Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANA CRISTINA DUARTE | ||
Descritores: | OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR RECONSTITUIÇÃO NATURAL DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO RESTAURAÇÃO NATURAL INDEMNIZAÇÃO POR EQUIVALENTE DANO FUTURO DANO DE PRIVAÇÃO DO USO CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO EQUIDADE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/27/2019 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE A APELAÇÃO DO AUTOR IMPROCEDENTE A APELAÇÃO DO RÉU | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. Na obrigação de indemnizar deve, em princípio, proceder-se à reconstituição natural, sendo sucedânea a indemnização por equivalente. 2. Mas esse princípio - como os demais, relacionados com o direito/dever de indemnizar -, são instituídos em benefício do lesado e não do lesante, pelo que a indagação de saber se em cada caso concreto cabe a restauração natural ou a indemnização por equivalente, tem a ver com a melhor forma de satisfazer, não o interesse do lesante, mas o do lesado. 3. Não se revela possível proceder à reconstituição natural da situação anterior à do evento danoso, quando houver falta de precisão/exatidão quanto àquele que seria o estado anterior daquela situação (da casa, dos muros e do terreno), não se sabendo a exacta configuração da realidade anteriormente existente. 4. A simples privação do uso de uma coisa contra a vontade do proprietário consubstancia um dano porque só ele tem o direito de fruir dela e a utilizar quando lhe aprouver, ainda mais quando se provou que o dono da casa a usava 40 noites por ano e ficou impossibilitado de continuar a fazê-lo, uma vez que a mesma foi destruída pelo réu. 5. A perda da possibilidade de utilização do bem quando e como lhe aprouver tem valor económico, devendo recorrer-se à equidade para o cálculo da correspondente indemnização, por não ser possível avaliar o valor exato dos danos. | ||
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Decisão Texto Integral: | H. F. instaurou a presente acção declarativa contra o Município de X, pedindo a condenação do R. a: a) Reconhecer que é dono e possuidor do prédio identificado no art. 1º da p.i.; b) Abster-se de praticar qualquer acto lesivo e ofensivo da propriedade do A.; c) Desocupar toda a área do prédio que esteja ocupada; d) Recolocar todas as construções, edificações e plantações que existiam no prédio antes da sua intervenção; e) Caso a reconstrução não seja possível ou não venha a ser realizada no prazo de 60 dias após a condenação do R. para o efeito, alternativamente, deve o R. ser condenado a pagar-lhe a quantia de € 74.500,00, assim discriminados: € 49.600,00 para reconstrução das edificações existentes; € 7.500,00 para reconstrução do muro de pedra que dividia o prédio; € 7.500,00 para reconstrução do muro de pedra que delimitava o prédio; € 650,00 pelas 13 oliveiras retiradas; € 150,00 pelos 3 castanheiros retirados; € 10.000,00 para movimentos de terras, para recolocar o solo no estado em que se encontrava; f) Pagar-lhe € 1.600,00, acrescidos das quantias que venha a desembolsar por não poder pernoitar no prédio enquanto este não for reconstruído, a liquidar em execução de sentença. Alegou em síntese que é possuidor e proprietário de um prédio, e que o R. destruiu uma casa ali existente, bem como dois muros, e procedeu à remoção de terras, tendo retirado do prédio 13 oliveiras e 3 castanheiros, quantificando os danos. Acresce que o A. pernoitava cerca de 40 noites por ano na casa em questão, o que ficou impossibilitado de continuar a fazer, em consequência da sua destruição por parte do R. Contestou o R, impugnando parte da factualidade invocada pelo A., mais invocando que a demolição e terraplanagens que efectuou no prédio ocorreram com a permissão do A., que lhe vendera verbalmente o prédio por € 21.200,00. O A. Replicou, sustentando a sua versão dos factos alegados na p.i. Após várias contingências processuais (quanto à questão da competência do tribunal em razão da matéria), realizou-se a audiência prévia, na qual se homologou a desistência do pedido de condenação do R. no reconhecimento de que o A. é possuidor do prédio em causa. Após audiência de julgamento, foi proferida a seguinte sentença: “Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condeno o R. a reconhecer que o A. é dono do prédio identificado no art. 1º da p.i., com a correcção de área descrita no art. 2º, da p.i.; Condeno o R. a abster-se de praticar qualquer acto lesivo e ofensivo da propriedade do A.; Condeno o R. a pagar ao A. a quantia de € 44.290,00 (…), acrescida de IVA sobre a quantia de € 1.190,00 (…); Julgo a acção improcedente quanto ao demais, absolvendo o R. do pedido, nesta parte…”. O réu interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: 1ª - Como consta dos documentos juntos aos autos, o Município iniciou o processo de aquisição do prédio ao autor, a fim de proceder ao alargamento da estrada camarária que com ele confina. A avaliação pelos técnicos municipais do referido prédio, para aquisição total deste, ou seja a totalidade do prédio incluindo o edifício que lá se encontrava implantado, foi de 21.000 euros. A avaliação do edifício existente em montante superior ao valor total do prédio determinado em avaliação municipal ultrapassa o valor razoável para indemnização ao autor pelo prejuízo que tal demolição causou, mesmo aos preços actuais. O valor atribuído a título de indemnização é pois infundado e superior ao que resulta das provas dos autos. 2ª – Tendo sido provado que o município réu derrubou o muro de vedação, e não sendo impossível ou demasiado oneroso para o réu reconstruir a vedação existente ou mandar executar nova vedação adequada, deve o réu ser condenado na reposição da situação anterior construindo uma nova vedação, inexistindo fundamento para substituir esta reparação por um montante em dinheiro que não se provou corresponde ao valor indemnizatório concreto e adequado. Ao substituir a reconstrução do muro ou a execução de uma nova vedação por indemnização em dinheiro a sentença violou o disposto no artº 562, aplicando de forma infundada o 566º nº 1 do C.Civil. 3ª – Não sendo concretamente demonstrado, nem tendo sido alegado ou provado qual a transformação do prédio resultante da invocada terraplanagem, não pode esta falta de provas e elementos determinantes do dano ser apurada através da equidade. Ao decidir desta forma a sentença violou o disposto nos artº 563 e 566 nº 3 do C.Civil, já que esta norma apenas permite apurar o valor dos danos e não a sua existência. 4ª – A condenação do réu no pagamento da quantia de 10.000 euros de indemnização destinada a repor o terreno nas condições em que se encontrava antes da intervenção do réu é infundada e arbitrária já que não corresponde ao dano considerado provado. A peritagem efectuada refere que: O perito desconhece o estado em que o solo se encontrava antes da movimentação de terras de que foi alvo. Não sendo conhecida a topografia anteriormente existente, não é possível estimar o custo da sua reposição. Para além de não ter sido possível determinar qual a situação anterior á ocupação, a situação do terreno à data do litígio ou actualmente não origina qualquer dificuldade ou diminuição da capacidade de utilização, quer agrícola quer mesmo para construção, pelo que não existe qualquer dano que deva ser indemnizado. Violou a sentença, o disposto no artº 563º do C.Civil. 5.ª - Como refere a sentença, e para além da demolição da construção existente, não foi possível apurar em concreto quais os danos que a actuação do réu originou no prédio do autor, nem a sua extensão. O recurso à equidade apenas é possível após determinação dos danos sofridos, e visa calcular a indemnização compensatória mais justa. Não existindo prova do dano, esta prova não pode ser substituída pela utilização da equidade para o respectivo apuramento. Assim, a sentença violou igualmente o disposto no artº 566º do C.Civil. Face ao exposto, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que atribua ao autor a indemnização de 12.500 euros por destruição do imóvel, absolvendo-se o réu do restante pedido, ou relegando-se o demais para liquidação de sentença, se assim for entendido. O Autor contra alegou, pugnando pela improcedência do recurso, assim como pela inadmissibilidade do recurso da matéria de facto, por inobservância dos requisitos legais. Interpôs ainda recurso subordinado da decisão, no qual apresentou alegações e formulou as seguintes Conclusões: 1. Entende a recorrente que os concretos pontos de facto 11 e 13 foram incorrectamente julgados provados. 2. Serviu de base à motivação do Tribunal o relatório pericial, esclarecimentos do perito e documentação junta; 3. Todavia, a peritagem realizada e esclarecimentos do perito impunham decisão de facto diversa da recorrida. 4. Com efeito, entende a Ré Recorrente que, a propósito, deve ser proferida pelo Tribunal ad quem a seguinte decisão sobre a supra concreta matéria de facto: - 11 - A reconstrução da casa, fazendo-se uma casa nova, com condições de que a casa existente não dispunha, ascende a cerca de € 73.800,00. - 13 - A casa que havia no prédio tinha um valor de mercado de cerca de 29.520,00. DO DIREITO 5. Resultou provado na douta sentença recorrida que: “20 – O A. estava emigrado na Alemanha e passava cerca de 40 noites por ano a pernoitar na casa. 21 - Após a demolição da edificação, o A. viu-se impossibilitado de pernoitar na casa.” 6. Todavia, o Tribunal apenas condenou a Ré a pagar ao A., a este propósito, a quantia de € 1 600 correspondente a € 20 x 40 noites x 2 anos. 7. Está provado que o A. passava cerca de 40 noites por ano, pernoitando na casa e que “após a demolição da edificação, o A. viu-se impossibilitado de pernoitar na casa”. 8. Face ao exposto, deve ainda a Ré ser condenada a pagar ao Autor o valor anual da pernoita, correspondente a € 800 ano, que entre 2011 a 2019 excluindo, ascende a € 5 600 (7 x € 800), correspondendo também tal valor à compensação devida ao Autor pelo referido dano adveniente da impossibilidade de pernoita anual. 9. Tal valor reputa-se mais do que ajustado – diminuto por defeito - uma vez que o A. não peticionou sequer juros, precisamente porque pretendeu ser ressarcido apenas pelo seu dano efectivo! 10. Impõe-se, assim, ao contrário do que foi decido pelo Tribunal a quo e revogando-se esta decisão para além do demais ali decidido a propósito (mantendo-se o 1º e 2º paragrafo da decisão), condenar a Ré a pagar à A. € 55 410 acrescido de IVA sobre a quantia de € 1 190, correspondente a: - € 29 520 do valor de mercado da casa; - € 7 500 de reconstrução dos muros referido no ponto 8 da matéria de facto; - € 1 190, acrescido de iva para reconstrução dos muros referido em 9 da matéria de facto; - € 10 000 para reposição das terras no estado em que se encontravam; - € 1 600 relativo ao custo desembolsado por ausência de pernoita no prédio por dois anos; - € 5 600 relativo ao custo desembolsado pelo A. ou respectivo dano por ausência de pernoita desde 2012 a 2018 inclusivé. Normas violadas: artigos 640º do Código Civil. Nestes termos e nos demais de direito, deve condenar-se a ré a pagar ao autor quantia nunca inferior a € 55.410,00, acrescida de juros desde a decisão da 1.ª instância até efetivo e integral pagamento, mantendo-se o decidido no 1.º e 2.º parágrafo da decisão. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Foram colhidos os vistos legais. As questões a resolver são: - a de saber se deve ser alterada a matéria de facto, de acordo com a pretensão dos recorrentes; - se o R. deveria ser condenado apenas a reconstruir os muros que demoliu e não a pagar a indemnização ao A pela sua demolição; e - se o A. deveria ser ressarcido na totalidade, pelo alegado dano da privação da casa de habitação que foi demolida pelo R. II. FUNDAMENTAÇÃO Foram dados como provados na 1ª Instância os seguintes factos: 1 – Desde antes de 1975 que, o A. e a sua esposa, sempre fizeram uso do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de X, pela freguesia de ..., sob o n º ..., e inscrito na matriz sob o art. 1323, nomeadamente ali habitando até 2001 e posteriormente ali pernoitando anualmente alguns dias e fazendo reparações na casa, à vista de todos, sem oposição, na convicção de ser o prédio da esposa do R. 2 - Por sentença homologatória de partilha proferida em 09/02/1993, no processo de inventário n º 17/91, do T. J. de Vila Pouca de Aguiar, que correu termos por óbito da sua esposa, foi adjudicado ao A. o prédio identificado supra em 1 e infra em 3. 3 - Pela Ap. 306 de 2011/07/19, foi registada a aquisição, por partilha judicial por óbito da esposa do A., a favor do A., do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de X, pela freguesia de ..., sob o n º ..., como sendo uma casa de rés-do-chão e 1º andar, e inscrito na matriz sob o art. 1323. 4 - Tal prédio tinha a área descoberta de 1.100 m2 e coberta de 106,40 m2, num total de 1.206,40 m2. 5 - Nele havia uma casa de tipologia T3, com rés-do-chão e 1º andar, e que no 1º andar tinha uma cozinha, uma sala e três quartos; 6 - Que era construída em pedra, com paredes de cerca de 50 cm de espessura e alvenaria de tijolo, que confrontava com a estrada; 7 - E no terreno tinha vinha, com 2 bardos, com cerca de 25 metros de comprimento, cerca de 7 oliveiras e 1 castanheiro. 8 - No prédio havia um muro de suporte, com cerca de 3,5 metros de altura, que, parcialmente, dividia o prédio em duas áreas; 9 – E havia também um muro de pedra, com cerca de 2,5 metros de altura, que percorria a frente do terreno e o delimitava da estrada. 10 - No início de Outubro de 2010, funcionários do R. ou alguém por conta e a mando deste, destruíram e demoliram a edificação e os muros existentes no prédio e procederam à remoção de terras. 11 - A reconstrução da casa, fazendo-se uma casa nova, com condições de que a casa existente não dispunha, ascende a cerca de € 49.600,00. 12 – Não é legalmente possível reconstruir uma casa como a que havia no prédio, designadamente, porque a mesma não respeitava os actuais regulamentos térmicos, acústicos e de segurança contra incêndios, sem cujo respeito não é legalmente possível construir/reconstruir a casa. 13 - A casa que havia no prédio tinha um valor de mercado de cerca de 24.000,00. 14 - A reposição/reconstrução do muro referido em 8, ascende a cerca de € 1.190,00, acrescidos de IVA. 15 - A reposição/reconstrução do muro referido em 9, ascende a cerca de € 7.500,00. 16 - O valor de cada oliveira que havia no prédio era de cerca de € 50,00. 17 - O valor do castanheiro que havia no prédio era de cerca de € 50,00. 18 - Para recolocar as terras que foram retiradas e recolocar o solo no estado em que se encontrava antes da intervenção do R., será necessário despender cerca de € 10.000,00. 19 – A reconstrução da casa, reposição dos muros e recolocação das terras demora entre 3 e 4 meses, sem se ter em conta o prazo para elaboração e aprovação do necessário projecto para reconstrução da casa. 20 – O A. estava emigrado na Alemanha e passava cerca de 40 noites por ano a pernoitar na casa. 21 - Após a demolição da edificação, o A. viu-se impossibilitado de pernoitar na casa. E foram dados como não provados os seguintes: 1 - A casa tinha casa de banho. 2 - O R. retirou do prédio 13 oliveiras, no valor de € 650,00. 3 - O R. retirou do prédio 3 castanheiros, no valor de € 150,00. 4 - A reposição/reconstrução do muro referido em 8, ascende a € 7.500,00. 5 – A demolição da casa e a terraplanagem das terras ocorreu com a permissão do A., após este ter vendido verbalmente o prédio ao R., por € 21.200,00. 6 – A casa estava em ruínas, com o telhado caído, sem portas e janelas, com o chão em madeira já podre, não valendo mais de € 21.200,00. O projeto de acórdão elaborado pela primitiva relatora, não obteve o acordo dos adjuntos quanto à questão da privação do uso do imóvel, tendo a primitiva relatora ficado vencida quanto a essa parte da decisão, motivo pelo qual este acórdão é relatado pela primeira adjunta – artigo 663.º, n.ºs 3 e 4 do CPC. Uma vez que a restante parte do projeto obteve o acordo de todos, passar-se-á a transcrever o projeto inicial, nessa parte: “Da (pretensa) impugnação da matéria de facto pelo R: Das conclusões de recurso formuladas pelo R, assim como das suas alegações, depreende-se que o mesmo põe em causa a matéria de facto provada, pois discorda dos montantes indemnizatórios em que foi condenado, nomeadamente dos valores atribuídos à casa de habitação que foi demolida, assim como dos demais bens (muros e terraplanagem do terreno). Ora, constam daquela matéria de facto os valores considerados necessários para a reconstrução do imóvel (pontos 11 e 13); os valores para a reposição/reconstrução dos muros (pontos 14 e 15); e o valor para recolocar as terras que foram retiradas e recolocar o solo no estado em que se encontrava antes da intervenção do R (ponto 18). Como se disse, o Réu põe em causa os valores fixados na decisão recorrida naqueles pontos, mas não os impugna especificamente, referindo-se apenas a eles de uma forma muito genérica, e sem os relacionar com qualquer meio de prova em concreto que, no seu entender, levariam a alterá-los para os valores por si defendidos. Mesmo quando se refere ao relatório pericial, não identifica a qual se refere, sendo certo que existem nos autos dois relatórios (um relatório pericial e uma avaliação levada a cabo pelo A). Ora, como bem refere o A. na resposta às alegações de recurso, o R não dá cumprimento, nas suas conclusões de recurso (nem tão pouco nas alegações) aos ónus que lhe são impostos no artº 640º do CPC para impugnar a matéria de facto. Aliás, o R., não obstante a sua discordância quanto aos valores atribuídos aos bens por si derrubados, nem sequer se refere à matéria de facto fixada na decisão recorrida, no sentido de a querer impugnar. Daí que a primeira questão que nos suscitam as conclusões de recurso do recorrente (e as próprias alegações, onde no fundo se reproduz o que é invocado nas conclusões), é de saber se é de admitir o recurso da matéria de facto, à luz do que dispõe o artº 640º do CPC. Efectivamente, como temos vindo a defender de forma sistemática (no seguimento, aliás, da doutrina e da jurisprudência publicada), nos termos do artº 640º do CPC, o recorrente que queira impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, tem que dar cumprimento a um tríplice ónus: - Indicar, individualmente, os pontos da matéria de facto constantes da decisão - provados e não provados -, que considera incorretamente julgados; - Indicar as provas - de entre as que se encontram nos autos e as que foram produzidas em audiência -, que impõem decisão diversa da proferida, com a menção concreta das passagens da gravação dos depoimentos em que funda a impugnação; e - Indicar que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Como se tem considerado, de forma pacífica e uniforme na doutrina e na jurisprudência, o recurso da matéria de facto constitui um instrumento facultado às partes (e ao tribunal), especialmente concebido (apenas) para a correção de erros de julgamento, devidamente assinalados e discriminados pelas partes, as quais, para poderem beneficiar da reapreciação da prova pelo tribunal da Relação, terão de cumprir determinados requisitos, que são os mencionados no citado artº 640º do CPC. O que se exige ao recorrente é, desde logo, que manifeste, de forma clara e inequívoca, que pretende recorrer – também – da matéria de facto da qual discorda, apontando também de forma clara e inequívoca os pontos da matéria de facto dos quais discorda, assim como as razões da sua discordância (com apelo às provas produzidas ou existentes nos autos). Os ónus impostos ao recorrente devem, além disso, mostrar-se cumpridos nas conclusões do recurso e não apenas no corpo das alegações. As conclusões assumem-se, de facto, como as ilações ou deduções lógicas terminais de um ou vários argumentos ou proposições parcelares, finalizando um raciocínio. A imposição do ónus de concluir justifica-se pela necessidade da indicação resumida daquilo que na opinião do recorrente é fundamento de alteração ou anulação da decisão recorrida, evitando que a parte contrária se veja numa situação insustentável na preparação do contraditório, por não entender convenientemente os motivos da divergência do recorrente. Ora, sendo as conclusões do recurso que efectivamente delimitam o seu objecto – artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do CPC - para que se tenha por bem executada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve cada um dos ónus impostos ao recorrente nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artº 640º estar devidamente espelhado nas conclusões do recurso, nem que seja por remissão expressa para o corpo das alegações. Sempre terá o recorrente, na opinião unânime, quer da doutrina, quer da jurisprudência, de especificar, nas conclusões do recurso, os pontos concretos de facto que pretende impugnar, mesmo que apenas venha a indicar os meios de prova em que, para esse efeito, se baseia, no corpo das alegações - no entendimento, sufragado pelo STJ (e que tem sido seguido pelas Relações), de que o “pedido” do recorrente é a impugnação da decisão da matéria de facto relativamente a certos pontos concretos, sendo a “causa de pedir” associada a esse pedido constituída pelo conjunto dos meios probatórios destinados à procedência daquele pedido. Por isso, o pedido deve constar das conclusões, em consequência do princípio de que são as conclusões que balizam o objecto do recurso, embora a indicação dos meios probatórios possa apenas constar da motivação do recurso (corpo das alegações), não sendo obrigatória a sua inclusão nas conclusões. Do exposto se conclui que se o recorrente não fizer constar das conclusões do recurso as menções inscritas no n.º 1 do artigo 640º (pelo menos a indicação dos pontos da matéria de facto dos quais discorda), terá de rejeitar-se o recurso nessa parte, não se conhecendo do seu objecto. Ora, transpondo os ensinamentos expostos para o caso dos autos, da análise das conclusões apresentadas pelo recorrente – e das próprias alegações -, não resulta, desde logo, de forma clara e inequívoca, que o recorrente pretenda impugnar a matéria de facto assente, nem sequer de forma imperfeita, referindo-se apenas, muito genericamente, à errada decisão do tribunal recorrido quanto aos valores atribuídos aos bens por si danificados, dos quais discorda, pelo que, a essa luz, não estamos sequer perante um recurso da matéria de facto. Por outro lado, das conclusões de recurso não consta qualquer referência aos pontos da matéria de facto com os quais o recorrente está em desacordo. Faz-se apenas uma referência ao valor do imóvel, que no entender do recorrente é muito elevado; quanto ao valor do muro de vedação, sobre o qual diz que não se provou o seu “valor indemnizatório concreto e adequado”; e quanto ao valor da terraplanagem, ao qual se refere, apenas dizendo que a sua condenação na quantia de € 10.000, destinada a repor o terreno nas condições em que se encontrava antes da sua intervenção, é infundada e arbitrária já que não corresponde ao dano considerado provado. Ora, como se referiu acima, pelo tribunal recorrido foram atribuídos valores certos aos bens concretamente destruídos pelo R, nos pontos 11,13,14,15,16,17 e 18 da matéria de facto provada, pelo que a discordância do recorrente sobre tais valores haveria de dirigir-se concretamente àqueles pontos da matéria de facto, como o impõe o artº 640º do CPC, com referência também aos meios de prova existentes nos autos que no seu entender levariam a uma decisão diferente da proferida. Não o tendo feito, temos de rejeitar o recurso da matéria de facto que o R. pretendesse deduzir, como o impõe o artº 640º nº1 do CPC. * Da impugnação da matéria de facto pelo A:Entende já o recorrente/A que foram incorrectamente julgados os pontos 11 e 13 da matéria de facto, relacionados com o valor do imóvel derrubado pelo R. Diz que relativamente a tais pontos da matéria de facto, consta da motivação da sentença recorrida que a prova daquela matéria decorre essencialmente da prova pericial. Ora, segundo o A, analisado o relatório pericial, do mesmo consta, a propósito do custo de reconstrução da casa, que “Considerando as referidas áreas e o tipo de construção percepcionada através da imagem 5, é possível estimar o custo médio de mercado para a reconstrução da casa, de aproximadamente € 60. 000, acrescido de IVA à taxa em vigor.” Face ao exposto, diz o recorrente que se impõe alterar o ponto 11 da matéria de facto para o referido valor acrescido de IVA, isto é, para € 73 800,00 (€ 60 000 x 23%, conforme cálculo elaborado pelo referido perito em esclarecimentos ao relatório, por requerimento apresentado nos autos em 22/05/2018). Também a propósito do valor de mercado da referida casa (antes da sua demolição – ponto 13), diz o recorrente que consta do relatório elaborado pelo Sr. Perito (e que fundamentou e motivou a decisão recorrida) que “Considera-se que no caso em apreço, a depreciação corresponderia a cerca de 60% do valor da construção nova, o que tomando em consideração o valor de 60 000€ indicado na resposta à questão 5, obtém-se o valor aproximado de 24 000 €.” Ora, considera o recorrente que o valor da casa, levando em conta a percentagem de desvalorização (de 60%) ascende a € 29.520,00 pelo que deveria o ponto 13 da matéria de facto provada ser alterado no sentido de do mesmo constar que “A casa que havia no prédio tinha um valor de mercado de cerca de 29.520,00.” Mas não concordamos com o raciocínio feito pelo recorrente, que não tem apoio no relatório pericial junto aos autos (e que serviu de base à decisão daqueles pontos da matéria de facto). Quanto ao ponto 11 da matéria de facto, é certo que do relatório pericial e dos esclarecimentos prestados pelo perito em 22/05/2018, consta efectivamente que “o custo médio de mercado para a reconstrução da casa (é) de aproximadamente 60.000€, acrescido de IVA à taxa em vigor, totalizando assim o valor de € 73.800,00.” Assim, face ao que consta do relatório pericial (e ao elevado relevo que lhe foi dado pelo tribunal recorrido em termos probatórios), a alteração daquele ponto impunha-se, não fosse a circunstância de a alteração desse ponto da matéria de facto se revelar de todo inócua para a decisão da causa, já que não se atendeu, na atribuição da indemnização pela demolição da casa, ao seu valor de reconstrução, mas ao seu valor real antes de ser demolida (questão que contende apenas com o ponto 13). Efetivamente como consta da decisão recorrida “A situação patrimonial do A. à presente data, no que diz respeito à casa, seria, em nosso entendimento, a correspondente ao valor de mercado da casa que existiria, que seria de € 24.000,00, e não ao valor em que importaria a sua reconstrução (já que, não era possível reconstruí-la, tal como era, nem se sabendo em quanto importaria fazer uma reconstrução da casa tal como existia, porque não se sabe como é que ela era antes de ser destruída), sendo que, o valor dado como provado como sendo o da reconstrução (…) diz respeito à construção/reconstrução de algo diferente e melhor do que aquilo que o A. tinha (atribuir-se ao A. tal valor indemnizatório, representaria muito provavelmente um enriquecimento do A., porque o deixaria patrimonialmente em melhor situação do que aquela em que estaria se não fosse o evento lesivo, o que violaria a chamada teoria da diferença e a finalidade subjacente ao instituto jurídico em análise). Assim, o R. terá de pagar ao A., a quantia de € 24.000,00…”. Consideramos, assim, que por absoluta desnecessidade, não se altera a redacção deste ponto da matéria de facto. Quanto ao ponto 13, como consta dos esclarecimentos prestados pelo sr. perito em 22/05/2018, “o valor da depreciação considerado corresponde a 60% do valor da construção nova…” Mas esclarece: “No que respeita ao valor do IVA, foi considerada a sua taxa actual de 23% para efeitos de quantificação do custo de reconstrução de uma habitação de características semelhantes à habitação demolida. Poder-se-á colocar a questão se a referida taxa, criada em 1984 e com a variação de valor ao longo dos anos, deve ou não ser considerada para efeitos de cálculo do valor depreciado de uma construção antiga. Independentemente dos entendimentos possíveis, a percentagem de 60% estimada pelo perito incidiu efectivamente apenas sobre o custo base da construção de € 60.000,00, alcançando o valor de mercado do edifício de € 24.000,00, que, no seu entendimento, corresponde ao valor real e corrente do bem”. Ora, parece não restarem dúvidas de que o entendimento do sr. perito não foi, contrariamente ao defendido pelo recorrente, o de fazer funcionar, de forma automática, a percentagem de desvalorização de 60% sobre o valor da reconstrução (já com a incidência do IVA), mas apurar o valor real e corrente do bem à época, que fixou em € 24.000,00, valor que o tribunal considerou ser de atribuir ao imóvel, antes da sua demolição. Não nos merece por isso reparo a redacção do ponto 13 da matéria de facto provada. Assim sendo, e apresentando-se inócua a alteração do ponto 11, consideramos ser de manter na íntegra a matéria de facto dada como provada, sendo com base nela que irão ser apreciadas as demais questões colocadas pelos recorrentes. * Da questão da reconstrução dos muros: Na sentença recorrida decidiu-se condenar o R a pagar ao A. o valor da reconstrução dos muros derrubados, no valor peticionado de € 7.500,00 e de € 1.190,00, acrescidos de IVA. Insurge-se o R contra a decisão recorrida, alegando que tendo sido provado que o município derrubou o muro de vedação, e não sendo impossível ou demasiado oneroso para o réu reconstruir a vedação existente ou mandar executar nova vedação adequada, deve o réu ser condenado na reposição da situação anterior, construindo uma nova vedação, inexistindo fundamento para substituir essa reparação por um montante em dinheiro. Mas sem razão, como é bom de ver. É certo que nos termos do artº 562º do CC - preceito que rege o princípio geral da Obrigação de Indemnização -, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, prevendo-se nesse preceito que na obrigação de indemnizar deve, em princípio, proceder-se à reconstituição natural, sendo sucedânea a indemnização por equivalente. Mas não podemos esquecer que esse princípio - como os demais, relacionados com o direito/dever de indemnizar -, são instituídos em benefício do lesado e não do lesante, pelo que a indagação de saber se em cada caso concreto cabe a restauração natural ou a indemnização por equivalente, tem a ver com a melhor forma de satisfazer, não o interesse do lesante, mas o do lesado, em benefício de quem regem tais princípios (Ac STJ, de 11 de Janeiro de 2007, disponível em www.dgsi.pt). O lesante, caso lhe seja exigida a restauração natural, apenas poderá discutir se ela é excessivamente onerosa para si, devendo, em tal caso, optar-se pela indemnização em dinheiro, podendo também nesse caso discutir-se o respectivo montante. Na verdade, o que interessa é saber de que forma se deve reconstituir a "situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação," sem esquecer que essa solução é estabelecida em favor do lesado e não do lesante, estando por isso na disponibilidade do primeiro, na qualidade de demandante, a formulação do pedido contra o segundo, optando pela melhor forma de ver reparado o seu dano. Por isso, no entender de Júlio Gomes (Cadernos de Direito Privado, 3, pág. 56), quando se opta pela reparação da coisa danificada, nada impede que em determinados casos, o lesado opte (logo) pelos custos para reparar o bem danificado, estando em tais casos ainda no domínio da restauração natural. São os casos, segundo aquele A, em que "o lesado não confiará no lesante para proceder à aquisição do bem substitutivo ou para efectuar as reparações", sendo "o próprio lesado a substituir o bem ou a repará-lo" (Júlio Gomes, ob. E local citados). Foi o que sucedeu, cremos, no caso dos autos, em que o A. logo na p.i. formulou contra o R. o pedido de reconstrução do muro, mas impôs-lhe limites, quer de possibilidade, quer temporais, avançando logo com um pedido subsidiário, para o caso de aqueles limites não serem cumpridos. Ou seja, o Autor peticionou que se condenasse o Réu a “Recolocar todas as construções, edificações e plantações que existiam no prédio antes da sua intervenção” e caso a reconstrução não fosse possível ou não viesse a ser realizada no prazo de 60 dias após a condenação do R. para o efeito, deveria o R. ser condenado a pagar-lhe a indemnização equivalente. Ora, fazendo o A. depender a reconstituição natural dos factos danosos da mesma ser feita em 60 dias, face ao que ficou provado em 19 – de que “A reconstrução da casa, reposição dos muros e recolocação das terras demora entre 3 e 4 meses, sem se ter em conta o prazo para elaboração e aprovação do necessário projecto para reconstrução da casa” – a reconstituição natural revelava-se inexequível. Além disso, como bem se discorreu na sentença recorrida, “…A reparação desse dano, deve, em princípio, fazer-se reconstituindo a situação que existiria, a chamada reconstituição natural, não fosse o evento que obriga à reparação – art. 562º, do C.C. A reparação só deve fazer-se em dinheiro, quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor – art. 566º, n º 1, do C.C. E a impossibilidade da reconstituição natural pode ser material ou jurídica (Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, 7ª ed., Vol. I, pag. 904). Ora, de acordo com os factos provados, não é possível a reconstituição natural no que à casa do A. diz respeito, por razões legais, já que estas impedem que se construa uma casa igual à que existiria (…). E o mesmo nos parece acontecer por razões de impossibilidade material de reconstituição, quer no que diz respeito à casa, quer no que diz respeito ao demais (reconstrução dos muros e recolocação do solo como estava). Como também diz Antunes Varela, na obra e página supra mencionadas: “A impossibilidade da reconstituição pode ser material (…), destruição ou perecimento de coisa não fungível”. E na nota 1 de rodapé, diz serem coisas infungíveis, para este efeito, as coisas já usadas. Ora, se auscultarmos a p.i., ficamos sem saber, com a mínima exactidão, como seria a casa e como seriam os muros e o terreno. E, para que fosse exequível a reconstituição natural, fosse da casa, dos muros, fosse da recolocação de terras, teria que se saber, ao certo, com segurança, e com precisão/exactidão, como era constituída cada uma das construções e a sua exacta localização, e como era a exacta configuração anterior do terreno; o que não sabemos (…). E embora no que aos muros diz respeito, a indeterminação do que existia não seja tão forte como acontece com a casa, ainda assim ela existe, não se sabendo, ao certo, com precisão, qual o exacto comprimento, largura, localização e composição dos muros (…). Neste contexto, ainda que condenássemos o R. a recolocar a casa, os muros e o terreno, nas condições em que estavam, tal decisão padeceria de uma indeterminação tal, que era inexequível. O R. não saberia como cumprir a sentença, e, ainda que a “cumprisse”, nunca se saberia se teria reconstituído uma realidade existente. Assim (face à falta de precisão/exactidão quanto aquele que seria o estado anterior da casa, muros e terreno), não se sabendo a exacta configuração da realidade anteriormente existente, não se revela possível proceder à sua reconstituição natural. Ora, como vimos, tendo o A. condicionado a reconstituição dos muros e da vedação à possibilidade de realização dos mesmos, em determinado período temporal, não sendo possível a verificação dessa condição, só a indemnização em equivalente lhe poderia ser concedida, como foi, sem que o R. a ela se pudesse opor. Improcedem assim, na totalidade, as conclusões de recurso do R/apelante. * Da indemnização ao A. pelos alegados danos futuros: Insurge-se também o A. contra a decisão recorrida, que lhe concedeu apenas a indemnização, a título de danos futuros, de € 1.600,00 (€ 20 x 40 noites x 2 anos), dizendo que consta da matéria de facto provada, em 20 e 21, que “O A. estava emigrado na Alemanha e passava cerca de 40 noites por ano a pernoitar na casa”; e que “Após a demolição da edificação, o A. viu-se impossibilitado de pernoitar na casa”. Ora, diz o A. que peticionou o valor de € 1.600,00 pelos dois anos de privação do referido uso (€ 800,00 por cada ano), mas que peticionou também os valores necessários para o compensar pela ausência da possibilidade de pernoitar anualmente na casa. Face ao exposto, entende que a Ré deve ser condenada a pagar-lhe o valor anual da pernoita, correspondente a € 800 ano, que entre 2011 a 2019 ascende a € 5 600 (7 x € 800).” É, precisamente esta questão da privação do uso da coisa, que divide o coletivo de juízes, pelo que, esta parte do acórdão passa a ser relatado pela primeira adjunta: Ficaram provados nos autos os seguintes factos com relevo para esta questão: 20 – O A. estava emigrado na Alemanha e passava cerca de 40 noites por ano a pernoitar na casa. 21 - Após a demolição da edificação, o A. viu-se impossibilitado de pernoitar na casa. Não há dúvida que o autor teve um dano de privação do uso. Uma vez que a casa foi destruída, o autor ficou privado do seu uso (que, como vimos, era de cerca de 40 noites por ano, quando se deslocava da Alemanha, onde estava emigrado), não mais podendo aí pernoitar, como fazia anteriormente. Ora, a simples privação do uso de uma coisa contra a vontade do proprietário consubstancia um dano porque só ele tem o direito de fruir dela e a utilizar quando lhe aprouver, ainda mais quando se provou que o dono da casa a usava 40 noites por ano e lhe foi atribuída uma indemnização pelos dois anos anteriores à data de entrada do processo, indemnização essa fixada em € 1.600,00, mediante o cálculo de € 20,00 por noite, 40 noites por ano (valor esse que se considerou razoável, por ser inferior ao que teria que pagar para pernoitar num hotel ou numa residencial). Vejamos melhor. A respeito do dano de privação do uso, é possível surpreender na jurisprudência, essencialmente, duas correntes (seguimos de perto, Acórdão desta Relação de 05/03/2015, processo n.º 883/14.7TBVCT.G1, relatado pelo Desembargador, aqui adjunto, Fernando Fernandes Freitas): - para uns a simples privação do uso constitui, por si só, um dano indemnizável já que representa, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade que é a de usar a coisa quando e como lhe aprouver (o art.º 1305.º do C.C. reconhece ao proprietário o direito de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, direito que só conhece os limites e as restrições legalmente impostos) - Ac. do S.T.J. de 28/09/2011, proc.º 2511/07.8TACSC. L2.S1, (Oliveira Mendes), Ac. da Rel. do Porto de 17/03/2011, Proc.º 530/09.9TBPVZ.P1, (Freitas Vieira); Ac. desta Relação de Guimarães de 11/11/2009, Proc.º 8860/06.5TBBRG.G1, (Isabel Fonseca), também in www.dgsi.pt).; - a outra corrente defende que a privação do uso de uma coisa por parte do seu proprietário, que um terceiro cause, somente será ressarcível se aquele cumprir com o ónus da prova do dano concreto e efectivo que decorreu da privação (a mera privação não é indemnizável) - Ac. do STJ de 15-11-2011, Processo 6472/06.2TBSTB.E1.S1, (Moreira Alves), em www.dgsi.pt. Surpreende-se ainda o que pode ser havido como uma via intermédia: a simples privação do uso do bem não basta para justificar a indemnização mas também o essencial é que se prove a frustração de um propósito real e concreto de proceder à sua utilização, não se exigindo a prova de danos efectivos - Ac. do S.T.J. de 06/05/2008, Proc.º 08A1389, (Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt. Na jurisprudência que pugna pela indemnização da simples privação do uso salienta-se que a perda da possibilidade de utilização do bem quando e como lhe aprouver tem valor económico e recorre-se para o cálculo da correspondente indemnização à equidade, por não ser possível avaliar “o valor exato dos danos”. Entre muitos outros, o recente acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 25/10/2018, no processo 2511/10.0TBPTM.E2.S1 (Alexandre Reis), disponível em www.dgsi.pt, que considera que “O reconhecimento ao lesado do direito a uma indemnização, a cargo do lesante, pela indisponibilidade forçada da fruição de um bem de que aquele é proprietário, na lógica do princípio da restauração in natura, é susceptível de ser concretizado através da obrigação do pagamento do valor correspondente à locação do bem, mas não necessariamente, porque, desde logo, são diferentes os valores do uso e da locação e daí que o valor desta apenas deva ser adoptado como referência na determinação do valor do dano da privação do bem, na lógica aceite pelo Ac do STJ de 05.08.2013 no processo nº 07B1849, vai neste sentido, mas no entanto, considerou que teria que se obviar a um “enriquecimento injustificado do Autor, não compatível com a teoria da diferença, que é a regra básica do cálculo da indemnização no âmbito da responsabilidade civil (nº 2 do artigo 566º do Código Civil).” E mesmo que nos atenhamos à tese intermédia – veja-se, a propósito, Pinto de Almeida, in “ Responsabilidade Civil Extracontratual” no texto que apresentou no Curso de Especialização Temas de Direito Civil organizado pelo CEJ, a 02 de Março de 2010, disponível in http://www.trp.pt/ficheiros/estudos/pintoalmeida_respcivilextracontratual.pdf -, se, por um lado, se “afirma que não basta a simples privação do uso do bem, também não exige a prova de danos concretos e efetivos; será essencial a alegação e prova da frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização.”, remetendo para o Ac STJ de 09.12.2008, no processo 08A3401, sempre conduziria, no nosso caso, à indemnização pela privação do uso, se atendermos à utilização que o autor fazia da casa (propósito real, concreto e efetivo) e que ficou impossibilitada (frustrada) com a sua demolição. Ou seja, quer se sufrague a tese de que a simples privação do uso constitui um dano indemnizável, quer se entenda que é necessária a prova da frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização, sempre o autor teria direito a uma indemnização pela privação do uso do imóvel, considerando a prova que fez de que, após a demolição, se viu impossibilitado de utilizar a casa, o que fazia cerca de 40 dias por ano, atenta a sua condição de emigrante na Alemanha. Sem embargo e voltando ao Acórdão do Desembargador, aqui adjunto, já atrás citado, “temos para nós, ressalvado o devido respeito pelo bem fundamentado do entendimento divergente, que a simples privação do uso, como na situação sub judicio, ostensivamente contra a vontade do proprietário, consubstancia um dano porque só ele tem o direito de fruir a coisa que lhe pertence e de a utilizar quando lhe aprouver”. Assim se concluindo que o autor/apelante tem direito a ser ressarcido do dano consubstanciado na privação do uso do seu imóvel, sendo apodíctico o nexo de causalidade entre este dano e a acção cometida pela Ré. O montante da indemnização deverá ser aquele que já foi fixado para os dois anos anteriores à propositura da ação - € 800,00/ano – pois, como se disse na sentença recorrida, parece um valor razoável, considerando que o autor não conseguiria obter uma noite de alojamento em hotel ou residencial por esse valor (€ 20,00/noite), julgando aqui o tribunal equitativamente, por não ser possível averiguar o valor exato dos danos – artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil. Conforme decorre da sentença recorrida, o tribunal condenou já no pagamento de indemnização relativa a dois anos - € 800,00/ano – pelo que, considerando que a destruição do imóvel data de outubro de 2010 e que a sentença é de dezembro de 2018, terá o autor direito a receber o valor correspondente a mais seis anos de privação do uso do seu imóvel, o que corresponde a € 4.800,00. III. DECISÃO Em face do exposto decide-se julgar improcedente a apelação do réu e parcialmente procedente a apelação do autor, revogando-se a sentença recorrida na parte relativa à indemnização pela privação do uso, indo o réu condenado, para além do montante já incluído na sentença (€ 44.290,00), em mais € 4.800,00 e confirmando-se a sentença quanto ao mais. Custas da apelação do réu, por este, e da apelação do autor, por ambas as partes, na proporção do decaimento. *** Guimarães, 27 de junho de 2019 Ana Cristina Duarte Fernando Fernandes Freitas Maria Amália Santos (vencida) Voto de vencida da Relatora (Maria Amália Santos): * Da indemnização ao A. pelos alegados danos futuros: Insurge-se também o A. contra a decisão recorrida, que lhe concedeu apenas a indemnização, a título de danos futuros, de € 1.600,00 (€ 20 x 40 noites x 2 anos), dizendo que consta da matéria de facto provada, em 20 e 21, que “O A. estava emigrado na Alemanha e passava cerca de 40 noites por ano a pernoitar na casa”; e que “Após a demolição da edificação, o A. viu-se impossibilitado de pernoitar na casa”. Ora, diz o A. que peticionou o valor de € 1.600,00 pelos dois anos de privação do referido uso (€ 800,00 por cada ano), mas que peticionou também os valores necessários para o compensar pela ausência da possibilidade de pernoitar anualmente na casa. Face ao exposto, entende que a Ré deve ser condenada a pagar-lhe o valor anual da pernoita, correspondente a € 800 ano, que entre 2011 a 2019 ascende a € 5 600 (7 x € 800). Mas sem razão, adiantamos já, tendo sido feita na decisão recorrida, em nosso entender, uma correta análise, quer do dano da privação do uso, quer do dano futuro e da sua aplicação à situação dos autos (embora o recorrente coloque a questão, em sede de recurso, em termos diferentes dos que foram por si peticionados e decididos na primeira instância). Como bem se decidiu na sentença recorrida, “Importa agora ponderar a pretensão do A. de que o R. lhe pague € 1.600,00 (que se deduz que corresponderá a € 20,00 noite x 40 noites x 2 anos), mais as quantias que venha a desembolsar por não poder pernoitar no prédio, enquanto este não for reconstruído (…). O A. não só está privado da possibilidade de uso da sua casa, porque foi destruída pelo R., como também está privado do seu uso, pois que, tendo demonstrado que a vinha utilizando para nela pernoitar cerca de 40 noites por ano, é natural que pretendesse continuar a utilizá-la para o mesmo fim, caso não estivesse impossibilitado de dela dispor. O A. teve assim um dano de privação do uso. E o valor em que o A. avaliou tal dano, parece-nos razoável, designadamente, porque é certamente inferior ao que teria de pagar para pernoitar num hotel ou numa residencial. E assim sendo, o A. tem direito a que o R. o indemnize na quantia de € 20,00 x40 noites x 2 anos, o que perfaz o montante de € 1.600,00. O A. pretende ainda que o R. lhe pague as “quantias que o A. venha a desembolsar por não poder pernoitar no prédio enquanto este não for reconstruído”. Este pedido do A., tem um fundamento e um fim distinto do formulado com vista à condenação do R. a pagar-lhe € 1.600,00. Neste âmbito, o A. pretende é que o R. lhe pague “o que venha a desembolsar”, o dano pecuniário efectivo, correspondente à diferença patrimonial entre o que não teria de pagar e o que venha a ter de pagar por não poder pernoitar na casa. Quanto a isto, parece-nos ser de dizer o seguinte: entre os danos indemnizáveis, contam-se não só os presentes, como também os futuros. “Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado”, como se diz no Ac. do STJ, de 11-10-1994, em www.dgsi.pt. Sucede que, entre os danos futuros, só os previsíveis devem/podem ser atendidos/indemnizados - art. 564º, n º 2, do C.C., sendo que, se forem imprevisíveis, o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado. “O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência”. “Quanto aos danos previsíveis, podemos subdividi-los entre os certos e os eventuais. Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível. Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético. Este carácter eventual pode conhecer vários graus, como se fossem diferentes tonalidades da mesma cor. Desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer num futuro mediato, em que mais não há que um receio. Naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável. Naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua efectiva ocorrência)” (…). Ora, o dano futuro que o A. pretende ver indemnizado é o referente aos gastos efectivos que venha a ter por não poder pernoitar no prédio em causa. Sucede que, o A. pode não vir passar férias a Portugal (por não dispor de casa para pernoitar ou por outra qualquer razão). E vindo, poderá, como é normal acontecer, ficar em casa de familiares (que tem) ou de amigos (recorde-se o relatado pela testemunha M. D., de que, o A. tem ficado em casa da sogra e o invocado pelo próprio A. na réplica, de que, quando vinha de férias a Portugal também pernoitava em casa do cunhado e de outros familiares). E assim sendo, o A. poderá não vir a ter de desembolsar qualquer quantia por não poder pernoitar no prédio. Não se trata de uma despesa cuja ocorrência se possa prognosticar que venha efectivamente a ocorrer. Consequentemente, ou seja, não se tratando de dano futuro previsível, não pode proceder a pretensão indemnizatória formulada pelo R., sem prejuízo de, se tal dano vier a verificar-se (se o A. vier a desembolsar quantias por não poder pernoitar no prédio), poder vir ulteriormente a formular tal pretensão indemnizatória contra o R”. Como dissemos, aderimos inteiramente ao decidido na primeira instância quanto ao invocado dano futuro, sendo nesses termos que o mesmo foi peticionado pelo A: como um prejuízo efectivo, previsível, referente aos gastos efectivos que ele viesse a ter por não poder pernoitar no prédio em causa. Transpondo para aqui o pedido formulado em f), dele consta textualmente que o A. pretende que a ré seja condenada a “Pagar-lhe € 1.600,00, acrescidos das quantias que venha a desembolsar por não poder pernoitar no prédio enquanto este não for reconstruído, a liquidar em execução de sentença”. Pelo, que, desde logo em respeito pelo princípio do pedido, e pela proibição da ir para além dele, sempre teríamos de nos ater ao que foi efectivamente pedido pelo A (artºs 609º nº1 e 615º nº1, e) do CPC). Acontece que ele não veio a demonstrar esses gastos no decurso da ação, e que bem poderia ter demonstrado, nos termos previstos no artº 569º do CC onde se prevê que “Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exata em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos”. Esta norma tem também consagração processual no artº 611º do CPC onde se estipula que “…deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”. Nada obstava, portanto, a que o A. carreasse para os autos os factos e as respectivas provas, de que teve prejuízos efectivos com a privação da casa demolida, desde a instauração da acção até á decisão final. Aliás, tal era da sua responsabilidade, caso pretendesse ser ressarcido desses prejuízos, como o anunciou aquando da dedução do pedido formulado em f). Ou seja, embora o A. tivesse, na altura da p.i., formulado um pedido genérico, a título de danos futuros, por incerteza da sua concretização, nada o impedia de o vir a concretizar, posteriormente, até ao encerramento da discussão. O dano futuro converter-se-ia em dano presente, efectivo. Não o tendo feito, bem se decidiu na sentença recorrida quanto ao mesmo. * Mas como acima se adiantou, nas conclusões de recurso o A. coloca a questão em termos diferentes dos formulados na p.i.; desloca a questão do dano futuro para a da indemnização pelo dano da mera privação do uso da casa demolida, questão que foi também abordada na sentença recorrida. E nessa perspectiva, parece pretender o A. que se conclua que a simples privação da casa – do seu direito de propriedade -, por ter sido demolida, independentemente do uso que dela pudesse fazer, levaria o R. a ter de o indemnizar, indemnização essa pela mera privação da possibilidade de uso de um bem que lhe pertencia. Mas também nessa matéria aderimos à tese sufragada na decisão recorrida, de que a simples privação da possibilidade de uso da coisa não é suficiente para fundamentar a indemnização. Literalmente, do que se trata – e assim tem sido tratado na doutrina e na jurisprudência - é de um “dano de privação do uso” –, sendo a privação do uso da coisa e o prejuízo que lhe está associado que está na base da indemnização. Assim, o proprietário que fica privado do uso da coisa tem direito a ser indemnizado pelo dano correspondente. Contudo, como se escreveu no Ac. da RP de 11.11.2013 (disponível em www.dgsi.pt) “uma coisa é a privação do uso, e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso. Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo, se realmente a pretender usar e utilizar, caso não fosse a impossibilidade de dela dispor. Não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que só por si não revela qualquer dano patrimonial indemnizável”. A este propósito, Paulo Mota Pinto (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol, I, 2008, p. 591) refere que “A concessão de uma indemnização pela mera privação do uso, independentemente da prova de outros prejuízos patrimoniais, corresponde à posição dominante na generalidade dos países europeus, mas tal não significa que baste a faculdade abstracta de utilização, ignorando-se a concreta vontade ou possibilidade de utilização da coisa, por si próprio ou por interposta pessoa. É neste sentido, também, que deve (tentar) entender-se a posição da jurisprudência alemã, a qual pode ser assumida na máxima “a privação da possibilidade de uso é apenas uma fonte possível de dano, mas não já em si um dano” E acrescenta mais adiante este professor que “O dano da privação do gozo ressarcível é (…) a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo, e não logo qualquer perda da possibilidade de utilização do bem – a qual (mesmo que resultante de uma ofensa directa ao objecto, e não apenas de uma lesão no sujeito), pode não ser concretizável numa determinada situação”. Ora, o A. não alegou nem provou – o que poderia ter feito como se disse no decurso da acção –, que prejuízos teve com o uso que pretendia fazer da casa e que deixou de fazer por causa da demolição, sendo insuficiente a alegação de que ficou privado da possibilidade de a usar durante os anos em que o processo esteve a decorrer em tribunal. Diga-se de resto que essa possibilidade de uso seria mesmo remota, dado que não ficou sequer provado que a casa - muito antiga e insusceptível de reconstrução no estado em que se encontrava -, tivesse sequer casa de banho, facto que sempre redundaria num manifesto abuso de direito do A., ao pretender ser indemnizado por uma coisa que nem sequer podia usar! Assim podemos concluir, como se concluiu no Ac. do STJ de 03-10-2013 (disponível em www.dgsi.pt) que “A privação do uso (ou da possibilidade de uso) só constitui dano ressarcível mediante a referenciação às concretas e efectivas utilidades atingidas ou cuja fruição se frustrou; só assim se concretizará tal dano em termos de susceptibilidade da medição através da teoria da diferença (art. 566º nº2 CC); o dano normativo da privação do uso – isto é, sem consideração daquelas utilidades -, é meramente abstracto e não exprime uma diferença entre situações patrimoniais, a menos que seja concretizado e explicitado em factos reveladores do prejuízo e dos benefícios frustrados em que consistiu a impossibilidade de gozo”. No caso dos autos ficou apenas provado que “O A. estava emigrado na Alemanha e passava cerca de 40 noites por ano a pernoitar na casa” (na data em que instaurou a acção); e que “Após a demolição da edificação, o A. viu-se impossibilitado de pernoitar na casa”. Ou seja, provou-se apenas que após a demolição o A. se viu impossibilitado de usar a casa. Tendo-se provado apenas a privação da possibilidade de uso – com a demolição da casa -, que é fonte possível do dano mas não o dano em si, não há lugar à atribuição de qualquer indemnização a esse título, nem sequer com recurso à equidade, pois o julgamento segundo a equidade, atento o disposto no art.º 566º nº 3 e 4º al. a) do CC, só é admissível quando se tenham provado os danos – faltando apenas determinar o seu valor. Improcederiam assim na minha opinião “in totum” as conclusões de recurso do apelante Autor, com a confirmação da decisão recorrida e com custas por aquele. * Maria Amália Santos Guimarães, 27.6.2019 |