Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
198/15.3T9PTL.G1
Relator: ALDA CASIMIRO
Descritores: DIFAMAÇÃO AGRAVADA
CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO
JUÍZOS DE VALOR
EPÍTETOS
ARTº 180º Nº 1 DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Não preenche a causa de exclusão da ilicitude prevista no artº 180º, nº 1, do CP, a conduta de uma arguida que apelidou um médico (que havia prestado assistência a um seu familiar) de incompetente e mal educado, tendo-lhe ainda chamado frustrado e insatisfeito.

II) É que tal comportamento não é de molde a ser considerado como tendo na base qualquer causa de justificação.

III) Desde logo porque extravasa o necessário para efetuar uma reclamação apresentada por escrito pela arguida por se mostrar insatisfeita com os termos da assistência e da postura do assistente/médico e, depois, porque não estamos apenas perante a imputação de factos, mas perante epítetos e juízos de valor.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães,

Relatório

No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Singular e nº 198/15.3T9PTL que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Ponte de Lima (J1), do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, foi a arguida
M. M., solteira, enfermeira, nascida a 10.8.1969, em Arcos de Valdevez, filha de L. M. e de M. F., residente no Lugar de …, Arcos de Valdevez, condenada, pela prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180º, nº 1 e 184º, com referência ao art. 132º, nº 2, alínea l), todos do Cód. Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de sete euros
E na procedência parcial do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/demandante C. V. contra a arguida/demandada ficou esta condenada a pagar ao demandante a quantia de 500,00€ (quinhentos euros), acrescida de juros de mora, contados desde a data da decisão e até integral pagamento.

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Sem se conformar com a decisão, a arguida interpôs recurso pedindo a revogação da sentença recorrida.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
1- A Recorrente foi condenada pela prática de um crime de difamação agravada na pessoa do médico C. V., p. e p. pelo artigo 190º, n.º 1, 184º e 132º, n.º 2 al. l) todos do C.P. na pena de 100 dias de multa à taxa diária de sete euros.
2- O tribunal a quo julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e condenou a recorrente a pagar ao demandante a quantia global de 500,00 euros a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados desde a data da decisão até integral pagamento.
3- O TRIBUNAL A Quo, após a audição da arguida e do assistente, bem como da documentação junta aos autos, designadamente o teor de fls. 7 a 10 e 41 a 47, 95 e 108, a saber o escrito realizado pela arguida e respostas dadas pela instituição hospitalar, resposta do assistente e informação acerca da situação profissional do assistente, considerou provada, a seguinte matéria de facto:
· Que o Assistente C. V. exerce a profissão de médico, no serviço de medicina da Unidade Local De Saúde, em regime de contrato em funções públicas por tempo indeterminado.
· Que no âmbito da sua actividade profissional prestou assistência médica, observando no dia 27.10.2014, o paciente L. M., pai da arguida M. M., internado que se encontrava no Hospital;
· Que insatisfeita com os termos da assistência e da postura do assistente, a arguida apresentou reclamação escrita naquela unidade hospitalar no dia 28.10.2014, onde referindo-se ao assistente sustentou:
“no dia 27.10.2014 pelas 16h a minha irmã achou o meu pai, utente internado nessa instituição no piso 4, serviço de medicina 2, não se encontrava bem, estava mais parado e não respondia à chamada, pelo que chamou a enfermeira para ver se chamava o Dr. que ficou de vir quando pudesse já que para ele não era um caso urgente e ele estava de serviço de urgência. Quando chegou, por volta das 19h, estava a minha outra irmã e um sobrinho no quarto do meu pai, o Dr entrou e só disse para saírem do quarto. Entretanto eu acabo de chegar, entrei o Dr nem olhou para mim só disse para sair do quarto, saí para o corredor e o Dr disse para sairmos do corredor, afastámo-nos para o lado, nem tinha passado um minuto quando o Dr. saiu do quarto, no corredor não o ouvimos falar com o meu pai (o meu pai estava prostrado e tem diminuição da acuidade auditiva) não parou. Então eu perguntei-lhe pelo meu pai e o Dr continuou a andar e respondeu alto “vão perguntar ao médico de família que eu não sou médico de família desse doente” que eu saiba, um doente internado não está sob a alçada dos cuidados do médico de família, o médico responsável é o do serviço de internamento. Mais ninguém soube dar qualquer informação sobre o que tinha acontecido ao meu pai a partir daquela hora.
Agora eu pergunto-me como é que podemos ir para casa e deixar o nosso familiar internado quando sentimos insegurança com os cuidados e duvidosa competência médica??? Não deve um médico competente informar os familiares sobre a situação de doença do seu familiar? Que foi que esse Dr observou ou detectou na visita relâmpago que fez ao meu pai?
Espero ter conseguido manifestar todo o meu desagrado com o comportamento desse médico, porque para além de ser um incompetente como médico, é uma pessoa extremamente mal-educada.
Penso que deveria seriamente pensar em arranjar outra profissão, que pelo menos o satisfaça pois não passa de uma pessoa frustrada e insatisfeita, mas ninguém tem culpa muito menos os doentes, porque eles apenas querem ser bem cuidados”;
· Que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta, afetando e denegrindo e honra e bom nome do assistente enquanto médico, visando-o nessa qualidade e no exercício das respetivas funções, tecendo comentários e formulando juízos de valor ofensivos da honra do mesmo.
· Que em virtude da conduta da arguida o assistente sentiu-se incomodado, aborrecido e indignado.
· Que a arguida admitiu ter escrito as palavras supra referidas, reiterando em julgamento que foi o que achou da conduta do médico naquela situação, embora reconheça que se terá excedido nalgumas das palavras que escreveu.
4- O TRIBUNAL A Quo, após a audição da arguida e das testemunhas, considerou não provada, a seguinte matéria de facto:- que o assistente tenha sofrido grande humilhação, vexame, tristeza e grande desconsideração. [- que a situação tenha sido comentada no seu meio pessoal e profissional, afetando o seu sossego e tranquilidade.
5- Para formar a sua convicção, o tribunal a quo veio dizer que quanto à prova da factualidade exposta, esta baseou-se na análise crítica e conjugada das declarações da arguida e assistente bem como a documentação junta aos autos, designadamente, o teor de fls. 7 a 10 e 41 a 47, 95 e 108 – a saber, o escrito realizado pela arguida e respostas dadas pela instituição hospitalar resposta do assistente e informação acerca da situação profissional do assistente.
6- Ora, salvo o devido respeito, o tribunal a quo julgou incorretamente os referidos factos e a sua subsunção ao direito, ao considerar estarem preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do tipo do crime de difamação.
7- No entender da arguida existe um erro notório na apreciação da prova e da Falta de Preenchimento de elementos do Tipo de Crime.
8- Em abono da verdade, atenta a prova produzida, entende a aqui recorrente que o Tribunal a quo não poderia dar como provado o seguinte: .-Que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta, afetando e denegrindo e honra e bom nome do assistente enquanto médico, visando-o nessa qualidade e no exercício das respetivas funções, tecendo comentários e formulando juízos de valor ofensivos da honra do mesmo.
9- Relativamente ao facto de a arguida admitir que efetivamente escreveu a reclamação, na qual se refere ao assistente como sendo incompetente, deverá dizer-se que de facto a arguida no depoimento prestado refere que no seu entender naquele momento era obrigação do médico informar os familiares do doente sobre o seu estado, uma vez que o seu pai que se encontrava internado no serviço não estava na faculdade de poder entender o que o médico teria a dizer. Pelo que a informação teria de ser prestada aos familiares por aquele médico e não pelo médico de família ou o médico assistente que ali não se encontrava, e que foi a razão pela qual o assistente foi solicitado para atender à emergência.
10- A arguida também referiu que no seu ponto de vista a forma como o assistente atendeu o seu pai, a fez duvidar da sua competência, e que o mesmo apenas esteve um minuto no quarto com o doente, e que não perguntou nada aos familiares sobre o estado em que o mesmo se encontrava anteriormente para poder averiguar a situação e que com a sua reclamação não pretendeu ofender o assistente ao apresentar a reclamação. Na verdade a mesma pretendeu apenas apresentar reclamação sob a forma como o assistente se comportou, a sua atitude naquele momento em que veio avaliar seu pai, aqui recorrente, e em relação à forma como interagiu com todos os familiares.
11- tendo em conta o supra referido, as passagens em que se funda a impugnação e que devem ser ouvidas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (artigo 412º n.º 6) são as seguintes: depoimento da arguida prestado no dia 22-02-2017 de minutos-15:19:11 a minutos 15:50:46
12- Face ao depoimento prestado pela arguida, o Tribunal a quo não pode dar como provado que “a arguida atuou sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta”, atuou outrossim no uso e dentro limites do exercício do direito de reclamação.
13- Por outro lado, face ao depoimento espontâneo e credível da arguida, entende a aqui recorrente que a reclamação e o substrato fáctico não permitia ao tribunal a quo considerar que a conduta da arguida configura a prática de um crime de difamação agravada.
14- Com efeito, e parafraseando o Digníssimo Procurador do Ministério Público: - devidamente contextualizas as expressões em causa, (que não se subsumem a soezes impropérios), o teor da reclamação fica muito mais claro e a conduta da arguida mais compreensível depreendendo-se, sob o ponto de vista de um objetivo e adequado bom senso, que a mesma não teve o intuito de atingir a honra do assistente pois tão somente reclamou e criticou o modo como o seu pai e os familiares presentes (incluindo a própria) foram tratados. E como sentiu que o seu pai não foi bem assistido e a própria não foi bem atendida, nomeadamente pelo assistente Dr. C. V., porquanto deduz-se que esperava mais deste ou, pelo menos, teceu as expressões inicialmente referidas que, no muito específico contexto em que se inserem, não ultrapassam o limite do direito de reclamação, da liberdade de expressão, nele ínsito, e do exercício de cidadania e de opinião que lhe é inerente, não descambando, assim, o caso concreto para o crime de difamação.
15- É que apesar da arguida ter admitido ter escrito a reclamação junta aos autos, a mesma depôs no sentido e na convicção de estar a exercer o seu direito de reclamação, perante a actuação do médico, naquele momento.
16- Assim, face ao texto da sentença recorrida, verifica-se que o tribunal a quo julgou incorrectamente os referidos factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova, resultando um erro notório na apreciação da prova, a que aludem as alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ocorrendo a Falta de Preenchimento de elementos do Tipo de Crime de difamação.
17- Para que um facto ou um juízo possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devidas a qualquer pessoa, deve constituir comportamento objetiva e eticamente reprovável de forma que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando, assim, a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento.
18- No presente caso, os factos mostram que estamos perante uma pessoa, a arguida, que escreveu no livro de reclamações do hospital, manifestando o seu desagrado pela conduta e atendimento de um médico, o aqui assistente, no momento em que o mesmo se deslocou ao serviço onde estava internado o pai da arguida, para o avaliar.
19- Ora, as expressões proferidas pela arguida, às quais apenas tiveram acesso os superiores do assistente no âmbito do processo de averiguações a que este foi sujeito no hospital, devem ser enquadradas num contexto de desacordo e de comoção por parte da arguida que havia passado pela perda da mãe há cinco meses e não podem ter outro sentido que não a de manifestação de desagrado, não assumindo carácter injurioso.
20- Decidindo de modo diverso, a douta sentença ofendeu o disposto no artigo 180º, n.º 1, 184º, e 132º, n.º 2, al. l) todos do Código Penal.
21- Nos termos do previsto no artigo 180º, n.º 2 al. b) do Código Penal, a conduta não é punível quando a imputação for feita para realizar interesses legítimos e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira
22- Ora conforme ficou bem patente no depoimento prestado pela arguida, a mesma reputou como verdadeiro naquele momento que de facto o assistente estava insatisfeito, frustrado, e foi apenas naquele momento que se cingiu a sua reclamação.
23- O próprio assistente referiu que foi chamado para o serviço para avaliar o doente, por “pressão da família”, demonstrou ser verdade que estava insatisfeito e frustrado por ter sido chamado, uma vez que não verificou a alteração do estado clínico do doente, e que apenas ali se deslocou porque havia uma pressão muito grande da família para o doente ser visto, conforme consta do depoimento prestado pelo assistente no dia 22-02-2017 de minutos 15:51:47 a 16:11:45 e no dia 9-03-17 de 11:31:17 a minutos 11:53:44, em que se funda a impugnação e que devem ser ouvidas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (artigo 412º n.º 6)
24- No seu depoimento, o assistente confirmou que não falou com os familiares, que não era sua obrigação fazê-lo, apesar de ter referido que foi de facto questionado por um familiar, mas que não lhe prestou qualquer informação por não ter essa obrigação,
25- Entende a aqui recorrente que no caso concreto, e admitindo por hipótese que se encontravam preenchidos os elementos do tipo do crime de difamação, o que não é o caso, e apenas se refere a título de raciocínio jurídico, sempre teria ocorrido uma causa de justificação prevista no n.º 2 do artigo 180º do Código Penal, pois ao escrever a reclamação e as expressões utilizadas, a arguida reputou as mesmas como sendo verdadeiras, conforme vem perfilhado no Ac. TRL de 6-04-2005
26- Acresce que contextualizando as expressões utilizadas com a conduta do arguido, verifica-se que de facto, a arguida relatou factos e procurou demonstrar o que motivou a sua reclamação, e que ao médico na sua relação com os familiares, designadamente na falta de prestação da informação sobre o estado clínico do doente (que não se encontrava no uso das suas plenas capacidades), na breve avaliação que fez ao pai da arguida sem perguntar aos familiares o que havia acontecido ao doente, faltou de facto no entender da aqui arguida competência ao médico, aqui assistente,
27- A arguida considerou o assistente mal-educado, pois referiu que o mesmo gritou alto e bom som e por diversas vezes aos familiares para eles saírem do quarto, e não olhou sequer para os familiares, incluindo a arguida, e não respondeu às suas questões quando abordado no corredor, pela aqui arguida e com tal atitude, entendeu a arguida que o assistente foi mal educado e manifestou estar insatisfeito e frustrado por ter sido ali chamado.
28- Por outro lado, sempre se dirá ainda que em face da verificação da causa de exclusão, não poderia ter o Tribunal a quo condenado a Arguida no pedido cível formulado pelo assistente, até porque não foi feita qualquer prova nos presentes autos de que o assistente se tenha sentido incomodado, aborrecido e indignado,
29- Pelo que atendendo às circunstâncias acima expostas, deveria a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra mais justa que absolva a arguida.
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O assistente/demandante C. V. contra-alegou, rebatendo as questões colocadas pela arguida em sede de recurso e pugnando pela manutenção do decidido, ainda que sem apresentar conclusões.
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O Ministério Público junto da primeira instância pronunciou-se pela procedência do recurso.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer em que defende a improcedência do recurso, depois de analisar cuidadosamente todos os pontos do mesmo.
A arguida respondeu ao Parecer, renovando o teor da motivação.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação

Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1. O assistente C. V. exerce a profissão de médico, no serviço de medicina da Unidade Local De Saúde, em regime de contrato em funções públicas por tempo indeterminado;
2. No âmbito da sua actividade profissional prestou assistência médica, observando no dia 27.10.2014, o paciente L. M., pai da arguida M. M., internado que se encontrava no Hospital;
3. Insatisfeita com os termos da assistência e da postura do assistente, a arguida apresentou reclamação escrita naquela unidade hospitalar no dia 28.10.2014, onde referindo-se ao assistente, sustentou:
“No dia 27.10.2014 pelas 16h a minha irmã achou o meu pai, utente internado nessa instituição no piso 4, serviço de medicina 2, não se encontrava bem, estava mais parado e não respondia à chamada, pelo que chamou a enfermeira para ver se chamava o Dr., que ficou de vir quando pudesse já que para ele não era um caso urgente e ele estava de serviço de urgência. Quando chegou, por volta das 19h, estava a minha outra irmã e um sobrinho no quarto do meu pai, o Dr. entrou e só disse para saírem do quarto. Entretanto eu acabo de chegar, entrei o Dr. nem olhou para mim só disse para sair do quarto, saí para o corredor e o Dr. disse para sairmos do corredor, afastámo-nos para o lado, nem tinha passado um minuto quando o Dr. saiu do quarto, no corredor não o ouvimos falar com o meu pai (o meu pai estava prostrado e tem diminuição da acuidade auditiva), não parou. Então eu perguntei-lhe pelo meu pai e o Dr. continuou a andar e respondeu alto “Vão perguntar ao médico de família que eu não sou médico de família desse doente”. Que eu saiba, um doente internado não está sob a alçada dos cuidados do médico de família, o médico responsável é o do serviço de internamento. Mais ninguém nos soube dar qualquer informação sobre o que tinha acontecido ao meu pai a partir daquela hora.
Agora eu pergunto-me como é que podemos ir para casa e deixar o nosso familiar internado quando sentimos insegurança com os cuidados e duvidosa competência médica??? Não deve um médico competente informar os familiares sobre a situação de doença do seu familiar? Que foi que esse Dr. observou ou detectou na visita relâmpago que fez ao meu pai?
Espero ter conseguido manifestar todo o meu desagrado com o comportamento desse médico, porque para além de ser um incompetente como médico, é uma pessoa extremamente mal-educada.
Penso que deveria seriamente pensar em arranjar outra profissão, que pelo menos o satisfaça pois não passa de uma pessoa frustrada e insatisfeita, mas ninguém tem culpa muito menos os doentes, porque eles apenas querem ser bem cuidados”;
4. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta, afectando e denegrindo a honra e bom nome do assistente enquanto médico, visando-o nessa qualidade e no exercício das respectivas funções, tecendo comentários e formulando juízos de valor ofensivos da honra do mesmo.
5. Em virtude da conduta da arguida o assistente sentiu-se incomodado, aborrecido e indignado.
6. Foi aberto um processo de averiguações que acabou por ser arquivado.
7. A arguida é enfermeira.
8. É solteira.
9. Aufere 1190,00€ mensais.
10. Vive em casa própria despendendo cerca de 200,00€ mensais no pagamento de prestação ao banco.
11. A arguida admitiu ter escrito as palavras supra referidas, reiterando em julgamento que foi o que achou da conduta do médico naquela situação, embora reconheça que se terá excedido nalgumas das palavras que escreveu.

Na mesma sentença consideraram-se não provados os seguintes factos:
- que o assistente tenha sofrido grande humilhação, vexame, tristeza e grande desconsideração.
- que a situação tenha sido comentada no seu meio pessoal e profissional, afectando o seu sossego e tranquilidade

A sentença recorrida motivou como segue a decisão de facto:
A convicção do Tribunal quanto à prova da factualidade exposta, baseou-se na análise crítica e conjugada das declarações da arguida e assistente bem como na documentação junta aos autos, designadamente, o teor de fls. 7 a 10 e 41 a 47, 95 e 108 – a saber, o escrito realizado pela arguida e respostas dadas pela instituição hospitalar, resposta do assistente e informação acerca da situação profissional do assistente.
Na verdade, a arguida admite expressamente a autoria dos factos, esclarecendo ao tribunal que escreveu o que sentiu na altura, uma vez que o assistente, em seu entender, não a tratou bem, desprezou-a, e não atendeu o pai como médico, pegando em palavras da arguida “não ligou ao pai, nem a nós.”
A arguida descreve com grande pormenor e emotividade – compreensível, até porque reviveu um episódio ocorrido nos dias prévios ao falecimento do seu pai – o que a levou a escrever o que escreveu, uma vez que o médico, segundo afirma, não ligou nenhuma à situação, não olhou para eles, o que fez com que não se sentisse segura em deixar ali o pai.
Questionada expressamente pelo tribunal, atento o teor das afirmações proferidas, a arguida refere que foi um desabafo, e que olhando para atrás acha que se excedeu, no entanto, reitera que o assistente foi frio, altivo, rude e mal-educado no trato que manteve para com ela e os seus familiares.
Ora, perante este discurso conferimos à arguida a possibilidade de explicar o porquê de chamar incompetente ao assistente, esclarecendo esta que pretendia aludir à avaliação ao pai - rapidíssima e nem com ele falou, segundo diz – e à comunicação à família, pois, entende – até porque é enfermeira – que um médico competente fala com a família e informa o que se passa.
Já relativamente à expressão frustrado e insatisfeito, a arguida, refere que a escreveu porque o médico ao agir como agiu é porque não estava satisfeito, acabando, no entanto, por admitir que teria escrito de forma diferente se fosse hoje.
O tribunal considerou, também, as declarações do assistente, que de forma clara e precisa explicou todo o procedimento que levou a cabo nesta situação, sendo que muito resumidamente e o que extraímos é que perante a chamada das enfermeiras – a pedido da família – e após consulta dos elementos informáticos e depois de as enfermeiras lhe transmitirem que não viam nada de novo no doente, se deslocou, mais tarde, a observá-lo, actuando, como sempre faz, ou seja, mandou sair os familiares (em tom de voz alto) e observou o doente, questionado acerca da duração da observação, explicou que os elementos que tinha consultado e informações dadas pelas enfermeiras, não demandaram mais tempo junto do doente, pelo que saiu e retomou o seu serviço, sendo que questionado por um familiar no corredor, disse para falarem com a médica assistente. Explica o assistente, que assim fez, porque ali foi chamado de urgência, nada viu em relação ao que a Colega já tinha visto às 14h, a médica assistente, pelo que os mandou falar com ela.
Expressamente questionado o assistente refere que não conhecia a arguida, sendo certo, que desta situação resultou um inquérito no hospital, que acabou por ser arquivado, mas que lhe causou aborrecimentos e incómodos, tendo que se explicar de uma situação onde, a seu ver, actuou normalmente e onde, sem motivo algum, foi posta em causa a sua competência profissional e o rotularam como frustrado e insatisfeito.
No que concerne aos factos relativos ao elemento subjectivo do tipo, os mesmos consideraram-se provados face à forma como objectivamente os factos ocorreram, o que permitiu ao tribunal, com recurso a regras da experiência comum, inferir a verificação dos primeiros, note-se que qualquer pessoa percebe, que ao escrever aquelas expressões as mesmas são susceptíveis de ofender a honra de terceiros, tanto mais, que a arguida com uns breves minutos de contacto com o assistente, segundos talvez, acaba por lhe imputar sentimentos de frustração, insatisfação e atestar a sua incompetência como médico.
Mais profere expressões que não têm acolhimento nos factos apurados, é certo, que o médico pode ter sido altivo, pouco simpático no trato, no entanto, a sua competência técnica não nos parece que se possa pôr em causa nesta situação em concreto, aliás, nem foi, a arguida nenhuma acto concreto de negligência aponta, o médico vai ver o doente após consulta dos elementos e auscultação das enfermeiras, observa o que tem a observar, sai e não presta esclarecimentos, pois, nada tem a esclarecer, o doente está na mesma, como atestou, sendo que, quando abordado, manda perguntar ao médico assistente, concluímos nós, nada disse porque nada havia a dizer.
Se devia podia ter agido de forma diferente? Entendo, convictamente, que sim, nada lhe custava dizer – depois de abordado- que tudo estava na mesma, no entanto, esta falha do médico não legitima, a meu ver, a arguida a agir como agiu fazendo uma reclamação onde repetimos lhe chama incompetente, insatisfeito, frustrado e mal-educado.
Relativamente ao estado de espírito e sentimentos do assistente após os factos, o tribunal tomou em linha de conta as suas declarações, sendo certo, que os sentimentos de vexame e humilhação, em momento algum foram referidos ou transpareceram do depoimento do assistente, que de facto, e ao que percebemos e se compreende, ficou aborrecido e incomodado com o ocorrido.
Quanto à determinação das condições pessoais, sociais e económicas da arguida, o Tribunal fez fé nas suas declarações.
No que se refere à ausência de antecedentes criminais, tomou-se em consideração o CRC junto aos autos.
A factualidade dada como não provada ateve-se o tribunal à ausência de prova capaz de nos convencer da ocorrência efectiva de tais factos.
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Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
Assim, a recorrente alega a existência de:
- erro notório na apreciação da prova;
- erro de julgamento;
- erro na integração de direito (falta de preenchimento dos elementos do tipo e existência de causa de justificação).
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A recorrente alega a existência de erro notório na apreciação da prova e de erro de julgamento sem fazer destrinça entre as duas situações, afirmando que o Tribunal a quo não deveria ter dado como provado o elemento subjectivo do tipo em face do teor da reclamação em causa e dos motivos que a determinaram.
O erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal é pacificamente considerado, na doutrina e na jurisprudência, como aquele que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da decisão, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
Neste sentido veja-se o Acórdão do STJ de 9.12.1998 (BMJ 482, p. 68) onde se conclui que “erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta” e o Acórdão do STJ de 12.11.1998 (BMJ 481, p. 325) onde se refere que o erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado, “que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa”.
O erro notório na apreciação da prova não se confunde com o erro de julgamento.
O erro de julgamento consiste em errada apreciação da prova.
Define o art. 124º 1 do Cód. Proc. Penal, o que vale em julgamento como prova, ali se determinando que “constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”. Neste artigo, onde se regula o tema da prova, estabelece-se que o podem ser todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou para a inexistência de qualquer crime, para a punibilidade ou não punibilidade do arguido, ou que tenham relevo para a determinação da pena. A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com excepção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais (só não são permitidas as provas proibidas por lei ou as obtidas por métodos proibidos – arts. 125º e 126º do mesmo Cód.), é afloramento do princípio da demanda da descoberta da verdade material que continua a dominar o processo penal português (Maia Gonçalves, Cód. Proc. Penal, 12ª ed., p. 331).
A prova pode ser directa ou indirecta/indiciária (Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal, II vol., p. 99 ss). Enquanto a prova directa se refere directamente ao tema da prova, a prova indirecta ou indiciária refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
A prova indirecta (ou indiciária) não é um “minus” relativamente à prova directa. Pelo contrário, pois se é certo que na prova indirecta intervêm a inteligência e a lógica do julgador que associa o facto indício a uma regra da experiência que vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar, na prova directa intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho. No entanto, a prova indirecta exige um particular cuidado na sua apreciação, uma vez que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis.
A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova, quer a directa, quer a indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, valorada por si e na conjugação dos vários elementos de prova, analisados de acordo com as regras da experiência.
Com efeito, nos termos do art. 127º do Cód. Proc. Penal, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente” – é o princípio da livre apreciação da prova que, no entanto, “não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” (Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 111).
Defende a recorrente que não poderia ter sido dado como provado o elemento subjectivo do tipo, em face do teor da reclamação em causa e dos motivos que a determinaram.
Considerou o Tribunal recorrido que:
4. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta, afectando e denegrindo a honra e bom nome do assistente enquanto médico, visando-o nessa qualidade e no exercício das respectivas funções, tecendo comentários e formulando juízos de valor ofensivos da honra do mesmo.
Ora quanto ao elemento subjectivo teremos que lembrar que os factos a ele atinentes são inferências que se retiram dos restantes factos provados.
Efectivamente, o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos restantes factos, analisada à luz das regras da experiência comum [ensina Cavaleiro Ferreira – in “Curso de Processo Penal”, Vol. II, 1981, pág. 292 – que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta, como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa; também Malatesta – in “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, págs. 172 e 173 – defende que, exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas (“percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita e, dessas coisas, passa-se a concluir pela sua existência”)].
Cumpre então analisar o texto da reclamação escrita pela recorrente e que foi dado como provado no ponto 3.
Ali, e depois de descrever o episódio de que tinha queixas relativamente à conduta do assistente enquanto médico, a recorrente fez as seguintes considerações: “(…) Espero ter conseguido manifestar todo o meu desagrado com o comportamento desse médico, porque para além de ser um incompetente como médico, é uma pessoa extremamente mal-educada.
Penso que deveria seriamente pensar em arranjar outra profissão, que pelo menos o satisfaça pois não passa de uma pessoa frustrada e insatisfeita, mas ninguém tem culpa muito menos os doentes, porque eles apenas querem ser bem cuidados”
Verificamos, assim, que a recorrente não se limitou a descrever factos e, além de apelidar o assistente como um médico incompetente e mal-educado, ainda lhe chamou frustrado e insatisfeito. Ora sobretudo estes dois últimos epítetos eram completamente escusados e gratuitos e denotam verdadeira intenção ofensiva (apesar da recorrente não o confessar) e não apenas vontade de reclamar e expressar o seu descontentamento com a situação.
Pelo que não podemos deixar de concluir que a recorrente agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e pretendeu ofender o assistente na sua honra e consideração, “afectando e denegrindo a honra e bom nome do assistente enquanto médico, visando-o nessa qualidade e no exercício das respectivas funções, tecendo comentários e formulando juízos de valor ofensivos da honra do mesmo”.
Ou seja, não se verifica nem o vício de erro notório na apreciação da prova, nem erro de julgamento.

Alega ainda a recorrente que não estão preenchidos os elementos do tipo do crime de difamação, uma vez que o seu comportamento não é ética e objectivamente reprovável, considerando que apenas se limitou a mostrar o seu desagrado pelo atendimento do assistente, escrevendo no livro de reclamações do hospital.
A recorrente foi condenada pela prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180º, nº 1 e 184º, com referência ao art. 132º, nº 2, alínea l), todos do Cód. Penal,
O nº 1 do art. 180º do Cód. Penal prevê que “quem dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido (…)”.
O direito à honra e consideração, protegido pela incriminação da difamação no nosso Código Penal, é constituído, basicamente, por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade, tendo consagração constitucional e noutras Leis Fundamentais, como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH).
Honra e consideração, no entanto, são conceitos que não se confundem. A honra tem componente individual ou subjectiva, podendo definir-se como o valor pessoal de cada indivíduo, radicado na sua inviolável dignidade, atributo inato de qualquer pessoa; a consideração envolve uma componente social, devendo entender-se como a reputação que a pessoa tem no seio da comunidade em que se insere.
Assim, a lesão do direito à honra e consideração ocorre quando alguém imputa a outrem um facto, ou formula um juízo, objectivamente adequado a depreciar ou desacreditar, quer individual quer socialmente, a vítima.
Quanto ao tipo subjectivo do ilícito, é ele necessariamente doloso, embora baste o dolo genérico (em qualquer das três modalidades legalmente previstas: directo, necessário ou eventual), sendo assim necessário, mas suficiente, que o agente tenha consciência da aptidão ofensiva das suas palavras ou gestos e ainda assim queira levar a cabo a sua actuação, ou, pelo menos, que admita como possível essa aptidão ofensiva e, não obstante, não se abstenha de agir, conformando-se com a eventualidade de cometer o crime.
Como dissemos, o crime de difamação (enquanto lesão do direito à honra e consideração) ocorre quando a imputação (a outrem) de um facto, ou a formulação de um juízo, é objectivamente adequada a depreciar ou desacreditar a vítima. Significa isto que nem todo o facto ou juízo que envergonha, ou perturba, ou humilha, cabe na previsão do art. 180º do Cód. Penal.
De facto, não deverá ser tida em conta uma hipersensibilidade desproporcionada do lesado relativamente à apreciação da sua própria honra social ou ao seu sentimento individual de honra.
E tem que ser tido em consideração o contexto em que ocorre a “difamação”, de modo a aferir a sua gravidade e a aptidão para lesar a honra e consideração.
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 9.03.2011 (Proc. 45/08.2TACDR.P1) – com que concordamos inteiramente – “muito embora, tanto a descrição típica do crime legal de injúria, como de difamação, não exijam que a correspondente ofensa da honra ou consideração tenham, pela sua natureza, efeitos ou circunstâncias, que ser consideradas como graves, como sucede com o Código Penal Espanhol [art. 208.º, § 2.º], somos de crer que a vinculação constitucional ao citado art. 18.º, n.º 2, estabelece um efectivo critério limitador. Tanto assim é, que a jurisprudência desta Relação, tem vindo paulatinamente a considerar, como sucedeu com o Ac. de 2002/Jun./12, que “É próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que se sente prejudicada por outra, por exemplo, pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função”.
Com efeito, nos termos do art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, sendo necessário compatibilizar o direito da liberdade de expressão (aqui compreendido o chamado “direito à indignação”) com o direito à dignidade, e à protecção da honra e consideração individual de cada um.
Por isso, defende o citado Acórdão da Relação do Porto que “como recentemente se motivou no Ac. de 2008/Nov./05, “Para determinar se certa expressão, imputação ou formulação de juízos de valor têm relevância típica no âmbito dos crimes contra a honra há que considerar o contexto em que o agente actuou, as razões que o levaram a agir como agiu, a maior ou menor adequação social do seu comportamento, etc.”. E continua, dizendo que há casos em que se está naquela margem do nosso relacionamento social, que se deve ter como jurídico-penalmente aceitável, por não revestir, naqueles concretos circunstancialismos, qualquer imputação objectivamente ofensiva da honra ou consideração dos visados.”
No caso dos autos, e como já dissemos, resultou provado que a recorrente não se limitou a descrever factos e, além de apelidar o assistente como um médico incompetente e mal-educado, ainda lhe chamou frustrado e insatisfeito. Ora, como já referimos, sobretudo estes dois últimos epítetos eram completamente escusados e gratuitos, denotando verdadeira intenção ofensiva e de achincalhamento, e não apenas vontade de reclamar e expressar o seu descontentamento com a situação.
Como refere pertinentemente a sentença recorrida:
«Ora, apesar de todo o sofrimento que a arguida estava a passar – pai internado em estado terminal – o certo é que, aquilo que escreveu e atentos os factos concretos, nos leva a concluir que a arguida, efectivamente, se excedeu, ou seja, ultrapassou, com as expressões que escreveu aludindo ao assistente, o direito à indignação, à opinião e à reclamação, como já fizemos constar em sede de motivação de facto, sendo certo, que qualquer pessoa representa, como a arguida representou que aquelas expressões eram ofensivas da honra e consideração do assistente, note-se que a reclamação não foi imediata – o que poderia justificar que, a quente, algum excesso se cometesse – a mesma foi feita no dia seguinte, depois da arguida ter tido tempo para pensar e reflectir sobre o ocorrido.
Mais uma vez, reiteramos que não tinha a arguida qualquer elemento que justificasse classificar o assistente como incompetente como médico – aliás nenhum acto concreto de negligência médica logra apontar - esteve perante ele breves segundos, é certo, que os médicos têm o dever informar os familiares, mas aqui dizemos nós, informar quando há algo para dizer, e aqui não havia, como nos explicou o assistente, pelo que questionado remeteu para a médica assistente – e não de família, como disse a arguida.
Mas mais, como de um tão fugaz episódio pode a arguida extrair que o assistente vive insatisfeito e frustrado? Se isto não ultrapassa os limites do direito à opinião e à reclamação não vislumbramos o que o ultrapassará, não somos alheios ao facto de a um médico ser exigível mais do que competência técnica, reporto-me, como é bom de ver, às competências de humanidade no trato que um profissional de saúde tem que ter, e aqui chegada afirmo abertamente que agiu mal o médico ao tratar a família como tratou, nada lhe custava dizer que estava tudo na mesma, dar uma satisfação, sobretudo, quando foi questionado, mas se disto se pode extrair como extraiu a arguida que a competência médica era duvidosa, que o médico era insatisfeito, frustrado, entendo que não, e é precisamente este excesso que é sancionado por via da presente decisão, sendo certo, que não deixamos de ter em conta a situação de debilidade emocional que a arguida enfrentava no momento, por ver o pai naquela situação, no entanto, de modo algum, esta situação pode justificar o excesso cometido.»
Pelo que forçoso é concluir que as palavras proferidas pela recorrente integram a prática do tipo p. e p. pelo nº 1 do art. 180º do Cód. Penal.

Entende a recorrente que a sua conduta não é punível em face do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 180º do Cód. Penal, pois que reputou como verdadeiras, naquele momento, as palavras com que apelidou o assistente.
Alega, assim, a existência de causa de exclusão da ilicitude, prevista no nº 2 do art. 180º do Cód. Penal.
Nos termos do referido nº 2, “a conduta não é punível quando: a) a imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira”.
Contudo, o teor das expressões em causa (além de apelidar o assistente como um médico incompetente e mal-educado, ainda lhe chamou frustrado e insatisfeito) não são de molde a serem susceptíveis de serem consideradas como tendo na base qualquer causa de justificação.
Desde logo porque extravasa o necessário para efectuar a reclamação e, depois, porque não estamos apenas perante a imputação de factos, mas perante epítetos e juízos de valor.
Como vem sendo defendido na doutrina e na jurisprudência (cfr. o Acórdão da Relação de Évora de Outubro de 1996, in BMJ, 460, 817), “a causa de justificação prevista no nº 2 do artº 180 do C. Penal apenas é aplicável à imputação de factos ou à reprodução da correspondente imputação, pelo que não abrange a formulação de juízos ofensivos, a atribuição de epítetos ou palavras a que se alude no crime de injúrias, bem como a imputação de factos genéricos ou abstractos”. Entende-se que nos casos de formulação de juízos ofensivos, o recurso à causa de justificação prevista no nº 2 do art. 180º do Cód. Penal, não é legalmente possível, uma vez que não só é inadmissível a exceptio veritatis, como para a salvaguarda do interesse legítimo (requisito essencial da causa da causa de justificação aludida), bastaria a simples descrição dos factos despida de considerações ofensivas.
Ou seja, nunca se poderia concluir que a conduta da arguida é subsumível à causa de exclusão da ilicitude prevista nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 180º do Cód. Penal (ambas de verificação cumulativa).

Alega por fim a recorrente que não deveria ter sido condenada no pedido de indemnização civil porque se verifica uma causa de exclusão e porque não foi feita prova de que o assistente se tenha sentido incomodado, aborrecido e indignado.
Quanto à causa de exclusão, já vimos que não existe e quanto à prova, dos danos haverá que não esquecer que os mesmos são aferíveis de acordo com as regras da experiência, considerando o teor das expressões usadas.

Improcede, pelo exposto, o recurso da arguida.

***

Decisão

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, declarando-o totalmente improcedente, e confirmam a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs.
Guimarães, 9.10.2017
(processado e revisto pela relatora)

(Alda Tomé Casimiro)
(Fernando Pina)