Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ROSÁLIA CUNHA | ||
Descritores: | NULIDADE DA DECISÃO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO NÃO CUMPRIMENTO DO DESPACHO DE CONVITE CONSEQUÊNCIAS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/30/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – A partir do momento em que é proferida decisão no sentido de que o recurso não deve ser conhecido, por razões formais atinentes ao não cumprimento do disposto art. 639º, nºs 1 e 3, do CPC, a apreciação do mérito desse recurso deixa de ser uma questão que o tribunal deva apreciar pelo que esse não conhecimento nunca pode ser qualificado como omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar para efeitos de integrar a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC. II – Quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, nos termos do art. 652º, nº 3, do CPC. Como tal, à conferência apenas compete apreciar a concreta matéria que foi objeto do despacho reclamado e não qualquer outra. III – Tendo sido proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento alicerçado na circunstância de as conclusões serem uma duplicação da motivação, sem qualquer esforço de síntese, é este o vício que importa eliminar. IV – Não cumpre este despacho e não elimina o vício existente a recorrente que apresenta novas conclusões em tudo semelhantes às anteriores, limitando-se a eliminar sete conclusões das quais constavam apenas transcrições de artigos, de doutrina e de jurisprudência, mantendo incólumes as restantes conclusões, relativamente às quais não efetuou qualquer esforço de síntese por forma a que constituíssem proposições sintéticas do invocado na motivação. V – Sendo proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento, o qual tem como pressuposto um vício, cuja existência foi previamente apreciada e declarada, esgotou-se o poder jurisdicional sobre a matéria concreta que foi apreciada, por força do estabelecido no art. 613º, nºs 1 e 3, não podendo, posteriormente, ser proferido outro despacho a reanalisar se o vício ocorre ou não. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO AA veio instaurar recurso da decisão proferida em 22.6.2022 (ref. Citius ...) que julgou inepta a ação no que se reporta aos pedidos formulados em b) a e), da petição inicial, por falta de causa de pedir e contradição entre a causa de pedir e os pedidos. Formulou as seguintes conclusões: “1º) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, ao declarar, sem mais e nomeadamente sem ouvir qualquer prova, inepta no que concerne aos pedidos b) a e) a petição inicial, uma vez que a mesma não possui, salvo o devido respeito, qualquer ineptidão, devendo ter anteriormente formulado um convite ao aperfeiçoamento, o que não foi feito e foi decisivo na decisão da causa, o que configura uma nulidade. 2º) O Mmo. Juiz a quo, salvo o devido respeito, de forma inesperada, resolveu proferir sentença/saneador nos autos, sem mais, no que concerne aos pedidos b) a e) da petição inicial. Sem ouvir sequer qualquer tipo de prova e diga-se de novo, salvo o devido respeito, sem fundamento e sem qualquer convite ao aperfeiçoamento. 3º) Na sua petição inicial a Recorrente peticionou o seguinte, nas referidas alíneas a) a e). a) Se reconhecendo, decidindo e declarando que A. E Réu viveram em situação análoga á dos cônjuges, em regime de união de facto, por um período de 18 anos, com início em Setembro de 2002 e término em Novembro de 2019 na conformidade do alegado nesta petição inicial e com a abrangência da Lei nº 23/2010 de 30/08, e em consequência; b) Mais se reconhecendo, decidindo e declarando que todo o património existente, seja em nome da A., seja em nome do Réu ou sociedades por este constituídas e bens constantes não só do auto de arrolamento mas ainda os que se identificam nos artigos 17º, 34º, 35º, 36º e 37º, desta petição inicial, foi constituído, aumentado, construído e enriquecido com o esforço comum da A, que nele aplicou ou investiu todos os proventos, esforço e trabalho sempre na proporção de nunca menos de metade desse valor; c) Ser o Réu condenado a restituir à Autora 50% nos ditos imóveis, móveis, incluindo quotas societárias, dinheiro, veículos, que se encontrem na sua posse adquiridos durante a “união de facto” e/ou subsidiariamente, quando tal não seja possível uma vez que todos os bens, incluindo as sociedades e as respectivas quotas, os imóveis, os veículos deverão ser avaliados devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes, pelo que se irá requerer a final a notificação do Banco de Portugal, para o efeito; d) Ser o Réu condenado a ver relegado para liquidação em execução de sentença o apuramento do valor final desse património, sem prejuízo da fixação dos valores mínimos de alguns dos bens que constituem esse património se encontrarem fixados já nestes autos, devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes, e) Ser o Réu condenado a restituir á Autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença do apuramento de todos os bens e contas bancárias, por enriquecimento sem causa, com juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento. 4º) In casú o Mmo. Juiz a quo, refere na sua sentença/saneador que “(…) entende-se que se verificam as mesmas deficiências que lhe foram apontadas nas anteriores decisões (pese embora o afastamento do recurso á compropriedade) (…)”, ou seja o Mmo. Juiz a quo, sem sequer consultar os demais processos integralmente, conforme confessa, começa logo por referir que o atual processo apresenta os mesmos problemas dos anteriores, mas reconhece nesta primeira fase que foi afastado o recurso á compropriedade. 5º) Logo no inicio até refere e bem que a pretensão da Autora é a de que seja reconhecida como titular do direito ao enriquecimento sem causa correspondente a metade do valor dos bens adquiridos durante esse período temporal, salvo os que já se encontravam de facto em compropriedade nomeadamente os indicados nos artigos 8º, 16º, 24º e 34º (artigo que o Mmo. Juiz a quo omitiu no seu despacho saneador) e 41º todos da petição inicial, porque esses imóveis são de facto de ambos encontrando-se registados e tendo sido adquiridos em compropriedade, uma vez que ambos estiveram presentes e intervieram no ato aquisitivo, bastando para tanto verificar os documentos juntos com a petição inicial. 6º) No entanto, salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo, limita-se a invocar a existência de contradições, mas nunca sequer convidou a A., a aperfeiçoar a sua petição inicial, nem a esclarecer o que pretendia dizer com tal referencia á compropriedade, apesar de bem alegar que a mesma a afastou nos demais imóveis, o que configura uma nulidade. 7º) Os poderes de atuação do juiz previstos nos citados preceitos inscrevem-se claramente no âmbito do dever de gestão processual, consagrado no art. 6º do CPC, o qual, no seu nº 1 dispõe que “cumpre ao juiz, sem prejuízo do impulso processual especialmente imposto por lei às partes dirigir ativamente o processo (…) promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (…)” 8º) Sobre esta matéria referem PAULO RAMOS DE FARIA / ANA LUÍSA LOUREIRO: “O convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada é agora uma incumbência do juiz, isto é, um seu dever. A intenção do legislador é clara: a ação ou a exceção não podem naufragar por insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.(…) O juízo de manifesta improcedência continua a poder ser formulado; todavia, deve ele assentar numa estrutura narrativa suficiente e precisa apresentada pelo autor. O mesmo se diga dos fundamentos da defesa. Por exemplo, se o réu confirma os factos articulados pelo autor, limitando-se a invocar uma difficultas praestandi – e os factos que a revelam -, a matéria alegada é insuficiente para a obtenção do efeito pretendido, mas não estamos perante uma insuficiência de alegação. (…) O aperfeiçoamento da exposição dos factos articulados não se destina a prestar um serviço público de proteção da parte carenciada de assistência (judiciária), face a eventuais limitações do seu patrocínio forense. Não está aqui em causa garantir a igualdade substancial entre as partes (art. 4º) ou a equidade processual (em sentido estrito). O interesse perseguido pela lei e pelo órgão jurisdicional é aqui o interesse último do processo: a justa composição do litígio (arts. 6º, nº 1, 7º, nº 1, 411º). A exposição factual imperfeita permite uma decisão correta, suportando a parte as consequências da sua incapacidade de narração. Todavia, se a justiça pública existe para que aquele fim seja alcançado, então não se deve bastar com decisões apenas formalmente corretas, quando possa ir mais além. (…) O relato da relação material controvertida apresentado pela parte é suficiente quando é consequente, isto é, quando permite um raciocínio silogístico que leve à conclusão que apresenta - a condenação no pedido ou a procedência da exceção. 9º) O Juiz não está aqui na posição de julgador, justificando a sua intervenção na inconcludência do relato apresentado. Não lhe cabe convidar a parte a apresentar um relato de onde resulte a procedência da ação, como que sugerindo a apresentação de uma história melhor ou a invenção de uma. 10º) O Juiz está, sim, na posição do leitor - jurista, é certo - que, perante a descrição de um acontecimento, deteta uma lacuna, um salto na crónica. Esta falha narrativa pode ser patente, quando não permite compreender a concreta tessitura da relação material controvertida, mas também pode ser latente, quando a história aparenta estar completa, mas outros fatores levem o leitor jurista a concluir o contrário. A utilização de conceitos de direito ou conclusivos nos articulados, mais do que ser um problema de imprecisão na exposição dos factos, é um fator que permite ao leitor perceber que a história compreende algo mais do que aquilo que foi factualmente narrado. É um dos mais fortes indícios da insuficiência (latente) da articulação dos factos.” 11º) O dever de cooperação que é imposto ao tribunal tem de ser “levado a sério”: ou esse dever é exercido com a finalidade que está subjacente à sua consagração na lei ou então não passa de um dever cujo incumprimento não tem qualquer consequência – o que, naturalmente, não se pode admitir. 12º) Segundo o disposto no art. 590.º, n.º 2, al. b), e 3, nCPC, incumbe ao juiz providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, dirigindo o correspondente convite à parte. O juiz não tem, em todo e qualquer caso, de dirigir à parte o convite ao aperfeiçoamento do articulado. O acórdão em análise demonstra-o claramente: se, mesmo que se fosse formulado um convite ao autor para aperfeiçoar a sua petição inicial, a acção haveria de improceder, não pela falta de esclarecimento de um facto constitutivo, mas pela falta de um facto constitutivo integrante da causa de pedir, é claro que não tem sentido dirigir esse convite. Mesmo que houvesse convite e mesmo que o autor tivesse correspondido a esse convite, ainda assim continuavam a faltar, na opinião do STJ, factos essenciais para possibilitar a procedência da causa, pelo que sempre esse convite seria um acto inútil. 13º) O que o tribunal não pode é deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado e, mais tarde (no despacho saneador ou na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado. 14º) Admitir o contrário seria desconsiderar por completo o dever de cooperação do tribunal: afinal, mesmo que este dever não tivesse sido cumprido, o tribunal poderia decidir como se tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado. 15º) Resta concluir que, se o tribunal não convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado e, na decisão da causa, considerar improcedente o pedido da parte pela falta do facto que a parte poderia ter invocado se lhe tivesse sido dirigido um convite ao aperfeiçoamento, se verifica uma nulidade da decisão por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), nCPC): o tribunal conhece de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer. Esta nulidade só pode ser evitada se, antes do proferimento da decisão, for dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado. 16º) Dito de outro modo: a nulidade resultante da omissão do pedido da parte, for dada relevância à deficiência do articulado, ou seja, se o pedido formulado pela parte for julgado improcedente precisamente com fundamento naquela deficiência. 17º) Se assim é, então não pode concordar-se com a afirmação de que “o vício está a montante, na omissão do despacho, que não a jusante, no conhecimento do que poderia ter sido suprido caso tal omitido despacho tivesse sido proferido…e correspondido.” Como se procurou elucidar, a omissão do despacho de aperfeiçoamento não constitui, em si mesma, um vício processual: o vício que pode decorrer daquela omissão é apenas circunstancial, dado que só ocorre se a deficiência do articulado for utilizado como fundamento da decisão do tribunal. É por isto que não parece desacertado concluir que a omissão do despacho de aperfeiçoamento se traduz num excesso (circunstancial) de pronúncia: sem o proferimento desse despacho, o tribunal não pode considerar improcedente o pedido da parte com base na deficiência do seu articulado (cf. RL 6/5/2014 (1978/12.7TVLSB.L1)). Em contrapartida, tendo proferido despacho de aperfeiçoamento, o tribunal está em condições de considerar improcedente o pedido formulado pela parte com fundamento nas deficiências do seu articulado. 18º) Em suma: a omissão do despacho de aperfeiçoamento não origina, em si mesma, uma nulidade processual, mas antes uma nulidade da decisão se (e apenas se) a deficiência do articulado constituir o fundamento utilizado pelo tribunal para julgar improcedente o pedido formulado pela parte. 19º) Cremos que as duas posições manifestadas não estão muito distantes, na medida em que coincidem no essencial: a omissão do dever de formular convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, conduz à nulidade da decisão final da causa motivada pela deficiência da causa de pedir. 20º) Não obstante, parece-nos que a posição manifestada pelo Ilustre Professor não resolve a questão decorrente da necessidade de, verificada a nulidade, o processo “retroceder” à fase de articulados. É que, se bem vemos as coisas, a nulidade da sentença tem como consequência a anulação do julgamento (de facto e/ou de direito), mas não tem a virtualidade de fazer recuar a marcha do processo até momento anterior à fase do julgamento. 21º) Já a solução adotada pelos Tribunais Superiores, à qual aderimos, ao situar a nulidade no momento subsequente à fase dos articulados, ou seja à fase da gestão processual, tem a virtualidade de reconduzir naturalmente o processo ao momento da prolação do despacho pré-saneador a que alude o art. 590º co CPC. 22º) Dito isto, regressando ao caso que nos ocupa, diremos que como já se deu conta, a sentença recorrida considerou por um lado que a Recorrente afastou a compropriedade e veio pelo enriquecimento sem causa, mas ainda assim omite esses factos aquisitivos, quer da aquisição derivada, quer da aquisição originária, quanto ás sociedades e quanto ao seu património, mais manifestando ser insuficiente a matéria factual alegada para o levantamento da personalidade colectiva das sociedades, sendo que foi identificado o património e foi feita a descrição das motivações ilegítimas para cada uma dessas operações levando a uma descapitalização das mesmas e a uma mistura de patrimónios, tendo as sociedades sido usadas para contornar obrigações legais, nomeadamente com a Recorrente e com terceiros e encobrir negócios em que o único beneficiado foi exclusivamente o Réu. 23º) Salvo o devido respeito, discordamos do entendimento do Mmo. Juiz a quo, pois na verdade, do que já expusemos, resulta que em nosso entender, a ora Recorrente não foi totalmente omissa quanto aos factos relevantes para a sua verificação fizeram-no nos arts. 1º a 84º da petição inicial e nos artigos 1º a 37º do requerimento de resposta á contestação, mas que salvo o devido respeito, não foram devidamente valorados pelo Mmo. Juiz a quo. 24º) Não se trata, pois de uma absoluta omissão de alegação, mas de uma alegação deficiente, eivada de juízos conclusivos e generalidades, carecedora de concretização factual. Ora, como bem esclarecem PAULO RAMOS DE FARIA / ANA LUÍSA LOUREIRO, este é um forte sinal de alegação insuficiente, e constitui o campo de eleição do convite ao aperfeiçoamento. 25º) Por ser assim, como é, findos os articulados deveria o Mmo Juíz a quo ter usado o poder-dever de convidar a ora Recorrente a completar a factualidade alegada no requerimento inicial, com vista à referida concretização factual que, como já referimos, se alcançaria mediante a alegação de factos concretos tendentes a concretizar os pontos supra melhor identificados. 26º) Tais esclarecimentos permitiriam suprir as deficiências de alegação e evitar a improcedência da acção por falta de alegação de factos suficientes. 27º) A omissão do referido dever funcional de proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial constitui um desvio à regular tramitação do processo, e teve influência direta no desfecho da causa, pelo que configura nulidade, nos termos do art. 195º, nº 1, 2ª parte do CPC. 28º) Tal nulidade de decisão ocorre pois por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC): o tribunal conhece de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer, sendo que a mesma só poderia ter sido evitada se, antes do proferimento da decisão, tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado - vide Teixeira de Sousa, “Omissão do dever de cooperação do Tribunal: que consequências”, pág. 8. 29º) Nesta conformidade, e em consequência, cumpre anular a decisão recorrida, devendo o Tribunal a quo praticar o ato omitido, proferindo despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos já expostos. 30º) A Douta sentença violou o disposto nos artigos 6º, 7º, 411º, 195º, 590º e 615º todos do Código de Processo Civil.” * O recorrido apresentou contra-alegações nas quais pediu que o recurso não fosse admitido, por ausência de conclusões, argumentando que as conclusões apresentadas constituem uma duplicação da motivação do recurso, situação que é equivalente à total falta de apresentação de conclusões e que deve ter como consequência a rejeição do recurso, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento.* Em 6.10.2022 foi proferido despacho (ref. Citius ...) em que, na parte que aqui releva, se considerou que “o recurso se divide em duas partes distintas e autónomas: a alegação, também denominada de motivação, que contém a exposição circunstanciada das razões, motivos e argumentos tendentes a obter a anulação ou uma diferente decisão, e as conclusões em que o recorrente indica de forma sintética os fundamentos pelos quais a decisão deve ser anulada ou alterada, sendo as conclusões as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.A formulação de conclusões, entendidas estas como proposições sintéticas, tem a importante e essencial função de delimitar e individualizar o objeto do recurso. Por isso, a apresentação de conclusões deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações a que alude o nº 2 do art. 639º, do CPC, deve dar lugar ao convite ao aperfeiçoamento, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, e só se esse convite não for acolhido poderá acorrer o não conhecimento do recurso na parte afetada.” No que toca às conclusões de recurso que supra se encontram transcritas, considerou-se que “lendo o recurso verifica-se que as 30 conclusões apresentadas, analisadas materialmente ou do ponto de vista substancial, não revestem a natureza de conclusões. Na verdade, confrontando as conclusões com a motivação do recurso verifica-se que as mesmas coincidem na quase totalidade, sendo as conclusões uma reprodução quase integral do que consta da motivação do recurso, não contendo as conclusões qualquer proposição sintética decorrente do que se expôs e considerou ao longo da alegação que permita delimitar e individualizar o objeto do recurso e identificar as questões que devem ser apreciadas pelo tribunal ad quem. Deste modo, as conclusões apresentadas não cumprem a finalidade a que se destinam - delimitar e individualizar o objeto do recurso - e, como tal, têm que ser consideradas deficientes ou complexas, situação que se enquadra na previsão do art. 639º, nº 3, do CPC, e impõe a prolação de convite ao respetivo aperfeiçoamento.” Com base nesta fundamentação, convidou-se a recorrente a apresentar alegações que contenham conclusões sintéticas dos fundamentos pelos quais pede a revogação da decisão, sob pena de não se conhecer do recurso. * Na sequência deste despacho, a recorrente veio apresentar alegações que contêm as seguintes conclusões:“1º) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, ao declarar, sem mais e nomeadamente sem ouvir qualquer prova, inepta no que concerne aos pedidos b) a e) a petição inicial, uma vez que a mesma não possui, salvo o devido respeito, qualquer ineptidão, devendo ter anteriormente formulado um convite ao aperfeiçoamento, o que não foi feito e foi decisivo na decisão da causa, o que configura uma nulidade. 2º) O Mmo. Juiz a quo, salvo o devido respeito, de forma inesperada, resolveu proferir sentença/saneador nos autos, sem mais, no que concerne aos pedidos b) a e) da petição inicial. Sem ouvir sequer qualquer tipo de prova e diga-se de novo, salvo o devido respeito, sem fundamento e sem qualquer convite ao aperfeiçoamento. 3º) Na sua petição inicial a Recorrente peticionou o seguinte, nas referidas alíneas a) a e). a) Se reconhecendo, decidindo e declarando que A. e Réu viveram em situação análoga á dos cônjuges, em regime de união de facto, por um período de 18 anos, com início em Setembro de 2002 e término em Novembro de 2019 na conformidade do alegado nesta petição inicial e com a abrangência da Lei nº 23/2010 de 30/08, e em consequência; b) Mais se reconhecendo, decidindo e declarando que todo o património existente, seja em nome da A., seja em nome do Réu ou sociedades por este constituídas e bens constantes não só do auto de arrolamento mas ainda os que se identificam nos artigos 17º, 34º, 35º, 36º e 37º, desta petição inicial, foi constituído, aumentado, construído e enriquecido com o esforço comum da A, que nele aplicou ou investiu todos os proventos, esforço e trabalho sempre na proporção de nunca menos de metade desse valor; c) Ser o Réu condenado a restituir à Autora 50% nos ditos imóveis, móveis, incluindo quotas societárias, dinheiro, veículos, que se encontrem na sua posse adquiridos durante a “união de facto” e/ou subsidiariamente, quando tal não seja possivel uma vez que todos os bens, incluindo as sociedades e as respectivas quotas, os imóveis, os veículos deverão ser avaliados devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes, pelo que se irá requerer a final a notificação do Banco de Portugal, para o efeito; d) Ser o Réu condenado a ver relegado para liquidação em execução de sentença o apuramento do valor final desse património, sem prejuízo da fixação dos valores mínimos de alguns dos bens que constituem esse património se encontrarem fixados já nestes autos, devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes, e) Ser o Réu condenado a restituir á Autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença do apuramento de todos os bens e contas bancárias, por enriquecimento sem causa, com juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento. 4º) In casu o Mmo. Juiz a quo, refere na sua sentença/saneador que “(…) entende-se que se verificam as mesmas deficiências que lhe foram apontadas nas anteriores decisões (pese embora o afastamento do recurso á compropriedade) (…)”, ou seja o Mmo. Juiz a quo, sem sequer consultar os demais processos integralmente, conforme confessa, começa logo por referir que o atual processo apresenta os mesmos problemas dos anteriores, mas reconhece nesta primeira fase que foi afastado o recurso á compropriedade. 5º) Logo no inicio até refere e bem que a pretensão da Autora é a de que seja reconhecida como titular do direito ao enriquecimento sem causa correspondente a metade do valor dos bens adquiridos durante esse periodo temporal, salvo os que já se encontravam de facto em compropriedade nomeadamente os indicados nos artigos 8º, 16º, 24º e 34º (artigo que o Mmo. Juiz a quo omitiu no seu despacho saneador) e 41º todos da petição inicial, porque esses imóveis são de facto de ambos encontrando-se registados e tendo sido adquiridos em compropriedade, uma vez que ambos estiveram presentes e intervieram no ato aquisitivo, bastando para tanto verificar os documentos juntos com a petição inicial. 6º) No entanto, salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo, limita-se a invocar a existencia de contradições, mas nunca sequer convidou a A., a aperfeiçoar a sua petição inicial, nem a esclarecer o que pretendia dizer com tal referencia á compropriedade, apesar de bem alegar que a mesma a afastou nos demais imóveis, o que configura uma nulidade. 7º) O Juiz não está aqui na posição de julgador, justificando a sua intervenção na inconcludência do relato apresentado. Não lhe cabe convidar a parte a apresentar um relato de onde resulte a procedência da ação, como que sugerindo a apresentação de uma história melhor ou a invenção de uma. 8º) O Juiz está, sim, na posição do leitor - jurista, é certo - que, perante a descrição de um acontecimento, deteta uma lacuna, um salto na crónica. Esta falha narrativa pode ser patente, quando não permite compreender a concreta tessitura da relação material controvertida, mas também pode ser latente, quando a história aparenta estar completa, mas outros fatores levem o leitor jurista a concluir o contrário. A utilização de conceitos de direito ou conclusivos nos articulados, mais do que ser um problema de imprecisão na exposição dos factos, é um fator que permite ao leitor perceber que a história compreende algo mais do que aquilo que foi factualmente narrado. É um dos mais fortes indícios da insuficiência (latente) da articulação dos factos.” 9º) Segundo o disposto no art. 590.º, n.º 2, al. b), e 3, nCPC, incumbe ao juiz providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, dirigindo o correspondente convite à parte. O juiz não tem, em todo e qualquer caso, de dirigir à parte o convite ao aperfeiçoamento do articulado. O acórdão em análise demonstra-o claramente: se, mesmo que se fosse formulado um convite ao autor para aperfeiçoar a sua petição inicial, a acção haveria de improceder, não pela falta de esclarecimento de um facto constitutivo, mas pela falta de um facto constitutivo integrante da causa de pedir, é claro que não tem sentido dirigir esse convite. Mesmo que houvesse convite e mesmo que o autor tivesse correspondido a esse convite, ainda assim continuavam a faltar, na opinião do STJ, factos essenciais para possibilitar a procedência da causa, pelo que sempre esse convite seria um acto inútil. 10º) O que o tribunal não pode é deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado e, mais tarde (no despacho saneador ou na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado. 11º) Admitir o contrário seria desconsiderar por completo o dever de cooperação do tribunal: afinal, mesmo que este dever não tivesse sido cumprido, o tribunal poderia decidir como se tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado. 12º) Resta concluir que, se o tribunal não convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado e, na decisão da causa, considerar improcedente o pedido da parte pela falta do facto que a parte poderia ter invocado se lhe tivesse sido dirigido um convite ao aperfeiçoamento, se verifica uma nulidade da decisão por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), nCPC): o tribunal conhece de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer. Esta nulidade só pode ser evitada se, antes do proferimento da decisão, for dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado. 13º) Dito de outro modo: a nulidade resultante da omissão do despacho de aperfeiçoamento só se verifica se, na apreciação do pedido da parte, for dada relevância à deficiência do articulado, ou seja, se o pedido formulado pela parte for julgado improcedente precisamente com fundamento naquela deficiência. 14º) Em suma: a omissão do despacho de aperfeiçoamento não origina, em si mesma, uma nulidade processual, mas antes uma nulidade da decisão se (e apenas se) a deficiência do articulado constituir o fundamento utilizado pelo tribunal para julgar improcedente o pedido formulado pela parte. 15º) Cremos que as duas posições manifestadas não estão muito distantes, na medida em que coincidem no essencial: a omissão do dever de formular convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, conduz à nulidade da decisão final da causa motivada pela deficiência da causa de pedir. 16º) Dito isto, regressando ao caso que nos ocupa, diremos que como já se deu conta, a sentença recorrida considerou por um lado que a Recorrente afastou a compropriedade e veio pelo enriquecimento sem causa, mas ainda assim omite esses factos aquisitivos, quer da aquisição derivada, quer da aquisiçao originária, quanto ás sociedades e quanto ao seu património, mais maniestando ser insuficiente a matéria factual alegada para o levantamento da personalidade colectiva das sociedades, sendo que foi identificado o património e foi feita a descrição das motivações ilegitimas para cada uma dessas operações levando a uma descapitalização das mesmas e a uma mistura de patrimónios, tendo as sociedades sido usadas para contornar obrigações legais, nomeadamente com a Recorrente e com terceiros e encobrir negócios em que o único beneficiado foi exclusivamente o Réu. 17º) Salvo o devido respeito, discordamos do entendimento do Mmo. Juiz a quo, pois na verdade, do que já expusemos, resulta que em nosso entender, a ora Recorrente não foi totalmente omissa quanto aos factos relevantes para a sua verificação fizeram-no nos arts. 1º a 84º da petição inicial e nos artigos 1º a 37º do requerimento de resposta á contestação, mas que salvo o devido respeito, não foram devidamente valorados pelo Mmo. Juiz a quo. 18º) Não se trata, pois de uma absoluta omissão de alegação, mas de uma alegação deficiente, eivada de juízos conclusivos e generalidades, carecedora de concretização factual. Ora, como bem esclarecem PAULO RAMOS DE FARIA / ANA LUÍSA LOUREIRO, este é um forte sinal de alegação insuficiente, e constitui o campo de eleição do convite ao aperfeiçoamento. 19º) Por ser assim, como é, findos os articulados deveria o Mmo Juíz a quo ter usado o poder-dever de convidar a ora Recorrente a completar a factualidade alegada no requerimento inicial, com vista à referida concretização factual que, como já referimos, se alcançaria mediante a alegação de factos concretos tendentes a concretizar os pontos supra melhor identificados. 20º) A omissão do referido dever funcional de proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial constitui um desvio à regular tramitação do processo, e teve influência direta no desfecho da causa, pelo que configura nulidade, nos termos do art. 195º, nº 1, 2ª parte do CPC. 21º) Tal nulidade de decisão ocorre pois por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC): o tribunal conhece de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer, sendo que a mesma só poderia ter sido evitada se, antes do proferimento da decisão, tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado - vide Teixeira de Sousa, “Omissão do dever de cooperação do Tribunal: que consequências”, pág. 8. 22º) Nesta conformidade, e em consequência, cumpre anular a decisão recorrida, devendo o Tribunal a quo praticar o ato omitido, proferindo despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos já expostos. 23º) A Douta sentença violou o disposto nos artigos 6º, 7º, 411º, 195º, 590º e 615º todos do Código de Processo Civil.” * O recorrido apresentou resposta na qual pede que o recurso não seja conhecido ou, a sê-lo, que seja julgado improcedente, tendo formulado as seguintes conclusões:“1 – Mesmo depois do convite ao aperfeiçoamento efectuado nestes autos por esta Veneranda Relação, o recorrente continua teimosamente a não cumprir o ónus a que está adstrito relativamente a apresentar conclusão sintéticas, tendo-se limitado a suprimir as conclusões (das alegações iniciais) números 7, 8, 11, 17, 20, 21 e 26, sem alterar o que quer que seja nas restantes 23 extensas conclusões. 2 - Compulsadas as novas alegações de recurso do recorrente verifica-se que: - as mesmas são compostas pelo total 13 páginas, que, a partir da 8ª página, dizem respeito dizem respeito às conclusões; - a recorrente concluiu as suas alegações de recurso com 23 extensas conclusões; - tais conclusões correspondem quase “ipsis verbis” (incluindo a côr) ao alegado nas motivações de recurso. 3 – As conclusões da recorrente incluem (ilicitamente) transcrições de doutrina (vd. conclusões números 7 e 8), consubstanciando o uso indevido (e processualmente vedado) de um copy-paste do corpo das alegações e à repetição mecânica dos mesmos pseudo-argumentos. 4 - Esta opção da recorrente equivale a falta de alegações, que conduz ao não conhecimento do recurso, considerando adicionalmente a advertência expressa no Douto Despacho de fls se a recorrente não desse, como não deu, cumprimento ao doutamente ordenado. 5 – A p.i. está insanavelmente afectada por uma manifesta e indiscutível ausência de alegação de factos susceptíveis de consubstanciar os requisitos essenciais para a apreciação e procedência dos pedidos das alíneas b) a e). 6 – Conforme Douta e Vasta Jurisprudência na matéria supra-citada, a ausência de factos alegados determina o não prosseguimento do processo que, a ocorrer (prosseguimento), constituiria um acto inútil, proibido pelo art. 130 CPC. 7 – O convite ao aperfeiçoamento não se destina a suprir a aridez factual e a absoluta falta de coerência e de lógica que caracterizam o comportamento e a opção processual da recorrente. 8 – Conforme Douta e Vasta Jurisprudência na matéria, o dever de convite ao aperfeiçoamento não tende à recuperação de petições ineptas. 9 - Importa recapitular o processado havido até à prolacção da Douta Sentença recorrida e trazer ao conhecimento desta Veneranda Relação que a presente acção é a quarta que a recorrente intenta com os mesmos objectivos e pseudo-argumentos e a mesma causa de pedir (ou falta dela), conforme supra-transcrito e conforme os documentos juntos com a contestação apresentada nestes autos. 10 - E, apesar de ser a quarta vez que a recorrente vem a Juizo, esta ainda pretende que o Tribunal lhe conceda nova oportunidade para «refazer» ou «aperfeiçoar» a quarta petição inicial que apresentou em Juizo, sendo relevante destacar que nenhuma das restantes três petições iniciais logrou sequer ultrapassar a fase da prolacção de despacho saneador, tal e tamanha era (e continua a ser) a sua aridez factual. 11 - A Douta Sentença recorrida (e bem) não faz mais do que as anteriores sentenças (e bem) fizeram e com as quais a recorrente se conformou, não tendo recorrido de nenhuma das Doutas Sentenças lapidares proferidas nos mencionados três anteriores processos. 12 – Nos presentes autos, a recorrente continua teimosamente a reincidir nas mesmas opções, e nas mesmas (insanáveis) insuficiências e deficiências, que já levaram os anteriores processos ao insucesso, confundindo conceitos, institutos jurídicos, titularidades de activos, misturando o que não pode ser misturado, aludindo a entidades que não são sujeitos processuais nos presentes autos e fazendo uso de um arrazoado em que, apesar de muito esforço, não é possível encontrar fundamentos factuais que permitam sequer ao Tribunal seleccionar os temas da prova, nem sequer sendo merecedora de qualquer convite ao aperfeiçoamento, sendo evidente e indiscutível que nada há a aperfeiçoar, porque nada pode ser aperfeiçoado. 13 - O aperfeiçoamento previsto na Lei destina-se apenas a permitir que um sujeito processual complemente o que já alegou e nunca a permitir que um sujeito processual possa refazer integralmente o seu articulado e aduza factos essenciais e imprescindíveis que nunca foram alegados, para além das evidentes incompatibilidade e inviabilidade efectivas do que a recorrente (falsamente) alega.” * Em 24.10.2022, foi proferido despacho pela relatora que, depois de descrever os atos praticados e que já acima foram descritos, contém o seguinte teor:“Importa, assim, antes de mais, verificar se a recorrente deu ou não cumprimento ao que lhe foi determinado no despacho proferido em 6.10.2022 e se apresentou conclusões nos termos referidos nesse despacho que constituam proposições sintéticas decorrentes do que se expôs e considerou ao longo da alegação que permitam delimitar e individualizar o objeto do recurso e identificar as questões que devem ser apreciadas pelo tribunal ad quem. Ora, do confronto das alegações inicialmente apresentadas com as que foram apresentadas na sequência do convite dirigido pelo tribunal, conclui-se que a recorrente reduziu as conclusões de 30 para 23, tendo eliminado as conclusões 7, 8, 11, 17, 20, 21 e 26. No mais, as segundas conclusões são absolutamente iguais às primeiras. A mera eliminação das referidas 7 conclusões e a manutenção de todas as demais não expurga o vício existente nas conclusões que foi apontado no despacho de 6.10.2022, o qual convidou a recorrente a apresentar alegações que contenham conclusões sintéticas dos fundamentos pelos quais pede a revogação da decisão, sob pena de não se conhecer do recurso. Na verdade, as conclusões eliminadas contêm essencialmente transcrições de artigos, doutrina e jurisprudência. E o que justificou a prolação do despacho de 6.10.2022 não foi a existência destas transcrições ora eliminadas pois que, se as restantes conclusões contivessem proposições sintéticas e dessem cabal cumprimento à imposição decorrente do art. 639º, nº 1, naturalmente que não se teria justificado o convite ao aperfeiçoamento pelo facto de haver algum excesso nas conclusões e de aí constarem indevidamente as aludidas transcrições. Assim, pese embora a aludida eliminação, as conclusões continuam a ser prolixas, confusas e extensas, constituindo uma repetição praticamente integral da motivação apresentada, não sendo uma síntese conclusiva das pretensões formuladas e não respeitando, por isso, a exigência legal enunciada no art. 639º, nº 1, do CPC. Por conseguinte, considera-se que o recorrido tem razão quanto ao que invocou na sua resposta e que, efetivamente, a recorrente não deu cumprimento ao determinado no despacho de 6.10.2022, não tendo formulado conclusões sintéticas dos fundamentos pelos quais pede a revogação da decisão, pelo que, mantendo-se por eliminar o vício apontado, a consequência é ou não conhecimento do recurso, conforme advertência que havia sido feita no aludido despacho. * Face ao exposto, porque a recorrente, nas novas conclusões que apresentou, não eliminou o vício existente nas conclusões anteriores, não constituindo as conclusões proposições sintéticas dos fundamentos pelos quais pede a revogação da decisão, nos termos do art. 639º, nºs 1 e 3, do CPC, e em conjugação com o constante do despacho de 6.10.2022, o qual não se considera cumprido, decide-se não se conhecer do objeto do recurso.”* Inconformada com tal decisão, veio a requerente pedir que sobre a matéria do despacho da relatora recaia acórdão, nos termos do disposto no art. 652.º, nº 3, do CPC.No essencial, e em síntese, argumenta que deu cumprimento ao convite que lhe foi dirigido no despacho de 6.10.2022 pois apresentou novas conclusões, reduziu a complexidade e ininteligibilidade das alegações, as quais permitem compreender as questões que constituem objeto do recurso, tendo reduzido as conclusões de 30 para 23, sendo que só a falta de cumprimento do convite ao aperfeiçoamento poderia ter como consequência o não conhecimento do recurso. Refere ainda que o não conhecimento do recurso representa um impedimento de acesso à justiça que é inconstitucional. Diz também que a consequência do não conhecimento do recurso não pode decorrer de ter ou não sido cumprido o convite ao aperfeiçoamento, mas antes de subsistir o vício das alegações, considerando que a decisão da relatora deveria ter apreciado se as conclusões eram efetivamente complexas e só no caso de concluir em sentido afirmativo poderia deixar de conhecer o recurso. Invoca ainda que, ao não ser conhecida a matéria do recurso, por razões formais, foi omitida pronúncia sobre questão que deveria ser conhecida o que acarreta a nulidade prevista no art. 668º, do CPC. * Notificado de tal requerimento, o recorrido apresentou resposta pugnando pela improcedência da reclamação apresentada e manutenção do despacho de não conhecimento do objeto do recurso.* Foram colhidos os vistos legais.OBJETO DA RECLAMAÇÃO As questões relevantes a decidir na presente reclamação para a conferência, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, consistem em: I - saber se a decisão singular é nula por omissão de pronúncia; II - saber se a recorrente deu cumprimento ao despacho proferido em 6.10.2022; III - saber se, independentemente do cumprimento desse despacho, o recurso só poderia ser rejeitado se se verificasse que as conclusões padecem do vício de complexidade, deficiência ou obscuridade não resolvidas. FUNDAMENTAÇÃO FUNDAMENTOS DE FACTO Os factos relevantes para a questão a decidir são os que se encontram descritos no relatório e resultam da consulta dos atos praticados no processo. FUNDAMENTOS DE DIREITO Antes de entrar na análise das questões a decidir pela conferência, importa chamar à atenção que a recorrente, no requerimento em que pediu a intervenção da conferência, invoca, em abono da sua posição, várias normas legais designadamente os arts. 668º, 684º, 685º-A e 685º-B. Estes artigos constavam do CPC de 1961 e referiam-se às causas de nulidade da sentença, à delimitação objetiva e subjetiva dos recursos, ao ónus de alegar e formular conclusões e ao ónus a cargo do recorrente que impugna e decisão relativa à matéria de facto. Os mesmos foram revogados com a entrada em vigor, em 1.9.2013, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. Tais artigos correspondem agora aos arts. 615º, 635º, 639º e 640º do CPC, sendo estes os aplicáveis, por se encontrarem em vigor, visto que os artigos invocados pela recorrente estão revogados. I – Nulidade da decisão singular por omissão de pronúncia A recorrente, no art. 21º do requerimento em que pediu a intervenção da conferência, refere que, ao não ter sido conhecido o recurso, por razões meramente formais, há omissão de pronúncia sobre questão que deveria ser conhecida que é geradora de nulidade. Invoca o art. 668º do CPC o qual, como já atrás referimos, se encontra revogado e corresponde ao artigo 615º, do CPC vigente. Dispõe o art. 615º, nº 1, do CPC, que é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Esta norma é aplicável aos despachos, com as necessárias adaptações, por via do disposto no art. 613º, nº 3, do CPC. As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado. Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença. As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4.10.2018, Relatora Eugénia Cunha, in www.dgsi.pt). O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença, havendo, assim, de por ele ser integrado. Desta conjugação de normativos resulta que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras. Estas considerações valem igualmente para os despachos, com as devidas adaptações. Ora, assentes nestas premissas e transpondo-as para o caso em análise, verifica-se que no despacho de 24.10.2022 a relatora decidiu não conhecer do objeto do recurso por considerar que as conclusões não obedecem às exigências dos nºs 1 e 3 do art. 639º, do CPC, e que a recorrente não deu cumprimento despacho de 6.10.2022. Como tal, tendo-se a decisão pronunciado no sentido de que o recurso não podia ser conhecido tal implica, como consequência direta e necessária, que não tem que ser proferida decisão sobre o mérito das questões que foram suscitadas no recurso. A partir do momento em que é proferida decisão no sentido de que o recurso não deve ser conhecido, a apreciação do mérito desse recurso deixa de ser uma questão que o tribunal deva apreciar pelo que esse não conhecimento nunca pode ser qualificado como omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar para efeitos de integrar a previsão do art. 615º, nº 1, al. d), do CPC. O acerto da decisão de não conhecimento pode ser questionado e sindicado, e, concluindo-se que a decisão proferida pela relatora não é a correta, a mesma pode ser alterada e, por via dessa alteração, o recurso ser conhecido. Mas tal apreciação releva em sede de erro de direito ou de julgamento e não enquanto nulidade da decisão, vício este que contende unicamente com a estrutura ou com os limites da mesma. Assim, ao não apreciar o mérito do recurso por entender que o mesmo não pode ser objeto de conhecimento, por razões formais atinentes ao não cumprimento do disposto art. 639º, nºs 1 e 3, do CPC, a decisão da relatora de 24.10.2022 não comete qualquer omissão de pronúncia sobre questão que devesse conhecer e não padece do vício de nulidade que a recorrente lhe imputa. I – Cumprimento do despacho proferido em 6.10.2022 A recorrente alega que deu cumprimento ao despacho de 6.10.2022 pois acedeu ao convite e apresentou novas conclusões, reduzindo de 30 para 23 as conclusões apresentadas, e só a falta de cumprimento do convite é que poderia legitimar o não conhecimento do recurso. O despacho de convite ao aperfeiçoamento de 6.10.2022 foi proferido na sequência da alegação feita pelo recorrido de que o recurso devia ser rejeitado, por não conter verdadeiras alegações, visto as conclusões apresentadas constituírem uma duplicação da motivação do recurso, situação que é equivalente à total falta de apresentação de conclusões e que deve ter como consequência a rejeição do recurso, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento. O despacho de 6.10.2022, depois de explicar genericamente do ponto de vista jurídico o que devem conter os recursos quanto às alegações e conclusões e quais as consequências da inobservância dessas exigências legais, rejeitou o entendimento do recorrido com a seguinte fundamentação quanto ao caso concreto: “verifica-se que no caso em apreço não há uma absoluta falta de apresentação de conclusões, visto que o requerimento de recurso contém 30 conclusões, razão pela qual não há lugar à rejeição do recurso nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), do CPC. Todavia, lendo o recurso verifica-se que as 30 conclusões apresentadas, analisadas materialmente ou do ponto de vista substancial, não revestem a natureza de conclusões. Na verdade, confrontando as conclusões com a motivação do recurso verifica-se que as mesmas coincidem na quase totalidade, sendo as conclusões uma reprodução quase integral do que consta da motivação do recurso, não contendo as conclusões qualquer proposição sintética decorrente do que se expôs e considerou ao longo da alegação que permita delimitar e individualizar o objeto do recurso e identificar as questões que devem ser apreciadas pelo tribunal ad quem. Deste modo, as conclusões apresentadas não cumprem a finalidade a que se destinam - delimitar e individualizar o objeto do recurso - e, como tal, têm que ser consideradas deficientes ou complexas, situação que se enquadra na previsão do art. 639º, nº 3, do CPC, e impõe a prolação de convite ao respetivo aperfeiçoamento.” Em consequência, o despacho de 6.10.2022: a) indeferiu o pedido de rejeição do recurso feito pelo recorrido nas contra-alegações, por não existir falta absoluta de formulação de conclusões; b) convidou a recorrente a, no prazo de 5 dias, apresentar alegações que contenham conclusões sintéticas dos fundamentos pelos quais pede a revogação da decisão, sob pena de não se conhecer do recurso. Portanto, neste despacho referiu-se claramente de forma concreta, e não meramente genérica, qual era o vício de que padeciam as conclusões: constituírem uma duplicação da motivação e não conterem qualquer proposição sintética decorrente do que se expôs e considerou ao longo da alegação que permita delimitar e individualizar o objeto do recurso e identificar as questões que devem ser apreciadas pelo tribunal ad quem. Para além de se ter identificado o vício, fez-se ainda constar qual a consequência do mesmo, se não fosse eliminado: o não conhecimento do recurso. Este despacho não foi objeto de reação por parte da recorrente nos termos do art. 652º, nº 3, do CPC. Portanto, para cumprir o despacho em questão, a recorrente deveria ter apresentado novas conclusões que contivessem proposições sintéticas do que expôs na motivação e que não fossem uma mera duplicação do alegado na motivação. A decisão de 24.10.2022 considerou que a recorrente não cumpriu o despacho de 6.10.2022 e, com esse fundamento, considerou que o vício que justificou o convite ao aperfeiçoamento não foi eliminado e aplicou a cominação legal que já havia sido referida, qual seja o não conhecimento do recurso. O que se encontra submetido à apreciação da conferência não é saber se as conclusões padecem ou não de vício que justifique o convite ao aperfeiçoamento, pois essa matéria foi objeto do despacho de 6.10.2022 contra o qual a recorrente não reagiu. O que a presente conferência tem que apreciar é a questão que foi objeto do despacho de 24.10.2022, ou seja, se o despacho de 6.10.2022 foi ou não cumprido. Na verdade, dispõe o art. 652º, nº 3, do CPC, que quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão. Nessa hipótese, o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária. Significa isto que o que a presente conferência tem que decidir e apreciar é unicamente a matéria que foi objeto do despacho de 24.10.2022 e que consiste em saber se o despacho de 6.10.2022 foi ou não cumprido. Mas já não tem, nem pode, decidir se deveria ter sido proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento pois essa questão foi apreciada no despacho de 6.10.2022 e relativamente ao mesmo não foi pedida a intervenção da conferência. Por conseguinte, o que foi concretamente apreciado e decidido no despacho de 6.10.2022 está fora do campo de cognição da conferência à qual apenas compete apreciar se com a apresentação das novas conclusões a recorrente deu ou não cumprimento ao determinado nesse despacho e se expurgou o vício que no mesmo foi apontado às conclusões. Para tal, importa confrontar as alegações inicialmente apresentadas com as que foram apresentadas na sequência do convite dirigido pelo tribunal. Desse confronto conclui-se que a recorrente reduziu as conclusões de 30 para 23, tendo eliminado as conclusões 7, 8, 11, 17, 20, 21 e 26. No mais, as segundas conclusões são absolutamente iguais às primeiras. A mera eliminação das referidas 7 conclusões e a manutenção de todas as demais não expurga o vício existente nas conclusões que foi apontado no despacho de 6.10.2022, o qual convidou a recorrente a apresentar alegações que contenham conclusões sintéticas dos fundamentos pelos quais pede a revogação da decisão, sob pena de não se conhecer do recurso. Na verdade, as conclusões eliminadas contêm essencialmente transcrições de artigos, doutrina e jurisprudência. Como resulta da leitura do despacho de 6.10.2022, o que justificou a sua prolação e convite ao aperfeiçoamento, não foi a existência destas transcrições ora eliminadas. O que justificou o aludido convite foi a circunstância de as conclusões serem uma duplicação da motivação, sem qualquer esforço de síntese. Era este o vício que importava eliminar. Ora, a eliminação de conclusões que se referem unicamente a transcrições de artigos, doutrina e jurisprudência não expurga o vício apontado no despacho de 6.10.2022 pois as conclusões continuam a constituir uma duplicação praticamente integral da motivação, conclusão que resulta da leitura de ambas. E não se coloca aqui qualquer questão numérica, pois o que releva não é a quantidade de conclusões que foram eliminadas, mas sim o facto de as conclusões continuarem a ser uma duplicação quase integral da motivação e não, como impõe a lei, uma síntese conclusiva das pretensões formuladas. Não existe, uma quantidade pré-determinada e numericamente adequada de conclusões. Tudo depende da complexidade do caso objeto de recurso e das concretas questões que no mesmo se levantam. O que importa é que, do ponto de vista material, as conclusões sejam uma síntese dos fundamentos pelos quais se pede a revogação da decisão, independentemente do seu número. Ora, depois de no despacho de 6.10.2022, o qual, repete-se, não foi objeto de reação por parte da recorrente e, por isso, não é objeto da presente reclamação para a conferência, se ter dito que as conclusões eram uma duplicação da motivação, para cumprir o aludido despacho a recorrente tinha que ter efetuado uma síntese das conclusões anteriores. E essa síntese não foi feita, como já explicámos, continuando as conclusões a ser uma duplicação da motivação pois a recorrente limitou-se a eliminar sete conclusões relativas a transcrições de artigos, doutrina e jurisprudência, mantendo incólumes as restantes conclusões, não tendo quanto às mesmas efetuado qualquer esforço de síntese por forma a que constituíssem proposições sintéticas do invocado na motivação. Contrariamente ao que advoga a recorrente, a necessidade de formulação de conclusões não é uma “mera recomendação de boa técnica processual”, que deve ser interpretada com moderação e que não constitui um comando rigoroso. Muito pelo contrário, a lei impõe ao recorrente um verdadeiro ónus de alegar e formular conclusões, como decorre da própria epígrafe do art. 639º, do CPC, conclusões essas que têm de cumprir as exigências formuladas nesse preceito. O art. 639º não contém uma mera recomendação de boa técnica processual, como se a parte fosse livre de seguir e acatar ou não essa recomendação. Contém uma imposição legal clara de tal forma que se não existirem conclusões a consequência é o imediato indeferimento do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), do CPC. Se as conclusões não fossem relevantes e pudessem ser uma mera reprodução daquilo que já se alegou na motivação não se perceberia o motivo pelo qual o legislador impôs que fossem formuladas, pois, nessa interpretação, as mesmas seriam inúteis e supérfluas e não passariam de uma duplicação de texto, bastando ler o que já tinha sido invocado na motivação. As conclusões são importantes precisamente porque delimitam o objeto do recurso e sintetizam o que foi alegado na motivação. Só são importantes e fundamentais neste caso, ou seja, quando, analisadas do ponto de vista substancial ou material, revestem a natureza de verdadeiras conclusões. Quando não o são e não passam de mera reprodução do texto da motivação, efetivamente não têm nenhum valor e é precisamente por isso que nesse caso essa duplicação é equiparável à falta de apresentação de conclusões e determina que o recurso não seja conhecido. Do ponto de vista substancial, quando ocorre essa duplicação, é como se não tivessem sido apresentadas quaisquer conclusões. Porém, como formalmente foram apresentadas, não se pode de imediato rejeitar o recurso e tem que se conceder à parte a possibilidade de corrigir a situação, permitindo-lhe que elimine das conclusões o vício em questão, dirigindo à parte convite nesse sentido. Só se o vício não for eliminado é que se justificará a cominação de não conhecimento do recurso, na parte afetada, nos termos do art. 639º, nº 3, do CPC. Tudo isto foi claramente explicado à recorrente no despacho de 6.10.2022 e foi-lhe dada a possibilidade de apresentar novas conclusões que não fossem a mera reprodução do que constava da motivação e que constituíssem uma síntese do aí alegado. A recorrente apresentou novas alegações que continuam a ser uma duplicação da motivação, não efetuou qualquer síntese das conclusões e limitou-se a eliminar sete conclusões que mais não eram do que transcrições de artigos, jurisprudência e doutrina. Quanto ao mais não houve qualquer esforço de síntese. Assim sendo, conclui-se que efetivamente a recorrente, com a mera eliminação das sete conclusões relativas a transcrição de artigos, doutrina e jurisprudência não deu cumprimento ao despacho de 6.10.2022 pelo que a consequência desse incumprimento deve ser o que já constava do aludido despacho, ou seja, o não conhecimento do recurso. A recorrente invoca que ocorre um impedimento de acesso à justiça que é inconstitucional, por violação do disposto no art. 20º da CRP. Porém, em nosso entender, fá-lo sem razão. Dispõe o art. 20º, da CRP, sob a epígrafe acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, que : 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos. Esta norma constitucional não impede que a lei processual imponha determinados ónus às partes e que quando os mesmos não sejam cumpridos tenham determinadas consequências que podem passar precisamente pelo não conhecimento do recurso, tal como sucede no caso de incumprimento do disposto no art. 639º, nº 3, do CPC. Assim, não ocorre qualquer situação de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 20º da CRP. III – Limitação da possibilidade de rejeição do recurso à existência de conclusões que apresentem o vício de complexidade, deficiência ou obscuridade não resolvidas A recorrente alega que a cominação de não conhecimento do recurso não está ligada à satisfação do convite ao aperfeiçoamento, mas antes à própria existência de conclusões deficientes obscuras ou complexas, mais dizendo que, no caso, não há qualquer decisão concreta sobre a complexidade, apenas um convite ao aperfeiçoamento e que não se pode considerar que o despacho de convite ao aperfeiçoamento contenha uma decisão final sobre as conclusões das alegações. Refere que com o despacho de convite ao aperfeiçoamento o que pretende é que a parte tenha oportunidade de se pronunciar (princípio do contraditório, proibição de decisão surpresa) e de suprir a deficiência, se ela existir. Deste argumentário retira a ilação de que o despacho de 24.10.2022 não podia ter decidido não conhecer o recurso, por incumprimento do despacho de convite ao aperfeiçoamento, e, ao invés, tinha ele próprio que analisar se as conclusões eram efetivamente complexas. Dissentimos em absoluto desta argumentação e das ilações que a recorrente dela pretende extrair. Vejamos as razões dessa dissidência. Dispõe o art. 613º, nº 1, que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. Esta norma é aplicável aos despachos, com as necessárias adaptações, por força do estatuído no nº 3 do art. 613º. O princípio do esgotamento do poder jurisdicional justifica-se pela necessidade de evitar a insegurança e incerteza que adviriam da possibilidade de a decisão ser alterada pelo próprio tribunal que a proferiu, funcionando como um obstáculo ou travão à possibilidade de serem proferidas decisões discricionárias e arbitrárias. Assim, uma vez prolatada uma decisão, “o tribunal não a pode revogar, por perda de poder jurisdicional. Trata-se, pois, de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais. (...) Graças a esta regra, antes mesmo do trânsito em julgado, uma decisão adquire com o seu proferimento um primeiro nível de estabilidade interna ou restrita, perante o próprio autor da decisão” (Rui Pinto in CPC Anotado, Vol. II, pág. 174, com bold apócrifo). Como já referia Alberto dos Reis em anotação ao anterior art. 666º, correspondente ao atual 613º, o princípio do esgotamento do poder jurisdicional justifica-se por uma razão de ordem doutrinal e por uma razão de ordem pragmática. “Razão doutrinal: o juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e as outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se lògicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se. A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão” (Alberto dos Reis in CPC Anotado, Vol. V, pág. 127). Portanto, da extinção do poder jurisdicional decorre esta consequência irrecusável: o juiz não pode, motu proprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada (cf. Acórdão da Relação de Coimbra, de 17.4.2012, Relator Henrique Antunes, in www.dgsi.pt). Prolatada a decisão, e ressalvados os casos de retificação, reforma ou suprimento de nulidades, por força do esgotamento do poder jurisdicional fica vedada a possibilidade de essa decisão ser alterada pelo próprio tribunal que a proferiu, apenas sendo possível obter a sua alteração através de recurso que dela venha ser interposto. Como tal, podemos afirmar que da “extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem dois efeitos: um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa in CPC Anotado, 2ª ed., Vol. I, pág. 762). A intangibilidade da decisão proferida é, naturalmente, limitada pelo respetivo objeto no sentido de que a extinção do poder jurisdicional só se verifica relativamente às concretas questões sobre que incidiu a decisão. Se o tribunal, em desrespeito do comando ínsito no art. 613º, nº 1 (e fora dos ressalvados casos de retificação, reforma ou suprimento de nulidades) proferir outra decisão que incida sobre a mesma matéria que já foi anteriormente apreciada, a nova decisão que padeça de tal vício é juridicamente inexistente e não vale como decisão jurisdicional por ter sido proferida em momento e circunstâncias em que o aludido poder jurisdicional já se tinha esgotado (cf. neste sentido, Acórdão do STJ, de 6.5.2010, Relator Álvaro Rodrigues, in www.dgsi.pt). Aplicando estas considerações ao caso sub judice, o despacho de 6.10.2022 fez uma apreciação absolutamente concreta do vício de que padeciam as alegações apresentadas. Basta lê-lo para concluir que não se trata de uma apreciação genérica ou tabelar, mas antes de uma decisão concreta. A partir do momento em que efetuou essa apreciação concreta, a qual até foi despoletada pelo pedido feito pelo recorrido no sentido de o recurso ser rejeitado, esgotou-se o poder jurisdicional sobre a matéria concreta que foi apreciada, por força do estabelecido no art. 613º, nºs 1 e 3. Significa isto que a partir do momento em que foi proferida decisão pela relatora a considerar que as alegações padeciam de vício por serem reprodução integral da motivação, a relatora já não podia, posteriormente, alterar o assim decidido e dizer que afinal as conclusões não enfermam desse vício. A tal obsta a extinção do poder jurisdicional. Relembre-se que a parte não apresentou qualquer pedido de reação contra tal despacho, designadamente ao abrigo do art. 652º, nº 3. Destarte, depois de proferida a decisão de convite ao aperfeiçoamento, na qual constava o vício de que padeciam as alegações, a relatora só podia fazer o que fez: verificar se o despacho foi ou não cumprido e, não o tendo sido, aplicar a cominação que já constava desse despacho. Distintamente do que invoca a recorrente, o despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões proferido ao abrigo do art. 639º, nº 3, não se destina a exercer o princípio do contraditório nem a evitar decisões surpresa. Esse convite assenta na existência de um vício, cuja existência foi previamente apreciada e declarada, e permite que a parte, num determinado prazo, possa eliminar esse vício. A existência do vício está para o decisor definitivamente assente no sentido de que o mesmo apreciou e decidiu que esse vício se verifica no caso em apreço. E, por isso, o despacho de 24.10.2022 não podia reapreciar a questão da existência do vício nas conclusões pois essa matéria já tinha sido apreciada previamente e quanto a ela encontrava-se esgotado o poder jurisdicional. Carece, pois, de sustentação jurídica a pretensão da recorrente no sentido de que o despacho de 24.10.2010 não podia rejeitar o recurso, por considerar incumprido o despacho de 6.10.2022, e que tinha ele próprio que apreciar a existência de vício nas conclusões. * Do que se acaba de expor conclui-se que é de manter a decisão de não conhecimento do objeto do recurso por a recorrente nas novas conclusões que apresentou, não ter eliminado o vício existente nas conclusões anteriores, não constituindo as conclusões proposições sintéticas dos fundamentos pelos quais pediu a revogação da decisão, nos termos do art. 639º, nºs 1 e 3, do CPC, e em conjugação com o constante do despacho de 6.10.2022, o qual não se considera cumprido. * Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue a ação condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.Tendo sido proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, decisão que foi confirmada na presente reclamação para a conferência, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a reclamação para a conferência improcedente, confirmando a decisão da relatora de não conhecimento do objeto do recurso por a recorrente nas novas conclusões que apresentou, não ter eliminado o vício existente nas conclusões anteriores, não constituindo as conclusões proposições sintéticas dos fundamentos pelos quais pediu a revogação da decisão, nos termos do art. 639º, nºs 1 e 3, do CPC, e em conjugação com o constante do despacho de 6.10.2022, o qual não se considera cumprido. Custas pela requerente. Notifique. * Guimarães, 30 de novembro de 2022. (Relatora) Rosália Cunha (1ª Adjunta) Lígia Venade (2º Adjunto) Fernando Barroso Cabanelas. |