Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1140/08PBGMR-C.G1
Relator: TOMÉ BRANCO
Descritores: PENA SUSPENSA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: I – A finalidade politico-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é somente o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes.
II – Nos termos do art. 56 nº 1 al. b) do Cod. Penal a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
III – Deve ser revogada a suspensão da execução da prisão decidida num processo em que o arguido foi condenado por crimes de roubo e furto, se menos de três meses depois do trânsito em julgado da condenação cometer um crime de ofensas corporais graves, pelo qual veio a ser condenado em pena de prisão efetiva.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:

I)

No processo supra referido da 2ª Vara Mista de Guimarães, em que é arguido Bruno A..., foi proferido despacho que decidiu (transcreve-se):
O arguido Bruno A... foi condenado por Acórdão constante de fls.285 e seg., já transitado em julgado em 28 de Abril de 2011, na pena única de um ano e quatro meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, pela prática de um crime de roubo na forma tentada e um crime de furto qualificado.
Conforme se constata da certidão de fls.642 e seg., o arguido foi entretanto condenado na pena de ano e quatro meses de prisão, pela prática, em 20 de Julho de 2011, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143°/1, 145°/1 a). e n°2, por referência ao art°. 132°/21). do Cód. Penal.
O M°. P° promoveu a revogação da suspensão da pena aplicada nestes autos.
Cumpre decidir.
De harmonia com o art.° 56.°, n° 1 b), do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Por sua vez, estatui o art° 57°/1 do Código Penal que a pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.
Daqui se depreende que, caso o arguido cometa um crime no decurso do período de suspensão de execução da pena de prisão, ou se revoga a suspensão ou se declara extinta a pena, tudo dependendo do juízo que se faça sobre se as finalidades que estiveram na base da suspensão foram ou não alcançadas.
O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, devendo ser ponderado se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente perdidas — cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2008; p.202.
A suspensão da execução da pena só deve ser revogada se se gera a convicção de que o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, isto é, a esperança de manter o delinquente, no futuro afastado da criminalidade, exige o cumprimento efectivo da pena de prisão aplicada.
As causas da revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas de falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O condenado deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena.
O cometimento de um crime não deve, pois, despoletar necessariamente a revogação. Uma revogação automática seria profundamente criticável do ponto de vista político-criminal.
No caso, o crime cometido no período da suspensão tem natureza completamente diversa dos crimes pelos quais o arguido foi condenado nestes autos.
De resto, esse crime, embora grave e altamente censurável, foi cometido em ambiente de reclusão (cfr. certidão de fls.641 e seguintes), não sendo de olvidar que a suspensão da execução da pena aplicada nestes autos foi-lhe concedida no sentido de lhe ser "dada uma oportunidade para o mesmo, em liberdade, interiorizar a gravidade da sua conduta e conformar a sua personalidade ao direito" – cfr. fls.303 (o sublinhado é nosso).
Não pode, pois, com base apenas nessa segunda condenação sustentar-se que o diagnóstico feito no momento em que se decidiu pela suspensão da pena de prisão haja falhado, ou seja, afirmar-se que o arguido, quando em liberdade, demonstrou não possuir capacidade para sentir a ameaça da pena e não se deixou influenciar pelo seu preciso efeito contentor.
Assim sendo, e decorrido que está o período de suspensão da execução da pena sem que se mostre ter havido motivos que possam conduzir à sua revogação, nos termos do art.° 57.°, n° 1 do Código Penal, declaro extinta a pena um ano e quatro meses de prisão aplicada nestes autos ao arguido Bruno A... e determino o oportuno arquivamento dos autos.
Notifique”.

Inconformado com esta decisão, o Ministério Público junto do tribunal recorrido interpôs recurso para este tribunal de Relação.
Extrai da motivação de tal recurso as seguintes conclusões:
«1° - O arguido foi condenado nestes autos pela prática de 1 crime de roubo e 1 crime de furto qualificado na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo mesmo período, conforma Acórdão datado de 3/3/2010, transitado em 28/4/2011.
2° - No âmbito do proc. 1770/11.6TABRG foi o arguido condenado pela prática de um crime de ofensas corporais agravadas, cometido em ambiente prisional, em 20/7/2011, na pena de 1 anos e 4 meses de prisão efectiva.
3° - Este crime cometido no processo de Braga foi cometido apenas 3 meses depois do arguido ter sido condenado neste processo em pena declarada suspensa.
4° - Acresce que o facto de estar em ambiente prisional e, por isso, com agentes da autoridade por perto, não o demoveu de ter a referida actuação criminosa.
5° - Face à proximidade temporal entre o crime cometido no processo 1770/11.6TABRG, por que foi condenado em prisão efectiva e a decisão da suspensão da execução da pena destes autos, acrescendo a isso o facto de nem por estar em ambiente prisional o demover da prática de crimes,
6° - a única ilação a reter é, pois, a de que a ameaça da pena de nada serviu e, desse modo, deveria o Mmo. Juiz ter revogado a suspensão da execução da pena de que o arguido beneficiou neste processo.
7° - Violou o Despacho em crise o disposto no art°. 56°, n° 1, al. b) do C. P.»

Nesta instância, a Srª procuradora-geral adjunto emitiu parecer no sentido do recurso merecer provimento.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Resulta dos autos que o arguido Bruno Daniel Almeida sofreu, para além do mais, as seguintes condenações:
a) No dia 3 de Março de 2010 foi condenado nos presentes autos, como autor de um crime de roubo e outro de furto qualificado, cometidos em 1 de Agosto de 2008, na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão.
A execução da pena de prisão foi suspensa pelo período de 1 ano e 4 meses.
sentença transitou em julgado em 28 de Abril de 2011.
b) No âmbito do proc. 1770/11.6TABRG foi o arguido condenado pela prática de um crime de ofensas corporais agravadas, cometido em ambiente prisional, em 20 de Julho de 2011, na pena de 1 anos e 4 meses de prisão efectiva.
*
A questão do recurso resume-se a saber se o cometimento do crime por que o arguido foi condenado no Proc. 1770/11.6TABRG do 3º Juízo Criminal de Braga deve levar à revogação da suspensão da execução da pena de prisão destes autos.
Vejamos:
Menos de três meses depois de ter sido aqui condenado o arguido voltou a delinquir, tendo praticado um crime de ofensas corporais agravadas, em ambiente prisional.
Conforme se sublinha no Ac. desta Relação (o qual seguiremos de perto) relatado pelo sr. Desembargador Fernando Monterroso, citado no parecer da Exmª procuradora, “a suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição. Tal como acontece em relação à generalidade deste tipo de penas, o tribunal deverá optar pela sua aplicação sempre que “verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revele adequada e suficiente às finalidades da substituição”. As finalidades das penas de substituição são “exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa”. A culpa tem a ver com o momento de determinação da medida da pena e já não com a escolha da espécie de pena – v. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crimes, pag. 331 e ss.
Daqui resulta que a finalidade político-criminal que a lei “visa com o instituto da suspensão é somente o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» da sua visão do mundo” – ob. cit. pag. 343 (sublinhado do relator). Isto é, estão em causa essencialmente interesses de prevenção especial.
É à luz destes princípios que o recurso terá de ser decidido.
Dispõe o art. 56 nº 1 al. b) do Cod. Penal que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Há alterações em relação ao regime do Cod. Penal de 1982: Ao contrário do que acontecia com a redacção original do art. 51 nº 1 do código, não é agora necessário que a segunda condenação seja em pena de “prisão”. Também não é requisito que a segunda condenação seja por crime doloso, o que permite a revogação da suspensão por causa do cometimento de um crime negligente. Mas, por outro lado, a nova condenação nunca tem como consequência automática a revogação da suspensão.
O abandono do automatismo na revogação da suspensão não traduz qualquer vontade do legislador de criar um regime mais permissivo, mas, antes, de ligar indelevelmente o destino da suspensão à satisfação das finalidades que estiveram na sua base. A suspensão deverá ser revogada sempre que tais finalidades não forem conseguidas, independentemente da natureza do crime ou da espécie de pena da segunda condenação. E, como se disse, o instituto da suspensão da execução da pena visa essencialmente o afastamento do delinquente da criminalidade.
Ora, tendo, como se viu, o instituto da suspensão da execução da pena essencialmente finalidades de prevenção especial (o afastamento do delinquente da criminalidade), dificilmente se encontrará caso em que em que seja mais evidente o insucesso do recurso a tal instituto, já que, como se disse, menos de três meses depois da condenação, o arguido Bruno Daniel voltou a delinquir, ao cometer o crime de ofensas corporais agravadas E o facto de tal ilícito ter sido praticado em ambiente de reclusão, “local onde a proximidade de elementos de autoridade de nada serviu para o afastar da prática de crimes”, como bem observa o recorrente, só contribui para acentuar a conclusão de que as finalidades que estiveram na base da suspensão, não puderam, por meio dela ser alcançadas..
Os dois comportamentos em causa são de tal forma próximos e violam valores tão importantes, que não permitem outra conclusão que não seja a de que não foram alcançadas as finalidades da suspensão. E, nesses casos, o art. 56º, nº 1, do Cód. Penal não admite excepções ao dispor que a suspensão é sempre revogada.
Face ao exposto se conclui que o recurso do Mº Pº, não pode deixar de proceder.
Resta decidir:

DECISÃO
Em conformidade com o exposto, os Juízes desta Relação acordam em julgar procedente o recurso e, em consequência revogam a decisão impugnada que deve ser substituída por outra que revogue a suspensão da execução da pena de prisão decretada nos presentes autos.
Sem custas.