Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
444/25.5T8VNF-A.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: EXEQUIBILIDADE
DECISÃO PROFERIDA EM PROCEDIMENTO CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/05/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. As decisões finais proferidas num procedimento cautelar não deixam de ser coercivas e executórias quando imponham obrigações ao Requerido, apesar de serem provisórias: têm total força executória enquanto vigorarem.
2. Estas decisões podem ser consideradas sentenças condenatórias ou a estas equiparáveis (artigo 703º, n.º 1, alínea a), e 705º, nº 1 do Código de Processo Civil): o que ocorre é que a execução se tem que extinguir ou modificar na sequência da eventual alteração ou caducidade da decisão cautelar em função da sua relação com a ação final, sendo este o risco inerente à execução de uma decisão judicial provisória.
3. A sanção fixada numa providência cautelar é exigível e exequível até ao trânsito em julgado da sentença a proferir na ação principal, visto que o artigo 829º-A nº 1 do Código Civil não distingue na previsão da sanção pecuniária compulsória se a obrigação se encontra fixada de forma definitiva ou não.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

O requerimento executivo para prestação de facto contra o qual  a embargante apresentou oposição mediante embargos de executado exibiu como título executivo a sentença proferida no procedimento cautelar, com o seguinte decisório: “a) ordena-se a Requerida a restituir à Requerente a posse do logradouro do prédio urbano…; b) condena-se a Requerida a executar todos os trabalhos necessários à restituição determinada em a), repondo a parcela de terreno no estado em que se encontrava antes dos atos levados a cabo pela mesma; c) condena-se a Requerida a abster-se de praticar atos que impeçam, dificultem ou de alguma forma perturbem o exercício da posse da requerente; d) condena-se a Requerida na responsabilidade total das custas processuais, sem prejuízo de a taxa de justiça paga ser atendida, a final, na ação respetiva. e) absolve-se a Requerida do peticionado quanto à aplicação de sanção pecuniária compulsória.”
Nesse requerimento executivo veio alegado, em síntese, que “até à data, a Executada não cumpriu com o determinado na referida sentença, não tendo procedido à restituição do logradouro, concretamente, não efetuou a demolição do muro que construiu indevidamente quer na entrada quer na delimitação a norte do referido prédio, repondo-a no estado em que se encontrava antes da apropriação que efetuou, continuando assim a impedir e perturbar o exercício da posse da aqui Exequente”. Vem pedido que, na eventualidade de a executada não realizar a prestação em dez dias (ou noutro prazo judicialmente fixado), que o tribunal determine a realização da prestação por terceiro, à custa da executada, devendo ser efetuada perícia para avaliação de tal prestação, bem como a aplicação de sanção a aplicação de sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 150,00 euros por cada dia de atraso em que se mantiver a violação de abstenção pela executada de atos que impeçam, dificultem ou de alguma forma perturbem o exercício da posse da exequente.
 No seu requerimento de embargos, a Recorrente requereu que fosse “julgado liminarmente improcedente o pedido de restituição da posse do logradouro do prédio que o embargado identifica no requerimento executivo, uma vez que essa restituição já se mostra judicialmente cumprida, nos termos legalmente prescritos para o efeito; deve ainda ser julgada improcedente a pretensão de fixação de uma sanção pecuniária compulsória com os fins alegados pelo embargado, atenta a natureza provisória e precária no tempo da decisão cautelar dada à execução; e, por fim, face á prestação de caução que irá ser  requerida por via do incidente apropriado, deve suspender-se a execução no que respeita à pretensão da demolição do muro”.
Alegou, para tanto e em síntese: a competência da prática do ato de restituição provisória de posse é da secretaria judicial, não cabendo à aqui embargante praticá-lo; em face da natureza instrumental e da sua natureza temporária as medidas cautelares as mesmas não podem ser impostas coercivamente, pelo que, não tendo sido decidida a aplicação de uma qualquer sanção pecuniária na decisão cautelar, não pode a mesma ser fixada em sede de execução, nem se pode proceder à demolição do muro.
Foi proferida decisão, sob recurso, que julgou: “Indeferir liminarmente a presente oposição à execução, mediante embargos de executado, deduzidos pela embargante/executada AA, ao abrigo do disposto no art. 732.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil e, por conseguinte, prosseguir com a execução; Convidar o exequente a aperfeiçoar o requerimento executivo no que respeita ao pedido de sanção pecuniária compulsória [a concretizar no âmbito dos autos principais – de execução], esclarecendo quais os atos levados a cabo pela executada, necessariamente posteriores ao trânsito em julgado da decisão dada à execução, que impedem, dificultam ou de alguma forma perturbam o exercício da posse do logradouro por parte do exequente, ao abrigo do disposto nos arts. 6.º, n.º 2, 726.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.”

É desta decisão que a Recorrente interpõe recurso, com as seguintes
conclusões:
[…]
13ª. Na formulação dada pelo douto Acórdão da Relação de Guimarães de 15/04/2021, proferido no Proc. 173/10.4TBTMC-D.G1 (acessível em www.dgsi.pt), a natureza de instrumentalidade e a inidoneidade de se transformarem numa tutela definitiva, implica que as medidas cautelares se destinam a ser absorvidas pelo juízo de mérito que vier a resultar do processo de declaração plena, o que constitui argumento bastante para que a doutrina considere que as mesmas não podem ser coercivamente impostas, face à sua natureza temporária ou de duração certa, que podem ou não subsistir em consequência da decisão de mérito que vier a ser proferida na acção principal.
14ª. Atenta a sua natureza instrumental, as providências cautelares não se destinam, por regra, a realizar, de forma direta e principal, o direito material, mas antes a assegurar que o processo principal atinja o seu objetivo, qual seja o de regular, de forma eficaz e definitiva, o litígio.
15ª. A decisão proferida no procedimento cautelar não faz caso julgado na ação principal correlativa – nem há litispendência entre ambas, seja qual for a ordem da sua pendência – o que constitui expressão inequívoca do princípio da autonomia da providência cautelar. O mesmo é dizer que a provisoriedade e o caso julgado material excluem-se, pelo que a decisão proferida em tal procedimento jamais assume força de caso julgado.
16ª. Não tendo sido decidida a aplicação de qualquer sanção pecuniária compulsória na decisão cautelar dada à execução, não faz o menor sentido fixar-se nesta sede executiva, com o seu período de vida limitado ao lapso temporal que termina quando da prolação da sentença nos autos principais e do seu trânsito em julgado, uma qualquer sanção pecuniária compulsória,
17ª. O fumus bonus do direito invocado pelo exequente no procedimento cautelar está a ser objecto de forte contestação, que seguramente será afectado de forma séria na decisão a proferir nos autos principais, face a tudo quanto aí é alegado e bem assim também face ao pedido reconvencional de declaração de nulidade do título formal de onde os aí AA. alegam provir o seu direito real.
18ª. A reposição no estado anterior do espaço físico onde se encontra construído o muro na entrada a sul não foi objecto do procedimento cautelar, apenas o tendo sido o muro na estrema norte do terreno que o exequente diz pertencer à herança de que é administrador.
19ª. Face ao previsto no artº 868º, nº 3 do CPC, que determina que o recebimento da oposição tem os efeitos indicados no artigo 733.º nº 1, al. a), de que o recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se o embargante prestar caução, a  apelante exerceu esse direito de sustação da execução através da prestação de caução idónea a garantir o cumprimento da execução desses trabalhos relativos ao muro invocado pelo embargado, o que foi requerido ao abrigo do disposto nos artºs 913º e 915º do CPC..
20ª. Sendo o fim da ação executiva o de conseguir para o credor a mesma prestação e benefício que lhe traria o cumprimento voluntário da obrigação, torna-se necessário, quando o devedor não cumpre, que a obrigação se torne efectiva, pelo valor que representa no património do devedor, através da penhora de bens que fiquem afectos a esse cumprimento, cuja função é garantida precisamente pela caução cuja prestação foi requerida.
21ª. A caução requerida pela apelante deverá ser admitida como meio de suspender os efeitos da execução, sendo seguro que a mesma é idónea ao fim em vista, pelo que caberá ao Tribunal fixar apenas o seu valor, para que a mesma seja prestada na espécie e pela forma requeridas pela apelante.
22ª. Perante o que se deixa alegado, torna-se evidente que o pedido executivo correspondente à al. a) da decisão exequenda terá que ser liminarmente indeferido, devendo a execução ser admitida apenas para os efeitos decisórios das als. b) e c) do título dado à execução, relativamente aos quais deverá ser admitida a prestação de caução, nos termos peticionados nos embargos e no incidente de prestação de caução deduzidos.
23ª. A sentença recorrida fez, assim, com a devida vénia, uma incorrecta interpretação das normas dos artºs 172º, nº 2, 184º e 378º do CPC, bem como da previsão do artº 729º, al. a) in fine, do mesmo diploma, determinantes da solução de Direito com a qual a apelante se não conforma e por cuja revogação aqui pugna.
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Excias., deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, em consequência do que deverá ser recebida a oposição à execução por embargos de executado e ser liminarmente indeferida a pretensão executiva correspondente à al. A) do segmento decisório do título executivo; e quanto às decisões das al.s B) e C) do mesmo título, deve ser decidido o prosseguimento da execução para conhecimento do pedido de prestação de caução, tudo com as demais consequências legais, por assim ser conforme ao Direito e à Justiça.”
Os recorridos responderam, terminando as suas alegações com as seguintes
conclusões:
[…]

II- Objeto do recurso
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Assim, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, não pode este tribunal apreciar questões que não tenham sido levantadas nas alegações; da mesma forma também não pode decidir questões que não tenham sido levantadas antes destas (as denominadas questões novas), exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Tudo posto, face às conclusões do recurso e da resposta, importa analisar as seguintes questões, por ordem lógica:

-1- se a Recorrente podia invocar o erro na forma do processo no âmbito do recurso e as suas consequências;
-2- se a Recorrente pode ter razão quando invoca que a primeira obrigação foi cumprida;
-3- se as demais obrigações são dotadas de executoriedade e
-4-  se é possível fixar uma obrigação pecuniária compulsória para reforçar obrigações fixadas em sede de decisão final de um procedimento cautelar.

III- Fundamentação de Facto

A matéria de facto relevante para a decisão é de natureza processual e já se encontra elencada no relatório.

IV- Fundamentação de Direito

1.- Da executoriedade da decisão cautelar
Como é sabido, para que se possa obter a execução judicial de uma obrigação tem que se verificar a sua determinação, exigibilidade e liquidação e a mesma tem que estar plasmada num título executivo, o qual lhe concede a probabilidade séria da sua existência.
No presente caso, as obrigações dadas à execução foram as constantes da decisão final do procedimento cautelar e consistiam:
.1. na restituição pela Requerida à Requerente da posse do logradouro m.i. na decisão,
.2. na execução de todos os trabalhos necessários a tal restituição, repondo a parcela no estado em que se encontrava antes dos trabalhos que levou a cabo e
 .3. na abstenção de atos que impeçam ou perturbem tal posse.
Mas se pediu no requerimento executivo a aplicação de sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a 150,00 € por cada dia de atraso.
Observadas as obrigações constantes do documento dado à execução verifica-se que consistem (1) numa obrigação de entrega de coisa determinada (cuja exequibilidade está prevista no artigo 827º do Código Civil), (2) noutra obrigação de prestação de facto positivo com as obras necessárias à reposição da parcela no estado em que se encontrava (cuja exequibilidade está prevista no artigo 828º do Código Civil)  e (3) numa obrigação de prestação de facto negativo (cuja exequibilidade está prevista no artigo 829º do Código Civil).
Quanto ao título executivo, as mesmas encontram-se lavradas numa decisão final, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, transitados, proferidos no âmbito de um procedimento cautelar.
As decisões cautelares que contenham uma condenação são títulos executivos, como decorre expresso da última parte do artigo 375º do Código de Processo Civil, que prevê a sua execução coerciva. Mesmo que se considerasse que a decisão cautelar não é uma verdadeira sentença, o que pode ser discutido, a sua força executória encontrar-se-ia estabelecida no nº 2 do artigo 705º do Código de Processo Civil, que equipara às sentenças, sob o ponto de vista da força executiva, os despachos e quaisquer outras decisões ou atos da autoridade judicial que condenem no cumprimento duma obrigação.
Assim, “A decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar de restituição provisória de posse que, para além de ordenar a restituição da posse da coisa esbulhada (cuja entrega material será executada antes da notificação ao requerido para deduzir oposição ou interpor recurso), também determina a prática de certos actos ao requerido e/ou a abster-se de realizar certos actos, tudo com vista à concretização e à manutenção da posse provisória do requerente, e que fixa, ainda e concomitantemente, uma sanção pecuniária compulsória para constranger o requerido àquela prática e/ou àquela abstenção, constitui um título executivo logo que decorra o respectivo prazo de recurso ou, havendo recurso, logo que no respectivo despacho da sua admissão lhe seja fixado o efeito devolutivo.”, como lapidarmente se sumariou no acórdão desta Tribunal da Relação de Guimarães em 23-11-2023,  no processo 470/22.6T8AVV-C.G1.
Neste sentido, também o acórdão desta Relação, no processo 624/17.7T8VNF.G1, de 24-09-2020, cujo certeiro sumário também se transcreve parcialmente: “Nestes casos, como em outos em que está em causa o pagamento de uma quantia certa, entrega de coisa certa, prestação de facto positivo ou negativo, o requerente tem o ónus de impulsionar a sua execução, sob pena de ineficácia do procedimento. 4 - Nessa medida, não poderá deixar de se entender, que a decisão proferida no procedimento cautelar encerra uma verdadeira decisão judicial, nos termos e para os efeitos do disposto pelos artigos 703º alínea a) e 705º do C.P.C., com as características da coercibilidade e executoriedade.”
Enfim, as decisões finais proferidas num procedimento cautelar não deixam de ser coercivas e executórias quando imponham obrigações ao Requerido, apesar de serem provisórias: têm total força executória enquanto vigorarem.

2- Da oposição por embargos de executado

Isto posto, há que concretizar, averiguando das razões apresentadas pela Recorrente.

a) -- Do erro na forma do processo
O primeiro motivo que a Recorrente invoca nas suas alegações é o erro na forma do processo, por ter sido intentada execução para prestação de facto e não uma execução para entrega de coisa certa.
Não alegou esta razão no seu requerimento de embargos, pelo que lhe está vedada a sua arguição neste momento: o artigo 198º do Código de Processo Civil estabelece que só pode ser arguida até à contestação ou neste articulado, o que é aplicável à execução, com a necessária adaptação (artigo 551º nº 1 do Código de Processo Civil). Ora, porque a petição inicial dos embargos de execução é o articulado em que o executado exerce a faculdade de oposição à execução, esta nulidade só pode ser arguida até esse momento. Neste sentido, cf o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-03-2021, no processo 3046/17.6T8VNF-E.G1: “O erro na forma de processo na ação executiva apenas pode ser invocado até à oposição à execução; isto é, o executado apenas pode invocar a nulidade decorrente do erro na forma do processo até deduzir a oposição à execução mediante embargos de executado, podendo fazê-lo neste articulado.”
Assim, esta arguição é extemporânea, não podendo agora ser conhecida.
Diga-se, de qualquer modo, que a Recorrente carece de razão, porque o artigo 710º do Código de Processo Civil permite que se cumulem numa só execução todos os pedidos julgados procedentes se o título executivo for uma sentença, mesmo que correspondam a tipos diferentes de processo e caso ocorresse tal nulidade (que não ocorre) no presente  nada existiria a alterar (nem sequer a espécie da distribuição –artigo 212º do Código de Processo Civil), para que o processo se aproximasse, quanto possível, da forma estabelecida pela lei tão pouco ocorreu qualquer diminuição das garantias  dos executados (artigos 193º nº 1 do Código de Processo Civil).
Improcede esta arguição.

b) -- Do cumprimento da primeira obrigação
A Recorrente afirma que a entrega do bem já foi efetuada, porquanto a secretaria cumpriu o mandado que foi emitido na sequência do deferimento da providência requerida.
No entanto, nos presentes autos, como tão bem salienta a sentença, ocorreu uma expressa condenação da Recorrente na entrega do bem aos Recorridos (basta ler a condenação supra reproduzida), não foi apenas determinado que fosse emitido um mandado nesse sentido e a sua notificação.
É certo que a Recorrente cita autores que referem a existência de uma investidura na posse do imóvel efetuada pelo Tribunal, mas nada se verificou nos autos nesse sentido, nem tal foi determinado. A embargante assume que não cumpriu tal determinação, ao afirmar que a mesma ocorreu mediante simples ato da secretaria, ao notificar o mandado.
Não se consegue sufragar a ideia de que outrem efetuou a obrigação que foi imposta diretamente à Recorrente e que bastava o mandado judicial notificado para se considerar a obrigação cumprida.
Assim, estes fundamentos invocados pela embargante não afastam a atualidade da obrigação que lhe foi imposta.

c) -- Da provisoriedade das obrigações de facto positivo e negativo
A Embargante define, no que se concorda, a obrigação plasmada na alínea b) da condenação como uma prestação de facto positivo que se reconduz à condenação da apelante a “executar todos os trabalhos necessários à restituição determinada em a), repondo a parcela de terreno no estado em que se encontrava antes dos atos levados a cabo pela mesma”, que é objectivado no pedido deduzido pelo exequente/embargado na petição inicial do procedimento cautelar, qual seja, “a retirada do muro construído pela Requerida, bem como tudo o que demais impeça, dificulte ou de alguma forma perturbe o exercício da posse.”
Não é claro se retira executoriedade a esta decisão por entender que “uma decisão cautelar nunca é uma decisão judicial definitiva, na medida em que não decide de forma definitiva a situação de facto e a aplicação do Direito ao diferendo entre as partes”.
Se é certo que este princípio deve interferir na definição do pedido e da condenação cautelar, o mesmo de forma alguma retira eficácia executória a essa decisão.
Como é sabido, também são exequíveis as decisões judiciais objeto de recurso sem efeito suspensivo da decisão, (artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil) e estas também não se podem considerar definitivas, porque ainda sujeitas a revogação ou confirmação. Neste caso, a execução extingue-se ou modifica-se em conformidade com a decisão definitiva ou intermédia se também não lhes for atribuído suspensivo, como resulta do artigo 704º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Tal como resulta do acórdão da Relação de Guimarães de 15/04/2021, proferido no Proc. 173/10.4TBTMC-D.G1, justamente apelidado de exemplar pela Recorrente, na parte não citada: “Contra isto não vale argumentar com a natureza provisória das decisões cautelares. A provisoriedade não é sinónimo de inexequibilidade, como meridianamente resulta do art. 391º. Pelo contrário, a exequibilidade das decisões cautelares que imponham imediatamente um dever de agir é condição fundamental para a sua eficácia” (Apud Acórdão do Tribunal da Relação de 3050/11.8TBCSC-B.L1-2, de 10.01.2013, disponível www.dgsi.pt).”
Em resumo, não há dúvidas quanto à executoriedade das decisões finais em procedimentos cautelares que fixem obrigações aos requeridos, as quais podem ser consideradas sentenças condenatórias ou a estas equiparáveis (artigo 703º, n.º 1, alínea a),  e 705º, nº 1 do Código de Processo Civil): o que ocorre é que a execução se tem que extinguir ou modificar na sequência da eventual alteração ou caducidade da decisão cautelar em função da sua relação com a ação final, sendo este o risco inerente à execução de uma decisão judicial provisória.
Assim, também as obrigações supra identificadas sob as alíneas b) e c) são dotadas de executoriedade.
A Recorrente relaciona estas obrigações com a prestação de caução, mas esse incidente não foi discutido nesta sede de embargos e não foi posta em causa a decisão que remeteu a sua apreciação para o apenso B.

d) - Da fixação de sanção pecuniária compulsória no processo executivo
A Recorrente invoca, tudo sempre em síntese,  que  “não tendo sido decidida a aplicação de qualquer sanção pecuniária compulsória na decisão cautelar dada à execução, não faz o menor sentido fixar-se nesta sede executiva, com o seu período de vida limitado ao lapso temporal que termina quando da prolação da sentença nos autos principais e do seu trânsito em julgado, uma qualquer sanção pecuniária compulsória”.
A sanção pecuniária compulsória visa reforçar as decisões obrigatórias. Há que ter em conta que a execução efetiva de uma decisão judicial é elemento fundamental do Estado de direito e essencial à confiança que os cidadãos devem ter no poder judicial. Tal ocorre também com as decisões proferidas em procedimentos cautelares que, como vimos, são obrigatórias enquanto vigoram. De outra forma, se lhes retirássemos exequibilidade careceriam de sentido, nada adiantariam na proteção do direito que visaram proteger, visto que sempre se teria que aguardar pela decisão definitiva.
O artigo 829º-A nº 1 do Código Civil não distingue na previsão da sanção pecuniária compulsória se a obrigação se encontra fixada de forma definitiva ou não, distingue, sim, quais as obrigações que dela podem beneficiar:  só as prestações de facto, positivo ou negativo, de natureza infungível podem ser reforçadas por este meio.
A sanção fixada numa providência cautelar é exigível e exequível até ao trânsito em julgado da sentença a proferir na ação principal, mesmo que não seja pedida nesta ação, desde que o direito que as mesmas pretendiam acautelar seja reconhecido na ação principal. Neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 05 de Novembro de 2009, no processo n.º 661/08.2YYLSB-B.L1-2, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 13 de Julho de 2016, no processo n.º 2727/13.8YYPRT, do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 25 de Junho de 2020, no processo n.º 5315/17.6T8VNF-A.G1, do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 22 de Setembro de 2021, no processo n.º 5315/17.6T8VNF-A.G1, todos disponíveis emwww.dgsi.pt.” cf Vânia Filipe Magalhães in O papel do juiz no cumprimento das obrigações: a sanção pecuniária compulsória, p.8, nota 18, revista Julgar de dezembro de 2022 .
Assim, também por aqui é patente que a oposição com este fundamento não podia proceder.
Destarte, bem andou a decisão recorrida em indeferir liminarmente os embargos por manifesta improcedência, nos termos previstos no nº 1, alínea com) do artigo 732º do Código de Processo Civil.

V- Decisão

Por todo o exposto, julga-se a apelação improcedente e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente (artigo 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Guimarães, 05 de junho de 2025

Sandra Melo
Margarida Pinto Gomes
Luís Miguel Martins