Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOAQUIM BOAVIDA | ||
Descritores: | VENDA DE IMÓVEL AVALIAÇÃO ATUALIZAÇÃO DE VALOR | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1 – Tendo a executada requerido que a exequente fosse notificada para «juntar aos autos o relatório de avaliação» ou «concedido um prazo não superior a 10 dias para a executada juntar aos autos relatório de avaliação do imóvel atualizado», não é de revogar a decisão que indeferiu tal pretensão, uma vez que sobre a exequente não recai o dever de juntar aos autos as avaliações do bem penhorado que faça particularmente ao longo do processo, sobretudo as que eventualmente realize para servir de base a «um eventual acordo extrajudicial» e também não há motivo para conceder à executada o prazo de 10 dias para realizar a avaliação do imóvel e a juntar aos autos, uma vez que o imóvel foi avaliado e fixado o respetivo valor base (em € 382.355,00), então objeto de reclamação pela executada (que pretendia que fosse fixado o valor base em € 112.050,00), a qual foi indeferida. 2 – Estando o imóvel a vender na execução já avaliado e definido o respetivo valor base, carece de fundamento a repetição da avaliação, para fazer descer o respetivo valor base, com a alegação de que padece de “patologias” e das consequências do passar dos anos, uma vez que se trata de uma linha de argumentação que é a sequência da apresentada anteriormente, sobre a vetustez do imóvel e o seu estado, já anteriormente apreciada. 3 – O executado pode ser prejudicado se o bem for vendido por um valor inferior àquele por que poderia vir a ser vendido se o valor base fosse mais elevado. Não sendo essa a situação dos autos, em que apenas se alude a que o valor de mercado do imóvel é inferior ao valor base fixado na execução e não se invocando qualquer prejuízo decorrente da venda por um valor superior àquele que a executada alvitra que agora terá, mas que não refere, não se verifica fundamento substancial para modificar aquele valor base | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1.1. Na execução para pagamento de quantia certa que EMP01... STC, SA, move a AA, a Executada, em 03.05.2024, apresentou requerimento com o seguinte teor: «1. Como consta dos presentes autos, a decisão de venda pelo valor base de € 382.355,00, data de 14-09-2020 (cf. Doc. n.º 1 que se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida). 2. Já decorreram cerca de 4 anos sobre a referida avaliação, pelo que o mesmo não corresponde ao valor atual do imóvel, que padece de várias patologias; que se tem degradado ao longo dos anos. 3. É imperioso que o valor do imóvel seja atualizado aos dias de hoje. 4. A Exequente EMP01... STC, S.A. fez uma avaliação ao imóvel no passado mês de janeiro de 2024. 5. Bem sabe a executada que a avaliação feita tinha por base um eventual acordo extrajudicial, o qual até à presente data não se conseguiu obter! 6. Para uma boa composição do litígio, era importante a junção aos presentes autos da referida avaliação. 7. Obviamente que estará na disponibilidade da exequente EMP01... STC, S.A., a junção do mesmo. 8. Na eventualidade de não ser junto aos autos; a executada requer o prazo de 10 dias para juntar ao processo relatório de avaliação do imóvel atualizado. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá: a) A Exequente EMP01... STC, S.A., ser notificada para querendo juntar aos autos o relatório de avaliação; b) Ou em alternativa ser concedido um prazo não superior a 10 dias para a executada juntar aos autos relatório de avaliação do imóvel atualizado.» * 1.2. Em 21.05.2024, foi proferido o despacho recorrido, que se transcreve:«Uma vez que o valor base para a venda do imóvel penhorado já se encontra definido nos presentes autos por decisão da MI Agente de Execução, não se vislumbrando a necessidade a junção de nova avaliação nem a alteração daquele valor base, não se justificando a repetição das formalidades legais que já se encontram cumpridas, indefere-se a pretensão da Executada, determinando-se a notificação da AE para que diligencie pelo prosseguimento das diligências de venda do referido imóvel.» * 1.3. Inconformada, a Executada interpôs recurso de apelação daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:«1. A recorrente não concorda com o douto despacho que decidiu (sic): “uma vez que o valor base para a venda do imóvel penhorado já se encontra definido nos presentes autos por decisão da MI. Agente de Execução, não se vislumbrando a necessidade a junção de nova avaliação nem a alteração daquele valor base, não se justificando a repetição das formalidades legais que já se encontram cumpridas, indefere-se a pretensão da Executada, determinando-se a notificação da AE para que diligencie pelo prosseguimento das diligências de venda do referido imóvel.” 2. A Recorrente não concorra com esta decisão proferida pelo tribunal “a quo” porquanto o valor de venda do imóvel, foi determinado por decisão datada de 14-09-2020 (conforme resulta dos autos). 3. Valor que se encontra totalmente desfasado em relação ao valor de mercado atual. 4. Pois o imóvel padece de várias patologias; que com o passar dos anos se tem degradado. 5. Já decorreram aproximadamente 4 anos sobre a referida avaliação e nessa medida é urgente determinar o valor base do bem imóvel á data presente. No caso dos presentes autos, 6. O valor a que Sra. Agente de Execução atendeu para venda foi o valor de mercado. 7. Isto tudo de acordo com o disposto no artigo 812 n.º 3 do Cód. do proc. civil (sic) “O valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores: a) Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos; b) Valor de mercado.” 8. Tendo a senhora agente de execução optado pelo valor de mercado, o mesmo tem forçosamente que ser atualizado; sob pena de se praticarem atos que não reflitam a realidade atual. 9. O Valor de venda dos imóveis será o maior de dois: ou o valor de mercado ou o valor patrimonial tributário, à luz da avaliação efetuada há menos de 6 anos (calculado nos termos dos artigos 38 a 46 do CIMI) valor esse normalmente refletido na caderneta predial respetiva, tratando-se de bons imóveis, o valor a fixar é o correspondente ao de mercado. 10. Nos termos do disposto no artigo 812 do Cód. Do Proc. Civil é necessário atualizar o valor da venda do bem imóvel em causa. 11. Deverá a M.M. Juíz do Tribunal “A Quo” notificar o Agente de Execução para proceder de acordo com o vertido no pretérito artigo 8.º deste articulado. 12. Sob pena de a omissão dessa notificação por banda do Agente de Execução integrar uma nulidade secundária prevista no artigo 195 n.º 1 do Cód. Proc. Civil. 13. Já decorreram aproximadamente 4 anos sobre a referida avaliação e nessa medida é urgente determinar o valor base do bem imóvel á data presente. 17. Assim deverá o despacho sindicado ser revogado e substituído por outro que determine a atualização do valor base de venda do imóvel. Nestes termos e nos demais de Direito deverá o despacho sindicado ser revogado e substituído por outro que determine a fixação de um novo valor base, com as consequentes notificações legais.» * Não foram apresentadas contra-alegações.O recurso foi admitido. * 1.4. Questões a decidirAtentas as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, suscitam-se as seguintes questões: i) Se o despacho recorrido, ao indeferir a pretensão da Executada, padece de erro de direito; ii) Se deve ser ordenada a notificação da Sra. Agente de Execução para atualizar o valor de mercado do imóvel a vender. *** II – Fundamentos 2.1. Fundamentação de facto Além dos descritos no relatório que antecede, relevam para a apreciação das apontadas questões os seguintes factos emergentes de atos constantes do processo: 2.1.1. Em 14.09.2020, a Sra. Agente de Execução determinou a venda do bem imóvel penhorado na modalidade de venda em leilão eletrónico com o valor base de € 382.355,00. 2.1.2. Por carta registada de 14.06.2020, a Sra. Agente de Execução notificou a Executada da decisão referida em 2.1.1. 2.1.3. Em 28.09.2020 a Executada reclamou para o Tribunal do valor base fixado ao imóvel, alegando o valor de € 382.355,00 «é muito superior ao valor real do prédio», que «estamos perante um prédio com cerca de 20 anos» e que é «um imóvel que não está sequer concluído», pedindo que «deverá a venda ser feita pelo valor tributário atual € 112.050,00euros, neste caso 85% desse valor nos termos do disposto no artigo 816 n.º2 do C.P.C.» e requerendo que «a Senhora Agente de Execução, venha aos autos prestar informações, designadamente em que dados objetivos é que se baseiam para fixar o valor de vendas em €382.355,00 euros». 2.1.4. Por despacho de 05.11.2020, foi indeferida a reclamação, por se considerar que «a agente de execução se limitou a dar cumprimento ao disposto no art. 812º nº 3 do CPC», uma vez que, nos termos dessa disposição, «o agente de execução pode decidir entre o valor patrimonial e o valor de mercado, sendo que, neste caso, a agente de execução optou pelo último, por ser o valor mais alto.» ** 2.2. Do objeto do recursoSobre a determinação do valor base dos bens imóveis dispõe o artigo 812º, nº 3, do CPC: «O valor base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores: a) Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos; b) Valor de mercado.» No caso em apreciação o valor base do bem imóvel foi apurado, em 14.09.2020, pelo seu valor de mercado. Foi então fixado o valor base de € 382.355,00 e essa decisão consolidou-se no processo. Com efeito, a Executada não se conformou com a fixação do valor base em € 382.355,00, pois pretendia que fosse fixado um valor inferior, concretamente € 112.050,00, mas a reclamação que apresentou contra a decisão da Sra. Agente de Execução foi indeferida. Também agora sustenta que o valor do prédio é inferior ao que foi fixado na execução pela Sra. Agente de Execução, por se «encontra[r] totalmente desfasado em relação ao valor de mercado atual.» Estamos perante a situação pouco frequente de um executado sustentar que o valor do imóvel é muito inferior ao fixado mediante aferição do seu valor de mercado. O habitual é a situação contrária: o executado defender na execução que o valor é superior ao fixado. E compreende-se que assim seja, na medida em que o executado pode ser prejudicado se o bem for vendido por um valor inferior àquele por que poderia ser vendido se o valor base fosse mais elevado. Por conseguinte, no caso concreto dos autos, dificilmente se alcança como a venda do imóvel penhorado pelo valor anunciado para a venda, fixado com base no seu valor de mercado, pode prejudicar a Executada. Em todo o caso, há uma questão, logicamente anterior, que se suscita. O que a Executada pediu foi que a Exequente fosse notificada para «juntar aos autos o relatório de avaliação» ou «concedido um prazo não superior a 10 dias para a executada juntar aos autos relatório de avaliação do imóvel atualizado». Essa é a pretensão deduzida, apreciada e decidida, pelo que esse pedido conformou o poder de cognição do Tribunal de 1ª instância e, não se tratando de questão de conhecimento oficioso, naturalmente que o recurso também surge delimitado por aquele objeto, pois tudo o que o excede tem de ser considerado questão nova, não suscitada e apreciada na decisão recorrida. Isto porque o tribunal de recurso apenas conhece dentro do objeto que foi presente ao tribunal recorrido. Esta pretensão, tal como foi formulada, carecia de fundamento legal, pelo que devia ser, como foi, indeferida. Por um lado, sobre a Exequente não recai qualquer dever de juntar aos autos as avaliações do bem penhorado que faça particularmente ao longo do processo, sobretudo as que eventualmente realize para servir de base a «um eventual acordo extrajudicial». Também não há qualquer razão para conceder à Executada o prazo de 10 dias para realizar a avaliação do imóvel e a juntar aos autos. Aliás, este último pedido demonstra que a sua pretensão não tem por base qualquer elemento objetivo emergente de uma avaliação atual do imóvel, mas apenas a alegação de que padece de “patologias” e das consequências do passar dos anos. Trata-se de uma linha de argumentação que é a sequência da apresentada em 28.09.2020, sobre a vetustez do imóvel e o seu estado. O certo é que o valor base para venda do imóvel encontrava-se definido, tal como a Sra. Juiz bem salientou no despacho recorrido. Estando definido há menos de quatro anos, por referência à data em que foi apresentado o requerimento entretanto indeferido, e não sendo invocado qualquer prejuízo decorrente da venda por um valor superior àquele que a Executada alvitra que agora terá, mas que não refere, limitando-se à alusão de que será inferior ao valor base fixado no processo, não há nenhuma razão substancial para modificar aquele valor base. Por conseguinte, nenhum erro de direito foi cometido no despacho recorrido. No apontado quadro, inexiste fundamento para ordenar a notificação da Sra. Agente de Execução para atualizar o valor de mercado do imóvel a vender. Além disso, essa é uma pretensão nova, que não foi oportunamente deduzida na 1ª instância. Surge, pela primeira vez, apenas nas alegações do recurso de apelação. É matéria que não foi colocada perante o Tribunal competente para a apreciar, não foi objeto da decisão recorrida e, não sendo manifestamente de conhecimento oficioso, por isso, não pode esta Relação dela conhecer. A regra em matéria de recursos de reponderação – sistema que o nosso ordenamento positivo acolhe – é esta: salvo em matéria de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem apenas conhece dentro do objeto que foi presente ao tribunal recorrido. Como vem sendo repetida e uniformemente afirmado pela jurisprudência, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido. Ora, não é possível reponderar o que não existe. Onde não há decisão da 1ª instância, não há reponderação possível da Relação. Pelo exposto, devendo manter-se a decisão recorrida, improcede a apelação. *** III – DecisãoAssim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida. Custas a suportar pela Recorrente. * * Guimarães, 26.09.2024 (Acórdão assinado digitalmente) Joaquim Boavida Alcides Rodrigues Afonso Cabral de Andrade |