Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7850/22.5T8BRG.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
COMUNICAÇÃO
DOMICÍLIO CONVENCIONADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Dos arts. 9º e 10º NRAU podemos retirar o seguinte regime:
a) a comunicação na qual o senhorio informa o arrendatário de que não pretende a renovação do contrato tem de ser feita por escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção;
b) a carta em questão deve ser dirigida para o local arrendado, a não ser que exista indicação por escrito em contrário do arrendatário;
c) uma cláusula contratual a definir morada diferente para as comunicações entre os contraentes preenche esse conceito;
d) o art. 10º,1,b NRAU considera que a carta a comunicar a intenção de oposição à renovação do contrato se considera recebida ainda que o aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário;
e) o nº 2 estabelece uma excepção a essa regra, e uma excepção à excepção, dizendo que essa presunção (de concretização da comunicação) não se aplica às cartas que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respectivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior”.
f) o regime legal entende-se assim: para evitar artimanhas e subterfúgios nas comunicações entre as partes, o legislador presume em geral que a carta a comunicar a denúncia (e enviada para a morada legal) se considera eficaz ainda que o aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. Mas nos casos socialmente mais melindrosos (despejo) essa regra já não vale. Volta porém a valer, desde que exista domicílio convencionado e a carta tenha sido enviada para esse domicílio convencionado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

AA, residente em Estrada ..., ..., ..., ... ..., intentou a presente acção de despejo (declarativa constitutiva sob forma de processo comum) contra BB, residente na Rua ...., ... ..., pedindo a declaração de cessação, por caducidade, do contrato de arrendamento urbano celebrado entre ambas, sendo a ré condenada a proceder à desocupação do imóvel arrendado, devendo o mesmo ser entregue à autora livre e devoluto de pessoas e bens.
Para tanto, em síntese, alegou que celebrou com a ré um contrato de arrendamento para habitação, com prazo certo, que teve por objecto o seu imóvel melhor identificado no art. 1.º da petição inicial, contrato este que veio a renovar-se sucessivamente, sendo que a sua segunda renovação terminou em 30/11/2022, tendo a autora, em 26/7/2022, enviado à ré uma carta registada com aviso de recepção a manifestar a sua oposição à renovação, carta esta que a ré recebeu, em 27/7/2022, não tendo, contudo, desocupado o locado até à data da interposição da acção.

Tendo sido citada, a ré deduziu contestação onde, em suma, alegou que não recebeu a carta de oposição à renovação.

Findos os articulados foi proferido o despacho saneador, e após realizou-se a audiência de julgamento, que decorreu com observância das formalidades legais.

Foi então proferida sentença, que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré do pedido.

Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
(a) Através de Sentença proferida em 30 de Maio de 2023, o Tribunal a quo decidiu que “E se é certo que foi convencionado um domicílio, nos termos da cláusula 14.ª do contrato de arrendamento, conclui-se que o mesmo não foi afinal observado pela autora pois que, tendo-se convencionado no contrato que a ré tinha morada na Rua ..., ..., e que era nessa morada que se presumiriam recepcionadas as missivas, a autora acabou por enviar a missiva de oposição à renovação para a morada do locado.”;
(b) E, por fim, proferiu decisão no sentido de “(…) julgar totalmente improcedente a presente acção, absolvendo a ré do pedido que contra si foi deduzido pela autora”;
(c) Contudo, não podemos concordar com a decisão, porque a Recorrente cumpriu todos os pressupostos de notificação da Recorrida, nos termos do disposto pelos artigos 9.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea b) do NRAU, tendo notificado a Ré na morada convencionada;
(d) O contrato de arrendamento, que consta do ponto B da factualidade provada, assinado por Recorrente e Recorrida, convenciona no n.º 1 da sua cláusula 14.ª o seguinte: “Salvo quando a lei estabeleça coisa diferente, todas as comunicações entre os aqui contraentes deverão ser efectuadas para os endereços que constam do cabeçalho do presente contrato, por meio de carta registada e com aviso de recepção”;
(e) Com o devido respeito, a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que declarou improcedente a acção de despejo deduzida pela Recorrente e, em consequência, absolveu a Recorrida do pedido, não fez a correcta aplicação do Direito, desconsiderando a presunção de recepção dada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do NRAU;
(f) A Recorrente enviou em 26.07.2022 carta regista com aviso de recepção a opor-se à renovação do contrato de arrendamento à Recorrida, ao abrigo da Lei n. º 43/2017, de 14/06, nomeadamente no que ao artigo 9.º e 10.º do NRAU diz respeito;
(g) Portanto, e na medida em que no contrato de arrendamento foi acordado domicílio convencionado nas moradas Rua ...., ... e Rua ..., ..., ..., ambas da freguesia ... (...), concelho ..., a comunicação para a segunda morada, comunicação realizada em conformidade com o previsto nos artigos 9.º n.º 1 e 10. º n. º 1 alínea b) do NRAU, produziu o seu efeito, sem qualquer nulidade prevista na lei;
(h) Uma vez que a excepção prevista no n.º 2 alínea b) do mesmo artigo 10. º apenas se aplica nos casos em que não existe domicílio convencionado no contrato de arrendamento, o que não é o caso;
(i) Assim sendo, considera-se a comunicação enviada à Recorrida válida e eficaz, produzindo todos os seus efeitos legais, pelo que a resolução do contrato se concretizou a 30.11.2022, mesmo que a carta tenha sido recebida por terceiro;
(j) Assim, o Tribunal a quo não deveria ter declarado improcedente a acção com fundamento na falta de eficácia da comunicação da oposição à renovação pela Senhoria à Arrendatária, uma vez que a Senhoria, aqui Recorrente, cumpriu os requisitos constantes dos artigos 9.º e 10.º do NRAU, para efeitos de comunicação de resolução de contrato de arrendamento;
(k) Analisada a contestação, nem mesmo a Recorrida veio opor-se à utilização da morada do locado, objecto do presente processo, como morada contratualmente convencionada;
(l) Consequentemente, está a decisão recorrida em clara violação com as normas dos artigos 9. º e 10. º do NRAU.
(m) Para além disso, pugna-se pela nulidade da sentença, porquanto é obscura e ininteligível quanto à disposição legal que o Tribunal a quo utilizou para proferir a decisão aqui recorrida;
(n) Dado que, por um lado considera que existe morada convencionada, mas também equaciona a possibilidade de se aplicar a excepção do n.º 2 do artigo 10.º do NRAU, que só é aplicável em casos onde o contrato de arrendamento não tenha disposições sobre acordo de moradas para efeitos de comunicação entre contraentes.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se a autora conseguiu denunciar validamente o contrato de arrendamento.

III
A sentença considerou provados os seguintes factos:

A. A autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano localizado na Rua ..., ..., ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito da respectiva matriz predial sob o artigo n.º ...04... e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...13....
B. Em 24 de Novembro de 2011, Autora e Ré celebraram entre si o contrato de arrendamento urbano para fim habitacional com prazo certo que consta de fls. 8 a 10 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo por objecto o imóvel melhor descrito em A., com início no dia 1 de Dezembro de 2011, pelo período de 5 (cinco) anos, sucessivamente renovável por idênticos períodos de 3 (três) anos.
C. Em 26 de Julho de 2022, a autora enviou, por carta registada com aviso de recepção dirigida à ré e para a morada sita na Rua ..., ..., ..., ... ..., a missiva que consta de fls. 14, cujo teor aqui se dá por reproduzido, comunicando a sua intenção de oposição à renovação do contrato referido em B., tendo a referida carta sido recebida por terceira pessoa.
D. A Ré não desocupou o imóvel até à data.
E. O imóvel referido em A. é a casa de morada de família da Ré.

Factos Não Provados (com relevância para a causa):
1. A carta referida em C foi recepcionada pela ré e em 27 de Julho de 2022.

IV
Conhecendo do recurso.
Estando a questão a decidir bem delimitada, vamos de imediato apreciá-la.
No contrato de arrendamento celebrado entre autora e ré constam as seguintes cláusulas:
Cláusula nona: 1. O primeiro outorgante goza da faculdade de opor-se à renovação e denunciar o presente contrato, desde que o comuniquem por escrito à outra parte, nos termos gerais.
Claúsula décima quarta: 1. Salvo quando a lei estabeleça coisa diferente, todas as comunicações entre os aqui contraentes deverão ser efectuadas para os endereços que constam do cabeçalho do presente contrato, por meio de carta registada com aviso de recepção. 2. Qualquer alteração aos endereços dos aqui outorgantes deverá ser comunicada imediatamente aos demais, também por carta registada com aviso de recepção, sob pena de tal alteração lhes ser inoponível e se presumir ter sido recepcionado, para todos os efeitos legais e contratuais, toda a correspondência que for regularmente expedida para o domicílio aqui convencionado.  

A lei aplicável é, como bem se refere na sentença recorrida, o disposto nos arts. 1092º e seguintes CC e o NRAU.
O regime do NRAU foi aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27-02, cujo nº 1 do art. 59º estabeleceu que o NRAU se aplicava “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.
O art. 1096º,1 CC, na redacção da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, dispõe que “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
Nos termos do art. 1097º,1 CC, “o senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: (…)
Continua a sentença recorrida assim: “nos termos do art. 1096.º do Código Civil, tendo o referido contrato sido celebrado com prazo certo, renovou-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de três anos, por assim ter sido expressamente previsto no seu clausulado, do que decorre que, findo o prazo inicial do contrato, ocorrido em 1/12/2016, se tivesse verificado uma primeira renovação com terminus a 1/12/2019 e uma segunda com terminus a 1/12/2022”.
Também já sabemos que em 26 de Julho de 2022 a autora enviou carta registada com aviso de recepção dirigida à ré e para a morada sita na Rua ..., ..., ..., ... ..., comunicando a sua intenção de oposição à renovação do contrato referido em B., tendo a referida carta sido recebida por terceira pessoa.
E igualmente sabemos que a ré não aceitou essa denúncia, dizendo que não a recebeu.
A sentença recorrida considerou que o direito de denúncia não foi validamente exercido, com os seguintes argumentos: primeiro, a carta (registada e com aviso de recepção) foi enviada para o local arrendado, em obediência ao art. 9º,1 NRAU, mas a carta não foi recebida pela ré, mas sim por terceira pessoa; segundo, não se pode usar a presunção constante do art. 10º,1,b NRAU, atento o disposto no art. 10º,2,b NRAU (quando a comunicação possa servir de base ao procedimento especial de despejo); e terceiro, acresce ainda que apesar de no contrato (cláusula 14ª) ter sido convencionado um domicílio, que era na Rua ..., ..., a autora acabou por enviar a missiva de oposição à renovação para a morada do locado.

Contra este raciocínio vem agora a recorrente manifestar-se, dizendo, em síntese, que não pode concordar com a decisão, porque, afirma, cumpriu todos os pressupostos de notificação da Recorrida, nos termos do disposto pelos artigos 9.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea b) do NRAU, tendo notificado a Ré na morada convencionada. E a sentença recorrida terá desconsiderado a presunção de recepção dada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do NRAU.
Ora bem.
O primeiro lapso da recorrente ocorre quando esta afirma que notificou a ré na morada convencionada.
Só por lapso se pode proferir tal afirmação, pois lendo o cabeçalho do contrato a única morada que dele consta como sendo a da ré BB é a Rua ..., .... A carta foi enviada para a Rua ..., ..., ..., ... ..., morada esta que de facto aparece no cabeçalho do contrato, mas não como sendo a da ré, mas sim como sendo a de CC, que nem sequer é parte nesta acção.
Portanto, apesar do que afirma a recorrente, é incontroverso que a carta não foi enviada para o domicílio contratualmente convencionado. O que, só por si, marca o destino da pretensão.
Afirma também a recorrente, embora ancorada na afirmação errónea de que enviou a carta para a morada contratualmente convencionada, que essa comunicação foi realizada em conformidade com o previsto nos artigos 9º,1 e 10º,1,b NRAU, e produziu o seu efeito, uma vez que a excepção prevista no nº 2 alínea b) do mesmo artigo 10. º apenas se aplica nos casos em que não existe domicílio convencionado no contrato de arrendamento, o que não é o caso.
Vejamos então o regime que se retira dessas duas extensas disposições.
O art. 9º,1 (na redacção da Lei n.º 43/2017, de 14 de Junho com início de vigência a 15 de Junho de 2017) dispõe que “salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção”.
O nº 2 acrescenta que “as cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado”.

O nº 7 dispõe: “A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efectuada mediante:
a) Notificação avulsa;
b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.

O art. 10º (na redacção da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, com início de vigência a 13 de Fevereiro de 2019), sob a epígrafe “Vicissitudes”, dispõe, para o que agora nos interessa, que:
“1. A comunicação prevista no nº 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;
b) O aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2. O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) …
b) … possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respectivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior”.

Procurando resumir este regime legal para o caso concreto, podemos dizer que a comunicação na qual o senhorio informa o arrendatário de que não pretende a renovação do contrato tem de ser feita por escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção. A carta em questão deve ser dirigida para o local arrendado, a não ser que exista indicação por escrito em contrário do arrendatário. Ora, no caso dos autos existe, como vimos, cláusula contratual a definir morada diferente para as comunicações entre os contraentes, que é a Rua ..., .... Diga-se o que se disser, as partes acordaram que todas as comunicações entre elas seriam feitas nos termos definidos na cláusula contratual supra referida. Essa cláusula contratual tem de ser entendida como a “indicação por escrito em contrário” constante do art. 9º,2 NRAU.
E a autora não respeitou essa cláusula, enviando a carta para a morada correspondente ao locado.
Logo por aí, a acção improcede.
Mas continuemos.
Vimos também que a referida carta que a autora enviou a comunicar a sua intenção de oposição à renovação do contrato foi recebida por terceira pessoa. O art. 10º,1,b NRAU estatui, em geral, que a comunicação (enviada da forma prevista na lei para o locado ou para a morada convencionada) se considera realizada ainda que o aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
Mas logo a seguir o nº 2 estabelece uma excepção a essa regra, dizendo que essa presunção (de concretização da comunicação) não se aplica às cartas que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respectivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior”[1].
Que é, flagrantemente, o caso dos autos
Mas se bem repararmos, a parte final do texto legal contém uma excepção à excepção, que faz com que o regime possa ser assim explicado: o legislador, para evitar artimanhas e subterfúgios nas comunicações entre as partes, presume em geral que a carta a comunicar a denúncia (e enviada para a morada legal) se considera eficaz ainda que o aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. Mas o legislador preocupou-se ainda em garantir que essa regra não seja aplicável aos casos socialmente mais melindrosos, e por isso determinou que a mesma não se aplica às cartas que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14º-A e 15º.
Mas logo a seguir estabeleceu uma excepção à excepção, levando a que a presunção de realização da comunicação se mantenha ainda que a carta se destine ao procedimento especial de despejo, desde que exista domicílio convencionado, nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior”. E, claro, desde que a carta tenha sido enviada para esse domicílio convencionado.
Mas também esta excepção não se aplica ao caso dos autos, pois a alínea c) do n.º 7 do artigo anterior aplica-se exclusivamente à comunicação destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil. Não é o que se passa nestes autos.
Em síntese, a autora não respeitou a morada convencionada pelas partes no contrato, pelo que a carta enviada para morada diferente, e assinada por terceira pessoa que não a locatária, não preenche os requisitos legais de oposição válida à renovação do contrato.
Para terminar uma breve nota para afastar a afirmação de que a sentença padeceria de nulidade, por ser obscura e ininteligível quanto à disposição legal que o Tribunal a quo utilizou para proferir a decisão aqui recorrida, dado que, por um lado considera que existe morada convencionada, mas também equaciona a possibilidade de se aplicar a excepção do n.º 2 do artigo 10.º do NRAU, que só é aplicável em casos onde o contrato de arrendamento não tenha disposições sobre acordo de moradas para efeitos de comunicação entre contraentes.
Deixemos as nulidades em sossego, pois não há qualquer indício de nulidade na sentença recorrida. O que poderia haver, se aquilo que a recorrente afirma fosse verdade, seria erro de direito, ou erro de julgamento, que nada tem a ver com o conceito de nulidade.
Mas como explicámos não vemos qualquer erro: pelo contrário a sentença recorrida aplicou bem o direito ao caso sub judice.

O recurso improcede na íntegra.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 30/11/2023

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Raquel G. C. Batista Tavares)
2º Adjunto (Alexandra Rolim Mendes)



[1] O artigo 15º do NRAU regula o procedimento especial de despejo e define-o, no seu nº 1, como o “meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”, prevendo, no nº 2, quais os documentos que servem de base ao procedimento, entre os quais, na alínea c), o contrato de arrendamento e a comunicação prevista no artigo 1097º nº1 para a cessação do contrato por oposição à renovação.