Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ALCIDES RODRIGUES | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO SEGURO MULTI-RISCOS CLÁUSULAS DE EXCLUSÃO CLÁUSULAS ABUSIVAS DELIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/17/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I- O contrato de seguro é a convenção pela qual uma das partes (a seguradora) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (o segurado), a assumir determinado risco e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado. II- Os seguros multi-riscos têm uma componente de danos próprios e outra de responsabilidade civil. III- É à autora que cabe o ónus de provar a existência e o conteúdo do contrato, na medida em que alegue um direito decorrente desse contrato (art. 342º, n.º 1, do CC); - Em contrapartida, é à ré (seguradora) que incumbe o ónus de provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (n.º 2 do mesmo preceito). IV - Estando provado que a causa naturalística predominante e decisiva da ruína de parte da varanda e do seu revestimento foram as infiltrações lentas da água, o que ficou a dever-se a deficiência de concepção e construção, é de concluir que essa causa está expressamente excluída pela apólice do elenco dos riscos objecto de seguro. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório I. C. instaurou, no Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra “X – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A”, e F. J., pedindo a condenação da primeira Ré e, subsidiariamente, do segundo Réu, no pagamento da quantia de € 8.000 (oito mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento. Para o efeito alegou, em resumo, que entre a primeira Ré e o segundo Réu foi celebrado um contrato de seguro que tinha como objecto o imóvel melhor identificado no artigo 5.º da petição inicial, de que I. C. é proprietária e o Segundo Réu comodatário. Sucede que, em 6 de Março de 2015, parte da varanda e revestimento do referido imóvel ruiu parcialmente por cima do veículo com a matrícula ZD, de que é proprietária desde Março de 2011, provocando-lhe danos e impossibilitando-o de circular, pretendendo, assim, a Autora ser ressarcida do valor correspondente à desvalorização do veículo (€ 6.500) ou à sua reparação (€ 5.028,57), bem como do custo com o seu depósito (€ 750) e da privação do seu uso (€ 750). * Citados os Réus, apenas a Ré “X – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A” apresentou contestação, pugnando pela total improcedência da acção (ref.ª 31037680).Confirmou a existência do contrato de seguro do ramo riscos múltiplos habitação – protecção casa, alegando não ter ocorrido qualquer sinistro ou evento fortuito, súbito e imprevisto susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato, não estando preenchidos os pressupostos cumulativos de alguma das coberturas do contrato de seguro, porquanto o desprendimento e consequente queda de massas de revestimento do tecto da placa de cobertura da varanda que ocorreu no dia 6 de Março de 2015 e atingiu a viatura da marca Mercedes com a matrícula ZD teve como causa a infiltração de águas pluviais nessa mesma placa que ocorreram devido à inexistência de perfis na extremidade da cobertura, pelo que estão os danos excluídos nos termos do artigo 4.º das condições do contrato de seguro. Mais alegou não ter aplicação o disposto no artigo 492.º do Código Civil, por não terem sido alegados vícios de construção ou defeitos de conservação, sendo certo que a proprietária do imóvel é I. C. e não o segundo Réu, a quem a Autora não imputa factos concretos que permitam concluir pela sua responsabilidade. Por fim, alegou que, a serem os Réus responsáveis, apenas seriam obrigados a pagar o valor da reparação. * Concedido o contraditório, a Autora pugnou pelo indeferimento da matéria de excepção invocada, concluindo como na petição inicial (ref.ª 31555220).* Foi fixado o valor à causa e proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo sido admitidos os meios de prova (ref.ª 162439210).* Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento (ref.ª 165919569).* Posteriormente, a Mmª. Julgadora a quo proferiu sentença, datada de 17.12.2019, (ref.ª 165935893), nos termos da qual, julgando totalmente improcedente a presente acção, absolveu os réus dos pedidos.* Inconformada, a autora interpôs recurso da sentença (ref.ª 34885250) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):«1. Com o presente recurso visa a recorrente questionar a apreciação da prova feita do que resultará ser posta em crise a sentença recorrida. 2. Salvo o devido respeito pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, que é verdadeiro e é muito, constitui um equívoco manifesto da mesma não ter dado como provado o ponto 2, dos factos não provados onde se refere: “Por contrato de comodato, a proprietária do imóvel referido em D. emprestou-o, pelo período de 3 anos, ao segundo réu F. J., acordo subsequente ao divórcio que ocorreu entre ambos em Fevereiro de 2013. (artigo 6.º da petição inicial)”. 3. Quer a Autora, cujo depoimento ficou registado/gravado no sistema H@bilus Media Studio (10:09:57 horas a 10:41:51 horas); quer o Réu F. J., cujo depoimento ficou registado/gravado no sistema H@bilus Media Studio (10:09:57 horas a 10:41:51 horas) - CD nº 831, quer a testemunha I. N., cujo depoimento ficou registado/gravado no sistema H@bilus Media Studio (11:26:47 horas a 11:42:00 horas) - CD nº 831; quer a testemunha R. N., cujo depoimento ficou registado/gravado no sistema H@bilus Media Studio (10:57:00 horas a 11:03:31 horas) - CD nº 831, na audiência de julgamento que ocorreu no dia 18.11.2019, todos referiram expressamente, que o Réu F. J. tinha um legítimo interesse em segurar os bens e em continuar a ser tomador do referido seguro, pois, por um lado, viveu sempre no descrito imóvel, nunca tendo saído do mesmo, o seguro foi realizado inicialmente em seu nome, e mesmo depois do divórcio o Réu F. J. continuou a habitá-lo, a dívida que onerava a descrita habitação, com hipoteca, até ao limite de 136.760,00 euros, continuava a ser sua e hoje ainda é assim e mensalmente contribuía com o pagamento de metade daquele empréstimo, aliás como resulta da lei e é seu dever. 4. Resultou assim evidente que o Réu F. J. tinha um legítimo interesse em continuar na posição de tomador no referido seguro e que o mesmo não era um estranho à referida habitação. 5. E, finalmente, salta à vista que, se o mesmo Réu não era inquilino e continuou a viver na referida habitação, ocupando-a em parte, desde 2009 até hoje, apesar de não existir um documento escrito denominado comodato, é inequívoco que existia uma relação que se consubstancia num verdadeiro comodato, não celebrado pelo prazo de três anos, mas por acordo, o comodato terminaria no dia em que o Réu e a sua ex-mulher vendessem a referida habitação. 6. Perante estes factos esclarecedores ditos por todos em audiência de julgamento e que constam do referido documento “certidão”, junto como doc. n.º 2 da petição inicial e que são verdadeiros, como poderia o indicado Réu não estar na referida habitação a título de empréstimo (comodato), pelo que entende o recorrente que é impossível este facto não ser dado como provado. 7. Termos em que se impõe alterar a matéria de facto neste ponto dando-se como provado: “Por contrato de comodato, a proprietária do imóvel referido em D. emprestou-o, ao segundo Réu F. J. e autorizando a viver consigo no mesmo, por acordo subsequente ao divórcio que ocorreu entre ambos em fevereiro de 2013, até ao dia em que a referida habitação fosse vendida, não tendo a mesma sido vendida até hoje.” 8. Todos os depoimentos, declarações de parte e confissão supra descritos e prestados em audiência de julgamento de 18.11.2019, resultam da lógica das coisas, ninguém os colocou em causa, são verdadeiros, pelo que a recorrente questiona-se de como poderia o indicado Réu não ocupar o dito imóvel sem legítimo interesse, sem comodato, ainda que não passado a escrito. Não é aceitável! 9. Dos descritos depoimentos e declarações não pode resultar qualquer hesitação no julgador quanto à cabal posição do Réu F. J. como tomador do seguro, pois ocupava e residiu sempre na descrita habitação e o crédito e hipoteca sobre a mesma também era da sua responsabilidade. Perante estes factos, que são verdadeiros, não é, de todo em todo, plausível nem aceitável dar este facto como não provado. 10. O recorrente pede a este Venerando Tribunal que proceda à alteração da matéria de facto, no indicado ponto 2, dos factos não provados, aditando-a nos termos agora indicados, pois a decisão de facto sobre este ponto padece de erro notório, evidente e manifesto. 11. Analisando os factos supra indicados é verdadeiramente obrigação e dever deste Venerando Tribunal, em correta interpretação do alíneas a) e b) do n.º do art.º 5º e n.º 1 do art.º 662º todos do CPC alterar a matéria de facto quando a prova produzida o justifica, pelo que se impõe alterar a descrita matéria de facto, embora o comodato (empréstimo) não tenha sido feito pelo prazo de três anos, mas até à venda da habitação, pois estes factos são evidentes e resultaram demonstrados em audiência de julgamento e do documento não impugnado (certidão), o que devem fazer, nos termos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 5º e do n.º 1 do art.º 662º, todos do CPC. 12. Quanto à interpretação das condições gerais do contrato de seguro em causa nestes autos, refere o ponto 18, do artigo 2º, das indicadas condições gerais: “Responsabilidade civil extracontratual como ocupante legítimo do imóvel”. Onde estão descritos os seguintes risco cobertos por este seguro: 1. “Garante o pagamento de indemnizações que, a título de responsabilidade civil extracontratual e até ao limite fixado nas Condições Particulares, possa ser exigido ao Segurado na sua qualidade de proprietário do imóvel seguro por danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros em virtude de quaisquer dos riscos identificados neste artigo.” 2. Para efeitos do número anterior, por ocupante legítimo entende-se, nomeadamente, o usufrutuário, o arrendatário, o comodatário ou qualquer outro titular de direito que confira ao Segurado o uso legítimo do imóvel. 13. Sendo o Réu F. J. um ocupante legítimo do referido imóvel e em consequência tomador do seguro em questão, resulta que tendo o imóvel causados danos a terceiros, que se inserem dentro dos riscos descritos, os mesmos terão de ser ressarcidos pela Ré Seguradora. 14. Em face destas cláusulas resulta evidente que a ré Seguradora tem de pagar a terceiros os danos que lhe sejam causados pelo referido imóvel destinado a habitação. 15. A causa direta dos danos da Autora “queda de reboco” não está expressamente excluída pelas indicadas condições gerais do contrato de seguro. 16. Para a Ré Seguradora não ter de pagar qualquer indemnização a terceiros, em concreto à recorrente, tinha de provar que os danos da Autora, aqui recorrente, não se ficaram a dever a defeito de construção ou falta de conservação, ou que se verificariam mesmo que não houvesse culpa da sua parte e esta prova não foi feita, bem pelo contrário. 17. No artigo 4º, das indicadas condições gerais, referem-se as seguintes exclusões, quanto à responsabilidade como proprietário ou ocupante. Não ficam garantidos por este contrato. “10. Os danos resultantes de alteração do meio ambiente, em particular os causados por poluição ou contaminação do solo, das águas ou atmosfera, bem assim como todos aqueles que forem devidos a ação de fumos, vapores, vibrações, ruídos, cheiros, temperaturas, humidades, corrente eléctrica, infiltrações lentas de água, ou outros líquidos, ainda que derivados de rotura, não acidental, de canalizações e tubagens;” 18. É verdade que esta exclusão está fixada nas indicadas condições gerais do contrato de seguro, mas o cerne da questão está na sua interpretação. No modesto entendimento da recorrente, esta exclusão destina-se apenas a precisar que, na hipótese dos descritos danos ocorrerem, a Seguradora pode sempre exigir ou ser ressarcida pelo Tomador de Seguro, mas nunca em relação a terceiros. 19. Salvo o devido respeito pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” que é verdadeiro e é muito, a sentença faz uma interpretação da descrita cláusula que não faz sentido, o dano da Autora advém da queda de reboco de parte de telhado e da varanda e não de infiltrações de água, sendo estas infiltrações eventualmente a causa ou concausa da descrita queda de reboco, mas as referidas infiltrações não são a causa direta do dano. 20. A indicada causa direta do dano, “queda de reboco”, não está especificamente excluída ou referida na indicada cláusula geral do contrato de seguro e esta queda de reboco é que é a causa o dano da Autora. 21. Dos factos expostos, salvo o devido respeito por outro entendimento, não fica a Seguradora impossibilitada de ser ressarcida destes danos do Réu F. J., mas em primeira linha tem de indemnizar e ressarcir a Autora, aqui recorrente. 22. Ora, sentido negocial que, por força do princípio da tutela da confiança, impõe atribuir à cobertura dos riscos com a celebração do contrato de seguro é salvaguardar os danos provocados a terceiros e a descrita cláusula de exclusão é clara e não fixa que esta causa “infiltrações de água” possa ser direta ou indireta ou concausa, só exclui os danos diretamente causados por infiltrações de água. 23. E nem faria sentido ser outra a interpretação, sob pena de tal cláusula ser considerada absolutamente proibida, nos termos da alínea b) do art.º 18º do DL 446/85, de 25-10 e de acordo com este preceito, são absolutamente proibidas e, como tal, nulas (cfr. art.º 12º, do DL 446/85, de 25-10), as cláusulas contratuais gerais que excluam ou limitem, de modo direto ou indireto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais causados na esfera da contraparte ou de terceiros. Reporta-se o preceito às estipulações, que sendo exoneratórias e limitativas da responsabilidade, têm directa projeção na obrigação de indemnização. 24. Há assim que ter presente que na avaliação a fazer quanto à natureza proibida da cláusula de exclusão de responsabilidade sob apreciação não pode deixar de se ter em linha de conta a circunstância de a mesma estar inserida num contrato de seguro de responsabilidade civil através do qual a Ré Seguradora assumiu perante o segurado a obrigação de pagamento dos danos (patrimoniais ou não patrimoniais) causados a terceiros, não faz sentido excluir tal indemnização ao terceiro, se for causada por infiltrações de água. 25. Evidencia-se pois que através da referida cláusula a Ré Seguradora fez introduzir uma limitação à responsabilidade assumida com o seguro que produziria o efeito de, praticamente, esvaziar a garantia de protecção do risco que o contrato cabia assegurar, isto é, a limitação dos danos operada pela cláusula em referência impossibilita a obtenção do objetivo visado com a celebração do seguro, que se cingia, precisamente, aos danos causados a terceiros. 26. E porque neste domínio a ponderação da boa fé deverá ser feita em função da “confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis”. 27. Em conclusão, a referida cláusula de exclusão não pode deixar de ser entendida como desproporcional, consubstanciando um atropelo à dinâmica de um seguro, riscos múltiplos habitação, uma vez que por efeito da referida cláusula estariam excluídos da cobertura dos riscos do contrato de seguro firmado todos os danos decorrentes do referido imóvel, desrespeitando esse princípio fulcral de lisura contratual ao retirar, praticamente, a utilidade ao seguro contratado, esvaziando o conteúdo útil do objeto e finalidade do mesmo e, nessa medida, violadora do princípio da boa-fé, que se impõe em todas as etapas do desenvolvimento da relação negocial: formação, integração/interpretação e cumprimento – cfr. arts. 227º, 239º e 762º, n.º2, todos do Código Civil. 28. Consequentemente, em conjugação com o disposto nos arts. 12º, 15º e 18º, alínea b), do DL 446/85, de 25-10, há que a considerar proibida e, como tal, nula, tal cláusula, bem como abusiva é a interpretação feita pelo Tribunal a quo do sentido da indicada cláusula que levou a concluir pela exclusão da responsabilidade da Ré Seguradora. 29. A sentença recorrida ao decidir como decidiu violou, por má interpretação, o disposto nos artigos 1º, 2º, ponto 18, e 4º das condições particulares do contrato de seguro, e ainda o disposto nos artigos 227º, 239º e 762º, n.º 2 do Código Civil e ainda o disposto nos arts. 12º, 15º, 18º, alínea b), todas do D.L. 446/85 de 25.10 e ainda as alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 5º e do n.º 1 do art.º 662º, todos do CPC. 30. Deveria, assim, numa boa aplicação do direito, a recorrente ver revogada a sentença e, em consequência, deve a ação julgada provada e procedente. Termos em que, Sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências Venerandos Juízes Desembargadores, alterando a decisão recorrida nos termos propugnados nas presentes alegações, julgando o recurso procedente, farão, como sempre, inteira e costumada JUSTIÇA!». * Contra-alegou a ré, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª 35196538).* O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª 168494585).* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. Questões a decidir.O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho]. No caso, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber: 1.ª – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto; 2ª – A Autora tem direito a exigir da 1ª Ré a quantia peticionada ao abrigo do contrato de seguro celebrado entre esta Companhia de Seguros e o 2º Réu. * III. FundamentosIV. Fundamentação de facto. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: A. A propriedade do veículo automóvel de marca Mercedes Benz, modelo S 320 CDI, com a matrícula ZD, e ano de matrícula 2004 encontrou-se registada em nome da Autora entre o dia 14 de Março de 2011 e 24 de Novembro de 2015. (artigo 1.º da petição inicial) B. Desde 14.03.2011 até ao dia 24.11.2015, era a Autora quem beneficiava do veículo e o usava todos os dias. (artigo 2.º da petição inicial) C. Até ao dia 06.03.2015, o veículo referido em A. estava em muito bom estado de conservação e era usado todos os dias pela Autora. (artigo 3.º da petição inicial). D. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ......... o prédio urbano composto de casa de dois pios com logradouro sito na Rua do ..., n.º …, em ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... a favor de I. N., por aquisição em partilha subsequente a divórcio, através da AP. 2030 de 2013/02/21. (artigo 5.º da petição inicial) E. Entre o Segundo Réu F. J. e a Primeira Ré foi celebrado um contrato de seguro do ramo Riscos Múltiplos Habitação – Protecção Casa, titulado pela apólice n.º ......, relativamente ao imóvel sito no Lugar ..., ..., sujeito às condições particulares e gerais de fls. 103 a 116, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (artigo 7.º da petição inicial e artigos 1.º e 2.º da contestação) F. A apólice referida em E. teve o seu início em 18.09.2009. G. Consta da cláusula 17.ª do artigo 2.º das condições gerais, sob a epígrafe “Responsabilidade civil como proprietário do imóvel”, o seguinte: “Garante o pagamento de indemnizações que, a titulo de responsabilidade civil extracontratual e até ao limite fixado nas Condições Particulares, possa ser exigido ao Segurado na sua qualidade de proprietário do imóvel seguro por danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros em virtude da ocorrência de qualquer dos riscos identificados neste artigo”. (artigo 17.º da contestação) H. Consta da cláusula 18.ª do artigo 2.º das condições gerais, sob a epígrafe “Responsabilidade civil extra-contratual como ocupante legítimo do imóvel”, o seguinte: “1. Garante o pagamento de indemnizações que, a titulo de responsabilidade civil extra-contratual e até ao limite fixado nas Condições Particulares, possa ser exigido ao Segurado na sua qualidade de ocupante legítimo do imóvel seguro por danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros em virtude da ocorrência de qualquer dos riscos identificados neste artigo. 2. Para efeitos do número anterior, por ocupante legítimo entende-se, nomeadamente, o usufrutuário, o arrendatário, o comodatário ou qualquer outro titular de direito que confira ao Segurado o uso legítimo do imóvel.” I. Consta da Cláusula 10.º do artigo 4.º das condições gerais, sob a epígrafe “Exclusões”, o seguinte: “Não ficam garantidos pelo presente contrato: Os danos resultantes de alteração do meio ambiente, em particular os causados directa ou indirectamente por poluição ou contaminação do solo, das águas ou atmosfera, assim como todos aqueles que forem devidos a acção de fumos, vapores, vibrações, ruídos, cheiros, temperaturas, humidades, corrente eléctrica, infiltrações lentas de água ou outros líquidos, ainda que derivados de rotura, não acidental, de canalizações e tubagens”. (artigo 18.º da contestação) J. No dia 6 de Março de 2015, à noite, a Autora estacionou o veículo automóvel com a matrícula ZD, por baixo da varanda do edifício referido em D. (artigo 10.º da petição inicial) K. O automóvel esteve lá estacionado cerca de três horas. (artigo 11.º da petição inicial) L. Parte da varanda e o seu revestimento “reboco” do edifício referido em D. ruiu parcialmente. (artigo 12.º da petição inicial) M. As partes da varanda que ruíram, caíram em cima do automóvel referido em A.. (artigo 13.º da petição inicial) N.O embate da varanda (pedras e cimento) no veículo causaram-lhe vários estragos. (artigo 18.º da petição inicial) O. Nos dias anteriores ao dia do sinistro, não tinha existido intempérie que levasse à ocorrência de quaisquer danos na referida varanda. (artigo 20.º da petição inicial) P. Em consequência do sinistro, o veículo da autora de matrícula ZD ficou com os seguintes danos ou estragos: Capôt; Estrela Mercedes; Espelho retrovisor ext. esq.; Espelho retrovisor ext. dt.; Friso moldura vidro 2.ª porta esq.; Friso moldura vidro 2.ª porta dt.; Vedante estrut. janela fr. esq.; Vedante estrut. janela fr. dt.; Calha vedação inf. 1.ª porta esq.; Calha de vedação inf. 1.ª porta dt.; Friso sup. porta fr. esq.; Friso sup. porta fr. dt.; Friso tr. aro porta fr. esq.; Friso tr. aro porta fr. dt.; Revestimento porta fr. esq.; Revestimento porta fr. dt.; Janela de manivela tr esq. (revest.; Janela de manivela tr dt. (revest.; Janela de canto da porta tr. esq.; Janela de canto da porta tr. esq. (friso janela desmon); Janela de canto da porta tr. dt. (friso janela desmon); Calha de vedação inf. 2.ª porta esq.; Calha de vedação inf. 2.ª porta dt.; Manipulo porta tr. esq. s/abraçadeira; Manipulo porta tr. dt. s/abraçadeira; Pára-choques tr.; Componentes pára-choques tr. após verificação: subst. peças (desmon); Estrela mercedes na tampa traseira; Chapa matrícula traseira; Ambos grupos ópticos tr. (revest. mala desmon.); Substituição janela painel traseira; Antena do telefone; Pála para sol esq.; Pála para sol dt.; Revestimento int. esq. pára-brisas; Revestimento interior d. no pára-; Espelho retrovisor; Capôt fr. reparação; Painel tejadilho reparação; Ilharga dt. reparação; Capôt fr. pintura dano médio; Painel tejadilho pintura dano médio; Tampa bagageira pintura dano médio; Ilharga dt. pintura dano médio com cobertura tejad. Lateral sem área sob porta; Guarda-lamas fr. esq. pintura dano leve; Guarda-lamas fr. dt. pintura dano leve; Porta fr. esq. pintura dano leve; Porta fr. dt. pintura dano leve; Porta tr. e. pintura dano leve; Porta tr. dt. pintura dano leve; Pain. ext. tejad. esq. pintura dano leve; Pain. ext. tejad. dt. pintura dano leve; Revest. párachoq. tr. pintura dano leve; Ilharga esq. pintura dano leve com cobertura tejad. porta lateral sem área sob porta; 55) Tempo – pintura; Preparação p/ pintura; Antena; Friso aro fr. esq.; Friso aro fr. dto.; Friso fr. sup. Porta e.; Friso fr. sup. Porta d.; Vidro/cor termic. tr.; Bases vidro tr.; Kit rep. Vidros; Borracha inf. Vidro; Friso p/choques tr. c.; Friso oculo traz esq.; Friso oculo traz dto; Friso oculo traz inf.; 70) Molas fix. (artigo 22.º da petição inicial) Q.O veículo ZD ficou com as partes danificadas, amolgadas e partidas, com necessidade de reparação e substituição e ao custo de reparação acresce ainda a pintura e a mão de obra. (artigo 23.º da petição inicial) R. O custo total da reparação do veículo ZD orçou em € 5.028,57, com IVA, incluído (artigo 24.º da petição inicial). S. À data dos factos, a autora exercia a actividade profissional de comercial/vendedora da empresa “Y, Unipessoal, Lda.” e o veículo era pela Autora usado para trabalhar. (artigo 25.º da petição inicial) T. A autora não tinha outro veículo em que se pudesse transportar e movimentar para o exercício da sua actividade profissional. (artigo 26.º da petição inicial) U. A autora necessitava diariamente do veículo. (artigo 27.º da petição inicial) V. A autora deixou de usar o veículo ZD desde a data do acidente. (artigo 28.º da petição inicial) W.No dia seguinte ao do acidente, a autora depositou o veículo na Oficina … Comércio de Automóveis, S.A., NIPC …, em …, V. N. de Famalicão onde esteve até data não concretamente apurada. (artigo 29.º da petição inicial) X. Foi efectuada uma peritagem ao veículo por empresa de peritagens, por perito indicado pela primeira ré seguradora. (artigo 31.º da petição inicial). Y. A Autora vendeu o veículo acidentado e amolgado pelo valor de € 7.000,00 (artigo 36.º da petição inicial). Z. O desprendimento e consequente queda de massas de revestimento do tecto da placa de cobertura da varanda teve como causa a infiltração de águas pluviais nessa placa (artigo 9.º da contestação). AA. A placa apresentava fortes vestígios de infiltrações. (artigo 10.º da contestação) BB. As referidas infiltrações na placa de cobertura da varanda ocorreram devido à inexistência de perfis na extremidade da cobertura. (artigo 11.º da contestação) CC. Esses perfis, que deviam existir para proteger as extremidades da placa, evitariam a infiltração de águas pluviais para o interior do reboco/revestimento. (artigo 12.º da contestação) DD.As infiltrações de água provocaram ainda a oxidação/enferrujamento da estrutura metálica/ferro, existente no interior do betão. (artigo 13.º da contestação) EE. O que por sua vez aumentou a sua secção provocando um esforço suplementar sobre as massas de revestimento, coadjuvado com sucessivas dilatações e contrações da placa. (artigo 14.º da contestação) FF. Dando causa ao descolamento das massas de revestimento. (artigo 15.º da contestação) * E deu como não provados os restantes factos alegados, designadamente: 1. Em Março de 2015, o valor comercial e de mercado do veículo referido em A., para venda imediata, era nunca inferior a € 13.500 (treze mil e quinhentos euros). (artigo 4.º da petição inicial) 2. Por contrato de comodato, a proprietária do imóvel referido em D. emprestou-o, pelo período de 3 anos, ao segundo réu F. J., acordo subsequente ao divórcio que ocorreu entre ambos em Fevereiro de 2013. (artigo 6.º da petição inicial) 3. Foi na sequência do contrato referido em 2. que a primeira ré e o segundo réu celebraram contrato de seguro referido em * (artigo 7.º da petição inicial) 4. Após a queda da varanda, o veículo ficou impossibilitado de circular e ficou imobilizado nesse local. (artigo 14.º da petição inicial) 5. Os réus não cumpriram o seu dever de vigilância e os seus actos foram insuficientes para satisfazer o dever de vigilância que recai sobre eles. (artigo 21.º da petição inicial) 6. O veículo esteve no local referido em W. até ao dia 06.04.2015. (artigo 29.º da petição inicial) 7. O período necessário à reparação do veículo ZD era de pelo menos 8 dias. (artigo 32.º da petição inicial) 8. A Autora esteve impedida de conduzir o veículo pelo menos durante um mês. (artigo 33.º da petição inicial) 9. O aluguer de outro veículo de natureza semelhante por igual período é de montante nunca inferior a 750,00 euros. (artigo 34.º da petição inicial) * V. Fundamentação de direito.1. Da impugnação da matéria de facto. 1.1. Em sede de recurso, a apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância. Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que: “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.». Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que a recorrente indica qual o facto que pretende que seja decidido de modo diverso, a resposta que deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, procedendo inclusivamente à transcrição dos excertos que considera relevantes, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado art. 640º. * 1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente. O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (1): - só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; - sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; - nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes). - a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância. - a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas. - ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão. - se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum. - a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. “A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto” (2). O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança” (3). * 1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a recorrente pretende:A alteração da resposta negativa para positiva do ponto 2 da matéria de facto provada da decisão recorrida, cujo teor é o seguinte: “2. Por contrato de comodato, a proprietária do imóvel referido em D. emprestou-o, pelo período de 3 anos, ao segundo réu F. J., acordo subsequente ao divórcio que ocorreu entre ambos em Fevereiro de 2013. (artigo 6.º da petição inicial)”. Resposta pretendida: “Por contrato de comodato, a proprietária do imóvel referido em D. emprestou-o, ao segundo Réu F. J. e autorizando a viver consigo no mesmo, por acordo subsequente ao divórcio que ocorreu entre ambos em fevereiro de 2013, até ao dia em que a referida habitação fosse vendida, não tendo a mesma sido vendida até hoje”. No dizer da recorrente, a materialidade fáctica objecto do ponto impugnado merece ser alterada, visto que a resposta dada constitui um manifesto equívoco, porquanto, quer a Autora, quer o Réu F. J., quer a testemunha I. N., quer a testemunha R. N., referiram, “expressamente, que o Réu F. J. tinha um legítimo interesse em segurar os bens e em continuar a ser tomador do referido seguro, pois, por um lado, viveu sempre no descrito imóvel, nunca tendo saído do mesmo, o seguro foi realizado inicialmente em seu nome, e mesmo depois do divórcio o Réu F. J. continuou a habitá-lo, a dívida que onerava a descrita habitação, com hipoteca, até ao limite de 136.760,00 euros, continuava a ser sua e hoje ainda é assim e mensalmente contribuía com o pagamento de metade daquele empréstimo, aliás como resulta da lei e é seu dever”. Acrescenta que, se o “Réu não era inquilino e continuou a viver na referida habitação, ocupando-a em parte, desde 2009 até hoje, apesar de não existir um documento escrito denominado comodato, é inequívoco que existia uma relação que se consubstancia num verdadeiro comodato, não celebrado pelo prazo de três anos, mas por acordo, o comodato terminaria no dia em que o Réu e a sua ex-mulher vendessem a referida habitação”. Vejamos, pois, se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde, de facto, à prova realmente obtida. Começaremos por reproduzir, na parte que ora releva, a motivação da matéria de facto da sentença recorrida, onde se explicitou: «Já sobre a factualidade constante do ponto 2. a prova foi absolutamente contrária. Nem a Autora, nem o Réu ou a testemunha I. N. confirmaram ter esta testemunha celebrado um contrato de comodato com o Réu. Antes referiram que o Réu e a testemunha I. N. divorciaram-se e ele ficou lá a viver por causa do filho que tinham em comum…». Desde já se adiantará que concordamos integralmente com a resposta dada pelo Tribunal “a quo”. Se atentarmos nas declarações de parte da Autora, I. C., referiu esta, entre o mais, que: É irmã da I. N., a qual foi casada com o 2º Réu F. J., tendo o casamento cessado por divórcio. A referida I. N. é a proprietária da casa de habitação aludida nos autos, sita em ..., já que quando eles se divorciaram ficou acordado, entre eles, que ela ficaria com a casa. A casa, que foi construída de raiz, pelo então casal formado pela sua irmã e pelo 2º Réu, deve ter cerca de dez anos. Apesar de se terem divorciado e de ela ter ficado com a casa, esta continua a ser usada (habitada) pelos dois, que ali continuam a viver juntos. Como justificação para essa situação, a autora referiu que, no seu entendimento (“parto do princípio”) tal se deve ao facto de o 2º R. também estar a pagar o empréstimo, contraído para a construção do imóvel (evitando, assim, pagar uma renda noutro sítio qualquer). Declarou desconhecer a existência de um título formal que legitime o 2º Réu a usar o referido prédio, nem se o faz a título de empréstimo, julgando tratar-se de um acordo celebrado entre eles os dois. Aquando do evento reportado nos autos, foi o 2º Réu quem fez a participação ao seguro, por o seguro estar em nome dele. Já o 2º Réu, F. J., em sede de depoimento de parte, declarou, resumidamente: Residir na Rua do ..., n.º .., ..., V. N. Famalicão. Ter-se divorciado, mas entretanto reconciliou-se com a sua ex-mulher, I. N., com quem vive (diremos nós) em união de facto. Na sequência do divórcio, em 2013, o imóvel, onde o casal havia construído a casa de habitação, foi adjudicado à sua ex-mulher, passando esta a ser a sua única proprietária. Após o divórcio, o 2º réu continuou a viver nesse prédio, com autorização da sua ex-mulher, mas sem que tenham formalizado qualquer contrato, sendo que na altura seria uma solução transitória até ela conseguir vender a casa. Entretanto, reataram a relação, e vive lá por ser companheiro da sua ex-mulher, que é a proprietária do imóvel. No tocante ao facto de o imóvel (leia-se seguro) estar em seu nome, esclareceu que tal se deve ao facto de já provir do início com a celebração do empréstimo, sendo ele quem ficou como tomado do seguro. Esta situação manteve-se inalterada não obstante a partilha feita na decorrência do divórcio e de o depoente ter questionado o gerente de conta, que lhe disse não haver necessidade de estar a mudar a titularidade do segurado. Reconheceu que o empréstimo bancário foi celebrado com a constituição de hipoteca que incidiu sobre o prédio aludido nos autos, sendo que o seguro efectuado foi correlacionado com a hipoteca. A testemunha I. N., irmã da Autora, ex-mulher do 2º Réu, com quem vive em união de facto, declarou o seguinte: A construção da casa foi feita mediante recurso a empréstimo bancário por parte da testemunha e do seu, então, marido (no valor de cem mil euros), sendo que o seguro estava associado ao empréstimo. Divorciou-se do 2º Réu em dia 02 de fevereiro de 2013. Aquando do divórcio, o seu ex-marido foi ao banco comunicar que a casa agora era só dela e, ao que julga, o Banco não lhe comunicou que tinham de mudar o seguro. Não obstante o prédio ter sido adjudicado à testemunha, a dívida hipotecária continuou a ser da responsabilidade dos dois (mutuários). Jamais a seguradora lhe enviou alguma comunicação a fim de mudar a titularidade do seguro por a casa estar só em seu nome. Confirmou que, depois de 2013, e por terem uma filha em comum, acordaram que o ex-marido ficaria lá em casa até resolverem o destino a darem à casa, nomeadamente a sua eventual venda, pagando a meias as prestações, e, entretanto, ele foi ficando até hoje (o que, no fundo, confirma o reatamento da relação do ex-casal). A testemunha R. N., companheiro da Autora desde 2008/2009, com quem vive em união de facto, referiu não saber de quem era o prédio aludido nos autos (“não faço a mínima ideia”), acrescentando que antes do divórcio era dos dois (do casal formado pelo 2º réu e pela I. N.) Mais confirmou que, após o divórcio, reconciliaram-se (“se uniram”). Incidiremos, agora, a nossa análise sobre a prova documental: Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ......... o prédio urbano composto de casa de dois pisos com logradouro sito na Rua do ..., n.º .., em ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... a favor de I. N., por aquisição em partilha subsequente a divórcio, através da AP. 2030 de 2013/02/21 (cfr. documento de fls. 9). Dessa mesma certidão predial está registada a apresentação n.º 64, de 18.07.2008, consistente numa hipoteca voluntária, que ficou definitivamente registada, desde essa data, cujo capital é de 100.000,00 euros e cujo montante máximo assegurado, da referida hipoteca, é de 136.760,00 euros, a favor do Banco …, tendo como sujeitos passivos F. J. e I. N.. Ora, não obstante a aquisição em partilha subsequente a divórcio a favor da I. N., uma vez não constar da descrita certidão predial (nem de nenhum outro documento) a exoneração da indicada dívida hipotecária de F. J., é de concordar com a recorrente quando conclui que o 2ª Réu continua a ser responsável por tal dívida. Também não se mostra controverso nos autos que o 2ª Réu continua a ser o tomador do seguro no contrato de seguro melhor descrito no ponto E dos factos provados. Mas já não se corrobora a posição propugnada pela recorrente quando esta defende que, não sendo o 2º réu inquilino e continuando a residir na referida habitação, ocupando-a em parte, apesar de não existir um documento escrito de comodato, existia uma relação que consubstancia um verdadeiro comodato com o prazo de até ao dia em que vendessem a referida habitação, como o disseram todos em julgamento. Embora inicialmente o 2º Réu ali tenha continuado a residir com a autorização da ex-mulher por terem uma filha em comum e até decidirem o destino da referida habitação, a prova testemunhal produzida aponta toda ela, inequivocamente, no sentido de, entretanto, o ex-casal se ter reconciliado, e de viverem em união de facto. Por conseguinte, diversamente do preconizado pela recorrente, a prova produzida não aponta no sentido de o 2º Réu ali residir ao abrigo de um contrato de comodato ou por empréstimo, mas sim por viver em união de facto com a proprietária do referido imóvel. Por último, o facto de 2º Réu continuar responsável pelo pagamento do empréstimo hipotecário em nada interfere com a qualidade em que o 2º réu usa ou detém o referido imóvel. Nesta conformidade, por referência à prova produzida nos autos, não se evidenciam razões concretas e circunstanciadas capazes de infirmar a apreciação crítica feita pelo tribunal recorrido sobre o ponto 2 dos factos não provados. É, por isso, de concluir não ser viável a este Tribunal superior extrair uma qualquer conclusão que infirme ou divirja da convicção daquele tribunal quanto àquele concreto ponto de facto. De facto, a fundamentação que serviu de base a essas conclusões dadas pela 1.ª instância – que subscrevemos, nos termos explicitados –, baseando-se na livre convicção e sendo uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, revela-se convincente e sustentada à luz da prova auditada e não se mostra fragilizada pela argumentação probatória da impugnante, não se impondo decisão sobre o referido ponto da matéria de facto diversa da recorrida (art. 640º, n.º 1, al. b) do CPC). Nesta conformidade, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto ao facto impugnado com a convicção formada pela Mmª Juíza “a quo”, impõe-se-nos confirmar na íntegra a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida. * 3. Reapreciação da decisão de mérito. Discute-se nos autos se o evento danoso que atingiu o veículo automóvel da autora/recorrente – queda de parte da varanda e do seu revestimento “reboco” do imóvel seguro, cujas pedras e cimento caíram em cima do automóvel, causando-lhe vários estragos/danos – se encontra, ou não, coberto pela garantia do seguro multi-riscos/Habitação, titulado pela apólice n.º ......, que o 2º Réu F. J. celebrou com a 1ª Ré seguradora. Na tese da recorrente/ré, por força do estabelecido na cláusula 18 do artigo 2º das condições gerais, na qual se prevê a “Responsabilidade civil extracontratual como ocupante legítimo do imóvel”, sendo o Réu F. J. um ocupante legítimo do imóvel seguro e em consequência tomador do seguro em questão, resulta que tendo o imóvel causados danos a terceiros, que se inserem dentro dos riscos descritos, os mesmos terão de ser ressarcidos pela Ré Seguradora, posto que os danos em causa estão abrangidos pela cobertura do risco pelo sinistro em causa. Posição contrária tem a recorrida/ré seguradora e foi acolhida na sentença recorrida, na qual se concluiu que, no caso dos autos, não é possível concluir que a derrocada da construção se ficou a dever a qualquer um dos riscos contratados entre os Réus, além de que os danos foram, essencialmente, provocados, por humidades e infiltrações lentas de águas, expressamente excluídos do elenco dos riscos objecto de seguro nos termos da cláusula 10.ª do artigo 4.º das condições gerais. Segundo se provou, entre o 2º Réu F. J. e a 1ª Ré foi celebrado um contrato de seguro do ramo Riscos Múltiplos Habitação – Protecção Casa, titulado pela apólice n.º ......, relativamente ao imóvel sito no Lugar ..., ..., sujeito às condições particulares e gerais de fls. 103 a 116 (alínea E dos factos provados), nos termos do qual a ré declarou assumir a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros por danos decorrentes de lesões corporais ou materiais do imóvel seguro causados a terceiros em virtude da ocorrência de qualquer dos riscos cobertos pelo contrato. Não se mostra controvertido estarmos no âmbito de um contrato de seguro multi-riscos. O contrato de seguro é a convenção pela qual uma das partes (a seguradora) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (o segurado), a assumir determinado risco e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado (4). Trata-se do “contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro dos meios adequados à supressão ou atenuação de consequências negativas reais ou potenciais da verificação de um determinado facto” (5). Por regra, o seguro configura-se como um contrato bilateral ou sinalagmático – por dele emergirem obrigações para ambas as partes –, oneroso – por implicar vantagens para ambas elas – e de execução continuada. Usualmente, é também um contrato de adesão (6), pois a vinculação do segurado faz-se através da subscrição de um esquema contratual preestabelecido pelo segurador, consubstanciado nas condições gerais das apólices. Trata-se de um contrato tipicamente aleatório, “porquanto a obrigação contraída por uma das partes (o segurado) é certa, enquanto a obrigação principal assumida pela outra parte (a seguradora) é incerta, além de futura”. Ao concluir o contrato, o tomador do seguro sabe que tem de pagar o prémio, já o segurador não sabe se terá de realizar a prestação convencionada, porque não sabe se se verificará o evento previsto (7. O que significa que não envolve necessariamente um equilíbrio de prestações entre as partes, que tem inerente um risco de uma ou outras das partes perder dinheiro. Na verdade, se não ocorrer sinistro, o segurador ganha e o tomador perde; mas se houver sinistro acontece o contrário (8). Certas modalidades de contrato de seguro assumem, não raro, a feição de contratos a favor de terceiro, na medida em que delas resulta a atribuição de um direito a pessoa ou pessoas estranhas à celebração do contrato. Nada obsta a que estas, por vezes, se encontrem inicialmente indeterminadas. Do ponto de vista da forma, determina o art. 32º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16/04 (9) (doravante, abreviadamente, designado por RJCS), que a validade do contrato de seguro não depende da observância de forma especial. Contudo, nos termos do n.º 2 do citado preceito legal, o segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador de seguro. Continua, assim, a ser exigida a redução a escrito da apólice para efeitos de prova do contrato de seguro e não da sua validade (10). No art. 1º do RJCS dispõe-se sobre o conteúdo típico do contrato de seguro, dizendo-se que “[p]or efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”. Como referem Pedro Romano Martinez e outros (11), “a obrigação típica do segurador não é a de assumir o risco de outrem, mas sim a de realizar a prestação resultante de um sinistro associado a tal risco. O sinistro é o “evento aleatório” a que se refere o art. 1º (…). O contrato de seguro caracteriza-se pela obrigação, assumida pelo segurador, de realizar uma prestação (máxime, pagar uma quantia), relacionada com o risco do tomador do seguro ou de outrem (segurado, eventualmente, pessoa segura). (…) A cobertura é uma atribuição que se realiza por mero efeito do contrato”, sendo “com a cobertura que a obrigação de pagar o prémio constitui uma relação sintagmática ou (…) uma relação de troca”. É “o contrato de seguro que define exactamente que risco é esse, pois só é sinistro «a ocorrência do evento aleatório previsto no contrato». Nessa medida, diz-se que é um risco formal aquele que releva para o contrato de seguro”. Constitui, deste modo, o risco um elemento essencial ou típico do contrato de seguro, traduzindo-se o mesmo na possibilidade de ocorrência de um evento ou facto futuro e incerto de natureza fortuita com consequências desfavoráveis para o segurado, nos termos configurados no contrato. O risco é assim delimitado em função do tipo de evento como tal contemplado, bem como relativamente à localização e ao tempo em que possa ocorrer. Na prática negocial, a delimitação do risco, mormente na vertente causal, é tecnicamente feita, primeiro, por cláusulas definidoras da chamada “cobertura de base” e, depois, pela descrição de hipóteses de exclusão ou de delimitações negativas daquela base. Por outro lado, subjacente a qualquer crédito indemnizatório emergente do contrato de seguro está o sinistro, consubstanciando-se este como a realização do risco previsto no contrato de seguro, desencadeador, pela sua própria natureza, da garantia subjacente ao seguro; não coincide necessariamente com o acidente, mas com as consequências deste (12). Deste modo, enquanto o risco se traduz na “previsão abstracta do evento, como possível ou provável”, o sinistro é, por sua vez, “a realização e concretização desse evento”. “A verificação do risco corresponde à ocorrência daquilo que no preceito se designa por “evento aleatório”. O qualificativo parece ser usado, neste contexto, como um sinónimo de incerto”. (…) “O evento cuja verificação dá azo ao pagamento da prestação convencionada deve estar previsto no contrato – com efeito, fora do contrato um evento é apenas um evento. (…). O sinistro – quando acontecer – será assim um facto jurídico, um “evento” que o direito considera relevante e a que, por isso, associa determinados efeitos. (…). É o contrato que o transforma em “sinistro” (13). Atento o princípio da liberdade contratual (art. 405.º do Código Civil - doravante, abreviadamente, designado por CC), expressamente reafirmado no art. 11.º do RJCS, o contrato de seguro é regulado pelas estipulações da respetiva apólice, que não sejam proibidas pela lei e, subsidiariamente, pelas disposições do RJCS aprovado pelo citado Decreto Lei e, subsidiariamente, pelas disposições da lei comercial e da lei civil (art. 4.º do RJCS). Importa ainda ter presente que o âmbito de aplicação do regime geral do contrato de seguro não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais (art. 3º do RJCS). A apólice, documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, contém cláusulas que constituem as condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas (art. 37º, n.º 1, do RJCS). Do seu texto devem constar, no mínimo, a natureza do seguro e os riscos cobertos (art. 37º, n.º 2, als. c) e d) do RJCS). Devem ainda constar da apólice, escritas em caracteres destacados e de maior dimensão do que os restantes, as cláusulas que estabeleçam o âmbito das coberturas, designadamente a sua exclusão ou limitação (al. b) do n.º 3 do art. 37º do RJCS). Os contratos de seguro regem-se pelas condições gerais e pelas condições especiais e particulares que tenham sido subscritas pelo segurado ou tomador do seguro. Segundo José Vasques (14), “condições gerais são as que se aplicam a todos os contratos de seguro de um mesmo ramo ou modalidade. Condições especiais são as que, completando ou especificando as condições gerais, são de aplicação generalizada a determinados contratos de seguro do mesmo tipo. Condições particulares são as que se destinam a responder em cada caso às circunstâncias específicas do risco a cobrir”. Significa isto que as condições gerais enumeram os riscos ou coberturas que potencialmente podem ser garantidas, ficando abrangidas pelo caso concreto aquelas que forem enumeradas nas condições particulares (15). A lei não estabelece qualquer hierarquia entre as referidas condições, mas a própria lógica gerais>especiais>particulares, refletindo uma progressiva aproximação a um contrato em concreto, evidencia a regra segundo a qual as cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais (art. 7º, primeira parte, do Decreto Lei n.º 446/85), ao que acresce não poderem as condições especiais e particulares modificar a natureza dos riscos cobertos tendo em conta o tipo de contrato de seguro celebrado (16). Para terminar esta exposição de cariz teórica há que ter em conta o seguinte: – É à autora que cabe o ónus de provar a existência e o conteúdo do contrato, na medida em que alegue um direito decorrente desse contrato (art. 342º, n.º 1 do CC); – Em contrapartida, é à ré (seguradora) que incumbe o ónus de provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (n.º 2 do mesmo preceito). Revertendo ao caso sub júdice, o art. 1º das condições gerais do contrato de seguro define sinistro como “qualquer acontecimento de carácter fortuito, súbito e imprevisto, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato”. E, segundo o art. 2º, sob a epígrafe “Objeto e Garantias do Contrato”, estipula-se que o “presente contrato garante, nas condições e termos adiante estabelecidos, os riscos verificados neste artigo, sendo condição da sua validade e eficácia que o imóvel e ou o respetivo recheio seguros, identificados nas condições Particulares, sejam exclusivamente destinados a habitação”: 1 - INCÊNDIO, AÇÃO MECÂNICA DE QUEDA DE RAIO E EXPLOSÃO. 2 – TEMPESTADES 3 – INUNDAÇÕES 4 - DANOS POR ÁGUA CAUSADOS POR CANALIZAÇÕES E APARELHOS LIGADOS À REDE DE DISTRIBUIÇÃO 5 - FURTO OU ROUBO 6 - QUEDA DE AERONAVES E TRAVESSIA DA BARREIRA DO SOM 7 - CHOQUE OU IMPACTO DE VEÍCULOS TERRESTRES OU ANIMAIS 8 - DERRAME DE ÓLEO DE SISTEMAS DE AQUECIMENTO 9 - GREVES, TUMULTOS E ALTERAÇÕES DA ORDEM PÚBLICA 10 - QUEBRA DE VIDROS, ESPELHOS FIXOS, PEDRAS MÁRMORE E LOUÇAS SANITÁRIAS 11 - QUEBRA OU QUEDA DE ANTENAS EXTERIORES DE TV OU TSF 12 - QUEBRA OU QUEDA DE PAINÉIS SOLARES TÉRMICOS E FOTOVOLTAICOS 13 - DEMOLIÇÃO E REMOÇÃO DE ESCOMBROS 14 - GUARDA DE CONTEÚDOS 15 - PRIVAÇÃO DE HABITAÇÃO E REALOJAMENTO 16- MUDANÇA TEMPORÁRIA 17 - RESPONSABILIDADE CIVIL COMO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL 18 - RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL COMO OCUPANTE LEGITIMO DO IMÓVEL 19 - DESPESAS JUDICIAIS DECORRENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROPRIETÁRIO OU OCUPANTE 20 - RISCOS PESSOAIS DOMÉSTICOS - MORTE OU INVALIDEZ PERMANENTE 21 - RISCOS PESSOAIS DOMÉSTICOS - DESPESAS MÉDICAS 22 - RISCOS PESSOAIS DOMÉSTICOS - SUBSÍDIO DE FUNERAL 23 - PESQUISA E REPARAÇÃO POR AVARIAS 24 - ASSISTÊNCIA AO LAR 25 - ALUIMENTO DE TERRAS No caso, por referência às condições particulares da apólice (17), os riscos seguros, no tocante ao imóvel seguro, são os contemplados nos n.ºs 1 a 13 e 17 do art. 2º das condições gerais. Por sua vez, no que concerne ao conteúdo do imóvel seguro, abrangem-se, também, os riscos previstos nos n.ºs 14 a 16 do art. 2º das condições gerais. Na hipótese versada nos autos, como bem se refere na sentença recorrida, a Autora assenta o seu pedido alegando que parte da varanda do imóvel de que o 1º Réu é comodatário ruiu por cima do seu veículo o que lhe provocou danos, pelo que considera a Ré seguradora como responsável nos termos da cláusula 17.ª do art. 10º das condições gerais do contrato, embora não identifique qual o risco de onde decorreram os danos provocados. Na verdade, constata-se que, quer nos articulados, quer nas alegações do recurso, a autora/recorrente não cuidou de individualizar o risco contratualizado donde provieram os danos em que alicerça o seu pedido indemnizatório. E se nos ativermos às coberturas garantidas no contrato de seguro não se vislumbra em qual dos riscos segurados supra enunciados se possa acobertar o sinistro alegado nos autos. Tal como foi ensaiado na sentença recorrida, das coberturas contratadas poder-se-ia eventualmente integrar o sinistro na cobertura de tempestades, inundações ou danos por água, tentativa essa que se mostra gorada, visto não terem sido foram alegados e provados os pressupostos com vista a concluir-se pela sua verificação. De facto, apenas se provou que, no dia 6 de março de 2015, à noite, a Autora estacionou o veículo automóvel com a matrícula ZD, por baixo da varanda do edifício referido em D. onde esteve estacionado cerca de três horas, tendo parte da varanda e o seu revestimento “reboco” desse edifício ruído parcialmente em cima do referido automóvel. Sempre se dirá que os riscos tempestades, inundações ou danos por água da cobertura base, precisamente, respeitam, obviamente, a danos próprios e não a responsabilidade civil. Os seguros multi-riscos têm uma componente de danos próprios e outra de responsabilidade civil. E, no presente caso, o que está em causa é a segunda dessas componentes: a responsabilidade civil. Da materialidade fáctica provada resulta que, nos dias anteriores ao dia do sinistro, não tinha existido intempérie que levasse à ocorrência de quaisquer danos na referida varanda, sendo que o desprendimento e consequente queda de massas de revestimento do tecto da placa de cobertura da varanda teve como causa a infiltração de águas pluviais nessa placa, apresentando a placa fortes vestígios de infiltrações e estas ocorreram devido à inexistência de perfis na extremidade da cobertura, os quais deviam existir para proteger as extremidades da placa e teriam evitado a infiltração de águas pluviais para o interior do reboco/revestimento. As infiltrações de água provocaram, ainda, a oxidação/enferrujamento da estrutura metálica/ferro, existente no interior do betão, que, por sua vez, aumentou a sua secção provocando um esforço suplementar sobre as massas de revestimento, coadjuvado com sucessivas dilatações e contrações da placa, dando causa ao descolamento das massas de revestimento (pontos Z, AA, BB, CC, DD, EE e FF dos factos provados). Perante estes factos dados como provados, não se pode deixar de acompanhar o entendimento do Tribunal da 1ª instância quando, em resultado da análise da factualidade provada, concluiu no sentido de que “a causa naturalística predominante e decisiva da ruína de parte da varanda e do seu revestimento em questão foi efectivamente as infiltrações lentas da água. Com efeito, face à condição em que a placa de cobertura da varanda se encontrava, nos moldes acima descritos, forçoso é concluir que a mesma apresentava, já antes do dia do sinistro, um acentuado estado de fragilidade”. E as infiltrações de águas pluviais na placa ficaram, de facto, a dever-se a deficiência de concepção e construção, visto que, a existirem perfis na extremidade da cobertura, estes teriam evitado o desprendimento e consequente queda de massas de revestimento do tecto da placa de cobertura da varanda. Foram estes factos concretos que determinaram decisivamente o dano estrutural, consubstanciado em parte da varanda e do seu revestimento “reboco” do edifício seguro ter ruído parcialmente, caindo em cima do veículo automóvel da recorrente e causando-lhe vários estragos. Secunda-se, igualmente, a afirmação explicitada na sentença recorrida no sentido de não se vislumbrar “em que risco se podia inserir tal derrocada, sendo certo que, salvo no caso de fenómenos meteorológicos extraordinários, a ruína de um edifício ou obra é um facto que indicia, só por si, o incumprimento de deveres relativos à construção ou conservação dos edifícios”. Improcede, por outro lado, a pretensão de responsabilizar a seguradora por força da cláusula 18ª do art. 2º das condições gerais (18). Sob a epígrafe “Responsabilidade civil extra-contratual como ocupante legítimo do imóvel”, estipula esta cláusula que: “1. Garante o pagamento de indemnizações que, a titulo de responsabilidade civil extra-contratual e até ao limite fixado nas Condições Particulares, possa ser exigido ao Segurado na sua qualidade de ocupante legítimo do imóvel seguro por danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros em virtude da ocorrência de qualquer dos riscos identificados neste artigo. 2. Para efeitos do número anterior, por ocupante legítimo entende-se, nomeadamente, o usufrutuário, o arrendatário, o comodatário ou qualquer outro titular de direito que confira ao Segurado o uso legítimo do imóvel”. Como flui desta cláusula, para operar o pagamento de indemnizações que, a título de responsabilidade civil extra-contratual, possa ser exigido ao segurado na sua qualidade de ocupante legítimo do imóvel seguro, é necessário que os danos decorram de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros resultantes da ocorrência de qualquer dos específicos riscos segurados identificados no art. 2º. E, como já vimos anteriormente, no circunstancialismo dos autos, não é possível concluir que a derrocada da construção se tenha ficado a dever a qualquer um dos riscos contratados entre os Réus, o que desde logo afasta o preenchimento cláusula 18 do art. 2º das condições gerais. Na verdade, não logrou a autora demonstrar, como lhe competiria, que o sinistro dos autos teve efectivo enquadramento no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do 2º Réu, em virtude da ocorrência de qualquer um dos específicos riscos segurados identificados no art. 2º e que se encontravam transferidos para a 1ª ré por via do seguro dos autos. Esse ónus incumbia-lhe, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 342.º do CC. Acresce que a recorrente também não logrou demonstrar a que título o 2º réu, tomador dos seguro, ocupa o prédio em causa, já que tendo alicerçado essa ocupação a título de um contrato de comodato não logrou provar essa alegação. É manifesto, por conseguinte, que tem de considerar-se excluída a responsabilidade da seguradora, uma vez que a A. não logrou provar um essencial elemento constitutivo do direito que invocava – sendo os danos decisivamente provocados, não por qualquer um dos riscos específicos segurados, mas essencialmente por um vício ou deficiência construtiva própria, expressamente excluído do elenco dos riscos objecto de seguro. Mas mesmo que, porventura, se concluísse de modo diferenciado, sempre se imporia atender à cláusula 10.º do art. 4.º das condições gerais, sob a epígrafe “Exclusões”, nos termos da qual se estipulou: “Não ficam garantidos pelo presente contrato: Os danos resultantes de alteração do meio ambiente, em particular os causados directa ou indirectamente por poluição ou contaminação do solo, das águas ou atmosfera, assim como todos aqueles que forem devidos a acção de fumos, vapores, vibrações, ruídos, cheiros, temperaturas, humidades, corrente eléctrica, infiltrações lentas de água ou outros líquidos, ainda que derivados de rotura, não acidental, de canalizações e tubagens” (sublinhado nosso). Com efeito, perante o concreto quadro factual é de concluir que os danos foram provocados, “não em virtude de qualquer dos riscos cobertos pelo seguro, mas, essencialmente, por humidades e infiltrações lentas de águas”, sendo que esta causa está expressamente excluída do elenco dos riscos objecto de seguro nos termos da supra referida cláusula. E, salvaguardando sempre o devido respeito por entendimento contrário, não podemos concordar com a argumentação propugnada pela recorrente no sentido de esta exclusão destinar-se “apenas a precisar que, na hipótese dos descritos danos ocorrerem, a Seguradora pode sempre exigir ou ser ressarcida pelo Tomador de Seguro, mas nunca em relação a terceiros”. A cláusula, inserta nas condições gerais do contrato de seguro, não deixa margem para dúvidas, ao prescrever que os danos resultantes de infiltrações lentas de água (como é o caso dos autos) constituem causa de exclusão da responsabilidade da Ré seguradora nos termos das cláusulas gerais da apólice. A apelante defende, porém, que a aplicar-se a cláusula 10.ª do art. 4.º das condições gerais do seguro dos autos deve a mesma ser considerada absolutamente proibida, nos termos da al. b) do art. 18º do Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10, e, como tal, nula (cfr. art. 12º do citado diploma legal), por tal cláusula excluir ou limitar, de modo direto ou indireto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais causados na esfera da contraparte ou de terceiros. Concluiu, nomeadamente, o seguinte: “24. Há assim que ter presente que na avaliação a fazer quanto à natureza proibida da cláusula de exclusão de responsabilidade sob apreciação não pode deixar de se ter em linha de conta a circunstância de a mesma estar inserida num contrato de seguro de responsabilidade civil através do qual a Ré Seguradora assumiu perante o segurado a obrigação de pagamento dos danos (patrimoniais ou não patrimoniais) causados a terceiros, não faz sentido excluir tal indemnização ao terceiro, se for causada por infiltrações de água. 25. Evidencia-se pois que através da referida cláusula a Ré Seguradora fez introduzir uma limitação à responsabilidade assumida com o seguro que produziria o efeito de, praticamente, esvaziar a garantia de protecção do risco que o contrato cabia assegurar, isto é, a limitação dos danos operada pela cláusula em referência impossibilita a obtenção do objetivo visado com a celebração do seguro, que se cingia, precisamente, aos danos causados a terceiros. 26. E porque neste domínio a ponderação da boa fé deverá ser feita em função da “confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis”. 27. Em conclusão, a referida cláusula de exclusão não pode deixar de ser entendida como desproporcional, consubstanciando um atropelo à dinâmica de um seguro, riscos múltiplos habitação, uma vez que por efeito da referida cláusula estariam excluídos da cobertura dos riscos do contrato de seguro firmado todos os danos decorrentes do referido imóvel, desrespeitando esse princípio fulcral de lisura contratual ao retirar, praticamente, a utilidade ao seguro contratado, esvaziando o conteúdo útil do objeto e finalidade do mesmo e, nessa medida, violadora do princípio da boa-fé, que se impõe em todas as etapas do desenvolvimento da relação negocial: formação, integração/interpretação e cumprimento – cfr. arts. 227º, 239º e 762º, n.º2, todos do Código Civil. 28. Consequentemente, em conjugação com o disposto nos arts. 12º, 15º e 18º, alínea b), do DL 446/85, de 25-10, há que a considerar proibida e, como tal, nula, tal cláusula, bem como abusiva é a interpretação feita pelo Tribunal a quo do sentido da indicada cláusula que levou a concluir pela exclusão da responsabilidade da Ré Seguradora”. Estamos, no caso, perante uma questão nova, de que a 1ª instância não conheceu por tal pretensão não ter sido formulada à sua apreciação. Só agora, em sede de recurso, depois de proferida a decisão recorrida, é que a recorrente a suscitou. Regra geral, o tribunal “ad quem” não pode confrontar-se com questões novas (ou seja, sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida e sobre pedidos que nela não foram formulados), salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso (como, por exemplo, o abuso do direito ou os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis e se não estiverem já resolvidas por decisão transitada em julgado) e o processo contenha os elementos imprescindíveis. É o que resulta da conjugação dos arts. 627º, n.º 1, 635º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 608º, n.º 2, do CPC. Contudo, segundo o regime das cláusulas contratuais gerais previsto no Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10, são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé (art. 15.º), sendo absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que “excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros” (al. b) do art. 18º), sancionando-se as cláusulas contratuais gerais proibidas com a nulidade (art. 12.º). Por força do art. 24.º, as nulidades desse diploma são invocáveis nos termos gerais. E, nos termos do art. 286.º do Cód. Civil, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. Considerando, pois, que a nulidade pode ser oficiosamente conhecida, não deixaremos de sobre ela nos pronunciar. Tratando-se de um seguro de cariz facultativo, nada obsta a que a apólice estipule a exclusão da responsabilidade da seguradora em determinados casos, conquanto não se configurem como cláusulas proibidas por lei (arts. 15º a 22º do Dec. Lei n.º 446/85). Ora, tendo em conta a conclusão firmada no sentido de o evento em apreço não se encontrar coberto pelos riscos contratualmente previstos no contrato, verifica-se que esta questão, a da nulidade da cláusula 10.ª do art. 4.º das condições gerais do seguro, se encontra prejudicada na sua apreciação. É que só faria sentido conhecer da validade ou da invalidade de uma tal cláusula, caso se concluísse que o sinistro dos autos se encontrava enquadrado nas garantias do seguro dos autos, ou seja, se se concluísse que o mesmo teria tido como causa a responsabilidade civil extracontratual do 2º réu, o que, como se viu, não sucedeu. Mas mesmo que não se considerasse prejudicada a questão em apreço, sempre seria de concluir pela inexistência de motivo válido para considerar a cláusula em questão desproporcional ou suscetível de esvaziar o objeto do contrato de seguro. De acordo com a al. b) do art. 18.º do DL 446/85 são absolutamente proibidas e, como tal, nulas (cfr. art. 12.º do mesmo diploma legal), as cláusulas contratuais gerais que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais causados na esfera da contraparte ou de terceiros. Reporta-se o preceito às estipulações que, sendo exoneratórias e limitativas da responsabilidade, têm directa projecção na obrigação de indemnização. Como refere António Pinto Monteiro (19), trata-se de cláusulas destinadas a excluir ou limitar a responsabilidade do autor do facto danoso (circunscrever a responsabilidade a determinados parâmetros), que de outro modo seria responsabilizado pelo não cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora das obrigações a que se achava adstrito. Contudo, na delimitação da responsabilidade operada pelas cláusulas de exclusão contidas nas Condições Gerais e/ou Especiais nas apólices dos contratos de seguro caberá destrinçar as cláusulas de exclusão da responsabilidade que se mostram proibidas à luz do citado art. 18.º, daquelas outras que visam a delimitação do objeto de contrato, porquanto estas configuram-se plenamente válidas (20) (21). Nessa distinção importa antes de mais atender ao objeto do seguro e aos riscos cobertos na apólice. E, assim, apenas serão tidas como absolutamente proibidas as cláusulas que prevejam uma exclusão ou limitação da responsabilidade que desautorize (ou esvazie) o objeto do contrato (22). Segundo José Vasques (23), as cláusulas abusivas caracterizam-se por a sua aplicação: - resultar numa limitação ou supressão de obrigações a cargo do predisponente, com alteração da relação de equivalência; - favorecer excessiva ou desproprocionalmente a posição contratual do predispondente e prejudicar inequitativa e danosamente a do aderente; - implicar uma incompatibilidade com os princípios legais essenciais. Por natureza e função, o seguro visa proporcionar ao segurado uma adequada tutela contra a ocorrência de determinados eventos futuros e incertos. Relembrando o conceito de sinistro definido no art. 1º das condições gerais do contrato de seguro, trata-se de “qualquer acontecimento de carácter fortuito, súbito e imprevisto, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato”. E, como já se disse, elemento essencial do contrato de seguro é a existência de um “risco”, ou seja, a possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, onde a configuração do risco é alcançada pela conjugação das cláusulas de cobertura (onde se indicam, pela positiva, quais os riscos cobertos pelo contrato de seguro) com as cláusulas de exclusão (nas quais se limita, negativamente, o âmbito de cobertura do contrato) Desta delimitação – secundando nesta parte a argumentação da recorrida –, resulta um conjunto amplo de coberturas, fundamentalmente associadas a situações súbitas e inesperadas, justificando-se a exclusão do ressarcimento de danos decorrentes de eventos que, em certa medida, podem ser controlados pela ação humana. No caso, como resulta da factualidade apurada, a situação que originou o sinistro está conexionada com um vício de construção (e um defeito de conservação), traduzido na inexistência de perfis na extremidade da cobertura, os quais, a existirem, teriam evitado a paulatina infiltração de águas pluviais para o interior do reboco/revestimento. Tal situação anómala poderia (e deveria) ter sido retificada mediante a adoção de medidas corretivas, nomeadamente a colocação de perfis nas extremidades das coberturas. Por este motivo, o argumento da desproporcionalidade (e da consequente nulidade) da cláusula de exclusão é absolutamente desprovido de fundamento (24). Por conseguinte, julga-se improcedente este fundamento da apelação. * A sentença recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões da apelante. * As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).* Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):I - O contrato de seguro é a convenção pela qual uma das partes (a seguradora) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (o segurado), a assumir determinado risco e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado. II - Os seguros multi-riscos têm uma componente de danos próprios e outra de responsabilidade civil. III - É à autora que cabe o ónus de provar a existência e o conteúdo do contrato, na medida em que alegue um direito decorrente desse contrato (art. 342º, n.º 1, do CC); - Em contrapartida, é à ré (seguradora) que incumbe o ónus de provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (n.º 2 do mesmo preceito). IV - Estando provado que a causa naturalística predominante e decisiva da ruína de parte da varanda e do seu revestimento foram as infiltrações lentas da água, o que ficou a dever-se a deficiência de concepção e construção, é de concluir que essa causa está expressamente excluída pela apólice do elenco dos riscos objecto de seguro. * VI. DecisãoPerante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas da apelação a cargo da apelante (art. 527º do CPC). * Guimarães, 17 de setembro de 2020 Alcides Rodrigues (relator) Joaquim Boavida (1º adjunto) Paulo Reis (2º adjunto) 1. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt. 2. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 435/436; no mesmo sentido, Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pp. 191/192. 3. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução Ao Processo Civil. Conceito E Princípios Fundamentais À Luz Do Novo Código, 4ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 202. 4. Cfr. Almeida Costa, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 129.º, n.º 3862, pp. 20-21. 5. Cfr. Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudo de Direito Civil, Coimbra Editora, 2010, p. 66. 6. Cfr. Ac. da RL de 9/11/2010 (relator Luís Filipe Brites Lameiras), in www.dgsi.pt. e Ac. da RP de 15/03/1999, CJ, Ano XXIV-1999, T. 2, p. 182. 7. Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 132. 8. Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, vol. I, Almedina, p. 248/249. 9. Que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro. 10. Cfr. Ac. do STJ de 04/12/2014 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt. 11. Cfr. Lei do Contrato de Seguro – Anotada, 3ª ed./2016, Almedina, p. 38. 12. Cfr. Ac. da RL de 19/12/2019 (relator Carlos Castelo Branco), in www.dgsi.pt. 13. Cfr. Margarida Lima Rego, “O contrato e a apólice de seguro”, in Temas de Direito dos Seguros; II, Almedina, 2ª ed., 2020, pp. 20/21. 14. Cfr. Contrato de Seguro, Coimbra Editora, pp. 30-31. 15. Cfr. Ac. do STJ de 4/12/2014 (relator Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt. 16. Cfr. José Vasques, in Lei do contrato de Seguro Anotada (Pedro Romano Martinez e Outros), 2016 – 3ª ed., Almedina, pp. 218 e 219. 17. Cfr. Documento constante de fls. 103 e 104. 18. Na 1ª instância, a autora pugnava pela transferência da responsabilidade civil para a ré seguradora por força da cláusula 17ª do art. 2º das condições gerais do contrato de seguro (art. 8º da p.i e art. 5º da resposta), ao passo que, em sede de recurso, faz alusão à cláusula 18ª do art. 2º das condições gerais. 19. Cfr. Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985, p. 98 e ss. 20. Cfr. Ac. do STJ de 15/04/2015 (relator Pires da Rosa), in www.dgsi.pt. 21. De facto, por via de regra, nas condições gerais e/ou especiais de apólices de seguro não se exclui a responsabilidade da seguradora, mas delimita-se o âmbito do risco coberto pelo contrato de seguro. Como refere Pinto Monteiro a propósito das frequentemente apelidadas «Exclusões» constantes das referidas gerais e especiais, «trata-se, neste caso, de cláusulas destinadas a definir o objeto do contrato, precisando o seu conteúdo e extensão, ao abrigo da liberdade contratual, na sua vertente de liberdade de modelação (art. 405º). Não estamos, pois, perante uma cláusula de irresponsabilidade (ainda que impropriamente se empregue, muitas vezes, essa expressão) quando o escopo das partes é precisar o conteúdo da prestação ou balizar os limites da relação contratual, mediante o afastamento expresso de certa obrigação» (obra citada, p. 117). 22. Cfr. Ac. do STJ de 24/01/2018 (relatora Graça Amaral), in www.dgsi.pt. e Sara Cristina Ermida Cravo, As Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Civil inseridas em Contratos de Adesão, Coimbra, 2015, Dissertação conducente ao grau de Mestre, p. 39, https://eg.uc.pt/bitstream/10316/35004/1/As%20Clausulas%20de%20Exclusao%20e%20Limitacao%20da%20Responsabilidade%20Civil%20inseridas%20em%20Contratos%20de%20Adesao.pdf. Pedro Romano Martinez ilustra estes casos com o exemplo de um contrato de seguro de incêndio em que se prevê a exclusão de cobertura das usuais causas de incêndio (curto-circuito, raio, rebentamento de bombas e foguetes, etc) – cfr. Direito dos Seguros, Principia, abril/2006, p. 96. 23. Cfr. Contrato de Seguro (…), p. 335. 24. Refira-se que a solução jurídica firmada no Acórdão da Relação do Porto – e não da Relação de Lisboa – citado pela apelante [de 19/12/2012, (relator Teles de Menezes), proferido no processo n.º. 2198/11.3TBPVZ.P1], não é transponível para a situação em apreço nos presentes autos, pois naquele recurso interposto já não estava em causa apurar se os factos alegados pelo A., não estavam cobertos pelo contrato de seguro celebrou com a seguradora, mas tão só da aplicabilidade do art. 492.º, n.º 1, do CC à situação dos autos. |