Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | EVA ALMEIDA | ||
Descritores: | ACÇÃO DE PREFERÊNCIA LEGITIMIDADE PASSIVA EFEITOS JURÍDICOS DO DIREITO DE PREFERÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/15/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I- A ação de preferência é instaurada contra quem interveio no negócio celebrado em violação de um direito de preferência, alcançando o seu efeito útil normal com a demanda, pelo titular do direito legal de preferência, de ambos os sujeitos da relação contratual que irá ser subjectivamente modificada através da substituição retroactiva do adquirente pelo preferente. II- Assim, sujeitos da relação material controvertida na acção de preferência são o titular do direito real de aquisição, em que a preferência legal se consubstancia, do lado activo, e do lado passivo, o alienante – que desrespeitou tal direito de preferência – e o originário adquirente que irá ser substituído retroactivamente pelo preferente, se a acção proceder. III- O efeito do exercício da preferência não é a aquisição de um ius in re, mas sim a aquisição da qualidade de parte ou sujeito de determinado contrato, por via do qual se adquire a posição real sobre a coisa alienada. IV- A mulher do adquirente, porque não interveio no negócio violador do direito de preferência do aqui autor, não tinha de ser demandada na acção de preferência para que o efeito útil normal da acção se produzisse. V- Produzido o efeito constitutivo típico da acção de preferência, os respectivos efeitos retroagem à data da alienação do bem, tudo se passando juridicamente, quanto à titularidade do direito transmitido, como se o negócio de alienação tivesse, desde o início, sido celebrado com o preferente. VI- Substituído por sentença o adquirente naquele negócio de compra e venda, também quem figurava como titular no registo predial (inscrição lavrada por força daquele negócio) deve ser substituído pelo preferente. VII- Sobre os réus, nomeadamente sobre a ré contestante, incide a obrigação passiva universal de respeitar o direito de propriedade adquirido pelo aqui recorrente, por força do seu direito de preferência, reconhecido na sentença proferida na acção de preferência, que, com efeitos ex tunc, o substituiu ao comprador seu marido, no contrato por este celebrado. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO F. D. instaurou acção declarativa com processo comum contra M. G. e M. A., pedindo: A) A condenação dos réus a reconhecer que o autor é dono e legítimo possuidor dos imóveis: I) prédio rústico, denominado “campo do feital pequeno”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia da ..., concelho de vila verde, sob o artigo ..., descrito na conservatória do registo predial de vila verde sob o n.º ..., II) prédio rústico, denominado “campo do feital grande”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia da ..., concelho de vila verde, sob o artigo ..., descrito na conservatória do registo predial de vila verde sob o n.º ...; B) Sejam os réus condenados a reconhecerem tal direito de propriedade do autor, abstendo-se de quaisquer actos de turbação daquele direito; C) Seja ordenado o cancelamento dos registos da aquisição, a favor dos réus, ordenando o registo de aquisição, dos prédios identificados em “a” do petitório, a favor do aqui autor.”. Alega, para tanto e em síntese, que correu termos uma acção, com o nº 128/17.8T8VVD, instaurada pelo aqui autor contra J. G. e outros, na qualidade de vendedores e o aqui réu marido, na qualidade de comprador, na qual exerceu direito legal de preferência no contrato de compra e venda de dois prédios rústicos, sitos na freguesia da ..., concelho de Vila Verde, celebrado entre o ora réu marido, M. G., na qualidade de comprador, e J. G. e outros, na qualidade de vendedores. Nessa acção foi proferida sentença, datada de 13 de Julho de 2018, já transitada em julgado, que julgou parcialmente procedente a acção e reconheceu ao aqui autor o direito de preferência na venda dos prédios supra identificados. O ora autor havia depositado o preço do negócio à ordem do Tribunal e, uma vez transitada em julgado aquela sentença, foi transferida para a conta bancária dos aqui réus a quantia de dezoito mil euros, correspondente ao preço da aquisição daqueles prédios rústicos. Transferência que foi ordenada, por despacho proferido a 21/01/2019, e já concretizada. O Autor apresentou aquela sentença como título de registo na Conservatória do Registo Predial de Terras de Bouro, no entanto, aquele registo de aquisição a favor do autor foi lavrado como provisório por falta de trato sucessivo. Sucede, que, apesar de aquela sentença já ter transitado em julgado, de os réus terem requerido (e recebido), naqueles autos, o reembolso do preço do negócio frustrado e de o autor ter imediatamente tomado posse dos imóveis, os réus, bem cientes de que aqueles imóveis não lhes pertencem, vêm turbando a posse do autor, ora colocando entraves ao acesso do autor àqueles imóveis, ora afirmando continuamente que os referidos imóveis são propriedade dos réus, em virtude de o registo ter sido lavrado como provisório e pelo facto de ainda se encontrarem activas as inscrições de aquisição dos ora réus sobre aqueles prédios. Sustenta, que devido à autoridade do caso julgado, dando como assente a substituição do autor pelos réus naquele contrato de compra e venda, devem os réus ser condenados a reconhecer o autor como único dono e legítimo possuidor dos prédios em causa nos autos, assim como a se absterem da prática de quaisquer actos que turbem a respectiva posse. * Regularmente citados, apenas a ré mulher contestou.Excepcionou em primeiro lugar, a sua ilegitimidade, sustentando não ser parte legítima para a presente acção. Excepcionou, em segundo lugar, a inoponibilidade do caso julgado formado no processo nº 128/17.8T8VVD, uma vez que não foi parte nessa acção. Excepcionou ainda a caducidade da acção de preferência. No mais, impugnou a matéria invocada pelo autor, afirmando que “é a 2.ª Ré e seu marido que são os proprietários dos identificados prédios e não o Autor”. * O autor foi convidado a responder à matéria de excepção invocada pela ré, o que fez, sustentando, em suma, que a ré é parte legítima.Defendeu que a autora está abarcada pelo caso julgado formado pela decisão proferida no processo nº 128/17.8T8VVD e, aceitando que a ré não foi citada naquele processo, defende que à mesma apenas restava lançar mão de recurso de revisão com fundamento na falta de citação, sustentando que o poder jurisdicional do Tribunal quanto ao direito de preferência findou, podendo apenas a ré lançar mão do recurso de revisão para a anulação da sentença proferida à revelia da ré. Alegou que a ré litiga de má-fé. * Realizou-se audiência prévia onde as partes foram notificadas da possibilidade de o Tribunal passar a proferir decisão de mérito de imediato.Apenas a ré se pronunciou. Proferiu-se sentença em que se decidiu: «Pelo exposto julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo os réus, M. G. e M. A., do pedido contra estes formulado pelo autor F. D.. Custas pelo autor, artigo 527, nº 1 e 2 do CPC..». * Inconformado, o autor interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:«I – DA OPONIBILIDADE DO CASO JULGADO À RÉ CONTESTANTE 1 - O ora Recorrente intentou acção de preferência, com o nº 128/17.8T8VVD, contra o aqui Réu, M. G., e outros; 2 - Nos referidos autos foi proferida sentença, datada de 13 de Julho de 2018, já transitada em julgado, onde o mesmo Juízo Local Cível de Vila Verde julgou a acção parcialmente procedente e reconheceu ao aqui Recorrente o direito de preferência na venda dos prédios: I) prédio rústico, denominado “campo do feital pequeno”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia da ..., concelho de vila verde, sob o artigo ..., descrito na conservatória do registo predial de vila verde sob o n.º ..., II) prédio rústico, denominado “campo do feital grande”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia da ..., concelho de vila verde, sob o artigo ..., descrito na conservatória do registo predial de vila verde sob o n.º ...; 3 - O preço do negócio destruído foi restituído para a conta bancária dos aqui Réus. Transferência que foi ordenada, por despacho proferido a 21/01/2019, e já concretizada." 4 – Entendeu o Tribunal a Quo que, não tendo a Ré mulher sido demandada naquele processo 128/17.8T8VVD, a sentença ali proferida não lhe é oponível. Isto porque, 5 - O Tribunal a Quo não poderia fazer tábua rasa de uma sentença que, apesar do apontado vício, produziu efeitos na esfera jurídica dos aqui Recorrente e Recorridos. 6 - Não estamos perante um qualquer processo ou decisão surpresa para a Ré Contestante porque, esta recebeu na sua conta bancária a quantia de 18.000,00€, transferidos por ordem do Juízo Local Cível de Vila Verde – montante que o Recorrente havia depositado à ordem do processo aquando da propositura da primitiva acção. 7 - A Ré Recorrente, recebeu aquele valor e o mantém na sua esfera jurídica, há mais de 2 (DOIS) anos (!) 8 – Por seu turno, desde a prolação da sentença, no processo 128/17.8T8VVD, que o ora Recorrente se apossou dos prédios objecto da preferência, sem nunca a Ré contestante levantar qualquer embargo ou reclamação. 9 - Situação que se manteve durante mais de DOZE MESES, isto é, desde que foi proferida a sentença, no processo 128/17.8T8VVD, até à citação para os presentes autos. E que, de resto, se mantém até hoje. 10 – A aludida sentença produziu efeitos, porquanto os Réus viram-se reembolsados pelo preço que haviam pago pela compra e nenhuma oposição manifestaram à posse que o ora Recorrente veio a exercer sobres aqueles prédios, após o trânsito em julgado da sentença. 11 - Para além desses efeitos, aquela sentença criou no Recorrente e Recorridos um sentimento de definitividade da decisão e, Recorrente e Recorridos, aceitaram a requereram tudo como se de uma sentença perfeita se tratasse. 12 - Ou seja, expressa ou tacitamente os Réus conformaram-se com a aludida sentença. 13 - a Ré contestante é cunhada do ora Recorrente; o Réu não contestante é irmão do Recorrente e, portanto, os Réus são casados entre si no regime da comunhão geral de bens. 14 - Dada a relação familiar entre Recorrente e Recorridos poder-se-á inferir um especial cuidado e acompanhamento da Ré com a tramitação e desfecho daquele processo (128/17.8T8VVD). 15 - E, surpreendentemente, veio agora a Ré apresentar contestação, desacompanhada do Réu marido, buscando (e até agora conseguindo) uma solução diferente à decisão de mérito sobre o direito de preferência que ao Recorrente foi declarado. II – DA APLICABILIDADE AO CASO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1682.º-A .º 1 A) E 1687.º N.º 1 E 2 DO CÓDIGO CIVIL 17 - O Código Civil também estatui uma obrigação de intervenção conjunta dos cônjuges nos casos de negócios que incidam sobre imóveis comuns ao casal (1682.º-A do Código Civil). 18 - No entanto, no caso dos actos praticados pelo cônjuge, sem a intervenção do outro cônjuge, a lei substantiva prevê a sedimentação do acto desde que o mesmo não seja objecto de acção de anulação, por banda do cônjuge não interveniente, no prazo de seis meses contados do conhecimento do negócio (1687.º do Código Civil) 18 - A lei substantiva prevê um limite de passividade ao cônjuge não interveniente, ou que não prestou consentimento a qualquer acto de alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns 19 - Ora se a Lei permite a sanação de um acto negocial, sem intervenção do cônjuge, pelo mero decurso do prazo de SEIS meses e da conformação do cônjuge não interveniente quanto ao negócio celebrado sem a sua intervenção, então o mesmo regime será de aplicar aos presentes autos em que: i) foi intentada acção de preferência; ii) foram citados todos os intervenientes no negócio colocado em crise; iii) O ora Recorrente depositou à ordem daquele processo o valor de 18.000€ correspondente ao preço; iv) foi produzida prova e proferida sentença, transitada em julgado, que substituiu os aqui Réus pelo ora Recorrente no contrato de compra e venda dos prédios em discussão nos presentes autos; v) Por via da sentença o ora Réu requereu que lhe fosse transferido o preço pago e que se encontrava depositado à ordem do processo; vi) (RE)Ingressou na conta bancária da aqui Ré contestante (e do Réu) aquele valor de 18.000€, o que ocorreu a 22/01/2020; vii) Desde a notificação da sentença, 06/11/2018, que os Réus se inibiram de deslocar aos prédios objecto da acção de preferência viii) Os presentes autos foram intentados a 03/12/2019 e levados ao conhecimento da Ré contestante a 06/12/2019; ix) Ou seja, transcorrido mais de um ano, contado do conhecimento, da produção dos efeitos daquela sentença, e do seu absoluto acatamento, é que a Ré Contestante se insurge quanto à mesma dizendo até a desconhecer. 20 - Destarte, no modesto entendimento do Recorrente, com o trânsito em julgado da sentença que decretou o direito de preferência o aqui Recorrente e, correspondentemente, a ora Ré Contestante, que ali não havia sido citada, ver ingressar no seu património o valor que havia dispensado pela compra, sem nunca se ter oposto àquela restituição e sem que, durante mais de um ano, se tivesse insurgido contra o desfecho daquele processo 128/17.8T8VVD, faça impor, também à Recorrida, o ali decidido. 21 – Ou, então, nos termos do artigo, 1687.º do Código Civil, precludido o direito da Ré contestante. III – DA EXISTÊNCIA DE ABUSO DE DIREITO; 22 - Nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil, existe abuso de direito quando alguém, embora detentor de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apoditicamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou fim social ou económico desse direito. 23 - As circunstâncias e a actuação da Ré, embora o faça no exercício de um direito a contestar a acção contra si intentada, invocando inoponibilidade de uma sentença proferida em processo tramitado sem o seu chamamento, a verdade é que o decurso do tempo e a já referida à exaustão conformação da Ré com aquela sentença, 24 - Isto conjugado com a prática dos actos tendentes ao cumprimento da sentença durante mais de um ano faz com que o exercício da Ré aponte para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé, da segurança jurídica, e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade. 25 – Neste particular segue-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 190/11.7TYVNG.L1-8, de 11/07/2019 (disponível em www.dgsi.pt): “1 – O abuso de direito pressupõe a existência desse direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. 2 – Agir de boa-fé é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar. 3 – A violação do princípio da confiança, revela normalmente um comportamento com que, razoavelmente, não se contava face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou – venire contra factum proprio – que se reconduz à expressão “manifesto excesso”.” 26 - Pelo que será de concluir que a actuação da Ré contestante, processual e extraprocessual, viola o princípio da confiança e extravasa de modo irremediável os ditâmes da boa fé. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE, POR PROVADO, NOS TERMOS, CONDIÇÕES E EFEITOS PETICIONADOS, ASSIM SE FAZENDO A TÃO HABITUAL JUSTIÇA!» * A ré contra-alegou.* O recurso foi admitido na 1ª instância, como apelação a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.Recebidos os autos neste Tribunal, o recurso foi admitido nos termos em que o havia sido na 1ª instância. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC). As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que assim se sintetizam: – Eficácia da sentença proferida na acção de preferência relativamente à ré mulher. – Se tal se mostrar necessário à procedência da acção, conhecer do invocado abuso de direito da ré. III - FUNDAMENTOS DE FACTO Factualidade assente: 1. Constante da sentença recorrida: A) Correu termos neste Tribunal a acção com processo nº 128/17.8T8VVD, no qual figurava como autor, o ora autor, F. D. e como réus J. G., I. F., J. M., J. F., M. L., M. F., M. C. e o aqui Réu marido, M. G., conforme certidão junta aos autos a fls. 6 a 41, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. B) Nesse processo foi proferida sentença, na qual se decidiu: “Face ao exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência: a) Reconheço o direito de preferência do Autor na venda dos prédios identificados no ponto 5 dos Factos Provados e, consequentemente, decreto a substituição do Réu M. G. pelo Autor, F. D., na compra efectuada por aquele Réu aos restantes Réus, identificada no ponto 5 dos Factos Provados; b) Absolvo os Réus do restante peticionado.”, conforme certidão junta aos autos a fls. 6 a 41, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido”. C) Os réus contraíram casamento entre si em 13 de Julho de 1980, no regime de comunhão geral de bens, conforme certidão junta aos autos a fls. 65, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.” 2. Têm ainda interesse para a decisão deste recurso, atentas as questões a apreciar e o disposto no art.º 665º nº 2 do CPC, e estão plenamente provados, por força da certidão judicial junta a estes autos, da certidão do registo predial e da confissão dos réus – considerando o alegado em 15º a 19º da P.I. e reconhecido pela ré contestante no art.º 63º e segs. da contestação (“Em segundo lugar, quem é dono e legítimo possuidor dos bens imóveis é aqui 2.ª Ré e seu marido”) – os seguintes factos D) O ora Autor havia depositado o preço do negócio à ordem do Tribunal e, uma vez transitada em julgado aquela sentença, foi transferida, para a conta bancária dos aqui Réus, a quantia de dezoito mil euros correspondentes ao preço da aquisição daqueles prédios rústicos. Transferência que foi ordenada, por despacho proferido a 21/01/2019, e já concretizada. E) Os réus vêm afirmando continuamente que os referidos imóveis são sua propriedade. F) Os registos de aquisição a favor do Autor (descrições prediais n.ºs ... e n.º ...) foram lavrados como provisórios, por dúvidas, em razão de: – “o prédio encontra-se em nome de M. G. e mulher M. A., casados em comunhão geral (…) verifica-se que a mulher não foi demandada na acção judicial, ferindo assim o princípio do trato sucessivo”. IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO Decorre da certidão extraída do processo 128/17.8T8VVD, junta a estes autos, que os aí réus – J. G. (por si e na qualidade de procurador de I. F.), J. M., J. F., M. L., M. F., M. C. e T. B. – por documento particular autenticado, datado de 25 de Agosto de 2016, declararam vender ao aí também réu, M. G., os prédios: I) prédio rústico, denominado “campo do feital pequeno”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia da ..., concelho de vila verde, sob o artigo ... e o prédio rústico, denominado “campo do feital grande”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia da ..., concelho de vila verde, sob o artigo .... Prédios estes, que o réu M. G. declarou comprar e fez inscrever no registo predial a seu favor (descrições n.º ... e n.º ...). O aqui autor instaurou acção de preferência contra os intervenientes em tal negócio de compra e venda, a fim de se substituir ao comprador (M. G.) pedindo o reconhecimento do seu direito de preferência e que: b) Seja decretada a substituição do Réu M. G. pelo Autor, na compra por este efectuada aos Réus J. G., I. F., J. M., J. F., M. L., M. F. e esposa M. C., ordenando-se ainda o cancelamento do registo de aquisição dos prédios a favor do Réu M. G. bem como, de quaisquer outros surgidos na sequência destes. Tal acção foi julgada procedente relativamente a tais pedidos, concretamente: a) Reconheço o direito de preferência do Autor na venda dos prédios identificados no ponto 5 dos Factos Provados e, consequentemente, decreto a substituição do Réu M. G. pelo Autor, F. D., na compra efectuada por aquele Réu aos restantes Réus, identificada no ponto 5 dos Factos Provados. Em tal acção de preferência a aqui ré (mulher do comprador) não foi demandada. A acção de preferência é instaurada apenas contra quem interveio no negócio celebrado em violação de um direito de preferência. Concretamente contra os vendedores e o comprador. Quem não interveio no negócio (ou em negócios subsequentes dele decorrentes) não é parte nessa acção. Efectivamente, a única questão que se discutiu na jurisprudência e na doutrina era a necessidade de demandar os vendedores, pois, parte entendia que apenas teria de ser demandado o comprador É na letra do art.º 1410 n.º 1 do Código Civil que se firmou jurisprudência no sentido de todos os intervenientes no negócio terem de ser demandados na acção de preferência. Como se refere no acórdão do STJ de 7-2-1991 (proc. n.º 081238) in www.dgsi.pt : Ora a partir deste preceito há quem defenda haver litisconsórcio necessário passivo entre o vendedor e adquirente do prédio alienado, (caso do Professor A. Varela na Revista Legislação e Jurisprudencia 100 – 241 101 - 385, 105 - 8, 119 - 107, 120 - 22 e Código Civil Anotado II, 2ª edição páginas 378, e grande parte da jurisprudência da Relação de Coimbra), e há quem defenda não haver litisconsórcio necessário, a não ser quando contra o alienante seja deduzido qualquer pedido baseado na simulação do preço ou em qualquer outro fundamento, (jurisprudência das outras Relações e a tradicional corrente deste Supremo Tribunal). Segundo o Professor A. Varela "a tese da ilegitimidade do alienante, como réu, nas acções de preferência assenta ... num erro palmar de interpretação, que é gritante em alguns casos e pode ter, em outros casos, graves reflexos, quer na situação dos interessados, quer no prestigio da administração da justiça", (Revista Legislação e Jurisprudência 120 - 23). No domínio do Código Civil de 1867 era orientação quase unanime, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que o alienante não tinha que ser chamado à acção de preferência, salvo se fosse alegada a simulação do preço ou se, por qualquer outro motivo, a decisão o pudesse prejudicar directamente, (confere A. Reis na Revista Legislação e Jurisprudência 79 - 209 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 12 de Junho de 1961, 27 de Outubro de 1961 e 27 de Março de 1962 no Boletim do Ministério da Justiça 109 - 597, 110 - 403 e 115 - 450). Um tal entendimento era do conhecimento do legislador de 1966, e sobre ele o mesmo legislador tomou posição, ao mesmo tempo que operou uma viragem histórica no regime do direito de preferência. A questão da legitimidade processual nas acções de preferência "quis o legislador solucioná-las aludindo intencionalmente, na parte final do n. 1 do artigo 1410 à citação dos réus (no plural) para significar que a acção deve ser simultaneamente proposta contra o alienante (que é o demandado cuja acção ilícita dá lugar à acção), e contra o adquirente, (que é o destinatário do principal efeito visado pela acção: - a substituição dele, na alienação efectuada, pelo titular da preferência e requerente na acção)" (Revista Legislação e Jurisprudência 119 - 107).» Assim, na acção de preferência intentada pelo aqui autor e na procedência da qual o mesmo se substituiu ao réu M. G., na compra por este efectuada aos demais réus, a aqui ré, mulher do comprador, que não interveio no negócio objecto da preferência, não era, nem podia ser parte. Note-se que da procedência da acção de preferência não resultou “perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos”. O único direito real que se discute nessa acção é precisamente o direito de preferência do autor. No mais, está apenas em causa um contrato celebrado pelos obrigados à preferência (vendedores) e pelo marido da ré (comprador). Contrato esse que apenas vincula as partes que o celebraram e no qual a recorrida não participou. Pelo exposto, contrariamente ao alegado pela ré no art.º 61.º da contestação e secundado na sentença recorrida, a ré mulher não foi indevidamente preterida no processo nº 128/17.8T8VVD (acção de preferência), e essa acção correu entre os legítimos contraditores, pois não só não era obrigatória a demanda da recorrida na acção de preferência, como entendemos que não era possível, já que nessa acção só poderiam intervir, do lado passivo, os intervenientes no negócio. Ora a procedência da acção de preferência tem como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, do adquirente pelo preferente (1). Face à eficácia ex tunc da preferência, o marido da ré deixa de figurar no contrato como comprador, sendo substituído pelo aqui autor. Tudo se passa como se o réu marido nunca tivesse comprado aqueles prédios. Consequentemente, face à procedência da acção de preferência e ao seu efeito ex tunc, contrariamente ao sustentado na sentença recorrida, os prédios em questão não chegaram a integrar o património dos réus. Não está assim em causa ser ou não ser oponível à recorrida tal sentença. A sentença é oponível ao comprador seu marido, que foi substituído no contrato em questão pelo autor. Como ensina Henrique Mesquita, em Obrigações Reais e Ónus Reais, págs. 221/222. “A declaração judicial de que o autor é o titular do direito (de preferência) não tem por efeito a constituição de um novo direito ou sequer a aquisição de um direito pré-existente, antes visa significar a substituição do adquirente pelo preferente no negócio jurídico realizado, tudo se passando juridicamente, após a substituição e pelo que respeita à titularidade do direito transmitido, como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente. O efeito do exercício da preferência não é a aquisição de um ius in re, mas sim a aquisição da qualidade de parte ou sujeito de determinado contrato, por via do qual se adquire a posição real sobre a coisa alienada. A aquisição dos prédios por M. G. foi registada a seu favor e de sua mulher, aqui recorrida, apenas por esta ser casada com o comprador no regime da comunhão de adquiridos e não por esta ter tido qualquer intervenção no negócio que justifica tal registo. A mulher do comprador, porque não interveio no negócio violador do direito de preferência do aqui autor não tinha de ser demandada na acção de preferência. Tal como refere Lopes do Rego (2), a acção de preferência “alcança o seu efeito útil normal com a demanda pelo titular do direito legal de preferência de ambos os sujeitos da relação contratual que irá ser subjectivamente modificada através da substituição retroactiva do adquirente pelo preferente: sujeitos da relação material controvertida são, neste caso, apenas o titular do direito real de aquisição em que a preferência legal se consubstancia, do lado activo, e, do lado passivo, o alienante – que desrespeitou tal direito de preferência - e o originário adquirente que irá ser substituído retroactivamente pelo preferente, se a acção proceder. Na verdade, produzido o efeito constitutivo típico da acção de preferência, os respectivos efeitos retroagem à data da alienação do bem, tudo se passando juridicamente, quanto à titularidade do direito transmitido, como se o negócio de alienação tivesse, desde o início, sido celebrado com o preferente: tal efeito retroactivo preclude a eficácia de qualquer alienação ou oneração dos bens em causa a favor de terceiros como consequência da prática de acto de disposição, entretanto efectuado pelo primitivo comprador, o qual deve ser considerado como «a non domino» e, como tal, insusceptível de liquidar ou comprometer irremediavelmente o direito adquirido pelo preferente.” Em suma, procedendo a acção de preferência, tudo se passa como se naquele contrato, que esteve na base e é fundamentante do registo lavrado, constasse como comprador o preferente, aqui recorrente. É isso que significa o dispositivo da sentença proferida nessa acção de preferência: “Decreto a substituição do Réu M. G. pelo Autor, F. D., na compra efectuada por aquele Réu aos restantes Réus, identificada no ponto 5 dos Factos Provados”. Substituído por sentença o adquirente naquele negócio de compra e venda, também quem figurava como titular no registo predial (inscrição lavrada por força daquele negócio) deve ser substituído (o primitivo comprador) pelo preferente, ficando obviamente sem efeito o registo de aquisição a favor do respectivo cônjuge, que apenas foi lavrado com base no regime de bens do primitivo comprador. Consequentemente a senhora Conservadora do Registo Predial, em obediência a tal sentença, nos termos do art.º 205º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, tem de substituir quem consta como adquirente (no documento com base no qual lavrou o registo), pelo preferente aqui autor. Não há falta de trato sucessivo porque o direito não é transmitido por aqueles que figuram no registo como adquirentes, mas por aqueles que a estes (ao réu marido) haviam “transmitido o direito” ou seja, pelos vendedores. Por seu turno, sobre os réus, nomeadamente sobre a ré contestante, incide a obrigação passiva universal de respeitar o direito de propriedade adquirido pelo aqui recorrente, por força do seu direito de preferência, reconhecido na sentença proferida na acção de preferência, que, com efeitos ex tunc, o substituiu ao comprador seu marido, no contrato por este celebrado. * Pelo exposto, na procedência das conclusões do apelante, impõe-se revogar a sentença recorrida e em sua substituição, julgar procedente a acção.Fica prejudicada, por desnecessária, a apreciação da questão do abuso de direito da ré. V – DELIBERAÇÃO Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição decidem: A) Condenar dos réus a reconhecer que o autor é dono e legítimo possuidor dos imóveis: I) prédio rústico, denominado “campo do feital pequeno”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia da ..., concelho de vila verde, sob o artigo ..., descrito na conservatória do registo predial de vila verde sob o n.º ..., II) prédio rústico, denominado “campo do feital grande”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia da ..., concelho de vila verde, sob o artigo ..., descrito na conservatória do registo predial de vila verde sob o n.º ...; B) Condenar os réus a reconhecerem tal direito de propriedade do autor, abstendo-se de quaisquer actos de turbação daquele direito; C) Determinar que a Conservatória do Registo Predial, em cumprimento da sentença proferida no processo nº 128/17.8T8VVD, como impõe o art.º 205º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, proceda à substituição do titular dos registos da aquisição dos prédios identificados “A” a favor do aqui autor.”. * Custas da acção e da presente apelação pela aqui ré apelada.Guimarães, 15-06-2021 Eva Almeida António Beça Pereira Ana Cristina Duarte 1. Ac. STJ, de 23/11/2010, P. 2822/03.1TBGDM.P1. S1, in www.dgsi.pt 2. Acórdão do STJ 22-10-2009 (proc. nº 446/09.9YFLSB) in www.dgsi.pt. |