (segue-se assinatura) 2º Outorgante: (segue-se assinatura) 3º Outorgante: (segue-se assinatura)”. * IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.Entendeu a 1ª Instância que o título executivo que serve de base à execução, consubstanciado num documento particular autenticado por advogado, intitulado de “Acordo de Assunção e Pagamento Prestacional de Dívida”, cujo teor se acaba de transcrever, não configura um contrato, mas antes um negócio jurídico unilateral “recognitivo de uma dívida, pois que nele consta que a outorgante/devedora BB declara dever a importância de 4.030,95 euros à exequente/credora (a que acrescem “juros de mora vencidos e todas as despesas judiciais incluindo os honorários do solicitador de execução”) e que tal quantia será paga em prestações, tendo ainda sido fixada um cláusula penal no caso de não pagamento das ditas prestações” e que, por isso, esse pretenso negócio jurídico unilateral encontra-se submetido ao regime jurídico do n.º 1, do art. 458º do Código Civil (doravante, CC, a que se referem todas as disposições que se venha a mencionar sem menção em contrário), nos termos do qual, conforme resulta da múltipla jurisprudência que citou, embora se presuma que o negócio jurídico de onde emerge a dívida reconhecida existe e dispense o credor do ónus da prova dos factos constitutivos desse negócio jurídico base, causal ou fundamental de onde emerge a dívida reconhecida, não o dispensa do respetiva ónus de alegação, factos constitutivos esses que, em sede executiva, terão de ser alegados pelo exequente (credor) em sede de requerimento executivo, salvo se os mesmos já constarem do título executivo. Assim, não tendo a exequente alegado “no requerimento executivo os factos constitutivos da relação causal nem os mesmos constam do título executivo”, segundo o tribunal a quo ocorre o “vício de falta causa de pedir do requerimento executivo, gerador da respetiva ineptidão nos termos do disposto no artigo 186º, n.º 2, alínea a), do CPC, nulidade que é, de resto, de conhecimento oficioso (art. 196º do CPC), pelo que, no saneador recorrido, a 1ª Instância julgou procedente a exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo por falta de alegação de causa de pedir e, em consequência, absolveu o executado (apelado) da instância executiva e declarou extinta a execução. A apelante imputa erro de direito ao assim decidido, entre outros fundamentos, por, na sua perspetiva, “o título executivo nos presentes autos corporizar um acordo de pagamento em prestações celebrado no âmbito de um processo executivo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 806º e ss. do CPC, outorgado pela devedora, pelo embargante (como fiador) e pela recorrente, em que se encontram, além do mais, estabelecidos o meio de pagamento e as consequência para o incumprimento”, integrando, por isso, “um acordo de vontades, com obrigações e em composição de interesses dos outorgantes”, ou seja, um contrato, o qual não se encontra submetido ao regime jurídico do art. 458º do CC, estando, portanto, aquela dispensada do ónus alegatório previsto nessa disposição legal. Deste modo, a questão que vem suscitada pelas partes e que cumpre ao tribunal ad quem solucionar traduz-se em saber se o negócio jurídico corporizado no título executivo que serve de base à execução se subsume à figura jurídica dos negócios jurídicos unilaterais ou à figura jurídica dos negócios jurídicos bilaterais (contrato). Precise-se que o Código Civil reconhece e regula duas modalidades de negócios jurídicos: os negócios jurídicos unilaterais e o contrato ou negócios jurídicos bilaterais. O critério que serve de base à classificação do negócio jurídico numa ou noutra das enunciadas modalidades é o número e o modo de articulação das declarações integradoras do negócio jurídico. Conforme expende Carlos Alberto da Mota Pinto, “nos negócios unilaterais há uma só declaração de vontade ou várias declarações, mas paralelas, formando um só grupo. Se olharmos os autores das declarações, constataremos haver um só lado, uma só parte. É o caso do testamento, da renúncia à prescrição, de procuração”. Por sua vez, “nos contratos ou negócios bilaterais há duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se na sua comum pretensão de produzir resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte. Há assim uma oferta ou proposta e a aceitação, que se conciliam num consenso. É o caso paradigmático da compra e venda”, e adianta que, o contrato ou negócios jurídicos bilaterais, “não são integrados por dois negócios unilaterais”, na medida em que neles “cada uma das declarações (proposta e aceitação) é emitida em vista do acordo”[2]. Enfatize-se que o problema da eficácia obrigacional dos negócios jurídicos unilaterais, isto é, se os negócios jurídicos unilaterais podem ser fonte autónoma da obrigações, ou dito por outras palavras, se qualquer pessoa deve considerar-se obrigada perante outra, constituindo a favor desta um direito de crédito, mediante simples declaração unilateral sua, não tem merecido resposta uniforme por parte dos vários ordenamentos jurídicos e pela doutrina, embora a generalidade dos ordenamentos jurídicos e dos autores aceitem que essa questão merece resposta negativa, salvo nos casos expressamente previstos na lei. Daí que, de acordo com os ordenamentos jurídicos e a doutrina maioritários, “a declaração unilateral só é reconhecida como fonte autónoma de obrigações nos casos especialmente previstos na lei (testamento, títulos de crédito, indiretamente a perfilhação, a procuração, etc.). Como regra, para que haja o dever de prestar e o correlativo poder de exigir a prestação, fora dos casos em que a obrigação nasce diretamente da lei (gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil, etc.), é necessário o acordo (contrato) entre o devedor e o credor – o duorum in idem placitum consensos. A esta ideia se tem dado o nome do princípio do contrato, para significar que só a convenção bilateral, no domínio das obrigações assentes sobre a vontade das pessoas, pode em regra criar o vínculo obrigacional[3]. Esta posição maioritária e tradicional foi a que foi consagrada pelo legislador nacional no art. 451º do CC, em que estatui que: “A promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei”. Com efeito, resulta do dispositivo legal que se acaba de transcrever que, no ordenamento civil nacional a admissibilidade legal de negócio jurídico unilateral como fonte autónoma de obrigações tem caráter excecional, só obrigando o declarante à obrigação constituída a favor de terceiro mediante simples declaração unilateral sua nos casos expressamente tipificados na lei, vigorando a regra de que que o negócio unilateral não é fonte autónoma de obrigações[4]. Uma das situações em que a lei reconhece expressamente que o negócio unilateral pode constituir fonte de obrigações (mas não que constitua fonte autónoma destas) é o caso de promessa de cumprimento e de reconhecimento de dívida. Na verdade, lê-se no art. 458º, n.º 1 do CC que: “Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário”; acrescentando-se no seu n.º 2 que: “A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não foram exigidas para a prova da relação fundamental”. Com efeito, mediante esta disposição legal o legislador nacional reconhece que a promessa ou o reconhecimento de dívida, feita por ato unilateral do declarante, em documento escrito (salvo se outras formalidades forem exigidas para a prova da relação fundamental, em que naturalmente a promessa de cumprimento e o reconhecimento de dívida feita pelo declarante (devedor) tem de observar os requisitos de forma impostos por lei para o negócio causal), sem indicação da causa da obrigação, ou seja, sem que o devedor indique o fim jurídico que o leva a obrigar-se, faz presumir a existência e a validade da relação fundamental de onde emerge a dívida que promete cumprir ou que reconhece, e, portanto, admite que essa declaração unilateral possa ser fonte da obrigação do declarante (devedor) de ter de cumprir a obrigação reconhecida caso não ilida a presunção prevista nesse preceito da existência e da validade da relação fundamental (causa) de onde emerge a mesma. Enfatize-se que no art. 458º não se consagra que a promessa de cumprimento ou o reconhecimento de dívida feita por ato unilateral do declarante (devedor), sem indicação da sua causa, seja fonte autónoma da obrigação prometida ou reconhecida, mas apenas se consagra que a promessa de cumprimento da obrigação ou o seu reconhecimento, por ato unilateral do declarante (devedor), “faz presumir que a dívida existe; que há uma causa que a justifica, ou seja, uma relação fundamental em que se integra, um ato ou facto que a gerou. Inverte-se, pois, o ónus da prova. Aquele que se arroga a posição de credor não precisa provar a causa da dívida, visto beneficiar da presunção decorrente da declaração feita. À outra parte é que competirá provar que afinal não é devedor porque a dívida nunca teve causa ou essa causa já cessara”[5]. Daí que fazendo o reconhecimento da dívida, nos termos do art. 458º, apenas presumir que esta existe e que tem causa que a justifica, fazendo presumir a existência da dívida e da sua causa, ou seja, a existência e validade da relação jurídica negocial ou extra negocial de onde a dívida emerge (compra e venda, mútuo, etc.), mas não sendo o reconhecimento fonte autónoma da dívida reconhecida, cuja verdadeira fonte reside na relação jurídica fundamental ou causal, apesar de quem se pretenda prevalecer do reconhecimento da dívida, por força do disposto no n.º 1, do art. 350º, se encontre dispensado do ónus da prova dos factos constitutivos da relação jurídica fundamental, não se encontra dispensado do ónus de alegação dos factos essenciais constitutivos desta, ónus alegatório esse que o obriga a alegar esses factos essenciais constitutivos do negócio causal de onde emerge a dívida na petição inicial ou, tratando-se de execução, no requerimento executivo, exceto se no título executivo dado à execução já constarem esses factos constitutivos da relação fundamental ou causal (al. c), do n.º 1, do art. 703º do CPC)[6]. Decorre do que se vem dizendo que, a consubstanciar o título executivo dado à execução um reconhecimento de dívida, isto é, um negócio jurídico unilateral, então, tal como ponderou a 1ª Instância e é, aliás, reconhecido pela própria apelante, impunha-se que esta tivesse alegado, no requerimento executivo, os factos essenciais constitutivos da relação jurídica fundamental que constitui a fonte da obrigação reconhecida por BB naquele título, salvo se esses factos já constarem desse título. Acontece que a apelante advoga que o título executivo que deu à execução, não consubstancia um negócio jurídico unilateral, mas sim um contrato, isto é, um negócio jurídico bilateral, ao qual não é aplicável o regime jurídico do art. 458º e, antecipe-se desde já, salvo melhor opinião, com inteira razão. Na verdade, conforme antedito, o que distingue os negócios jurídicos unilaterais da figura do contrato (negócios jurídicos bilaterais) é o número e o modo de articulação das declarações integradoras do negócio. Nos negócios jurídicos unilaterais há uma só declaração de vontade ou várias declarações, mas paralelas, que apenas formam um só grupo, ou seja, existe apenas um só lado, uma só parte declarante. Nos contratos há duas ou mais declarações de vontade (proposta e aceitação), de conteúdo oposto, mas convergentes, que se conciliam num consenso, com vista a produzirem um resultado jurídico unitário, constituindo, regulando, modificando ou extinguindo relações jurídicas[7]. Ora, conforme resulta da mera análise do título executivo que serve de fundamento à execução, este é integrado por um documento particular, autenticado por advogado, datado de 18 de janeiro de 2021, intitulado de “Acordo de Assunção e Pagamento Prestacional de Dívida”, onde figuram como outorgantes a aqui apelante, E..., Lda., o aqui apelado, AA, e BB, tratando-se, portanto de um negócio jurídico trilateral, em que cada um dos neles contratantes fazem declarações de vontade, de conteúdo, oposto mas convergente, com vista a atingirem um objetivo comum a que a ordem jurídica confere tutela jurídica, nos termos do disposto nos arts. 405º e 406º do CC, qual seja o de fazerem extinguir a dívida exequenda de que BB era devedora perante a aqui apelante e que estava a ser reclamada pela apelante no âmbito da execução que lhe moveu e que se encontrava a correr termos no ... Juízo ..., Juiz ..., sob o n.º 4069/16....; a constituição de nova dívida de BB perante a apelante, que a primeira reconheceu; a fixação do modo de pagamento dessa nova dívida e as consequências jurídicas que decorreriam do seu incumprimento; e em que o aqui apelado (executado) se constituiu fiador de BB por as obrigações por ela assumidas em relação a essa nova dívida assumida perante a apelante. Trata-se, portanto, de um negócio jurídico unitário – um contrato – em que os nele(s) contratantes regularam juridicamente, por acordo, os seus interesses, e em que as declarações negociais por eles aí emitidas se fundiram, formando mútuo consenso, sintetizando-se num único negócio jurídico trilateral, ou seja, num contrato, no qual fizeram extinguir o anterior direito de crédito que a apelante tinha sobre BB, e em que constituíram um novo direito de crédito da primeira sobre a última (a nova dívida que BB reconheceu dever à apelante), regularam o modo de cumprimento dessa nova dívida, fixaram as consequências jurídicas que decorreriam do incumprimento desta e constituíram uma outra obrigação - obrigação de garantia – em que o apelado (executado) se obrigou pessoalmente perante a apelante a satisfazer as obrigações assumidas por BB em caso de incumprimento do acordado quanto à nova dívida por esta assumida perante a apelante e renunciando ao benefício da excussão prévia. E constituindo o título executivo que serve de base à execução um negócio jurídico trilateral, ou seja, um único contrato, não é juridicamente viável cindir as declarações negociais nele emitidas por cada um dos contraentes, como foi o caso, em que a 1ª Instância autonomizou a declaração de reconhecimento da nova dívida nele feita por BB para com a apelante, das demais declarações negociais por ela e pelos restantes dois contraentes (apelante e apelado) explanadas nesse contrato, sob pela de se postergar a unidade teleológica das declarações negociais que os contraentes, no exercício da sua liberdade contratual (art. 406º, n.º 1 do CC), quiseram fundir, e fundiram, numa única disciplina jurídica de regulação dos seus interesses. Daí que configurando o título executivo um contrato, ou seja, um único negócio jurídico trilateral, em que as declarações negociais nele explanadas são juridicamente incindíveis, em que os direitos e as obrigações nele assumidas por cada um dos contraentes formaram mútuo consenso, fundindo-se numa única disciplina jurídica, salvo melhor opinião, o mesmo não se encontra submetido ao regime jurídico do art. 458º do CC, mas antes à disciplina jurídica do art. 406º, n.º 1 do mesmo Código, nos termos do qual os contratos devem ser pontualmente cumpridos, só podendo modicar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, sendo, portanto, o contrato fonte autónoma de obrigações para os nele contraentes. Resulta do que se vem dizendo que, ao cindir a declaração de reconhecimento de dívida emitida pela devedora BB das demais declarações emitidas por aquela e pelos restantes contraente que se encontram vertidas no título executivo que serve de base à execução, e, com base nessa autonomização, ao submeter a disciplina jurídica vertida nesse título executivo, ao regime jurídico do art. 458º, n.º 1 do CC e, nessa sequência, ao julgar procedente a exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo por falta de causa de pedir e, em consequência, ao absolver o apelado (executado e embargante) da instância executiva e ao julgar extinta a execução, a 1ª Instância incorreu em erro de direito, impondo-se revogar o despacho saneador recorrido quanto a este segmento decisório e ordenar o prosseguimento dos autos. * Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).1- Enquanto nos negócios jurídicos unilaterais há uma só declaração de vontade ou várias, mas paralelas, formando um só grupo, em que apenas existe um autor dessas declarações, nos contratos ou negócios jurídicos bilaterais existem duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergente, que se sintetizam, fundem ou conciliam num mútuo consenso, em que os declarantes formam uma única disciplina jurídica em que constituem, regulam, modificam ou extinguem relações jurídicas entre eles de acordo com os seus interesses. 2- Um título executivo integrado por um documento particular autenticado, no qual figuram três outorgantes, em que estes acordam na extinção da dívida que estava a ser cobrada coercivamente pela nele 1ª outorgante da 2ª outorgante em processo executivo em curso; em que acordam na constituição de nova dívida da 2ª outorgante perante a 1ª, que declara reconhecer essa dívida, em que regulam o modo de pagamento dessa nova dívida e as consequências decorrente do seu incumprimento e em que o aí 3º outorgante se declara fiador das obrigações assumidas pela 2ª outorgante perante a 1ª, renunciando ao benefício de excussão prévia, não configura um negócio jurídico unilateral, mas sim um negócio jurídico trilateral, isto é, um contrato, ao qual não é aplicável o regime jurídico do art. 428º do CC. 3- Não é juridicamente possível autonomizar a declaração de reconhecimento de dívida feita pela 1ª outorgante nesse documento, das demais declarações negociais que nele se encontram explanadas e, com fundamento de que esse reconhecimento de dívida é uma declaração unilateral, submeter esse pretenso negócio unilateral (e todo o regime jurídico regulado no documento que corporiza o contrato) ao regime jurídico do art. 428º do CC, sob pena de se postergar a unidade teleológica das declarações negociais vertidas no contrato, em que os contraentes, no exercício da sua liberdade contratual, fundiram, num todo único e incindível, a disciplina jurídica que nele acordaram. 4- O contrato é fonte autónoma de obrigações (art. 406º, n.º 1 do CC), pelo que, em execução para pagamento de quantia certa, fundada em incumprimento de contrato, o exequente, para além de ter de juntar o título executivo (contrato, com os requisitos de exequibilidade previstos na al. b), do n.º 1, do art. 703º do CPC), no requerimento executivo, apenas tem o ónus de alegação da facticidade referente ao incumprimento contratual do executado. * IV- DecisãoNesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a presente apelação procedente e, em consequência, - revogam o despacho saneador recorrido quanto ao segmento decisório em que se julgou procedente a exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo por falta de alegação de causa de pedir e se absolveu o apelado (executado e embargante) da instância executiva e se julgou extinta a execução e, em consequência, ordenam o prosseguimento dos autos. * Custas da apelação pelo apelado/executado e embargante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).* Notifique.* Guimarães, 28 de setembro de 2023 Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores: José Alberto Moreira Dias - relator Lígia Venade - 1ª Adjunta Maria João Marques Pinto Matos – 2ª Adjunta [1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”. Vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396. [2] Carlos Alberto da Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 387 e 390. [3] Antunes Varela, “Das Obrigações em geral”, vol. I, 10ª ed., Almedina, pág. 437. [4] Antunes Varela, ob. cit., pág. 441; Carlos da Mota Pinto, ob. cit., pág. 388, onde aponta como “característica dos negócios jurídicos unilaterais: a) é desnecessária a anuência do adversário; a eficácia do negócio unilateral não carece de concordância de outrem; b) vigora, quanto aos negócios unilaterais, o princípio da tipicidade ou do «numerus clausus»; c) uma importante distinção neste domínio é a que se deve estabelecer entre negócios unilaterais recetícios (recipiendos) e negócios unilaterais não recetícios: nos primeiros a declaração só é eficaz, se for e quando for dirigida e levada ao conhecimento de certa pessoa, enquanto nos segundos basta a emissão da declaração, sem ser necessário comunicá-la a quem quer que seja”; Pires de Lima e Antunes Carela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 438 e 439, onde, em anotação ao art. 457º do CC, expendem que: “A admissibilidade do negócio unilateral como fonte autónoma de obrigação tem caráter excecional, correspondendo a solução consagrada neste artigo à tendência geral das legislações (…). Como exemplos de negócios unilaterais suscetíveis de criarem obrigações podem referir-se a promessa pública (arts. 459º e segs.), o ato de subscrição de títulos de crédito e o testamento. Em regra, portanto, fora dos casos em que a obrigação nasce diretamente da lei (gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil, etc.), para que haja o dever de prestar e o correlativo poder de exigir a obrigação é necessário o acordo (contrato) entre o devedor e o credor. A esta ideia se tem dado o nome de princípio do contrato. (…). Como justificação do princípio do contrato costuma referir-se que, não sendo razoável impor a quem quer que seja um benefício contra sua vontade (…), não faria sentido que na esfera jurídica do destinatário da declaração unilateral de vontade se criasse um direito de crédito sem prévia aceitação dele. Esta explicação, porém, é insatisfatória, por isso que para acautelar a eventual suscetibilidade do destinatário do negócio unilateral não se torna essencial condicionar o nascimento do crédito à prévia aceitação do credor; basta reconhecer-lhe a possibilidade de rejeitar o benefício, quando, por qualquer razão, não queira aceitá-lo. É o que acontece, por exemplo, no contrato a favor de terceiro, em que o benefício nasce diretamente do contrato, sem necessidade de aceitação do beneficiário (cfr. os artigos 444º e 447º). A única explicação convincente do princípio do contrato assenta no facto de não ser razoável (fora dos casos especiais previstos na lei) manter alguém irrevogavelmente obrigado perante outrem, com base numa simples declaração unilateral de vontade, visto não haver conveniências práticas do tráfico que o exijam, nem quaisquer expetativas do beneficiário dignas de tutela, anteriormente à aceitação, que à lei cumpra salvaguardar”. [5] Galvão Telles, “Obrigações”, 3ª ed., pág. 111; Antunes Varela, ob. cit., pág. 444, onde pondera: “Já não constitui completo desvio à regra estabelecida (no art. 457º do CC) o regime que o artigo 458º consagra para a promessa de cumprimento e o reconhecimento de dívida. Nenhum destes atos (A promete pagar 1000 a B; C reconhece dever 1000 ações da ... a D), constitui, com efeito, fonte autónoma de uma obrigação. Criam apenas a presunção da existência de uma relação negocial ou extranegocial (a relação fundamental a que aquele preceito se refere), sendo esta a verdadeira fonte da obrigação. Por isso se inverte o ónus da prova, mediante uma verdadeira relevatio ob onere probandi. Se o declarante ou os seus sucessores alegarem e provarem que semelhante relação não existe (porque o negócio que a promessa de prestação ou o reconhecimento de dívida pressupõem não chegou a constituir-se, porque é nulo ou foi anulado, porque caducou ou os seus efeitos se extinguiram entretanto, porque não foi afinal o promitente o autor do dano que pretende reparar, porque contra a sua convicção inicial não há responsabilidade objetiva naquele tipo de casos, porque contra a sua expectativa a culpa foi da vítima ou de terceiro, etc.) a obrigação cai, não lhe servindo de suporte bastante nem a promessa de cumprimento nem o reconhecimento da dívida”. No mesmo sentido Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 439 e 440, onde adiantam que: “Se A, por exemplo, declara dever a B 100 contos, sem invocação da causa (empréstimo, venda, etc.), presume-se que esta obrigação tem uma causa, podendo, porém, o devedor fazer a prova do contrário”, e que é neste sentido que “se deve entender o disposto na al. e), do art. 46º do CPC (atual vigente art. 703º, n.º 1, al. c) do CPC), ao admitir como título exequível o escrito particular, assinado pelo devedor, do qual conste a obrigação de pagamento de quantia determinada ou de entrega de coisa fungível. Negócios puramente abstratos existem apenas no domínio dos títulos de crédito, no campo do direito comercial”. Na jurisprudência, a título exemplificativo, Acs. STJ., 29/01/2002, CJ/STJ, 2002, t. 1º, pág. 64; de 10/12/2011. CJ/STJ, 2011, t. 3º, pág. 282; de 07/05/2014, Proc. 303/2002, Sumários, 2014, pág. 286; de 29/01/2014, Proc. 459/09, Sumários, 2014, pág. 86, lendo-se neste que: “O reconhecimento da dívida pelo devedor (art. 458º do CC) faz presumir a existência da relação fundamental, até prova em contrário. Não obstante a autora não ter logrado provar a causa negocial da dívida alegada na petição inicial – factos consubstanciadores do alegado contrato de mútuo --, ainda assim, face ao reconhecimento da dívida por parte do réu, não deve a ação improceder, uma vez que com tal reconhecimento passou a recair sobre si o ónus da prova da não existência da dívida. Não se quer com isto dizer que com o reconhecimento da dívida se passa a presumir o mútuo (que o autor não logrou provar), mas sim que – com o reconhecimento da dívida – ficou o autor/credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário”. [6][6] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 440, nota 2; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, pág. 26, nota 40; Ac. STJ., de 07/07/2010, Proc. 373/08.7TBOAZ-A.P1; in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venha a identificar, sem menção em contrário, R.L., de 17/12/2009, CJ, 2009, t. 5º, pág. 115; de 20/12/2011, Proc. 6754/08.0YYLSB-B.L1-1. [7] Ana Prata, “Dicionário Jurídico”, vol. I, 5ª ed, Almedina, pág. 370, onde define “contrato” como “negócio jurídico bilateral ou plurilateral, isto é, integrado por duas ou mais declarações negociais exprimindo vontades convergentes no sentido da realização de um objetivo comum que justifica a tutela do direito. É, pois, a convenção pela qual duas ou mais pessoas constituem, regulam, modificam ou extinguem relações jurídicas, regulando assim juridicamente os seus interesses”, e conclui: “o contrato, é o instrumento que a ordem jurídica faculta aos sujeitos para, por acordo, realizarem as operações económicas e sociais que lhes convêm, atribuindo a esses acordos caráter jurídico, isto é, vinculativo”. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 439, criticando a posição de quem defende que a proposta contratual e o ato negocial de instituição de uma fundação são exemplos de negócios jurídicos unilaterais, onde ponderam que: “A proposta ou oferta contratual torna-se, é certo, irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida (art. 230º, n.º 1). Mas não impõe ainda nenhuma obrigação ao proponente, nem cria qualquer direito de crédito para o destinatário; este fica apenas, em consequência da irrevogabilidade da proposta, com um direito potestativo – o de concluir o contrato com o proponente, quer esse queira ou não, mediante a declaração de aceitação. Os direitos e obrigações em gérmen na proposta só nascem no momento em que o contrato se aperfeiçoa – resultando o contrato da fusão das vontades do proponente e do aceitante, e não apenas da declaração do primeiro. A conceção da proposta e da aceitação como negócios unilaterais distintos contraria, de resto, a unidade teleológica dessas duas declarações, a qual só na síntese integradora do contrato encontra expressão adequada”. |