Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | VERA SOTTOMAYOR | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO NOTA DE CULPA DEFICIENTE DECISÃO DO DESPEDIMENTO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 12/03/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | I- A nota de culpa não se pode cingir à indicação de comportamentos genéricos, obscuros e abstratos do trabalhador, ao invés deve conter factos concretos, localizados no tempo e no espaço, para que seja possível ao trabalhador ponderar e organizar corretamente a sua defesa. II- É assim de concluir pela irregularidade de cada uma das notas de culpa com a consequente invalidade do procedimento disciplinar e ilicitude do despedimento nos termos do n.º 1 do art.º 382.º do CT. uma vez que não cumprem a exigência legal de conter a descrição circunstanciada dos factos que são imputados a cada uma das trabalhadoras. Ao invés, as referidas notas de culpa limitam-se a conter imputações conclusivas e genéricas, não se encontrando a minimamente concretizadas em termos descritivos as eventuais condutas praticadas que se subsumam àquelas expressões/afirmações, quando ocorreram, onde e em que circunstâncias. III- A decisão de despedimento tem de ser fundamentada, o que significa que se tem de alicerçar nos factos que o empregador considere demonstrados no decurso do procedimento disciplinar, não podendo ser invocados factos que não constem da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a sua responsabilidade. Contudo é admissível a fundamentação indireta, ou seja, por remissão para outra peça do processo, designadamente para a nota de culpa ou para o relatório final de instrução, caso este exista. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO AA, intentou a presente ação, com processo especial, de impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido pela sua entidade empregadora SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ..., apresentando para tanto o respetivo formulário opondo-se ao despedimento decretado em 21.11.2023 pelo seu empregador. Realizada a audiência de partes e não tendo sido obtida a conciliação, veio a entidade empregadora apresentar o respetivo articulado motivador do despedimento e juntou o procedimento disciplinar. A trabalhadora apresentou a sua contestação/reconvenção, alegando a ilicitude do despedimento, por invalidade do procedimento disciplinar, por irregularidade da nota de culpa e falta de fundamentação da decisão de despedimento, dizendo em resumo que a nota de culpa não descreve de forma objetiva e circunstanciada, em termos de modo, lugar e tempo, os factos que lhe imputa, o que obsta a que possa exercer o seu direito de defesa e por outro lado a decisão de despedimento carece de ponderação, adequação e fundamentação, em violação do prescrito no art.º 357.º do CT. Conclui a trabalhadora que os vícios apontados acarretam a invalidade do despedimento nos termos previstos nos artigos 382.º n.º 1 e 2 al. a), c) e d) do CT. O empregador veio responder pugnando pela licitude o despedimento, uma vez que este foi precedido de procedimento disciplinar, o qual não padece de nenhum dos vícios apontados pela trabalhadora. A Mma. Juiz a quo proferiu despacho saneador, no âmbito do qual foi apreciada a invalidade do procedimento disciplinar, que terminou a este propósito, com o seguinte dispositivo: “Perante o exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento e, em consequência: a)Declaro a ilicitude do despedimento da A. AA promovido pela Ré Santa Casa da Misericórdia ...; b) Condeno a Ré a pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo do contrato de trabalho (30/04/2023), a liquidar oportunamente, uma vez que o Tribunal não dispõe de elementos para fixar o valor devido; ao valor que vier a ser liquidado acrescem os juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das retribuições vencidas e vincendas, à taxa legal, até integral pagamento. Custas pela R. empregadora, na proporção que vier a ser fixada a final. Notifique. Registe.” Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré Santa Casa da Misericórdia interpor recurso, em separado, de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões: “A. O presente recurso tem por objecto o Despacho Saneador proferido nos autos recorridos em 29.07.2024, notificado à Recorrente em 30.07.2024, através de Ofício de Ref.ª ...86, na parte em que concluiu que: “O processo já fornece os elementos indispensáveis ao conhecimento parcial do mérito da causa no que respeita à questão da ilicitude do despedimento, pelo que em seguida se proferirá sentença, conhecendo parcialmente do pedido”. B. Entende a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao decidir que a Nota de Culpa em causa nos presentes autos viola o disposto no artigo 353.º, do Código do Trabalho, em face do preceituado no artigo 382.º, n.º 2, alínea d), do Código do Trabalho, na parte em que sustenta que: “Assim sendo, é forçoso concluir que a nota de culpa não foi elaborada de acordo com o disposto no art. 353º nº 1 do Código do Trabalho 2009, isto é, não contém a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, por ser omissa quanto às circunstâncias de tempo e lugar da prática dos factos imputados. Tal irregularidade conduz à invalidade do procedimento disciplinar, nos termos do art. 382º nº 2 al. a) do Código do Trabalho.” C. Bem como, na parte em que decidiu que se verifica a Ilicitude do Despedimento em face do disposto no artigo 382.º, n.º 2, alínea d), do Código do Trabalho, porquanto: “Ora, como resulta dos factos provados sob a alínea f), a comunicação do despedimento efectuada pela R. à trabalhadora limita-se à mera notificação da vontade do empregador fazer cessar o contrato de trabalho e à referência abstracta às disposições legais que supostamente sustentam a decisão. Mas é completamente omissa quanto aos fundamentos de facto da mesma. Na verdade, a referida comunicação não contém qualquer referência, expressa ou por remissão, aos factos que o empregador considerou provados e que justificaram o despedimento e muito menos se refere à ponderação das circunstâncias concretas das quais decorre a impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral. Não cumpre, pois, a decisão de despedimento os requisitos estabelecidos no art. 357º nºs 4 e 5 do Código do Trabalho, o que acarreta a invalidade do procedimento e a ilicitude do despedimento, por força do disposto no art. 382º nº 1 e 2 al. d) do mesmo diploma.” D. Concluindo a final que “Procedem, pois, as excepções de invalidade do despedimento por irregularidade da nota de culpa e por falta de fundamentação da decisão de despedimento invocadas pelo trabalhador na sua contestação, ficando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos de invalidade do despedimento invocados pela A (…)”, não podendo esta decisão merecer qualquer aceitação pela Recorrente, porquanto, em seu entendimento, o Tribunal a quo faz uma incorrecta interpretação e subsequente aplicação aos autos recorridos das normas legais acima citadas. E. Em primeiro lugar, impõe-se, aditar aos Factos Assentes do Despacho Saneador recorrido, o Facto Assente DD), nos seguintes termos: “Por Ofício de Ref.ª24/...23, de 09.10.2023, a Ré comunicou à Autora a instauração de Procedimento Prévio de Inquérito na sequência da Suspensão Preventiva ocorrida a 27.09.2023, em face dos factos descritos e relatados nos dias 26 e 27 de Setembro de 2023”. F. Porquanto, tal factualidade se encontra sustentada no Documento n.º 2, junto pela Recorrente com o seu Articulado Motivador de Despedimento, consubstanciando- se no Ofício de Ref.ª24/...23, de 09.10.2023, no qual a Recorrente comunicou à Autora/Recorrida a instauração do Procedimento Prévio de Inquérito na sequência da Suspensão Preventiva ocorrida a 29.09.2023. G. Por outro lado, não existe qualquer fundamento para o Tribunal a quo ter decidido pela invalidade do procedimento em crise, ao abrigo do artigo 382.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho: H. Desde logo, porquanto ficou assente como Facto Assente D) da Decisão recorrida, que, por Carta datada de 16.11.2023, a Recorrida solicitou/requereu que lhe fosse “alargado o prazo de resposta por mais 30 dias (…) para poder responder devidamente aos factos que me são imputados na nota de culpa”, assim revelando de forma expressa ter percepcionado os factos que estavam em causa, até porque jamais alegou não conhecer esses mesmos factos. I. É, pois, evidente, tal como consta aliás dos Factos Assentes, que a Recorrida sempre conheceu os factos, invalidando, consequentemente qualquer possibilidade de procedência da tese de ausência de “descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador”, com o que, a Decisão proferida pelo Tribunal a quo assenta em Erro nos Pressupostos de Facto, em face do Facto Assente D). J. Ainda nesse sentido, evidencie-se que o Utente BB relatou, em 26 e 27 de Setembro de 2023, as agressões de que foi alvo (tal como aliás ficou a constar da Nota de Culpa), referindo nomeadamente que: “A AA agride-me verbalmente, essas agressões acontecem à bastante tempo, fala-me muito alto e com muita agressividade, tenho muito medo dela, já lhe pedi para me deixar em paz, sempre que entra no quarto fico muito assustado”, daqui se extraindo o enquadramento e contextualização temporal que foi possível efectuar em face da prova recolhida. K. Por outro lado, acerca da falta de precisão da data da sua ocorrência, é normal tal suceder nalguém com a sua idade e características, pelo que, contrariamente ao que se decidiu na Decisão em crise, impõe-se concluir, consequentemente, que da Nota de Culpa consta o enquadramento e contextualização temporal, efectuado com base na prova aí passível de ser recolhida. L. Caindo por tese a conclusão plasmada na decisão recorrida na parte em que se refere a este propósito que: “as condutas que lhe são imputadas não estão suficientemente concretizadas quanto à sua contextualização de modo, tempo e lugar (…)”. M. Errou, pois, o Tribunal a quo na interpretação e aplicação dos artigos 353.º, e 382.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho – erro nos pressupostos de direito –, uma vez que estas normas não exigem, nem impõem, uma identificação detalhada das circunstâncias de tempo e lugar da prática dos factos imputados quando dessa factualidade não se possa extrair com certeza absoluta quanto ao momento em que o foram sendo que, no que respeita ao lugar da prática, é evidente que o mesmo só pode ter ocorrido nas instalações da Recorrente e em contexto de exercício de funções, pelo que seria inútil que tal constasse da Nota de Culpa. N. Acerca da Ilicitude do Despedimento nos termos do artigo 382.º, n.º 2, alínea d), do Código do Trabalho, considera o Tribunal a quo que a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento não cumpre com o disposto no artigo 357.º, n.º 4 e n.º 5, do Código do Trabalho, referindo nesse sentido, que essa comunicação é “completamente omissa quanto aos fundamentos de facto da mesma”, conclusão que a Recorrente não pode aceitar, uma vez que, tal fundamentação consta expressamente da remissão ali feita para a Nota de Culpa – à qual a Recorrida não respondeu, conforme resulta do Facto Assente C) – assim como da Comunicação da Intenção de Despedimento. O. Frise-se que nem sequer se afigura existir qualquer impedimento legal, a que a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento se apoie na fundamentação constante da Nota de Culpa - à qual a Recorrida não respondeu, conforme resulta do Facto Assente C) – e Comunicação da Intenção de Despedimento, como sucedeu in casu. P. Resultando desses dois elementos do Procedimento Disciplinar os factos que a Recorrente considerou provados e que justificaram o despedimento em crise, bem como as circunstâncias concretas que impossibilitam a subsistência daquele vínculo laboral. Q. Pelo que, errou ainda o Tribunal a quo na interpretação e aplicação realizada aos artigos 357.º, n.º 4 e n.º 5, e 382.º, n.º 2, alínea d), do Código do Trabalho – erro nos pressupostos de direito –, ao considerar que da mesma tem que constar uma referência expressa à remissão que aí é feita para a Nota de Culpa e para a Comunicação da Intenção de Despedimento. R. Consequentemente, deverá revogar-se esta parte da Decisão Recorrida, revogação, essa, que tem como consequência a revogação dos demais segmentos decisórios constantes do Despacho Saneador, designadamente os constantes do Ponto 3.1.2., 3.2. e 4. S. Porquanto, tais pontos da Decisão Recorrida violam todas as normas de direito substantivo e de direito adjectivo citadas em suporte desta Apelação, fazendo uma inadequada aplicação das normas legais supra citadas.” Respondeu a Recorrida/Apelada pugnando pela improcedência do recurso. * Por despacho proferido em 12.09.2024, o Tribunal a quo determinou a apensação a estes autos do processo n.º 1574/23...., no âmbito do qual a trabalhadora CC impugnou o seu despedimento levado a cabo pela SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ..., em 20.11.2023, já tendo também no âmbito dos referidos autos sido proferido despacho saneador no âmbito do qual foi apreciada a invalidade do procedimento disciplinar, que terminou a este propósito, com o seguinte dispositivo:“Perante o exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento e, em consequência: a) Declaro a ilicitude do despedimento da A. CC e condeno a R. Santa Casa da Misericórdia ...; a) A reintegrar a A. CC no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; b) A pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, às quais haverá que deduzir as importâncias que a A. tiver comprovadamente obtido com a cessação do contrato de trabalho e que não receberia se não fosse o despedimento, bem como o subsídio de desemprego que tiver auferido, devendo em tal caso a R. entregar essa quantia à segurança social, tudo a liquidar oportunamente, uma vez que o Tribunal não dispõe de elementos para fixar o valor devido; ao valor que vier a ser liquidado acrescem os juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das retribuições vencidas e vincendas, à taxa legal, até integral pagamento. Custas pela R. empregadora, na proporção que vier a ser fixada a final. Notifique. Registe..” Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ... interpor recurso, em separado, de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões: A. O presente recurso tem por objecto o Despacho Saneador proferido nos autos recorridos em 23.07.2024, notificado à Recorrente em 24.07.2024, através de Ofício de Ref.ª ...98, na parte em que concluiu que “O processo já fornece os elementos indispensáveis ao conhecimento parcial do mérito da causa no que respeita à questão da ilicitude do despedimento, pelo que em seguida se proferirá sentença, conhecendo parcialmente do pedido”. B. Entende a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao decidir que a Nota de Culpa em causa nos presentes autos viola o disposto no artigo 353.º, do Código do Trabalho, em face do preceituado no artigo 382.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho, na parte em que sustenta que: “Assim sendo, é forçoso concluir que a nota de culpa não foi elaborada de acordo com o disposto no art. 353º nº 1 do Código do Trabalho 2009, isto é, não contém a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, por ser omissa quanto às circunstâncias de tempo e lugar da prática dos factos imputados. Tal irregularidade conduz à invalidade do procedimento disciplinar, nos termos do art. 382º nº 2 al. a) do Código do Trabalho.” C. Bem como, na parte em que decidiu que se verifica a Ilicitude do Despedimento em face do disposto no artigo 382.º, n.º 2, alínea d), do Código do Trabalho, porquanto: “Ora, como resulta dos factos provados sob a alínea f), a comunicação do despedimento efectuada pela R. à trabalhadora limita-se à mera notificação da vontade do empregador fazer cessar o contrato de trabalho e à referência abstracta às disposições legais que supostamente sustentam a decisão. Mas é completamente omissa quanto aos fundamentos de facto da mesma. Na verdade, a referida comunicação não contém qualquer referência, expressa ou por remissão, aos factos que o empregador considerou provados e que justificaram o despedimento e muito menos se refere à ponderação das circunstâncias concretas das quais decorre a impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral. Não cumpre, pois, a decisão de despedimento os requisitos estabelecidos no art.º 357º nºs 4 e 5 do Código do Trabalho, o que acarreta a invalidade do procedimento e a ilicitude do despedimento, por força do disposto no art. 382º nº 1 e 2 al. d) do mesmo diploma.” D. Concluindo a final que “Procedem, pois, as excepções de invalidade do despedimento por irregularidade da nota de culpa e por falta de fundamentação da decisão de despedimento invocadas pelo trabalhador na sua contestação (…), não podendo esta decisão merecer qualquer aceitação pela Recorrente, porquanto: E. Em primeiro lugar, impõe-se, aditar aos Factos Assentes do Despacho Saneador recorrido, a comunicação que a Ré/Recorrente enviou à Autora/Recorrida, de instauração do Procedimento Prévio de Inquérito na sequência da Suspensão Preventiva ocorrida a 29.09.2023, a qual se encontra sustentada no Documento n.º 2, junto pela Recorrente com o seu Articulado Motivador do Despedimento. F. Assim, deverá aditar-se tal Facto aos Factos Assentes no Despacho Saneador em crise, como Facto Assente Z), nos termos seguintes: “Por Ofício de Ref.ª ...23, de 09.10.2023, a Ré comunicou à Autora a instauração de Procedimento Prévio de Inquérito na sequência da Suspensão Preventiva ocorrida a 27.09.2023, em face dos factos descritos e relatados nos dias 26 e 27 de Setembro de 2023”. G. Por outro lado, não existe qualquer fundamento para o Tribunal a quo ter decidido pela invalidade do procedimento em crise, ao abrigo do artigo 382.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho: H. Em sentido contrário, cumpre evidenciar que o Facto Assente D), refere que, por Carta datada de 16.11.2023, a Recorrida solicitou/requereu que lhe fosse “alargado o prazo de resposta por mais 30 dias (…) para poder responder devidamente aos factos que me são imputados na nota de culpa”, assim revelando de forma expressa ter percepcionado os factos que estavam em causa. I. É, pois, evidente, tal como consta aliás dos Factos Assentes, que a Recorrida sempre conheceu os factos, invalidando, consequentemente qualquer possibilidade de procedência da tese de ausência de “descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;”, com o que, a Decisão proferida pelo Tribunal a quo assenta em Erro nos Pressupostos de Facto, em face do Facto Assente D). J. Ainda nesse sentido, evidencie-se que o Utente BB relatou, em 26 e 27 de Setembro de 2023, as agressões de que foi alvo, sendo que a falta de precisão da data da sua ocorrência é normal nalguém com a sua idade e características, pelo que, se impõe concluir, consequentemente, que da Nota de Culpa consta o enquadramento e contextualização temporal, efectuado com base na prova aí passível de ser recolhida. K. Além disso, cumpre ainda enfatizar que a decisão recorrida concluiu ainda a este propósito que: “Embora a conduta esteja suficientemente individualizada nas alegadas declarações do Utente referido na nota de culpa, nada se diz quanto à data em que a mesma ocorreu (…)”. L. Errou, pois, o Tribunal a quo na interpretação e aplicação dos artigos 353.º, e 382.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho – erro nos pressupostos de direito –, uma vez que estas normas não exigem, nem impõem, uma identificação detalhada das circunstâncias de tempo e lugar da prática dos factos imputados quando dessa factualidade não se possa extrair com certeza absoluta quanto ao momento em que o foram sendo que, no que respeita ao lugar da prática, é evidente que o mesmo só pode ter ocorrido nas instalações da Recorrente e em contexto de exercício de funções, pelo que seria inútil que tal constasse da Nota de Culpa. M. Acerca da Ilicitude do Despedimento nos termos do artigo 382.º, n.º 2, alínea d), do Código do Trabalho, considera o Tribunal a quo que a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento não cumpre com o disposto no artigo 357.º, n.º 4 e n.º 5, do Código do Trabalho, referindo nesse sentido, que essa comunicação é “completamente omissa quanto aos fundamentos de facto da mesma”, conclusão que a Recorrente não pode aceitar, uma vez que, tal fundamentação consta expressamente da remissão ali feita para a Nota de Culpa – à qual a Autora/Recorrida não respondeu, conforme resulta do Facto Assente C) – assim como da Comunicação da Intenção de Despedimento. N. Frise-se que nem sequer se afigura existir qualquer impedimento legal, a que a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento se apoie na fundamentação constante da Nota de Culpa e da Comunicação da Intenção de Despedimento, como sucedeu in casu. O. Pelo que, errou o Tribunal a quo na interpretação e aplicação realizada aos artigos 357.º, n.º 4 e n.º 5, e 382.º, n.º 2, alínea d), do Código do Trabalho – erro nos pressupostos de direito –, ao considerar que da mesma tem que constar uma referência expressa à remissão que aí é feita para a Nota de Culpa e para a Comunicação da Intenção de Despedimento. P. Consequentemente, deverá revogar-se esta parte da Decisão Recorrida, revogação, essa, que tem como consequência a revogação dos demais segmentos decisórios constantes do Despacho Saneador, designadamente os constantes do Ponto 3.1.2., 3.2. e 4. Q. Porquanto, tais pontos da Decisão Recorrida violam todas as normas de direito substantivo e de direito adjectivo citadas em suporte desta Apelação, fazendo uma inadequada aplicação das normas legais supra citadas. Respondeu a Recorrida/Apelada pugnando pela improcedência do recurso. * Admitidos os recursos na espécie própria, com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo a Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitido douto parecer no sentido da improcedência dos recursos. A Recorrente veio responder ao parecer, manifestando a sua discordância e pugna pela procedência do recurso. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II - OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objeto dos recursos pelas conclusões da recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões: - Da alteração da matéria de facto - Da validade dos procedimentos disciplinares – nota de culpa e decisão final. Acresce dizer, que basta atentar no teor das decisões recorridas (decisões idênticas), conjugadas com as conclusões de ambos os recursos (conclusões similares) para se concluir estarmos perante as mesmas questões, razão pela qual os dois recursos interpostos serão apreciados em simultâneo. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO FACTOS PROVADOS PROC. N.º ...... a) O processo disciplinar que a Ré juntou aos autos, para além do mais, é integrado, a montante pela denominada “Nota de Culpa” e a jusante pela comunicação de cessação contratual dirigida pela Ré à A. que referencia com o “N.º 37/2023 de 20/11/2023” e intitula de “Rescisão do contrato de trabalho”. b) A “Nota de Culpa”, que consta de fls. 16 vº a 18 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, imputa à A. os seguintes factos: 1. A Trabalhadora AA foi admitida ao serviço da Entidade Empregadora mediante Contrato de Trabalho celebrado em ../../2023, com vista ao exercício das tarefas e funções de “Auxiliar de Serviços Gerais”; 2. De entre as suas tarefas, incumbia à Trabalhadora AA relacionar-se com os Utentes da Entidade Empregadora, prestando-lhes todo o apoio quotidiano necessário ao seu dia-a-dia; 3. De acordo com as declarações do Utente BB, obtidas em sede de Procedimento Prévio de Inquérito, este imputou à Trabalhadora AA a seguinte descrição de comportamentos: “A AA agride-me verbalmente, essas agressões acontecem à bastante tempo, fala-me muito alto e com muita agressividade, tenho muito medo dela, já lhe pedi para me deixar em paz, sempre que entra no meu quarto fico muito assustado”. 4. A entidade Empregadora confirmou estas Declarações junto da psicóloga da Instituição, a Exma. Sra. Dra. DD. 5. Os factos relatados e circunstanciados materializam uma infracção muito grave dos deveres a que está obrigada a Trabalhadora AA, designadamente em face das funções exercidas, de contacto directo com os Utentes. 6. Estão em causa comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do Utente BB, para além, naturalmente, de as condutas em causa consubstanciarem um tratamento violento, humilhante e degradante, não só com efeitos sobre o Utente em causa, mas, também, para os demais, em face do clima de medo e terror que tais comportamentos significam para o dia-a-dia da Instituição. 7. (…). 8. Os factos em causa consubstanciam, ainda, a prática do crime de maus-tratos, previsto e punido pelo artigo 152º-A, do Código Penal. (…). c) A A. AA, não apresentou “Resposta” a tal nota de culpa. d) Tendo por carta datada de 16/11/2023 e recebida nos serviços administrativos da Ré em 17/11/2023, solicitado que lhe fosse “alargado o prazo de resposta por mais 30 dias, uma vez que sou uma pessoa de fracos recursos económicos e tive de recorrer à modalidade de apoio judiciário, para poder responder devidamente aos factos que me são imputados na nota de culpa”, acrescentando “a segurança social ainda não me disponibilizou uma resposta definitiva acerca do meu pedido” e juntando documentos comprovativos do explicitado. e) Alargamento do “prazo de resposta” que pela Ré não foi atendido. f) A Ré remeteu para a A. comunicação de cessação contratual, datada de 20/11/2023 que intitula de “Rescisão do contrato de trabalho”, com o seguinte teor: Assunto: Rescisão do contrato de trabalho. Exma. Sra. AA, Com referência ao contrato de trabalho, celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia ... e V. Excia., no passado 01 de Maio de 2023 vimos por este meio e nos termos do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho, comunicar-lhe a nossa vontade de o fazer cessar, com efeitos a partir de 20 de Novembro de 2023, o contrato de trabalhado em vigor com esta instituição em virtude de da SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ..., ter sido confrontada com fortes indícios de um comportamento irregular e lesivo dos interesses desta instituição e dos seus Utentes, com a consequente dedução da Nota de Culpa ao abrigo do disposto no artigo 353.º, n.º 1 do Código do Trabalho. A partir do dia 21 de novembro de 2023 pode recolher na secretaria um Certificado de Trabalho ou qualquer outra documentação que V. Excia. considere pertinente. Com os melhores cumprimentos. O Provedor” g) A Ré SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ... é uma instituição particular de solidariedade social. h) Através de “Contrato de Trabalho a Termo Certo Resolutivo”, cuja cópia consta de fls. 37 a 38 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, da sua autoria e no qual figura como primeira outorgante, admitiu ao seu serviço a A. para sob a sua subordinação “desempenhar as funções correspondentes à categoria de Trabalhador Auxiliar de Serviços Gerais, cujo conteúdo funcional se encontra descrito no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável”. i) Com inicio no dia 01 Maio de 2023 e termo em 30/04/2024 - Cláusula Primeira. j) “Nas instalações da Unidade de Cuidados Continuados” da Ré “sita na Avenida ... - ...” - Clausula Quarta. k) Unidade de Cuidados Continuados da Ré que funciona de forma ininterrupta (24 horas por dia). l) E funções da A. a desempenhar “No período normal de trabalho diário e semanal de 8 e 40 horas, respetivamente - Cláusula Quinta. m) Em regime de dois turnos rotativos (manhã-tarde ou manhã-noite) n) Correspondendo ao turno da manhã o horário compreendido entre as 08h00 e as 16h00, ao da tarde o horário entre as 16h00 e as 00h00 e ao da noite entre as 00h00 e as 08h00. o) Mediante a “remuneração base de 705,00 €” - Cláusula Sexta. p) Com direito “ao subsídio de refeição legalmente previsto” - Cláusula Sétima. q) Nele se explicitando a aplicação à relação de trabalho estabelecida no “Acordo coletivo publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) n.º 38, de 15/10/2016” - Cláusula Décima Segunda. r) Sendo a sua retribuição mensal integrada, de acordo com a cláusula 57.º, n.º 4, alínea a) do mencionado Acordo Coletivo de Trabalho e Emprego, por um complemento retributivo, referente à prestação de trabalho em regime de dois turnos rotativos, de 15% sobre a retribuição base. s) Ré que, no entanto, desde o mês de Abril de 2023 (inclusive) fixou a “remuneração base” da Autora em 770,81 €. t) O subsidio de alimentação no valor diário de 4,70 € u) E o complemento retributivo pelo regime de dois turnos rotativos no valor de 115,62% (15% da retribuição base). v) Contrato de trabalho que cessou no dia 21/11/2023, data em que a A. recebeu da Ré a comunicação escrita que esta lhe dirigiu com data de 20-11-2023 e intitula de “Rescisão do Contrato de trabalho”. w) Autora que no dia 29/09/2023 foi pela Ré suspensa do exercício das suas funções e que perdurou até à data da operada cessação contratual. x) A Ré, em 31/10/2023, creditou na conta da A. a importância de €686,02, referente à retribuição do mês de Outubro e, em 27/11/2023, após a cessação do contrato, a importância de 1.757,75€. y) Autora que não e filiada em qualquer organização sindical, sendo a Ré associada da CNIS - Confederação das Instituições de Solidariedade. z) A Autora tem 31 anos. aa) É casada com EE, bombeiro de profissão, que aufere mensalmente a Remuneração Mínima Nacional Garantida (RMMG) de 820,00€. bb) Tem 3 (três) filhas menores, FF, nascida em ../../2010, GG, nascida em ../../2017 e HH, nascida em ../../2019. cc) A A. vive na vila de ..., com uma população urbana de 2.700 individuos, onde quase todos se conhecem, e num concelho de aproximadamente de 6.800 pessoas. FACTOS PROVADOS PROC. N.º 1571/23.... a) O processo disciplinar que a Ré juntou aos autos, para além do mais, é integrado, a montante pela denominada “Nota de Culpa” e a jusante pela comunicação de cessação contratual dirigida pela Ré à A. que referencia com o “N.º 37/2023 de 20/11/2023” e intitula de “Rescisão do contrato de trabalho”. b) A “Nota de Culpa”, que consta de fls. 21 vº a 23 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, imputa à A. os seguintes factos: 1. A Trabalhadora CC foi admitida ao serviço da Entidade Empregadora mediante Contrato de Trabalho celebrado em ../../2022, com vista ao exercício das tarefas e funções de “Auxiliar de Acção Médica”; 2. De entre as suas tarefas, incumbia à Trabalhadora CC relacionar-se com os Utentes da Entidade Empregadora, prestando-lhes todo o apoio quotidiano necessário ao seu dia-a-dia; 3. De acordo com as declarações do Utente BB, obtidas em sede de Procedimento Prévio de Inquérito, este imputou à Trabalhadora CC a seguinte descrição de comportamentos: “A CC sem motivo, encostou-me a cabeça ao peito dela e bateu-me três vezes na cabeça, fiquei com muito medo, tenho medo que voltem a entrar no meu quarto”. 4. A entidade Empregadora confirmou estas Declarações junto da psicóloga da Instituição, a Exma. Sra. Dra. DD. 5. Os factos relatados e circunstanciados materializam uma infracção muito grave dos deveres a que está obrigada a Trabalhadora CC, designadamente em face das funções exercidas, de contacto directo com os Utentes. 6. Estão em causa comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do Utente BB, para além, naturalmente, de as condutas em causa consubstanciarem um tratamento violento, humilhante e degradante, não só com efeitos sobre o Utente em causa, mas, também, para os demais, em face do clima de medo e terror que tais comportamentos significam para o dia-a-dia da Instituição. 7. (…). 8. Os factos em causa consubstanciam, ainda, a prática do crime de maus-tratos, previsto e punido pelo artigo 152º-A, do Código Penal. (…). c) A A. CC, não apresentou “Resposta” a tal nota de culpa. d) Tendo por carta datada de 16/NOV/2023 e recebida nos serviços administrativos da Ré em 17/NOV/2023, solicitado que lhe fosse “alargado o prazo de resposta por mais 30 dias, uma vez que sou uma pessoa de fracos recursos económicos e tive de recorrer à modalidade de apoio judiciário, para poder responder devidamente aos factos que me são imputados na nota de culpa”, acrescentando “a segurança social ainda não me disponibilizou uma resposta definitiva acerca do meu pedido” e juntando documentos comprovativos do explicado. e) Alargamento do “prazo de resposta” que pela Ré não foi atendido. f) A Ré remeteu para a A. comunicação de cessação contratual, datada de 20/NOV/2023 que intitula de “Rescisão do contrato de trabalho”, com o seguinte teor: Assunto: Rescisão do contrato de trabalho. Exma. Sra. CC. Com referência ao contrato de trabalho, celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia ... e V. Excia., no passado 10 de Março de 2022 vimos por este meio e nos termos do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho, comunicar-lhe a nossa vontade de o fazer cessar, com efeitos a partir de 20 de Novembro de 2023, o contrato de trabalhado em vigor com esta instituição em virtude de da SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ..., ter sido confrontada com fortes indícios de um comportamento irregular e lesivo dos interesses desta instituição e dos seus Utentes, com a consequente dedução da Nota de Culpa ao abrigo do disposto no artigo 353.º, n.º 1 do Código do Trabalho. A partir do dia 21 de novembro de 2023 pode recolher na secretaria um Certificado de Trabalho ou qualquer outra documentação que V. Excia. considere pertinente. Com os melhores cumprimentos. O Provedor” g) A Ré é uma instituição particular de solidariedade social. h) Através de “Contrato de Trabalho” escrito, cuja cópia consta de fls. 38 a 40 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, da sua autoria e no qual figura como primeira outorgante, admitiu ao seu serviço a A. para sob a sua subordinação “desempenhar as funções correspondentes à categoria de Trabalhador Auxiliar de Ação Médica, cujo conteúdo funcional se encontra descrito no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável”. i) Com inicio no dia 10 de Março de 2022 e por tempo indeterminado - Cláusula Primeira e Segunda do contrato. j) “Nas instalações da Unidade de Cuidados Continuados” da Ré “sita na Avenida ... - ...” - Clausula Quarta. k) Unidade de Cuidados Continuados da Ré que funciona de forma ininterrupta (24 horas por dia). l) E funções da A. a desempenhar “No período normal de trabalho diário e semanal de 8 e 40 horas, respetivamente - Cláusula Quinta. m) Em regime de dois turnos rotativos (manhã-tarde ou manhã-noite) n) Correspondendo ao turno da manhã o horário compreendido entre as 08H00 e as 16H00, ao da tarde o horário entre as 16H00 e as 00H00 e ao da noite entre as 00H00 e as 08H00. o) Mediante a “remuneração base de 705,00 €” - Cláusula Sexta. p) Com direito “ao subsídio de refeição legalmente previsto” - Cláusula Sétima. q) Nele se explicitando a aplicação à relação de trabalho estabelecida no “Acordo coletivo publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) n.º 38, de 15/10/2016” - Cláusula Décima Segunda. r) Sendo a sua retribuição mensal integrada, de acordo com a cláusula 57.º, n.º 4, alínea a) do mencionado Acordo Coletivo de Trabalho e Emprego, por um complemento retributivo, referente à prestação de trabalho em regime de dois turnos rotativos, de 15% sobre a retribuição base. s) Traduzindo-se as suas funções, além de outras, no acompanhamento diurno e noturno dos utentes, dentro e fora da unidade, colaborar, sob supervisão técnica, na prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes, proceder ao acompanhamento e transporte de doentes em camas, macas, cadeiras de rodas ou a pé dentro e fora do estabelecimento, auxiliar nas tarefas de alimentação, assegurar a manutenção das condições de higiene nos respectivos locais de trabalho, substituindo as roupas de cama e da casa de banho , bem como o vestuário dos utentes e ainda a higienizarão de instalações. t) Ré que, no entanto, desde o mês de Abril de 2023 (inclusive) fixou a “remuneração base” da Autora em 770,81 €. u) O subsidio de alimentação no valor diário de 4,70 € v) Contrato de trabalho que cessou no dia 21/NOV/2023, data em que a A. recebeu da Ré a comunicação escrita que esta lhe dirigiu com data de 20-11-2023 e intitula de “Rescisão do Contrato de trabalho”. w) Autora que no dia 29/SET/2023 foi pela Ré suspensa do exercício das suas funções e que perdurou até à data da operada cessação contratual x) Autora que não e filiada em qualquer organização sindical, sendo a Ré associada da CNIS - Confederação das Instituições de Solidariedade. y) A. que vive na vila de ..., com uma população urbana de 2.700 pessoas, onde quase todos se conhecem, e num concelho de aproximadamente de 6.800 pessoas, por referência aos Censos do ano de 2021. IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO 1 - Da alteração da matéria de facto em ambos os processos Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Pretende a recorrente que seja aditada à factualidade assente em cada um dos processos o seguinte facto: “Por Ofício de Ref.ª24/...23, de 09.10.2023, a Ré comunicou à Autora a instauração de Procedimento Prévio de Inquérito na sequência da Suspensão Preventiva ocorrida a 27.09.2023, em face dos factos descritos e relatados nos dias 26 e 27 de Setembro de 2023”. “Por Ofício de Ref.ª ...23, de 09.10.2023, a Ré comunicou à Autora a instauração de Procedimento Prévio de Inquérito na sequência da Suspensão Preventiva ocorrida a 27.09.2023, em face dos factos descritos e relatados nos dias 26 e 27 de Setembro de 2023”. Sustenta a sua pretensão nos documentos juntos por si a cada um dos processos, designadamente o doc. n.º 2 junto com o respetivo articulado motivador do despedimento, do qual resulta inequívoco que o empregador instaurou a cada uma das autoras um procedimento prévio de inquérito. Compulsados os autos constatamos que o empregador terá instaurado o procedimento prévio de inquérito, na sequência da suspensão preventiva por si determinada para cada uma das visadas. Contudo não vislumbramos, nem a Recorrente alega, qual o interesse e a relevância, que esta factualidade terá no que respeita à boa decisão da causa perante as diversas soluções plausíveis de direito para a sua resolução. O objeto de qualquer um dos processos consiste em apurar da licitude do despedimento de que cada uma das autoras foi alvo, bem como da regularidade do respetivo procedimento disciplinar, quer no que respeita à nota de culpa, quer à decisão final. O que significa que relativamente ao processo prévio de averiguações não é colocada qualquer questão, nem o mesmo é posto em causa, não se vislumbrando, assim, qualquer interesse no aditamento de tal factualidade. Decorre do estatuído no n.º 2 do art.º 611.º do CPC. que “só podem ser atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida”. Daqui podemos concluir que se o facto que se pretende dar como assente for irrelevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis, não há qualquer utilidade no seu aditamento, pois o seu resultado será sempre de considerar de absolutamente inócuo. Assim sendo, o uso dos poderes de controlo da matéria de facto da 1ª instância pela Relação só deve ser utilizado quando a impugnação recaia sobre factos que tenham interesse para a decisão da causa, de forma a evitar a prática de atos inúteis – cfr. art.º 130.º do CPC., devendo nestas circunstâncias a Relação abster-se de apreciar tal impugnação[1]. Em suma, a factualidade que se pretendia agora fazer constar dos factos assentes é totalmente desprovida de interesse para a boa decisão da causa, razão pela qual se impõe julgar improcedente o recurso da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a factualidade apurada pelo tribunal a quo. 2. Da (in)validade dos procedimentos disciplinares instaurados às Autoras - nota de culpa e decisão final. Insurge-se a Recorrente quanto ao facto de o Tribunal a quo ter considerado, em cada um dos processos, a invalidade do despedimento por irregularidade da nota de culpa, defendendo que os factos se encontram suficientemente concretizados quer quanto à sua contextualização temporal, ao modo e ao lugar onde terão ocorrido. Importa assim apurar se a nota de culpa foi elaborada de acordo com o disposto no art.º 353º, nº. 1 do Código do Trabalho Nas decisões recorridas, a este propósito consignou-se o seguinte: Proc. n.º ...... “O procedimento disciplinar tem início com a comunicação ao trabalhador da intenção de despedimento, acompanhada da nota de culpa, ou seja, da descrição circunstanciada dos factos invocados para o despedimento. A falta de nota de culpa, a sua não redução a escrito e a omissão da descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador acarretam a invalidade do procedimento e a ilicitude do despedimento, nos termos do art. 382º nºs 1 e 2 als. a) e b). A nota de culpa é a peça fundamental do processo disciplinar, na medida em que delimita a acusação que fundamenta o despedimento e condiciona a defesa do trabalhador. Por isso, exige a lei que tal peça contenha a descrição fundamentada das circunstâncias de modo, tempo e lugar dos factos ou comportamentos imputados ao trabalhador arguido. É que só dessa forma poderá este tomar conhecimento dos concretos factos em que a sua entidade patronal baseia a intenção de o despedir e organizar a sua defesa, impugnando ou esclarecendo os factos, ou justificando a sua conduta e apresentando as provas que entender convenientes. Uma acusação genérica e abstracta, com meros juízos de valor ou referências vagas a factos não discriminados, importa a violação das garantias de defesa do trabalhador, pois não lhe permite apreender o alcance e sentido das razões que poderão levar ao seu despedimento, impedindo uma defesa eficaz. Quanto à comunicação da intenção de proceder ao despedimento do trabalhador visado, tanto pode constar de comunicação autónoma, como da própria nota de culpa. Nas palavras de Pedro Furtado Martins “deve ser claramente formulada, não deixando dúvidas quanto ao desígnio do empregador, muito embora não se exija a utilização de uma fórmula precisa e determinada. Ponto é que a expressão utilizada possibilite ao trabalhador compreender a ameaça de despedimento que pesa sobre si (In Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª Edição, Princípia, pags. 209/210). No caso presente, alega a A. que a nota de culpa é inválida porque não descreve de forma objectiva e circunstanciada, em termos de modo, lugar e tempo, os factos que imputa à A. Por sua vez, a R. sustenta que a nota de culpa contém a descrição circunstanciada dos factos imputados que lhe são imputados. Ora, a descrição dos factos efectuada pela Ré é a seguinte: “1. A Trabalhadora AA foi admitida ao serviço da Entidade Empregadora mediante Contrato de Trabalho celebrado em ../../2023, com vista ao exercício das tarefas e funções de “Auxiliar de Serviços Gerais”; 2. De entre as suas tarefas, incumbia à Trabalhadora AA relacionar-se com os Utentes da Entidade Empregadora, prestando-lhes todo o apoio quotidiano necessário ao seu dia-a-dia; 3. De acordo com as declarações do Utente BB, obtidas em sede de Procedimento Prévio de Inquérito, este imputou à Trabalhadora AA a seguinte descrição de comportamentos: “A AA agride-me verbalmente, essas agressões acontecem à bastante tempo, fala-me muito alto e com muita agressividade, tenho muito medo dela, já lhe pedi para me deixar em paz, sempre que entra no meu quarto fico muito assustado”. 4. A entidade Empregadora confirmou estas Declarações junto da psicóloga da Instituição, a Exma. Sra. Dra. DD. 5. Os factos relatados e circunstanciados materializam uma infracção muito grave dos deveres a que está obrigada a Trabalhadora AA, designadamente em face das funções exercidas, de contacto directo com os Utentes.” Tal descrição, salvo melhor entendimento, compromete irremediavelmente a possibilidade de defesa da trabalhadora arguida, uma vez que as condutas que lhe são imputadas não estão suficientemente concretizadas quanto à sua contextualização de modo, tempo e lugar, o que não lhe permite impugnar ou esclarecer convenientemente os factos que lhe são imputados. Cabe ao empregador a responsabilidade de definir claramente na nota de culpa os comportamentos que imputa ao trabalhador e que, em seu entender, justificam a intenção de despedimento, designadamente quanto ao tempo ou local em que ocorreram, o que não sucede no caso vertente. As alegadas declarações do Utente BB reproduzidas na nota de culpa são vagas e genéricas, não concretizando que tipo de “agressões verbais”, que tipo de comportamento agressivo, sendo que “falar alto” não se mostra suficiente para caracterizar a conduta como agressiva; também nada se esclarece quanto à data em que as condutas ocorreram e quanto ao local, fazendo-se apenas uma vaga referência “há bastante tempo” e ao “quarto”. Mostra-se irrelevante afirmar-se que essas declarações foram validadas pela psicóloga da instituição. A contextualização das circunstancias concretas de modo tempo e lugar dos factos não é irrelevante para a defesa da trabalhadora, pois só perante ela a trabalhadora pode defender-se, v.g., aferir se estava ou não no local de trabalho no dia e hora dos factos imputados. E a omissão da data dos mesmos impede-a de sindicar os prazos de exercício da acção disciplinar estabelecidos no artigo 329º do Código do Trabalho. Nem se diga, como defendeu a ré na resposta à excepção, que a A. compreendeu o alcance da acusação, pois, como se vê da contestação ao articulado motivador, a A. manteve a invocação da invalidade da nota de culpa e limitou-se a uma impugnação genérica dos factos, não fornecendo qualquer outra versão alterativa dos mesmos. A omissão factual da nota de culpa não pode ser suprida na fase de julgamento, face à vinculação temática que decorre do disposto nos artigos 387º nº 3 e 357º nº 4 do Código do Trabalho, segundo os quais o empregador não pode invocar factos não constantes da nota de culpa para fundamentar o despedimento, não podendo o tribunal, na apreciação judicial da regularidade e licitude do despedimento tomar em conta factos que não constem da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador. Assim sendo, é forçoso concluir que a nota de culpa não foi elaborada de acordo com o disposto no art. 353º nº 1 do Código do Trabalho 2009, isto é, não contém a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, por ser omissa quanto às circunstâncias de tempo e lugar da prática dos factos imputados. Tal irregularidade conduz à invalidade do procedimento disciplinar, nos termos do art. 382º nº 2 al. a) do Código do Trabalho. Tem, pois, de se concluir pela invalidade do procedimento disciplinar por irregularidade da nota de culpa, nos termos do art. 382º nº 2 al. a) do Código do Trabalho, o que acarreta, inelutavelmente, a ilicitude do despedimento, nos termos do nº 1 da mesma disposição legal.” No Proc. n.º 1571/23...., respeitante à CC, a fundamentação é similar, apenas se altera a factualidade relevante, a qual aqui destacamos: “Ora, a descrição dos factos efectuada pela Ré é a seguinte: “1. A Trabalhadora CC foi admitida ao serviço da Entidade Empregadora mediante Contrato de Trabalho celebrado em ../../2022, com vista ao exercício das tarefas e funções de “Auxiliar de Acção Médica”; 2. De entre as suas tarefas, incumbia à Trabalhadora CC relacionar-se com os Utentes da Entidade Empregadora, prestando-lhes todo o apoio quotidiano necessário ao seu dia-a-dia; 3. De acordo com as declarações do Utente BB, obtidas em sede de Procedimento Prévio de Inquérito, este imputou à Trabalhadora CC a seguinte descrição de comportamentos: “A CC sem motivo, encostou-me a cabeça ao peito dela e bateu-me três vezes na cabeça, fiquei com muito medo, tenho medo que voltem a entrar no meu quarto”. 4. A entidade Empregadora confirmou estas Declarações junto da psicóloga da Instituição, a Exma. Sra. Dra. DD. 5. Os factos relatados e circunstanciados materializam uma infracção muito grave dos deveres a que está obrigada a Trabalhadora CC, designadamente em face das funções exercidas, de contacto directo com os Utentes”. Prescreve o artigo 353.º, do CT com a epígrafe “Nota de culpa” 1 - No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.” E prescreve o artigo 382.º do CT, sob a epígrafe “Ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador” “1- O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329º, ou se o respetivo procedimento for inválido. 2 - O procedimento é inválido se: a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;” Relacionado com os citados normativos está o prescrito no artigo 353º, n.º 1 do CT. do qua resulta que “no caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”. Daqui resulta que a nota de culpa não se pode cingir à indicação de comportamentos genéricos, obscuros e abstratos do trabalhador, ao invés deve conter factos concretos, localizados no tempo e no espaço, para que seja possível ao trabalhador ponderar e organizar corretamente a sua defesa.[2]. A este propósito, em comentário ao artigo 353.º, nº1, parte final, do CT/, refere Maria do Rosário Palma Ramalho[3] que: “(…) deste preceito resulta que a estrutura da nota de culpa deve obrigatoriamente integrar as seguintes indicações: - a descrição completa e detalhada (i.e., circunstanciada) dos factos concretos que consubstanciam a violação do dever do trabalhador, não bastando, pois, uma simples referência ao dever violado pelo trabalhador, nem muito menos, a remissão para a norma legal que comina tal dever (…)”. De forma idêntica defende Pedro Furtado Martins[4] que, “não basta uma indicação genérica e imprecisa do comportamento imputado ao trabalhador, sendo necessário especificar os factos em que esse comportamento se traduziu, bem como as circunstâncias de tempo e lugar em que tais factos ocorreram”. Como se refere a este propósito no Acórdão deste Tribunal de 19.10.2017, Proc. n.º 94/17.0T8BCL-A.G1, relator Antero Veiga, disponível em www.dgsi.pt “Não existe uma fórmula sagrada para a descrição circunstanciado dos factos, tratando-se de um conceito a verificar caso a caso, tendo em conta os recortes de cada situação, e tendo como ponto de referência, de teste, os objetivos que o legislador pretende acautelar ao prescrever aquela necessidade. Refere-se no Ac. RP de 10/9/2012, processo nº 448/11.5TTVFR-A.P:“A necessidade de descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador prende-se com o exercício do direito de defesa, sendo que tal descrição deverá ser apta a dar a conhecer ao trabalhador os concretos comportamentos que justificam, segundo o empregador, a justa causa invocada. E, por isso e conquanto não exista uma fórmula “sagrada” para tal circunstanciação, se tem entendido que ela envolve, por regra, a necessidade de indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar dos factos. Não obstante, a imposição da circunstanciação temporal não é, todavia, absoluta, podendo não ter necessariamente que ocorrer se a restante factualidade constante da nota de culpa permitir ao trabalhador, de forma segura, conhecer e situar no tempo o concreto (e não genérico) comportamento que lhe é imputado e, assim, defender-se adequadamente, como por exemplo demonstrando que a prática dos factos, na data da sua ocorrência, não seria possível ou invocando a caducidade do exercício da ação disciplinar ou prescrição da infração disciplinar. Se a acusação imputada estiver, em termos concretos e não genéricos, circunstanciada de modo a que permita ao trabalhador saber a que concreta situação se reporta o empregador, dá este cumprimento à exigência legal na medida em que não é posto em causa o exercício do direito de defesa, este o desiderato da norma.” Tem-se entendido de forma mais ou menos geral, que tal descrição deve conter as indicações de tempo, modo e lugar dos factos. Mas pode acontecer que em virtude da configuração e circunstâncias próprias, a falta de uma ou outra dessas indicações não prejudique os objetivos tidos em vista, não havendo em tais casos que considerar o procedimento inválido. Com a descrição circunstanciada dos factos teve-se em vista dois objetivos essências, de um lado permitir o cabal exercício do direito de defesa por parte do trabalhador e de outro com a limitação da atividade probatória aos factos que constam nota de culpa (princípio da vinculação temática), conforme artigos arts. 353º e 357º, nº 4, do CT.” Importa agora verificar se as imputações efetuadas na nota de culpa às trabalhadoras permitem o normal exercício do seu direito de defesa, deixando já expresso que, não colhe o argumento de que as autoras percecionaram os factos que lhe eram imputados porque requereram alargamento do prazo para se defenderem e jamais alegaram não conhecer esses mesmos factos. A este propósito é de salientar, que nenhuma das autoras apresentou defesa no procedimento disciplinar, o que ao invés, do deduzido pela recorrente, pode ser indiciador da dificuldade que tiveram em defender-se. Ora, para que se possa dizer que as Autoras compreenderam perfeitamente os factos que lhe eram imputados, seria necessário que da sua defesa resultassem percetíveis quais os eventuais factos concretos que estas teriam percebido serem-lhe imputados e relativamente aos quais se estariam a defender. Tal não sucedeu nos casos em apreço, uma vez que as trabalhadoras não se defenderam das notas de culpa e na contestação aos articulados motivadores do despedimento invocaram a invalidade da nota de culpa e impugnaram os factos de forma genérica. Mas vejamos: Analisadas as duas notas de culpa em causa constatamos que as descrições efetuadas relativamente aos episódios relatados referentes a cada uma das trabalhadoras terão de ser de considerados de vagos e genéricos desprovidos de qualquer factualidade que os permita situar no tempo, no modo e no lugar, não podendo por isso deixar de ser considerados de não circunstanciados. Foram episódios, relatados por um utente de forma vaga, sem qualquer indicação de tempo, lugar e modo, desprovidos de qualquer enquadramento circunstancial, podendo tais episódios ter ou não ocorrido há meses ou recentemente, o que torna, desde logo impossível a invocação de uma eventual caducidade. Na verdade, da descrição efetuada em qualquer uma das notas de culpa não podemos de forma alguma concluir que as mesmas permitem, a cada uma das trabalhadoras, de forma segura, conhecer, ou reconhecer e situar no tempo o concreto comportamento que é imputado a cada uma delas, desde logo, porque os comportamentos estão relatados de forma conclusiva e desprovida de localização, sem que se consiga alcançar quando e onde teria ocorrido o concreto episódio a que o utente se pretendia referir. A expressão “agride-me verbalmente” nada elucida e a frase “encostou-me a cabeça ao peito dela e bateu-me três vezes na cabeça” também é muito pouco elucidativa, ficando sem se compreender, quando, como, onde e em que circunstâncias é que tal factualidade ocorreu. É assim de concluir pela irregularidade de cada uma das notas de culpa com a consequente invalidade do procedimento disciplinar e ilicitude do despedimento nos termos do n.º 1 do art.º 382.º do CT. uma vez que não cumprem a exigência legal de conter a descrição circunstanciada dos factos que são imputados a cada uma das trabalhadoras. Ao invés, as referidas notas de culpa limitam-se a conter imputações conclusivas e genéricas, não se encontrando a minimamente concretizadas em termos descritivos as eventuais condutas praticadas que se subsumam àquelas expressões/afirmações, quando ocorreram, onde e em que circunstâncias. Insurge-se a Recorrente também quanto ao facto de o Tribunal a quo ter considerado que a decisão final do procedimento disciplinar padece de falta de fundamentação. Importa assim, apurar, se a decisão do processo disciplinar foi ou elaborada de acordo com o disposto no art.º 357.º, nº. 5 do Código do Trabalho. A este propósito nas decisões recorridas, que como já acima referimos são similares, refere-se o seguinte: “(…) nos termos do disposto no artigo 382º nº 2 al. d) do Código do Trabalho, o procedimento é inválido se a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do nº 4 do artigo 357º ou do nº 2 do artigo 358º. Por sua vez, o art. 357º nºs 4 do Código do Trabalho dispõe que “na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no nº 3 do art. 351º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a sua responsabilidade”. O nº 5 da mesma disposição legal estabelece que a decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito. Por fim o art.º. 351º nº 3 do Código do Trabalho dispõe que “na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.” Ora, como resulta dos factos provados sob a alínea f), a comunicação do despedimento efectuada pela R. à trabalhadora limita-se à mera notificação da vontade do empregador fazer cessar o contrato de trabalho e à referência abstracta às disposições legais que supostamente sustentam a decisão. Mas é completamente omissa quanto aos fundamentos de facto da mesma. Na verdade, a referida comunicação não contém qualquer referência, expressa ou por remissão, aos factos que o empregador considerou provados e que justificaram o despedimento e muito menos se refere à ponderação das circunstâncias concretas das quais decorre a impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral. Não cumpre, pois, a decisão de despedimento os requisitos estabelecidos no art. 357º nºs 4 e 5 do Código do Trabalho, o que acarreta a invalidade do procedimento e a ilicitude do despedimento, por força do disposto no art. 382º nº 1 e 2 al. d) do mesmo diploma. Procedem, pois, as excepções de invalidade do despedimento por irregularidade da nota de culpa e por falta de fundamentação da decisão de despedimento invocadas pelo trabalhador na sua contestação, ficando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos de invalidade do despedimento invocados pela A.” Como é sobejamente sabido a decisão de despedimento tem de ser fundamentada, o que significa que se tem de alicerçar nos factos que o empregador considere demonstrados no decurso do procedimento disciplinar, não podendo ser invocados factos que não constem da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a sua responsabilidade. Contudo é admissível a fundamentação indireta, ou seja, por remissão para outra peça do processo, designadamente para a nota de culpa ou para o relatório final de instrução, caso este exista[5]. Como refere a propósito da decisão final do procedimento disciplinar Paulo Sousa Pinto[6] “(…) a decisão seja, efetivamente, acompanhada, pelo documento ao qual se adere ou para o qual se remete, estar-se-á a dar a possibilidade ao trabalhador de ele conhecer os motivos e as razões por que se decidiu de um modo e não de outro, e estar-se-á a permitir, inclusive, que ele aceda às premissas de facto e de direito em que assenta a decisão.” Por outro lado, a falta de fundamentação determina a invalidade do procedimento disciplinar e a consequente ilicitude do despedimento. Regressando aos casos em apreço teremos de dizer que não assiste qualquer razão à recorrente, tal como resulta da factualidade provada, ponto f) dos pontos de facto provados, em ambos os processos. A decisão do despedimento notificada a cada uma das trabalhadoras limita-se a comunicar a cessação do contrato de trabalho da iniciativa do empregador com referência às disposições legais que supostamente sustentam a decisão, sendo totalmente omissa quanto aos fundamentos de facto que determinaram o despedimento, nem sequer remete para a nota de culpa. Da referida decisão não consta qualquer referência, expressa ou por remissão, aos factos que o empregador considerou provados e que justificaram o despedimento, nem da mesma resulta que tenha sido efetuada qualquer ponderação das circunstâncias concretas que permitiu concluir pela impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral, nem consta qualquer factualidade que permita concluir pela adequação do despedimento à culpabilidade das trabalhadoras. Daqui decorre que qualquer uma das trabalhadoras quando receberam a decisão final – comunicação do despedimento, não tiveram completo conhecimento nem dos factos de que foram acusadas, nem da fundamentação subjacente à tomada dessa decisão, pois ao invés do afirmado pela recorrente, a decisão final não remete e forma expressa para a nota de culpa, limitando-se a mencioná-la sem que contenha qualquer referência, expressa ou por remissão, aos factos que o empregador considerou provados e que justificaram o despedimento. Tudo isto para concluir que a Recorrente não cumpriu com o dever de fundamentação previsto nos ns.º 4 e 5 do art.º 357.º do CT, razão pela qual os procedimentos disciplinares também são inválidos por falta de fundamentação da decisão final e consequentemente são ilícitos os despedimentos. Improcedem assim, os recursos de apelação em separado, sendo de confirmar as decisões recorridas. V – DECISÃO Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acordam os Juízes neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento aos recursos de apelação interpostos por SANTA CASA DA MISERICÓRDIA ... mantendo-se na íntegra as decisões recorridas. Custas a cargo da Recorrente. Notifique. 3 de Dezembro de 2024 Vera Maria Sottomayor (relatora) Francisco Pereira Maria Leonor Barroso [1] Neste sentido ver entre outros Ac. STJ de 14.07.2021 (relator Fernando Baptista), proc. n.º 65/18.9T8EPS.G1.S1. [2] Neste sentido, ver entre outros o Acórdão do STJ de 14.11.2018, Proc. 94/17.0T8BCL–A.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt, onde se escreve: “(…) a nota de culpa desempenha a função própria da acusação em processo-crime: por isso, nela deve constar a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extraia a imputação de uma infracção ao trabalhador. Os comportamentos imputados ao trabalhador, susceptíveis de integrar infracção disciplinar, devem ser descritos na nota de culpa com a narração, tão concreta quanto possível, do circunstancialismo de tempo, lugar e modo em que ocorreram, de forma a permitir ao arguido o perfeito conhecimento dos factos que lhe são atribuídos, a fim de poder organizar adequadamente a sua defesa”. [3] Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ªedição, página 921 [4] Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, página 211 [5] Neste sentido entre outros Acórdão do STJ, proferido no proc. n.º 1321/06.4TTLSB.L1.S1 ( no domínio do CT 2003) no qual se refere o seguinte “ora, como por este Supremo Tribunal tem sido reiteradamente afirmado, a decisão de despedimento tem de constar de documento escrito e tem de ser fundamentada, mas a lei não proíbe que a fundamentação seja feita por remissão para o relatório elaborado pelo instrutor do processo disciplinar, uma vez que, ao remeter para tal relatório, o empregador subscreve a fundamentação aí aduzida pelo instrutor, o que torna a sua decisão verdadeiramente fundamentada. Como do teor da transcrita decisão de despedimento se constata, a ré, após ter analisado cuidadosamente o processo disciplinar, “decidiu acompanhar a proposta do Senhor Instrutor e, nessa medida, aplicar ao trabalhador arguido” a sanção de despedimento com justa causa. Ora, no contexto em que se encontra inserida, a expressão acompanhar a proposta do instrutor não pode ser interpretada à letra, mas antes valer, por força do disposto no art.º 236.º, n.º 1, do C.C., com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário (o autor), pudesse deduzir do comportamento do declarante (a ré). E para nós é evidente, que o sentido que o autor podia e devia deduzir daquela expressão era o de que a ré tinha aderido não só à proposta de despedimento vertida na parte final do relatório elaborado pelo instrutor do processo disciplinar, mas também à fundamentação – exaustiva, aliás – em que a mesma se sustenta, o que vale por dizer que a decisão de despedimento se mostra devidamente fundamentada”. [6] Procedimento Disciplinar no âmbito do Direito do Trabalho Português, Almedina, pág. 408 |