Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5381/15.9T8VNF-D.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: PRECLUSÃO DE MEIOS DE DEFESA
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
FACTOS IRRELEVANTES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A consideração da existência de um ónus de concentração da defesa na oposição à execução conduz à inadmissibilidade de invocação, dentro ou fora do processo executivo em causa, das exceções extintivas da obrigação exequenda que poderiam ter sido invocadas na dita oposição e o não foram, pois só assim se cumprirá verdadeiramente a função de estabilização reconhecida à preclusão;
II- No tocante ao ónus da prova dos fundamentos da oposição valem as regras gerais, cabendo, portanto, ao executado embargante a prova dos fundamentos de oposição invocados, o mesmo é dizer, dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito cuja satisfação coativa constitui objeto da execução (art. 342º, nºs 1 e 2, do Código Civil);
III- Se o resultado visado pela reapreciação da decisão relativa à matéria de facto é indiferente para a resolução da questão de direito à luz das diversas soluções plausíveis, deve o tribunal ad quem indeferir essa pretensão, por força da proibição da prática no processo de atos inúteis.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

O “Banco ..., S.A. propôs Execução Sumária contra J. G. e G. R. para pagamento da quantia de 9.173,64 € apresentando como título executivo um Requerimento de Injunção, com força executiva, autuado com o n.º134257/14.9YIPRT, datado de 25 de Agosto de 2014, assente no incumprimento definitivo, em 30.05.2014, de um contrato de mútuo mediante o qual o Banco ..., S.A concedeu aos Executados um financiamento, no montante global de € 15.378,79 (quinze mil trezentos e setenta e oito euros e setenta e nove cêntimos), para aquisição de um veículo automóvel, no aludido requerimento aduzindo, entre o mais, que “em 14.08.2013 foi celebrado um contrato de dação pro solvendo pelo que o valor da venda da viatura foi entregue ao ora Requerente e imputado à parte vencida emergente do contrato de mútuo” (isto é, aduzindo que a quantia exequenda por si indicada pressupunha já a referida imputação, no invocado crédito, do valor da venda da viatura objeto da dação).
G. R. deduziu, então, oposição, por embargos de executado, à referida execução, arguindo a nulidade do contrato de mútuo com fundamento em falta de consciência da declaração, falta de cumprimento dos deveres de comunicação/informação pelo exequente embargado e incumprimento do dever de entrega de exemplar pelo exequente embargado – nada alegando a respeito da dação pro solvendo – tendo a sentença, já transitada em julgado, que veio a ser prolatada em tais embargos decidido julgar parcialmente procedente a dita oposição à execução e, em consequência, reduzir a supra referida quantia exequenda ao valor correspondente às prestações vencidas e não pagas à data da formulação do requerimento de injunção (08.2014) referido, acrescidas de juros de mora vencidos nos termos contratados, porquanto o exequente embargado não alegou, concretizando, nem demonstrou a verificação das condições legais do vencimento antecipado e/ou resolução do contrato.
Por seu turno, o Executado J. G. não deduziu qualquer oposição à referida execução.
Tendo a execução prosseguido para cobrança da quantia reduzida nos termos já referidos, veio o Banco ..., S.A. proceder à cumulação sucessiva de nova execução, para pagamento da quantia de 9.586,45€, respeitando 6.339,69 € a capital, € 1.809,65 a juros remuneratórios e 1.437,11€ a juros moratórios, calculados desde 05.09.2014 até à data da resolução do já aludido contrato de mútuo – a saber – 21.08.2018, à taxa contratual de 13,55 % (já acrescida da sobretaxa de 3%, a título de cláusula penal), nos termos contratuais, apresentando como título executivo o supra referido contrato e alegando a respetiva resolução em conformidade com o clausulado.
Cada um dos referidos Executados deduziu, então, oposição à execução cumulada, pugnando pela extinção da mesma.
Nos embargos apresentados por G. R., alegou esta, no que para agora releva, que, quando entrou em mora, ou seja, quando não pagou a prestação que se vencia em 5 de julho de 2013 e as subsequentes, entregou à Exequente, o veículo automóvel que adquiriu através do contrato de mútuo, veículo, esse, que a Exequente vendeu pelo preço de € 5.000,00 (cinco mil euros). Não obstante, a Exequente/Embargada, nunca deduziu esse valor à pretensa dívida, pelo que, conclui, em hipótese alguma, deve à Embargada, a, ora, peticionada quantia de € 9.586,45. A final, requereu a extinção da instância executiva.
De igual modo, nos seus embargos, defendeu o Embargante que, aquando do incumprimento inicial, ainda numa fase extrajudicial, o Embargante entregou à Embargada o veículo FORD, modelo C-MAX 1.6 TD Ci Ghia, matrícula DE, que tal veículo foi posteriormente revendido pela Embargada, que por ele recebeu o respetivo preço de venda, recordando-se de alguém do Banco lhe ter referido que teria rondado os 8.000,00 €, sendo que, no seu dizer, tal montante nunca foi descontado ou deduzido ao capital em dívida, motivo pelo qual o Embargante não deve à Embargada a quantia peticionada no Requerimento Executivo. Ao não deduzir esse montante, a Embargada incorre, para além do mais, num enriquecimento sem causa, uma vez que com a venda do automóvel embolsou o valor da respetiva venda, requerendo agora, no Tribunal, também o pagamento da totalidade desta.
Em virtude da “similitude da matéria em discussão nos dois apensos de embargos deduzidos separadamente por cada um dos executados e o inerente interesse na realização das mesmas diligências”, foi determinada a apensação do apenso E ao apenso D, nos termos do art. 267.º do NCPC.
A Embargada deduziu oposição aos dois embargos deduzidos defendendo, no que para agora interessa, não se compreender o motivo pelo qual os Embargantes suscitam tal questão, considerando que tal matéria (da dação) já se encontra assente, na sentença proferida a 27 de Agosto de 2017 (na Oposição à Execução deduzida pela Embargante G. R.) e não foi sequer suscitada no âmbito de tal apenso, reafirmando que, conforme referido no primeiro requerimento executivo, a imputação do valor da venda do veículo já havia sido efetuada, tendo, concretamente, sido imputada ao valor das prestações 24.º a 28.º e ao capital, num total de € 6.815,50, reiterando que a pretensão do Banco Embargado, com a cumulação, prende-se única e tão só com a possibilidade de recuperar as quantias vencidas após a data de entrada da injunção, nos termos do disposto no artigo 20.º, número 1. Do DL 133/2009 e artigos 781.º e 432.º, do CC.
*
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou os embargos totalmente improcedentes.

Inconformados com a sentença proferida, os Embargantes interpuseram recurso, apresentando as respetivas alegações e enunciando as seguintes conclusões:

I. Na sentença de que se recorre, decidiu o Tribunal a quo julgar improcedentes os embargos de executado e, consequentemente, determinou o prosseguimento da instância executiva contra os embargantes.
II. Baseia o tribunal a quo a sua convicção na prova documental junta aos autos, bem como na prova testemunhal, nomeadamente a prestada pelas testemunhas A. V. e M. F..
III. Consta dos factos provados, nomeadamente o ponto 9., que “Entre os devedores/embargantes e o Credor/exequente foi celebrado um contrato de dação “pro solvendo”, em 14/08/2013, tendo sido imputado o valor da venda do veículo ao valor das prestações 24.ª a 28.ª, num total de € 6.815,50.”
IV. Entendem os Embargantes que tal facto apenas deveria ter sido dado como PROVADO no seguinte teor: “Entre os devedores/embargantes e o Credor/exequente foi celebrado um contrato de dação “pro solvendo”, em 14/08/2013”.
V. E que deveria ter sido considerado NÃO PROVADO o seguinte teor: “tendo sido imputado o valor da venda do veículo ao valor das prestações 24.ª a 28.ª, num total de € 6.815,50.”, pelas seguintes razões:
VI. Resulta dos Documentos juntos pela Embargada na audiência de julgamento realizada em 05/12/2019, que efetivamente entre as partes se realizou um contrato de dação pro solvendo, datado de 12/08/2013, pelo qual se comprova que os Embargantes concordaram na entrega do veículo automóvel que havia sido financiado, “para com o produto da sua venda, imputar à dívida emergente do mencionado contrato de mútuo”.
VII. Em lugar algum desse documento consta qualquer valor, e nunca poderia constar, uma vez que aquele contrato de dação foi assinado antes da efetiva venda do automóvel.
VIII. Dos autos não consta, nem documentalmente, nem testemunhalmente comprovado, qual o montante pelo qual foi vendido o veículo, qual o montante de comissões e despesas que foram subtraídas ao produto da venda, nem qual o valor final que sobrou, após serem retiradas essas comissões e despesas.
IX. A verdade é que, ainda hoje em dia, o Embargante (e ora Recorrente) J. G. não tem conhecimento desses montantes, porque essas informações não constam dos autos.
X. O Embargante J. G. não foi parte no aludido apenso C dos autos.
XI. Se há entidades que estão dotadas de capacidade para demonstrar documentalmente operações aritméticas, contabilísticas, financeiras, essas entidades são os Bancos.
XII. Motivo pelo qual se impunha que o Embargado Banco dotasse os autos desses documentos, demonstrativos da existência e veracidade dessa imputação.
XIII. Não o tendo feito, impossibilitou que o Tribunal e os Embargados tivessem pleno conhecimento dessas operações.
XIV. Discordamos que tenha ficado provado qual o montante resultante da venda do veículo, que tenha sido imputado pelo Banco recorrido à dívida dos ora Recorrentes.
XV. Sempre o Tribunal teria de basear esta decisão em prova documental, não bastando dizer que o Embargante “facilmente calculará”.
XVI. É precisamente o contrário, ao não dotar os autos de documento comprovativo desses montantes, dificulta e, diremos até, impossibilita completamente o Embargante (e o próprio Tribunal!) de calcular qual o valor que resultou da venda do veículo, deduzidas as comissões e despesas, e que veio a ser abatido ao capital em dívida.
XVII. Entendem os Recorrentes que o ónus da prova da demonstração desse abatimento ao capital em dívida pertence ao Banco (Embargado), pois que os Embargantes impugnaram esta matéria, constante do Requerimento Executivo.
XVIII. Percebe-se que a testemunha tivesse feito o exercício de procurar inteirar-se dos valores que citou e que se transcrevem das declarações desta.
XIX. No entanto, a prova desses elementos citados sempre teria de ser feita exclusivamente por documento.
XX. Não o tendo sido, entendemos que nenhuma prova foi feita quanto à imputação do valor da venda do veículo ao valor da dívida dos Embargantes para com a Embargada, ou melhor, de qual esse concreto valor.
XXI. No termos do disposto no Art.º 154.º, do NCPC, “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.” XXII. Refere o Art.º 607.º, n.º 4, do NCPC, que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.”
XXIII. E, o número 5 do mesmo artigo, estatui que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
XXIV. Verifica-se, na sentença de que se recorre, que não se encontram devidamente indicados quais os elementos que levaram o julgador a dar como provado o facto n.º 9 dos factos provados.
XXV. O raciocínio dedutivo constante de fls 10 da decisão (na parte em que se diz que “é pois notório que existem prestações então em dívida cujo pagamento já não é exigido pelo banco exequente)” não pode ser admitido, nem sequer com base no princípio da livre apreciação das provas.
XXVI. Ao Banco recorrido competia fazer a prova (documentalmente suportada) de qual o montante pelo qual o veículo foi vendido, qual o montante de comissões e qual o montante abatido à dívida, uma vez que se tratava de matéria controvertida e cujo ónus da prova lhe pertencia.
XXVII. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou as normas constantes dos Art.ºs 342.º, do CC, 154.º, 607.º, n.º 4 e 5 do NCPC.

Terminam pedindo que a sentença recorrida seja substituída por outra que considere como facto provado apenas que “Entre os devedores/embargantes e o credor/exequente foi celebrado um contrato de dação “pro solvendo”, em 14/08/2013,” e que considere não provado que o Exequente tenha imputado o valor da venda do veículo ao valor das prestações 24.º a 28.º, num total de € 6.815,50.
Os Embargados contra-alegaram, pugnando pela confirmação do julgado.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir são as seguintes:

- Saber se ocorreu preclusão da defesa dos Executados no que toca à ora invocada extinção (parcial ou total) da obrigação exequenda em virtude da dação “pro solvendo” celebrada entre Embargantes e Embargados;
- Saber se, mesmo na hipótese de ser dada resposta negativa à primeira questão, a impugnação da matéria de facto teria alguma relevância para a decisão a proferir ou se, pelo contrário, sempre seria inócua, devendo esta Relação abster-se de a conhecer.
*
III. FUNDAMENTOS:

Os Factos

A. É a seguinte a factualidade considerada provada pela primeira instância:

1.- No âmbito da sua atividade bancária, o “Banco ..., S.A” celebrou com os embargantes, em 07/07/2011, um contrato de mútuo ao qual foi atribuído o número 2052745.
2.- Tal contrato teve por finalidade um financiamento para a aquisição de um veículo automóvel de marca Ford, modelo C- Max 1.6 TD Ci Ghia, com a matrícula DE, tendo sido concedido um empréstimo aos mutuários no montante de € 15.378,79 (quinze mil trezentos e setenta e oito euros e setenta e nove cêntimos), conforme documento n.º 1 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
3.- Através deste mútuo, os executados teriam que proceder ao pagamento do valor mutuado, acrescido dos juros e demais encargos contratualmente previstos, mediante o pagamento de 96 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 247,00/mensais, com vencimento ao dia 05, de cada mês.
4.- Sucede que, os embargantes/executados não procederam ao pagamento total das prestações acordadas, tendo entrado em incumprimento.
5.- Não obstante as sucessivas tentativas de regularização dos valores em dívida, conforme missivas juntas aos autos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos, os embargantes não procederam ao pagamento do valor em falta.
6.- Perante tal atuação, o aqui embargado viu-se forçado a instaurar contra os embargantes, o procedimento de injunção com o número 134257/14.9YIPRT, ao qual foi conferida força executiva, em 27/10/2014, e que foi executada no âmbito do processo de execução apenso.
7.- No dia 27/08/2017 foi proferida no âmbito do apenso C (“Embargos de Executado”), sentença que julgou parcialmente procedente a oposição à execução deduzida pela executada embargante G. R., no qual foi reduzida a quantia exequenda no valor correspondente às prestações vencidas e não pagas à data da formulação do requerimento de injunção, acrescidos dos juros de mora vencidos.
8.- Nessa quantia já se encontrava o desconto decorrente da venda da viatura objeto do contrato identificado em 2.
9.- Entre os devedores/embargantes e o Credor/exequente foi celebrado um contrato de dação “pro solvendo”, em 14/08/2013, tendo sido imputado o valor da venda do veículo ao valor das prestações 24.º a 28.º, num total de € 6.815,50.

B. E a seguinte a considerada “não provada” pela primeira instância:
Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes.

O Direito

- Da preclusão dos meios de defesa de dedução possível na oposição à execução original

Como se viu, a Embargada contestou os embargos objeto da sentença ora em crise defendendo, no que para agora interessa, não se compreender o motivo pelo qual os Embargantes suscitam tal questão no âmbito dos ditos embargos, “atento que tal matéria já se encontra assente, na sentença proferida a 27 de agosto de 2017” (na Oposição à Execução deduzida pela Embargante G. R.) e não foi sequer suscitada no âmbito de tal apenso, reafirmando que, conforme referido no primeiro requerimento executivo, a imputação do valor da venda do veículo já havia sido efetuada, tendo, concretamente, sido imputada ao valor das prestações 24.º a 28.º e ao capital, num total de € 6.815,50, reiterando que a pretensão do Banco Embargado, com a cumulação, prende-se única e tão só com a possibilidade de recuperar as quantias vencidas após a data de entrada da injunção, nos termos do disposto no artigo 20.º, número 1. Do DL 133/2009 e artigos 781.º e 432.º, do CC.

O invocado remete-nos, desde logo, para as questões do caso julgado e da preclusão dos meios de defesa dos oponentes (sobre esta matéria limitou-se a sentença sob recurso a referir, no âmbito da motivação da decisão relativa à matéria de facto, a existência de “autoridade do caso julgado” relativamente à embargante G. R.).

Na verdade, o conhecimento das Oposições ora em causa reveste-se de alguma especificidade na medida em que as mesmas surgem como embargos a uma execução cumulada à inicialmente deduzida contra os mesmos Executados e relativamente à qual já havia sido deduzida, pela ora também Embargante G. R., oposição.

Desde já se dirá que, embora, como infra melhor se verá, a situação não seja verdadeiramente a da existência de caso julgado da questão relativa à extinção da dívida exequenda em virtude da dação “pro solvendo” celebrada entre Embargantes e Embargada – uma vez que, para além do mais, como o mesmo refere, o Embargante J. G. não foi parte no aludido apenso C dos autos -, certo é que, a nosso ver, não é indiferente à decisão a proferir relativamente a cada um dos embargos o facto de, constando do título executivo da primeira execução expressa referência à existência da referida dação e à imputação do valor da venda da viatura à parte vencida emergente do contrato de mútuo para efeito da indicação da quantia exequenda daquela primeira execução, nenhuma outra versão a tal alegação terem os ali Executados e ora Embargantes oposto, ou melhor, não é indiferente não ter havido, da parte dos mesmos e não obstante a versão dos factos apresentada pela própria Exequente a tal respeito, qualquer invocação da exceção da dita dação como causa de extinção, mais abrangente do que a considerada pela Exequente, da obrigação decorrente do contrato de mútuo em causa, pelos então (e ora também) Executados (nenhuma oposição tendo tampouco sido deduzida pelo Executado J. G.).

Cremos, na verdade, que, quer no caso da Executada/Embargante G. R., quer no caso do Executado J. G., se deve afirmar que a não dedução de oposição à execução com fundamento na extinção (total ou mais abrangente) da aludida obrigação mediante a dação “pro solvendo” a que o título executivo fazia expressa referência conduziu à preclusão do direito dos então também Executados a invocar futuramente esse meio de defesa à data já existente, tanto no âmbito dessa primitiva execução como no âmbito da execução cumulada a que agora se vieram opor, de novo na qualidade de Executados, com a consequente forçosa impossibilidade de procedência da pretensão de extinção da nova execução com fundamento na inexistência da obrigação exequenda por força da aludida exceção, preclusão essa que opera por si própria.

Vejamos porquê.

É pacífico que a preclusão do direito de invocar outras exceções opera no âmbito do processo executivo, sendo inadmissível a posterior dedução de nova oposição, salvo quando ocorra fundamento superveniente (art. 728º, nº 2, do CPC).

Todavia, grande parte da doutrina e da jurisprudência entende que a dita preclusão não opera para além do processo executivo a que respeitam os fundamentos da oposição não invocados.

Nesse sentido se pronunciaram, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 16/01/2018 no proc. 1301/12.0TVLSB.L1-1 (Relator Rijo Ferreira) e da Relação de Coimbra, de 16.10.2018 (Relator - Luiz José Falcão de Magalhães), cuja orientação seguida é assim igualmente sumariada: “A não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras ações (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e que, quando utilizados, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa”.

Também o Acórdão da Relação de Lisboa, de 26 de setembro de 2019 (Relatora – Inês Moura), denota seguir tal orientação ao entender que “as questões suscitadas na oposição à execução quanto ao crédito da Exequente não foram objeto da decisão aí proferida que não tomou conhecimento expresso e concretizado das mesmas, pelo que não definiu o direito de crédito da Exequente face ao ali devedor, de modo a configurar uma decisão que pode estender a sua autoridade de caso julgado à relação material controvertida que se discute nestes autos”.

Baseiam-se estes acórdãos, fundamentalmente, na posição de Lebre de Freitas e nas lições pelo mesmo exaradas in “A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª edição, Coimbra Editora, Fevereiro 2014, pág.´s 214 e 215:

“Constituindo petição duma ação declarativa e não contestação duma ação executiva, a dedução da oposição à execução não representa a observância de qualquer dos ónus cominatórios (ónus da contestação, ónus da impugnação especificada) a cargo do réu na ação declarativa: nem a omissão de oposição produz a situação de revelia nem a omissão de impugnação dum facto constitutivo da causa de pedir da execução produz qualquer efeito probatório (51-A), não fazendo sentido falar, a propósito, de prova de factos alegados pelo exequente ou de definição do direito decorrente do título executivo, o qual continua, após o decurso do prazo para a oposição como até aí, a incorporar a obrigação exequenda, com dispensa, em princípio, de qualquer indagação prévia sobre a sua real existência.

Mas, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excecionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso.”

E no Acórdão do STJ de 04/04/2017 (Revista 1329/15.9T8VCT.G1.S1) faz-se a seguinte explicitação:

“De acordo com entendimento doutrinário corrente (assim, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª ed., pp. 190 e 191; Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., pp. 303 a 305; e, de certa forma, Castro Mendes, Acção Executiva, p. 54), o executado não está sujeito a qualquer ónus de oposição à execução (aliás, não é citado ou notificado sob qualquer cominação para o caso de não deduzir oposição), e daqui que, não deduzindo oposição, tal não acarreta uma cominação, mas tão só a preclusão, no processo executivo, de um direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso, mas sem que se possa falar de caso julgado a impor-se noutra ação posterior ou de um efeito preclusivo para além do próprio processo executivo. Nesta medida, será de entender (e é o que, no fundo, significam os dois supra citados autores) que deixando o executado de deduzir oposição, nada impedirá que venha depois a invocar em outro processo (isto com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo exequente na execução) os fundamentos (exceções) que podia ter invocado na oposição. (…) Este ponto de vista assume toda a lógica desde que, como parece dever ser o caso, se encare a oposição à execução, não como uma contestação ao pedido executivo (e, assim, não se lhe aplica a regra do nº 1 do art. 573º do CPCivil), mas como uma petição de uma ação declarativa autónoma cujo objeto é definido pelo executado (valendo cada um dos fundamentos materiais invocados como verdadeiras causas de pedir).”
Negando efeitos extraprocessuais à preclusão no âmbito do processo executivo, pronunciou-se também o ainda mais recente acórdão do STJ de 19 de março de 2019 (Relator – José Rainho).
Cremos, todavia, que não é necessariamente este o entendimento mais defensável.

Enfatizando a inexistência de uma dicotomia entre preclusão intraprocessual e extraprocessual, afirma Teixeira de Sousa, in “Preclusão e caso julgado” (https://www.academia.edu/22453901/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclus%C3%A3o_e_caso_julgado_02.2016_?email_work_card=view-paper):

“A preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo anterior também não pode ser realizado num processo posterior. Importa salientar um aspecto essencial: a preclusão intraprocessual e a preclusão extraprocessual não são duas modalidades alternativas da preclusão (no sentido de que a preclusão é intraprocessual ou extraprocessual), mas duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão: primeiro, verifica-se a preclusão da prática do acto num processo pendente; depois, exactamente porque a prática do acto está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do acto num processo posterior. Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o acto num processo posterior.”

No aludido artigo, Teixeira de Sousa sublinha que “a preclusão pode ser definida como a exclusão (e a consequente inadmissibilidade) da prática de um acto processual depois do prazo peremptório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização” e que “qualquer preclusão constrói um nullum: a consequência de qualquer preclusão é sempre a irrelevância do acto precludido”, sendo uma das funções da preclusão a função de estabilização – “uma vez inobservado o ónus de praticar o acto, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do acto, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico” –, chamando ainda a atenção para o facto de a preclusão ser sempre correlativa de um ónus da parte: “é porque a parte tem o ónus de praticar um acto num certo tempo que a omissão do acto é cominada com a preclusão da sua realização”.

No que para o caso nos importa, concretiza o referido autor: “Quando referida à alegação de factos pelas partes, a preclusão é correlativa de um ónus de concentração ou de exaustividade: de molde a evitar a preclusão da alegação posterior do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado. Se não for imposto à parte nenhum ónus de concentração, então a parte pode escolher o facto que pretende alegar para obter um determinado efeito e, caso não consiga obter esse efeito, pode alegar posteriormente um facto distinto para procurar conseguir com base nele aquele efeito.”
Destas proposições parece, desde logo, resultar, no que para o caso interessa, que, afirmada a existência de um ónus de concentração na oposição à execução se deve, sem mais, concluir pela inadmissibilidade de invocação das exceções extintivas da obrigação exequenda que poderiam ter sido invocadas na dita oposição e o não foram. E isto dentro ou fora do processo executivo em causa, pois só assim se cumprirá verdadeiramente a função de estabilização reconhecida à preclusão.
Por outro lado, deixa o referido autor de dar relevância à delimitação do caso julgado feita pelos defensores da orientação anteriormente referida no sentido de dele excluir “outras causas de pedir” que não tenham sido objeto de decisão judicial, proferida sobre oposição à execução e já transitada em julgado, colocando antes o acento tónico na preclusão e perspetivando o caso julgado apenas como meio para impor a referida estabilização daquela decorrente num outro processo.

Na verdade, mais à frente, expõe explicitamente o referido autor, relativamente aos embargos de executado:

“Em referência ao caso julgado da decisão proferida nos embargos de executado, o art.732.º, n.º 5, estabelece que a decisão proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda. Deste regime decorre que, se o executado invocar, por exemplo, que a obrigação exequenda se encontra prescrita (cf. art. 729.º. al. g)) e se o tribunal considerar os embargos improcedentes com este fundamento, o executado não pode invocar, nem na execução pendente, nem em qualquer outra acção, nenhum outro fundamento que demonstre que a obrigação não existe, é inválida ou é inexigível.
Atendendo ao que já se referiu, do disposto no art. 732.º, n.º 5, não decorre que é o caso julgado da decisão proferida nos embargos que preclude a invocação de um fundamento diverso daquele que o executado invocou nos embargos à execução. Na verdade, a preclusão da invocação de um outro fundamento de inexistência, de invalidade ou de inexigibilidade da pretensão exequenda não ocorre no momento do trânsito em julgado da decisão, mas no momento em que o executado apresenta a petição de embargos. É a partir deste momento que, ressalvada a admissibilidade da alteração da causa de pedir da oposição à execução (cf. art.265.º, n.º 1), o executado não pode invocar nenhum outro fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda. A referência temporal da preclusão que afecta o executado não é o trânsito em julgado da decisão de embargos, mas o anterior momento da entrega da petição inicial dos embargos à execução.
Posto isto, supõe-se que o sentido do estabelecido no art. 732.º, n.º 5, só pode ser este: a partir do momento em que se verifica o trânsito em julgado da decisão de improcedência da oposição à execução deduzida com um certo fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda, a preclusão da invocação de um fundamento distinto daquele que foi alegado pelo executado passa a operar através da excepção de caso julgado. Quer dizer: a preclusão da alegação de um fundamento distinto que já se verificava a partir do momento da entrega da petição inicial dos embargos de executado passa a actuar através da excepção de caso julgado, se esse fundamento for indevidamente alegado numa acção posterior. Portanto, a excepção de caso julgado não origina a preclusão do fundamento não alegado nos embargos de executado, mas é um meio para impor a estabilização decorrente da preclusão desse fundamento num outro processo.
Fornecendo um exemplo: o executado embargou a execução com fundamento no pagamento do crédito exequendo; os embargos são considerados improcedentes; numa outra execução para obtenção de uma parcela restante do mesmo crédito, o mesmo executado opõe-se à execução com fundamento na invalidade do contrato que constitui a fonte desse crédito; contra esta invocação opera a excepção de caso julgado, dado que, nos primeiros embargos, ficou decidido com força de caso julgado que nada obstava à execução da obrigação exequenda. Como o exemplo demonstra, não é a excepção de caso julgado que produz a preclusão, mas a preclusão que se serve desta excepção para impor a sua função estabilizadora.”
Tudo para concluir que: “Na oposição à execução e nos procedimentos cautelares, o embargante e o requerente têm o ónus de concentrar na respectiva petição ou no requerimento inicial todos os fundamentos que podem justificar o pedido por eles formulado. A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados naquela petição ou naquele requerimento. Após o trânsito em julgado da decisão proferida na oposição à execução ou no procedimento cautelar, aquela preclusão, em vez de operar per se, actua através da excepção de caso julgado, apesar de não existir entre a primeira e a segunda acção identidade de fundamentos e, portanto, identidade de objectos.”
Teixeira de Sousa reafirma esta sua posição em comentários aos Acórdãos da RL 16/1/2018 (1301/12.0TVLSB.L1-1) e da RC 16/10/2018 (158/14.1TBCBR.C1), em, respetivamente, https://blogippc.blogspot.com/2018/04/jurisprudencia-2018-4.html e https://blogippc.blogspot.com/2018/04/jurisprudencia-2018-164.html, no primeiro dos quais se pode ler: “Como argumento a favor desta orientação pode invocar-se o seguinte: nos termos do art. 716.º, n.º 4, CPC, o executado é citado para contestar a liquidação em oposição à execução, com a cominação de que, na falta da dedução dessa oposição, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo; seria muito estranho que, por falta de dedução desses embargos, a quantia ficasse liquidada no montante indicado no requerimento executivo e que, uma vez finda a execução, o exequente pudesse vir a argumentar que a dívida exequenda nem sequer existe. O efeito cominatório da liquidação só é compreensível se a não oposição à execução (com fundamento, por exemplo, na inexistência, invalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda) tiver um efeito preclusivo.
A inexistência do referido efeito preclusivo também não é facilmente compatível com a fixação de um prazo peremptório para a dedução de embargos de executado com base em factos supervenientes (cf. art. 728.º, n.º 2, CPC). Se a omissão da oposição à execução não tem nenhum efeito preclusivo, cabe perguntar o que justifica que se fixe um prazo peremptório para a apresentação dessa oposição com fundamento num facto superveniente. Se o facto é superveniente e se o prazo fixado para a oposição com base neste facto é peremptório, isto só pode significar que fica precludida a invocação pelo executado desse fundamento superveniente de oposição à execução em qualquer acção posterior. Sem este efeito preclusivo não se compreende o regime estabelecido na lei para a oposição à execução baseada num facto superveniente.”
E a estes argumentos acrescenta um outro, no último dos referidos comentários: “se não houvesse um efeito preclusivo decorrente da não dedução de embargos de executado, ter-se-ia de admitir que, durante a pendência da execução, o executado poderia escolher entre embargar ou defender-se numa acção própria. Ora, o que impede esta escolha? Precisamente, o efeito preclusivo decorrente da não oposição em embargos. Efectivamente, estes embargos não são um meio facultativo de oposição à execução, mas o único meio para essa oposição.”
Estes argumentos afiguram-se-nos válidos e contrariam o resultado da orientação oposta que tende a beneficiar o executado que, por negligência ou até por estratégia, não deduz embargos, deixando intacta a possibilidade de futuramente deduzir, com os fundamentos que nos embargos poderia ter invocado, mas não invocou, ação contra o exequente – com a insegurança jurídica por tal possibilidade gerada –, pelo que tendemos a aderir a este entendimento.
Acresce isso não impedir que, como preconiza Gonçalves Sampaio, in A Acção Executiva e a Problemática das Execuções Injustas, 2ª ed. Revista, 2008, pág.´s. 469-471, outras soluções casuísticas possam ser encontradas para obviar às consequências de uma “execução injusta”, nomeadamente no caso em que o executado deduz oposição à execução, mas esta é indeferida liminarmente, caso em que este autor defende que “ao executado não deve ser vedado o direito de recorrer a uma acção declarativa com vista a obter a condenação do exequente na restituição do indevido”, o mesmo sucedendo se “o executado está impossibilitado de deduzir oposição por o conhecimento do facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda ser superveniente à extinção da execução”.
Esta possibilidade já não se justificará, porém, “se o executado, apesar da existência de fundamento de oposição à execução, não a deduzir por pura negligência ou por falta de interesse, podendo, no entanto, fazê-lo”.
Com efeito, afigura-se-nos que, como a propósito de uns embargos de terceiro deduzidos após prolação de decisão em embargos preventivos deduzidos pelo mesmo embargante, mas com igual relevância para a oposição à execução, se argumentou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2016 (processo nº 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, relator Fonseca Ramos), dando ênfase ao facto de o efeito preclusivo e a estabilidade do caso julgado visarem a segurança jurídica e a paz social, “admitir-se que a embargante pudesse invocar, no segundo processo, fundamentos que omitiu, voluntariamente, no primeiro processo de embargos de terceiro com função preventiva, visando ambos o mesmo efeito, e cuja decisão de improcedência transitou em julgado, seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado”.

Por outro lado, a visão da oposição como uma petição (um dos argumentos essenciais da orientação que nega a preclusão em causa fora do processo executivo) e não como uma contestação ou, pelo menos, de uma petição cuja causa de pedir se mostra previamente conformada pelo requerimento executivo que aporta maior amplitude ao litígio possível, com as consequências daí retiradas pelos acórdãos que não admitem o funcionamento da preclusão fora do âmbito do processo executivo, não é inabalável, contra ela valendo a argumentação de Rui Tavares Correia, In REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS - ANO 72 ABR. / SET. 2012, Editado em Março/2013, Jurisprudência Crítica:

“Pese embora a iniciativa na dedução de embargos seja do executado, é o exequente que, face à feição que assumem, acaba por ter posição equivalente àquela que detém o autor numa acção declarativa. Quando o seu objecto se prenda com uma questão de mérito, através dos embargos visa destruir-se o fundamento ou a razão de ser da obrigação exequenda, o que, correlativamente, significa que, em situação de improcedência (ou, dizemos nós, face ao acima explanado, de não dedução de oposição), essa obrigação ou a sua exigibilidade ficam consolidadas. É, pois, a obrigação exequenda, no seu todo que visa, através da defesa apresentada pelo executado, atacar-se e que, caso essa defesa, com os fundamentos de mérito apresentados, não prevaleça (ou não seja sequer deduzida) se manterá e deixará de poder voltar a ser questionada (…). A situação é, por isso, idêntica àquela que exista numa acção declarativa, em que o autor fosse o exequente, por ser este quem, através do requerimento inicial da execução dá a conformação à acção, funcionando a petição de embargos como a contestação que em sede declarativa é susceptível de conformar a defesa do réu e as questões que por ele são levantadas. No âmbito da acção executiva fundada em título extrajudicial, o documento que corporiza a obrigação exequenda encontra-se dotado de certeza suficiente que permite o imediato recurso a acção executiva, passando-se desde logo à realização coerciva da prestação, sem necessidade de que declare previamente a validade e exigibilidade da obrigação. Quando se pretenda questionar essa obrigação, através da oposição à execução, procura destruir-se a presunção legalmente criada de que essa obrigação se constituiu validamente nos termos em que constam no título executivo e que é exigível.
O regime, assente sobretudo nos documentos em que existe a confissão ou o reconhecimento de uma obrigação pelo devedor, mais não é do que uma transposição para a sede instrumental da disposição legal relativa à promessa de cumprimento e ao reconhecimento de dívidas e que consta no art. 458.º do Código Civil e que, existindo essa promessa ou esse reconhecimento sem indicação da causa, dispensa o credor de provar a relação subjacente. Assim, junto pelo exequente o título executivo de onde decorra a confissão ou o reconhecimento da dívida, não é exigido a este que efectue qualquer outra prova, sendo ao executado que, em sede de oposição, incumbe a prova contrária para afastar a presunção que contra ela se firmou. ao exequente incumbe, quando instaura a acção executiva o ónus de demonstrar a confissão ou o reconhecimento da dívida, juntando o título executivo, cabendo, ao executado, caso pretenda usar de tal faculdade, o ónus de impugnar a validade de tal documento ou de, independentemente dessa impugnação, afastar a presunção legal que dele decorre. A estrutura da acção executiva não difere, pois, daquela que tem uma acção declarativa, pois, não sendo deduzida oposição tem-se por admitido o que consta no requerimento inicial da execução, nem sendo necessário, por força da suficiência do título, apreciar a obrigação que nele consta e prosseguindo-se, de imediato, com a realização coerciva dessa obrigação. Sendo apresentada oposição, a sua estrutura é a de uma acção declarativa em que, salvas as devidas adaptações, a petição inicial seja o requerimento executivo e a contestação seja a oposição, valendo a contestação do exequente como réplica e é, por isso, que a sua estrutura é aquela que se descreveu, que não difere muito daquela que tem a acção de apreciação negativa em que também, mas desta feita por via do art. 343.º do Código Civil, existe uma inversão do ónus da prova e em que a contestação tem, em substância, a função que nas restantes acções declarativas tem a petição inicial.”
No que tange à dificuldade admitida no citado artigo relativamente à solução a dar à questão quando não tenha havido qualquer oposição, inexistindo uma sentença proferida em ação de estrutura declarativa na qual os elementos da instância tenham sido objeto de apreciação jurisdicional de mérito, cremos ficar ultrapassada pela aceitação, nos termos preconizados por M. Teixeira de Sousa, da eficácia da preclusão “per se”.
Também Marco Carvalho Gonçalves, in Lições de Processo Civil Executivo, pág.´s 261 e 262, referindo-se ao preceituado no nº 5 do art. 732º do CPC, entende que: “(…) se o executado não deduzir oposição à execução, não pode, posteriormente, intentar ação declarativa de condenação contra o primitivo exequente, pedindo a condenação deste na repetição do indevido, com fundamento na existência de um vício no título que serviu de base à execução”, dando como exemplo de jurisprudência nesse sentido o Acórdão da Relação de Évora, de 08-06-2017 (Relator - Rui Moura).

Neste último aresto, em defesa da preclusão fora do âmbito do processo executivo, pode ler-se:

“É precisamente para obviar à instauração de uma acção como a presente, com a causa de pedir e o pedido daquela que ora foi instaurada, que existe e se destina o processo de embargos de executado, a fim de permitir ao executado que se defenda, no âmbito da execução, pedindo a extinção da mesma e fazendo valer o seu direito perante o exequente.
O que o executado não pode fazer é deixar de se defender na sede própria, que é a execução, e, posteriormente, defender-se por via da acção. Se assim fosse, então os embargos de executado não teriam qualquer função útil, porque, caso não embargasse, sempre o executado poderia reagir contra a execução, através de outro meio processual, noutra sede processual, quando bem entendesse.
Seria o desvirtuamento total dos embargos de executado na sua função e na sua estrutura.”
Acolhendo esta orientação, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 29/10/2019 (Relatora Vera Antunes) e ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 28/2/2019 (Relator - António Manuel Fernandes dos Santos).
Por tudo isto, pendemos, portanto, para afirmar precludido, “in casu”, o direito dos ora Recorrentes a invocar a extinção, da parte da obrigação decorrente do contrato de mútuo ora dado à execução, através da dação “pro solvendo” verificada antes do momento oportuno para dedução das oposições à primeira execução e a cujas consequências aludia – aduzindo que a quantia exequenda indicada pressupunha já a referida imputação, no invocado crédito, do valor da venda da viatura objeto da dação – em termos opostos e inconciliáveis com o ora defendido pelos Embargantes, o próprio título executivo da primitiva execução, na medida em que tal causa de extinção da obrigação decorrente do contrato de mútuo em causa não foi, pelos mesmos, de todo invocada (com uma abrangência distinta da considerada pela Exequente), nessa primeira execução.
Com a consequente irrelevância da invocação desse fundamento posteriormente efetuada no âmbito das oposições à execução sucessiva cumulada sobre que incidiu a sentença objeto do presente recurso.
Face ao exposto e independentemente da apreciação da impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelos Recorrentes, forçoso sempre seria julgar a presente apelação improcedente.

- Do não conhecimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Apesar da posição acabada de assumir, não deixaremos de dizer que, mesmo que assim não se entendesse, a oposição em crise neste recurso sempre estaria, independentemente da aludida apreciação da impugnação, votada ao insucesso.

Com efeito, não vê este Tribunal que a isolada alteração pretendida da decisão relativa ao supra apontado facto, pudesse, face às soluções plausíveis da questão de direito controvertida, conduzir à modificação da decisão recorrida, sendo, pois, inócua a impugnação da decisão relativa à matéria de facto ora em crise.

Explanando:

Impugnam os Recorrentes o ponto 9. dos “Factos provados” – do qual consta que Entre os devedores/embargantes e o Credor/exequente foi celebrado um contrato de dação “pro solvendo”, em 14/08/2013, tendo sido imputado o valor da venda do veículo ao valor das prestações 24.ª a 28.ª, num total de € 6.815,50. – por entenderem que tal facto apenas deveria ter sido dado como PROVADO com o seguinte teor: Entre os devedores/embargantes e o Credor/exequente foi celebrado um contrato de dação “pro solvendo”, em 14/08/2013, devendo ter sido considerado NÃO PROVADO o seguinte teor: tendo sido imputado o valor da venda do veículo ao valor das prestações 24.ª a 28.ª, num total de € 6.815,50.
Isto porquanto entendem os Recorrentes que o ónus da prova da demonstração desse abatimento ao capital em dívida pertence ao Banco (Embargado), pois que os Embargantes impugnaram esta matéria, constante do Requerimento Executivo, sendo que, nos termos do Art.º 342.º, do CC, “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
Vejamos se, não fora o decidido quanto à preclusão da invocação da dação como causa extintiva da obrigação exequenda, poderia assistir aos Embargantes alguma razão.

Diz-se na sentença recorrida:

Note-se que, cada um dos embargantes sugeriu um valor distinto e que, alegadamente, não foi tido em atenção por parte do exequente ao liquidar a dívida.
Acontece que, essas suas dúvidas, a existirem, não têm a virtualidade processual que os mesmos lhe imputam porquanto era seu ónus processual concretizar onde se encontra esse erro de cálculo e eventualmente comprovar nos autos pagamentos que, alegadamente, não foram reconhecidos pelo banco exequente, o que não se verifica.
(…)
Sublinhe-se que um dos princípios nucleares do processo civil é o princípio do dispositivo, o qual na sua veste de disponibilidade do objeto do processo, impõe às partes o ónus de alegar os factos e as questões fundamentais que consubstanciam o thema decidendum, ou seja, a alegação constitui o terminus a quo que predetermina o terminus ad quem da decisão da matéria de facto e da consequente pronúncia jurisdicional (cfr.- João de Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Ática, p. 132 e seguintes), o que manifestamente não aconteceu.
Assim, perante a impossibilidade de avaliação desse qualquer ficcionado erro no cálculo da confessada divida, também quanto a este aspeto em concreto, os presentes embargos deverão improceder.
Em causa não está, como acima se viu, a mera questão do cálculo ou liquidação da dívida exequenda, mas sim, verdadeiramente, a invocação de uma causa de extinção ou de parcial extinção (os Embargantes não o esclarecem) da obrigação exequenda, mas não deixa de ser certo que sobre os Executados/Embargantes recaía o ónus da alegação e prova dos factos integrantes da aludida exceção extintiva – não estando, claramente, em causa, ao contrário do que aqueles parecem defender, a prova de nenhum dos factos constitutivos alegados pelo Exequente no respetivo requerimento executivo (veja-se que nenhum dos Embargantes sequer questiona o não pagamento das prestações a que se vincularam pelo contrato de mútuo dado à execução e a legitimidade da resolução operada pela Exequente) –, ónus esse que, desde já se diga, aqueles não satisfizeram, certo que não indicaram em que termos, de acordo com a dação celebrada, deveria a quantia obtida com a venda do veículo ser imputada na dívida resultante da resolução por incumprimento definitivo do contrato de mútuo ou, pelo menos, qual o valor final que, efetuada a imputação pelos mesmos defendida, remanesceria em dívida.

Com efeito, no tocante ao ónus da prova dos fundamentos da oposição valem as regras gerais, cabendo, portanto, ao executado embargante a prova dos fundamentos de oposição invocados, o mesmo é dizer, dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito cuja satisfação coativa constitui objeto da execução (art. 342º, nºs 1 e 2, do Código Civil).
Como se exemplifica no Acórdão da Relação de Lisboa, de 10 de março de 2011 (Relator - Henrique Antunes): “se o embargante impugnar a letra ou assinatura do documento particular que constitua o título executivo, cabe ao exequente, que o apresentou, a prova da veracidade de uma e de outra (artº 374 nº 2 do Código Civil)[3]. Da mesma maneira, é sobre o opoente que recai o encargo de provar, por exemplo, a prescrição da obrigação, ou melhor, os seus elementos estruturais: a não exigência do crédito pelo exequente; o decurso do lapso prescricional (artº 342 nº 2 do Código Civil)”.

De igual modo se enfatiza no Acórdão da Relação de Coimbra, de 26 de abril de 2016 (Relatora - Maria João Areias):

“No caso de oposição de mérito à ação executiva, o pedido deduzido nos embargos de executado é de verificação da inexistência, total ou parcial, do título exequendo, configurando-se como uma ação de simples apreciação negativa[6].
Nos embargos de executado (tal como nas ações de simples apreciação negativa), as regras que presidem à distribuição do ónus da prova, e que se baseia em normas de direito substantivo, não se alteram (não se modificando pela diferente posição ocupada pelo credor e devedor nos autos - como autor ou réu, ou pelo executado/embargante e pelo exequente/embargado).”
Isto posto, convém recordar que a dação em função do pagamento (datio pro solvendo) está prevista no artigo 840.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual “se o devedor efetuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respetiva”.
Como se frisa no Acórdão da Relação do Porto de 10.07.2019 (Relator - João Diogo Rodrigues), a referida dação, cuja “finalidade última e prática” é, sem dúvida, a extinção da obrigação originária por causa diversa do seu cumprimento, ocorre quando “o credor aceita uma prestação diversa da devida, mas (e nisto está o cerne da questão colocada pelo caso concreto) a extinção desta última só ocorre se, quando e na medida em que aquele vir satisfeito o seu crédito”, pelo que “a prestação que é objeto desta dação não tem, por regra, efeito liberatório imediato em relação à obrigação inicialmente devida, mas esta subsiste até à satisfação integral do direito de crédito correspondente”.
Isto para dizer que no elenco dos factos necessários à procedência da concreta exceção invocada nas Oposições ora em causa se integram o concreto valor obtido com a venda do veículo entregue à Exequente e o resultado da adequada imputação desse valor na dívida exequenda, cuja alegação e prova, como factualidade integradora da causa de extinção invocada, caberia aos Embargantes, na medida em que só assim estes demonstrariam a satisfação do crédito da Exequente, não cabendo, portanto, a esta última o ónus da alegação e da prova do valor obtido com tal venda e da imputação de tal valor na dívida dos Embargantes.
Assim sendo, “in casu”, ainda que viesse a julgar procedente a impugnação apresentada, com o resultado final visado pelos aqui Recorrentes – que se considere como facto provado apenas que “Entre os devedores/embargantes e o credor/exequente foi celebrado um contrato de dação “pro solvendo”, em 14/08/2013” –, este Tribunal ficaria perante factualidade manifestamente insuficiente para vir a julgar verificada a invocada exceção extintiva do direito da Exequente.
Pior: mesmo que fosse de aceitar a tese dos Embargantes no sentido de que sobre a Exequente recaía o ónus da prova da imputação do valor da venda do veículo objeto da dação na dívida resultante do mútuo, considerando que no ponto 8 dos Factos provados se encontra assente que nessa quantia (quantia exequenda da primeira execução) já se encontrava o desconto decorrente da venda da viatura objeto do contrato identificado em 2 e que esse ponto não foi por qualquer modo impugnado, sempre haveria que concluir pela satisfação, por aquela, do aludido ónus.
Ora, sabendo-se que “a reapreciação da decisão da matéria de facto visa obter um sustentáculo fáctico para uma certa solução para uma dada questão de direito”, “se a matéria de facto cuja reapreciação se requer é inócua à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, deve o tribunal ad quem indeferir essa pretensão, por força da proibição da prática no processo de actos inúteis.” (Acórdão da Relação do Porto de 19.05.2014 – Relator Carlos Gil).
No mesmo sentido, escreveu-se no acórdão desta Relação de 04.10.2017 (Relator – José Fernando Cardoso Amaral), “é pacífico o entendimento de que quando a eventual procedência de uma impugnação de certa matéria de facto é insusceptível de implicar qualquer efeito no julgamento da matéria de direito e, portanto, na decisão, deve o tribunal ad quem abster-se dessa tarefa inglória”.
E a orientação da jurisprudência do STJ tem sido, também ela, no sentido de que o direito à impugnação da decisão de facto previsto no art. 640º do CPC assume, claramente, um caráter instrumental face à decisão sobre o fundo da causa, disso sendo exemplo o Acórdão de 14.3.2018 (Relatora - Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado) e os acórdãos do STJ, ali citados, de 17.5.2017, proc. nº 4111/13.4TBBRG.S1, e de 11.2.2015, proc. nº 422/2001.L1.S1, no de 14.03.2018.
A este respeito, explicita-se no primeiro dos referidos acórdãos que “(…) se os factos cujo julgamento é impugnado não forem susceptíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação da decisão proferida pela 1ª instância, no plano dos factos.”
Assim sendo, nunca seria de conhecer da impugnação da matéria de facto.

Face ao exposto, resta reafirmar a improcedência da apelação.

Sumário:

I – A consideração da existência de um ónus de concentração da defesa na oposição à execução conduz à inadmissibilidade de invocação, dentro ou fora do processo executivo em causa, das exceções extintivas da obrigação exequenda que poderiam ter sido invocadas na dita oposição e o não foram, pois só assim se cumprirá verdadeiramente a função de estabilização reconhecida à preclusão;
II – No tocante ao ónus da prova dos fundamentos da oposição valem as regras gerais, cabendo, portanto, ao executado embargante a prova dos fundamentos de oposição invocados, o mesmo é dizer, dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito cuja satisfação coativa constitui objeto da execução (art. 342º, nºs 1 e 2, do Código Civil);
III – Se o resultado visado pela reapreciação da decisão relativa à matéria de facto é indiferente para a resolução da questão de direito à luz das diversas soluções plausíveis, deve o tribunal ad quem indeferir essa pretensão, por força da proibição da prática no processo de atos inúteis.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pelos Recorrentes.
Guimarães, 25.06.2020

Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues