Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3778/19.4T8VCT.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: SIMULAÇÃO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
REPÚDIO DE HERANÇA
SUB-ROGAÇÃO DOS CREDORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

- Por força do disposto no art. 2050º do CC, só com a aceitação da herança o sucessível chamado (aqui devedor) adquire o domínio e posse dos bens que a integram, ou seja, a aquisição sucessória depende de aceitação do sucessível.
- Por assim ser, o sucessível, ao repudiar, não está a alienar bens que tenha adquirido por via sucessória.
- Não configurando o repúdio da herança qualquer alienação ou oneração dos bens do devedor, não se verifica um dos requisitos essenciais da impugnação pauliana: a diminuição da garantia patrimonial do devedor (cfr. art. 610º do CC).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

CAIXA …, CRL, instaurou contra:
- A. R. e mulher M. R.,
- L. F.,
- J. M.,
- J. P.
a presente acção declarativa sob a forma de processo comum (simulação e impugnação pauliana) pedindo que na procedência da acção:
- se declare a nulidade por simulação da escritura de “Repúdio de Herança” transcrita no ponto 27.º da petição, com todas as consequências legais
- e, por tal efeito, determinar-se o cancelamento de quaisquer registos ou ónus que eventualmente impendam sobre os prédios descritos em 30.º da petição inicial, lavrados com base na referida escritura de repudia de herança.

Em via subsidiária:
- julgar-se procedente por provada a impugnação pauliana desse negócio, com a consequente restituição do “quinhão hereditário” na medida do interesse da autora, podendo esta executá-lo no património dos 2.º, 3.º e 4.º réus

Sempre e de todo o modo:
- condenar-se os réus a pagar as despesas extrajudiciais, incluindo honorários com advogado, que a autora suportar com a presente ação, valor esse a fixar em decisão ulterior.

Contestaram os 1ºs RR alegando que, tendo em conta que a Autora pretende impugnar é o repúdio da herança a que o 1.º Réu marido tinha direito por óbito do seu pai, não tendo o 1º Réu marido chegado a aceitar a herança (cf. art.º 2050.º, n.º 1 do C. Civil), com o repúdio da herança não há saída de bens do património dos 1.os Réus, visto que tais bens só integrariam o seu património no caso de o mesmo ter aceitado aquela herança, o que não se verificou.
Perante a falta de aceitação por parte do 1.º Réu da referida herança, a Autora apenas poderia reagir por meio da acção sub-rogatória, faculdade prevista no art.º 606.º, n.º 1 do C. Civil.
Com a impugnação pauliana os credores apenas podem reagir contra negócios válidos celebrados pelo devedor, mediante os quais se opere a saída de bens do património daquele.
Por outro lado, na data em que o 1.º Réu marido repudiou a herança a que tinha direito por óbito do seu pai, a sociedade comercial “X – Prestação de Serviços Técnicos e Agroflorestais, Unipessoal Lda.” não se encontrava sequer em incumprimento.
O 1.º Réu marido repudiou a herança aberta por óbito do seu pai, contudo, tem aquele três filhos: o 2.º, 3.º e 4.º Réus nos presentes autos.
Nos termos do artigo 2039º e artigo 2042º CC, com o repúdio da herança por parte do 1.º Réu marido, o 2.º, 3.º e 4.º Réus, enquanto filhos daquele, adquiriram, respectivamente, 1/16 da herança aberta por óbito do seu avô, R. R.. Visto que o 2.º Réu, em virtude do direito de representação previsto no art.º 2042.º do CC, adquiriu por sucessão legal, 1/16 do daquela herança e uma vez que aquele também deu o seu aval à livrança em branco subscrita pela sociedade mutuária, poderá a Autora, em caso de incumprimento pontual das obrigações assumidas, executar o património daquele. Logo, a possibilidade deixada expressa pela Autora no art.º 65.º da douta petição continua a poder verificar-se, não obstante o 1.º Réu marido ter repudiado aquela herança.
Concluíram no sentido de que se verifica que o repúdio da herança pelo 1.º Réu marido não teve, nem nunca teria, face à lei em vigor, como consequência impedir que aquele quinhão hereditário viesse a ser afectado pelos credores da sociedade mutuária, uma vez que, através do instituto do direito de representação, os seus filhos adquiriram, por sucessão legal, aquele direito e sem que os mesmos, nomeadamente o 2.º Réu, que é avalista da livrança entregue à Autora, tivessem igualmente renunciado àquele direito. O repúdio da herança por parte do 1.º Réu marido é assim um negócio válido, sendo que a vontade declarada naquele acto pelo mesmo corresponde integralmente à sua vontade real.
Por outro lado, entendem não se verificar os requisitos da impugnação pauliana: aquando da celebração do contrato de mútuo entre a Autora e a sociedade comercial mutuária, foram constituídas hipotecas sobre 10 (dez) prédios para garantia do bom e integral pagamento da quantia mutuada. Tais hipotecas foram constituídas com a máxima amplitude legal. Para garantia de tal contrato de mútuo foi ainda entregue à Autora, uma livrança em branco, subscrita pela sociedade mutuária e avalizada pelos 1.os e pelo 2.º Réus, bem como, ainda, por F. E., mãe do 2.º Réu. Com o aval concedido por aqueles sujeitos, passaram aqueles a garantir com todo o seu património, em caso de incumprimento integral e pontual das obrigações assumidas pela sociedade mutuária, o pagamento da quantia mutuada, nomeadamente, todo o património do 2.º Réu, onde se inclui 1/16 da herança repudiada pelo 1.º Reu marido.
Continua assim a ser possível, em caso de incumprimento, à Autora requerer a penhora daquele quinhão e, posteriormente, enquanto comproprietária do prédio identificado no art.º 30.º da douta petição inicial, exercer o seu direito de preferência na compra do mesmo.
Impugnando os restantes factos alegados pela A., concluíram pela improcedência da acção.

A A. respondeu aos incidentes e excepções invocadas pela A.

Procedeu-se ao saneamento do processo e ao julgamento com observância do legal formalismo que a respectiva acta documenta.

Foi proferida sentença na qual se decidiu:
a) Julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade por simulação, formulado a título principal;
b) Julgar procedente o pedido subsidiário de impugnação pauliana e, em consequência, declarar-se ineficaz em relação à A. o acto formalizado pela escritura de “Repúdio de Herança” outorgado pelos 1ºs Réus, melhor descrito em 1.23. dos factos provados desta, reconhecendo à A. o direito à respectiva restituição do quinhão hereditário, na medida do seu crédito, podendo executá-lo no património dos 1ºs Réus.
c) Condenar os 1ºs RR A. R. e mulher a pagar as despesas extrajudiciais, incluindo honorários com advogado, que a autora teve de suportar com a presente ação, valor esse a fixar em decisão ulterior, designadamente em sede da execução já instaurada, absolvendo-se os restantes RR deste pedido.
d) Custas pela A. e RR. na proporção respectivamente de 1/4 e 3/4.

Inconformados com tal sentença, dela vieram recorrer os Réus A. R. e esposa, M. R., formulando as seguintes conclusões:

a) Nos termos previstos no art.º 610.º do C.Civil, verifica-se a possibilidade de os credores recorrerem à acção de impugnação pauliana quando o devedor tenha praticado actos que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do crédito e que não sejam de natureza pessoal, desde que concorram as seguintes circunstâncias: a) ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor e b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade.

b) Tal como decorre expressamente do preceito legal que prevê o instituto da impugnação pauliana, a mesma apenas se aplica nos casos em que se verifique uma diminuição da garantia patrimonial.

c) Para que se possa estar perante uma diminuição da garantia patrimonial é necessário que o bem em causa já integrasse o património do devedor e tenha dele saído, uma vez que através da impugnação pauliana os credores apenas podem reagir contra negócios válidos, celebrados pelo devedor e mediante os quais se opere a saída de bens do património daquele. - Veja-se, neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 176/07.6TBVLF.C1, de 24.02.2015, disponível em www.dgsi.pt .

d) O acto impugnado pela Recorrida nos presentes autos é o repúdio da herança a que o Recorrente marido tinha direito por óbito do seu pai.

e) Nos termos previstos no art.º 2050.º, n.º 1 do C. Civil, o domínio e a posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação.

f) Atendendo ao que agora se deixa dito, é claramente possível verificar que com o repúdio da herança por parte do Recorrente marido não se operou qualquer saída de bens do seu património, sendo que tal só se verificaria caso o mesmo tivesse aceitado a herança à qual foi chamado, o que não aconteceu!

g) O nosso sistema legal assenta na necessidade, decorrente da liberdade para o efeito concedida, de o sucessível aceitar a herança à qual é chamado.

h) Só se assim não fosse é que se poderia concluir que, logo após o falecimento do autor da herança, os bens e direitos que a integram ingressam directamente no património dos sucessíveis.

i) Só face a tal circunstância, e porque se compreende que poderá existir um interesse atendível, legítimo e justificado dos credores do sucessível em aproveitar uma oportunidade de onde possa resultar um aumento do património daquele, prevê a lei um meio especialmente desenhado para que os mesmos possam, substituindo-se ao devedor/herdeiro e depois deste ter repudiado a herança, a aceitarem - Referimo-nos ao mecanismo legal previsto no art.º 2067.º do C. Civil, nos termos do qual os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele.

j) Esta é, igualmente, a posição da doutrina relativamente a esta questão, veja-se, nomeadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume VI, 1.ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 114: “Ora, dando como certo que só com a aceitação da herança o sucessível chamado adquire o domínio e posse dos bens que a integram (art.º 2050.º), é também evidente que não é a acção pauliana, mas sim a sub-rogação do credor ao devedor (com a fisionomia estrutural própria que lhe confere o art.º 606.º), a arma caçadeira capaz de, através da aceitação da herança facultada aos credores do repudiante, trazer ao património deste, mas no principal interesse do atirador (que é o credor que prime o gatilho da sub-rogação), a herança ou fracção hereditária a que ele teria direito, se a aceitasse.”

k) Portanto, com o repúdio da herança por parte do Recorrente marido não ocorreu nenhuma diminuição do seu património, precisamente porque o mesmo nunca chegou sequer a aumentar!

l) Se o património do Recorrente marido não chegou a aumentar em virtude do facto de o mesmo ter repudiado à herança, o meio legal disponível à Recorrida para fazer face a essa circunstância era, precisamente, a acção judicial mediante a qual se iria substituir ao primeiro, aceitando-a, nos termos e com os fundamentos previstos no art.º 2067.º do C. Civil e 1039.º e ss. do CPC

m) e não, porque não existe diminuição do património do Recorrente marido, a impugnação pauliana, visto que os pressupostos para o funcionamento da mesma e que legitimam que a ela se recorra, aqui não se verificam.

n) O art.º 2067.º do C. Civil prevê uma “acção sub-rogatória sui generis”, que tem como objectivo assegurar a tutela do direito comum de garantia dos credores do sucessível, mediante a instauração de acção judicial para o efeito, nos termos previstos no art.º 1041.º do CPC.

o) Deverão os credores deduzir acção judicial, através da qual irão substituir-se ao devedor repudiante, aceitando a herança, nos termos previstos no art.º 1039.º do CPC e deduzirão o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens tenham passado em virtude do repúdio nos termos do n.º 1 do art.º 1041.º do CPC e, obtida sentença favorável, poderão os credores executá-la contra a herança, tal como prevê o n.º 2 do art.º 1041.º CPC.

p) Na douta sentença ora recorrida, o tribunal a quo, com o devido respeito, parte de uma interpretação errada dos termos e dos efeitos que subjazem e que decorrem do mecanismo legal previsto no art.º 2067.º do C. Civil, na medida em que considera que, pelo facto de estar em causa um acto positivo, um acto que efectivamente foi praticado pelo Recorrente marido, acto esse praticado antes de decorrido o prazo de seis meses após a data da abertura da sucessão, não faria sentido remeter o credor para uma aceitação quando o herdeiro já havia repudiado!

q) Verifica-se que existiu aqui, diga-se, mais uma vez e com todo o respeito, um enorme equívoco na interpretação feita pelo tribunal a quo quanto ao funcionamento, bem como quanto aos pressupostos do art.º 2067.º do C. Civil.

r) Equívoco esse que radica, desde logo, na data em que se inicia a contagem do prazo de caducidade previsto para que o credor do sucessível possa aceitar a herança.

s) Tal prazo de seis meses, inicia-se, tal como expressamente consta do n.º 2 do art.º 2067.º do C. Civil, na data em que o credor tem conhecimento do repúdio da herança pelo devedor/sucessível e não a partir da data da abertura da sucessão. – Veja-se quanto a esta questão e neste sentido, por exemplo o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 176/07.6TBVLF.C, de 24.02.2015, disponível em www.dgsi.pt .

t) Face ao exposto, contrariamente àquilo que consta da douta sentença recorrida, o prazo de seis meses concedido aos credores não tem início na data da abertura da sucessão, mas sim, na data em que os mesmos tenham tido conhecimento de que o devedor/herdeiro repudiou a herança.

u) Por outro lado, a douta sentença recorrida não tem em conta que, tal como supra já se deixou mencionado, o mecanismo legal previsto no art.º 2067.º do C. Civil, não se “encaixa” sem mais, não opera sem mais, nos termos gerais previstos no art.º 606.º do C. Civil.

v) Sobre as características e a natureza deste preceito legal, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral – Vol. II, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 439 e 440, refere, nomeadamente: “Apesar da consagração da sub-rogação do credor ao devedor como instituto de carácter geral, a lei (art.º 2067.º) previu e regulou expressamente um caso especial de sub-rogação: o da sub-rogação do credor ao devedor que, em prejuízo dele, repudia a herança a que foi chamado.

w) Portanto, a aceitação da herança pelo credor, com recurso ao mecanismo legal previsto no art.º 2067.º do C. Civil pressupõe, necessariamente, até porque depende disso mesmo, que em momento prévio tenha ocorrido já o repúdio da mesma pelo devedor/herdeiro.

x) Naturalmente que não se estará, neste caso concreto, perante a substituição da Recorrida num acto cuja prática o Recorrente omitiu, caso contrário nem sequer faria sentido o recurso a este mecanismo legal, tendo em conta os pressupostos dos quais o funcionamento do mesmo depende e que é, precisamente, o prévio repúdio!

y) Para além de todo o exposto, a sentença recorrida ainda considera que, pelo facto que a sub-rogação do credor na aceitação da herança pelo devedor/sucessível não operar a reversão dos bens que a integrariam ao património do devedor, mas antes aos seus herdeiros imediatos (art.º 2067.º, n.º 3 do C. Civil), assim como pelo facto de os seus efeitos aproveitarem a todos os credores do devedor e não apenas aquele que exerce a sub-rogação, ao contrário daquilo que sucede em caso de procedência da acção pauliana (art.º 616.º, n.º 6 do C. Civil), confere à Recorrida todo o interesse em recorrer a este último meio legal, ao invés do recurso àquela especial acção de sub-rogação para aceitação da herança, motivo pelo qual considera ser aquela um meio idóneo de conservação da garantia patrimonial à disposição da Recorrida nos presentes autos.

z) Ora, é facto indiscutível que, nos termos previstos no n.º 2067.º, n.º 3 do C. Civil, a sub-rogação dos credores não irá produzir a reversão dos bens ao património do devedor, contudo, tal não se traduz em qualquer desvantagem para os mesmos, na medida em que, obtida sentença favorável pelos credores, estes poderão executá-la contra a herança, nos termos previstos no art.º 1041.º do CPC, e apenas depois destes obterem os respectivos pagamentos é que o remanescente, caso exista, irá aproveitar aos herdeiros imediatos.

aa) Efeito aliás, em certo ponto, semelhante ao decorrente da procedência da impugnação pauliana, na medida em que neste caso, o credor terá direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

bb) Verifica-se assim, também no caso da procedência da impugnação pauliana, que os bens alienados não regressam necessariamente ao património do devedor, abrindo-se sim a possibilidade de o credor os executar no património do adquirente, na medida dos seus interesses.

cc) Por outro lado, não pode ser pelo facto de se considerar que existe todo o interesse da Recorrida na procedência da impugnação pauliana, nomeadamente pelo facto de os efeitos da mesma aproveitarem apenas ao credor que a tenha requerido, ao invés daquilo que acontece com o a aceitação da herança pelos credores do devedor repudiante, que se poderá, sem mais, sem atender à natureza de cada um dos mecanismos legais disponível e à sua adequação face à configuração jurídica dos actos efectivamente praticados pelo Recorrente marido, decidir favoravelmente à pretensão da Recorrida.

dd) Para além disto, mais uma vez tendo em conta as considerações que foram sendo feitas acerca da aplicação da impugnação pauliana, atendendo ao conteúdo da sentença recorrida, mais uma vez que verifica, com o devido respeito, que a mesma assenta e desenvolve-se sobre um errado pressuposto, quando refere, simplesmente, que atendendo ao elevado montante do crédito que a Recorrida detem sobre os Réus e sobre os Recorrentes nos presentes autos, o “acto de disposição gratuito outorgado pelos 1.ºs RR resulta sem dúvida no agravamento de a Autora poder satisfazer integralmente o seu crédito, uma vez que caso esse negócio se mantenha ficará impossibilitada de executar o quinhão hereditário pertencente ao 1.º Réu na herança aberta por óbito do seu pai (sendo que por representação a parte desse quinhão que se transferiu para o co-réu L. F. é apenas 1/3 desse quinhão); vendo a A. agravada a possibilidade de satisfação integral do seu crédito, o qual repete-se ascende a montante elevado, sendo que ao Réu repudiante não são conhecidos mais quaisquer bens susceptíveis de serem executados e responderem pela satisfação integral da dívida, sempre não olvidando que outorgou como avalista da subscritora da livrança, a sociedade mutuária, em 2016.”

ee) Mais uma vez, atendendo, nomeadamente, à concreta passagem da douta sentença recorrida que ora se transcreveu, verifica-se que o tribunal a quo, assenta a sua decisão no pressuposto errado de que o Recorrente marido através do acto de repúdio da herança, procedeu a um acto de disposição patrimonial, o que, tal como já por inúmeras vezes se deixou dito, não se verificou, na medida em que uma vez que o Recorrente marido repudiou a herança, não existiu a entrada de património, motivo pelo qual, logicamente, por meio de tal acto, também não ocorrer qualquer disposição, saída de património do património deste.

ff) Por outro lado, a douta sentença recorrida também não tem em conta um dos pressupostos dos quais depende a procedência da acção de impugnação pauliana, uma vez que se prevê na alínea b) do art.º 610.º do C. Civil que, para que esta seja procedente, terá, necessariamente, que se verificar que do acto impugnado resulta a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.

gg) Uma vez que através da acção de impugnação pauliana são atacados actos válidos, não será qualquer acto aquele que poderá ser impugnado pelo credor, exigindo-se que do mesmo resulte, pelo menos, o agravamento da possibilidade do credor obter a satisfação integral do seu crédito.

hh) Ora, para garantia de bom, integral e pontual cumprimento das obrigações assumidas, foram constituídas hipotecas sobre os 10 (dez) prédios rústicos e urbanos – os prédios supra identificados no pretérito art.º 14.º, bem como os bens adquiridos por meio do contrato de compra e venda celebrado entre a Recorrida e a sociedade comercial “X – Prestação de Serviços Técnicos e Agroflorestais, Unipessoal Lda.”.

ii) Prédios estes sobre os quais apenas se encontram registadas hipotecas e, posteriormente, penhoras, para garantia do bom e integral pagamento das obrigações decorrentes do contrato de compra e venda e mútuo celebrado entre a Recorrida e aquela sociedade comercial e que foram avaliados a pedido da própria Recorrida num montante próximo de um milhão de euros!

jj) Para além disso, encontra-se, ainda, garantida por uma letra, subscrita pela sociedade comercial “X – Prestação de Serviços Técnicos e Agroflorestais, Unipessoal Lda.”., avalizada por quatro pessoas singulares.

kk) Face ao exposto, atendendo ao vasto leque de garantias exclusivamente destinadas a assegurar o bom e integral pagamento das obrigações assumidas por aquela sociedade comercial perante a Recorrida, o acto praticado pelo Recorrente marido, não só porque não implicou uma diminuição do seu património, apenas eventualmente evitou o seu aumento, também não implicou, de modo algum, qualquer agravamento da impossibilidade da Recorrida obter a satisfação integral do seu crédito.

ll) Em conclusão, o tribunal a quo fez uma errada interpretação do regime quer da impugnação pauliana e como tal, partiu e sustentou-se em pressupostos que, com todo o respeito, não se verificam, motivo pelo qual nunca a acção de impugnação pauliana deduzida pela Recorrida poderia proceder.

Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, tudo com as legais consequências.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça!

A Autora apresentou contra-alegações e requereu a título subsidiário a ampliação do objecto do recurso, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Com o devido respeito, não assiste razão aos recorrentes na parte em que referem não estarem preenchidos dois dos requisitos de que o legislador faz depender a impugnação pauliana: a existência de um “ato que envolva a diminuição da garantia patrimonial do crédito” e a “impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa possibilidade”.
Diferentemente do que alegam, o acórdão por si citado nas alegações de recurso deixa claro que o primeiro requisito impugnado não exige a concretização de um ato que implique uma “saída” de bens do património do devedor, bastando apenas a existência de um “ato lesivo da garantia patrimonial do credor”.
Não há, por isso, dúvidas que o ato de repúdio preenche o primeiro requisito porque, como confessado pelos recorrentes, traduziu-se numa renúncia a um direito existente no património do recorrente marido que evitou o aumento do seu património e causou prejuízo real à recorrida (estimado em € 26.000,00) porque a impediu de o executar.
Também quanto ao preenchimento do segundo requisito não podem existir dúvidas do seu preenchimento: hoje é pacificamente aceite que, provada pelo impugnante a existência e a quantidade do direito de crédito e a sua anterioridade em relação ao ato impugnado, se presume a impossibilidade de realização do direito de crédito em causa ou o seu agravamento, recaindo sobre o devedor o ónus de provar a existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior aptos a responder pela dívida. Ora, isso não foi provado pelos recorrentes.
Mais acresce que o recorrente marido é solidariamente responsável - juntamente com a sociedade subscritora e demais avalistas da livrança - pelo crédito da recorrida e, nessa medida, como sufragado pela jurisprudência das instâncias superiores, a suficiência de bens penhoráveis tem de dizer respeito ao próprio demandado, não relevando que os outros devedores solidários continuem a dispor de património bastante para assegurar o pagamento da dívida.
Por fim, e ainda a propósito, dizer apenas que o crédito da recorrida é anterior à escritura impugnada, pressuposto que foi constituído em 31.03.2016, pois foi nessa data que foi posto à disposição da “X -..” o montante mutuado - arts. 512.º, 518.º, 611.º e n.º 1 do art. 614.º do CC
- vd. arts. 10.º, 30.º, 32.º, 43.º, 47.º e 77.º e 47.º da LULL - vd. Ac. do TRG de 15.02.2018, proc. n.º 1065/14.3TJVNF.G1 e do TRC de 24.05.2015, proc. n.º 176/07.6TBVLF.C1 - vd. Ac. do TRC de 24.05.2015, proc. n.º 176/07.6TBVLF.C1 - vd. Acs. do STJ de 05.12.2002, no proc. n.º 02B3652, de 08.11.2007, de 26.02.2009, de 08.10.2009, de 20.03.2012, proc. n.º 29/03.7TBVPA.P2.S1, de 29.09.2011, proc. n.º 326/2002.E1.S1, de 14.12.2006, proc. n.º 06B3881 e de 05.12.2002, proc. n.º 02B3652 - vd. Pinto Coelho, “As Letras”, II, 2ª, pp. 30 e ss; Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial”, Reprint, p. 483; Vaz Serra, BMJ, 61º, p. 264 e Oliveira Ascensão, “Direito Comercial”, III, p. 116 - ponto 86 das alegações dos recorrentes - vd. factos provados 1.31., 1.38., 1.40., 1.41., 1.42., 1.43. e 1.46.

2.ª - Estão preenchidos todos os requisitos para procedência da impugnação pauliana:
- o recorrente marido é devedor da recorrida
- a dívida em causa remonta à data da outorga do contrato de mútuo que originou o crédito da recorrida (31.03.2016)
- a escritura de repúdio foi outorgada posteriormente (em 28.11.2017)
- com a outorga da escritura de repúdio da herança, o recorrente marido impediu que integrasse a sua esfera patrimonial a sua quota hereditária na herança aberta por óbito de seu pai calculada em € 26.000,00
- os recorrentes não lograram fazer prova de que o recorrente marido mantém no seu património bens suficientes para assegurar o pagamento do crédito da recorrida - vd. art.º 610.º do CC.

3.ª - Relativamente ao argumento trazido pelos recorrentes de que o meio de que a recorrida deveria ter lançado mão para satisfazer o seu crédito seria a sub-rogação prevista no art.º 2067.º do CC, deve responder-se, novamente com o devido respeito, que parte o mesmo de dois pressupostos que se mostram erróneos: o de que não se mostrariam no caso verificados os requisitos da impugnação pauliana; e o de que tal regime teria caráter imperativo.
Ocorre que, como vimos, todos os requisitos da impugnação pauliana se mostram preenchidos e, além disso, o instituto da sub-rogação previsto no art. 2067.º do CC não configura um regime imperativo quanto à forma dos credores do herdeiro devedor reagirem ao repúdio da herança por este declarado. Efetivamente, o legislador não excluiu ao credor a possibilidade de reagir nos termos gerais previstos por lei e, em face dos diferentes regimes, o único que se afigurava adequado à proteção dos direitos da recorrida seria aquele de que lançou mão - vd. arts. 609.º, 616.º e 2067.º do CC - vd. Menezes Leitão, “Garantias das Obrigações”, 2012, 4.ª Ed., Almedina, p. 56.

4.ª - Porque os recorrentes não fazem menção nas suas conclusões de recurso à discordância quanto à sua condenação no pagamento das despesas extrajudiciais que a recorrida venha a comprovar ter suportado com a apresente ação, não deve tal alteração ser apreciada por este Tribunal ad quem. Contudo, sempre se dirá que não deve merecer acolhimento este pedido porque o mesmo resulta prejudicado pela falta de fundamentação de facto e de direito das pretensões anteriormente afastadas - vd. art.º 639.º do CPC - vd. Ac. do STJ de 11.10.2015, proc. n.º 05B2179.

5.ª - Caso assim não se venha a entender e seja por este Tribunal ad quem revogada a sentença proferida, impugna a recorrida, a título subsidiário, a decisão proferida sobre alguns dos pontos julgados como não provados pelo Tribunal a quo.
A este respeito, quanto à matéria de facto, julga a recorrida que existe uma contradição entre alguns dos pontos julgados provados e não impugnados (1.14., 1.15., 1.16., 1.17., 1.36., 1.37., 1.40., 1.41., 1.42., 1.43., 1.44., 1.45., 1.46.) e alguns dos pontos que ficaram a constar da matéria de facto não provada (2.1., 2.2., 2.3., 2.7., 2.8., 2.10., 2.11., 2.12.).
Estes factos não provados devem integrar a matéria provada. A esta conclusão se chega pela prova produzida que permitiu ao Tribunal de 1.ª instância formar a sua convicção quanto aos factos provados - designadamente pela prova documental e testemunhal - conforme melhor decorre da motivação da decisão e ainda porque nenhum dos factos provados ter sido impugnado pelos recorrentes ou recorrida:
- dizer que as dívidas da “X -..” se acumulavam desde dezembro de 2018 (1.14 e 1.45), que os 1.ºs réus foram alertados para essa situação (1.15), tendo disso ficado cientes (1.40), e que, apesar disso, foi mantido o incumprimento (1.16 e 1.17), mesmo esses réus sabendo do risco de os credores da sociedade executaram o seu património, incluindo o quinhão repudiado (1.41), é o mesmo que dizer que os 1.ºs réus tinham noção que a “X -..” não iria conseguir pagar as suas dívidas (2.1) e que na qualidade de avalistas seriam responsabilizados pelas dívidas da sociedade (2.2) e, consequentemente, do risco de perderem o seu património (2.3) - se resulta assente que os 2.º, 3.º e 4.º réus nunca exerceram qualquer poder de facto ou de direito sobre os referidos prédios (1.36) e que os recorrentes resolveram de imediato outorgar a dita escritura de “repúdio de herança”, a fim de impedir a satisfação do crédito futuro da recorrida (1.42), é por demais evidente que deverá passar para o elenco desses factos provados que o quinhão repudiado integrou apenas ficticiamente o património dos 2.º, 3.º e 4.º réus porque, em verdade, era o recorrente marido o legítimo adquirente (2.7), que assim procurou apenas e tão só proteger tal quinhão (2.8) - afirmar que os 2.º, 3.º e 4.º réus nunca exerceram qualquer poder de facto ou de direito sobre os ditos prédios (1.37) significa necessariamente que os recorrentes não lhes entregaram a proporção do quinhão hereditário repudiado e, por efeito, estes não o receberam, sendo apenas estes a exercer atos de poder de facto sobre os prédios em causa (2.10 e 2.12)
- deveria ter ficado provado que o recorrente marido nunca quis, na realidade, repudiar a sua quota na herança aberta por óbito de seu pai e a recorrente mulher nunca quis, correspondentemente, dar o seu consentimento a tal ato de repúdio (2.11) já que isso mesmo decorre, entre o mais, de o Tribunal de 1.ª instância ter decidido por assente que os 2.º, 3.º e 4.º réus nunca exerceram qualquer poder de facto ou de direito sobre os ditos prédios (1.37), que os recorrentes estavam cientes de que os credores da “X -..” poderiam promover a penhora e venda judicial do quinhão hereditário e que, por isso, os recorrentes «resolveram, então e desde logo, outorgar a dita escritura de “Repúdio de Herança”, a fim de impedir a satisfação do crédito futuro da autora: o património dos 1.ºs réus ingressaria na esfera jurídica dos 2.º, 3.º e 4.º réus, acabando por não responder pela dívida descrita» (1.42) e ainda que qualquer diligência executiva dirigida ao recorrente marido estaria voltada ao fracasso, visto que o mesmo não dispõe “formalmente” de quaisquer bens penhoráveis (1.46).

6.ª - Na sequência do que vem de dizer-se, impõe-se uma alteração à decisão no que respeita à improcedência do pedido principal da ação porque se mostrarão então preenchidos - por verificação dos indícios necessitas, omnia bona, affectio e retentio possessionis - os requisitos para declaração de nulidade, por vício de simulação, da escritura de “repúdio da herança” outorgada pelos recorrentes: o “repúdio de herança” declarado pelo recorrente marido e consentido pela recorrente mulher foi combinado entre estes e os restantes réus, com o intuito de enganar a recorrida, divergindo as declarações prestadas da vontade real de cada outorgante .
Assim, mostra-se necessária uma alteração da sentença, julgando provado o pedido principal da ação, i. e, que seja declarada a nulidade por simulação da escritura de “repúdio de herança” - vd. Ac. do TRG de 03.05.2018, proc. n.º 573/14.0TBCTB.G1 - vd. pontos 1.12., 1.14., 1.15., 1.16., 1.17., 1.23., 1.31., 1.34., 1.37., 1.38., 1.40., 1.41., 1.42., 1.43., 1.44., 1.45. e 1.46. da matéria provada e ainda 2.1., 2.2., 2.3., 2.7., 2.8. e 2.10 da matéria que deve passar a provada.
Em conformidade com as razões expostas, deve negar-se provimento à apelação, confirmando-se a douta sentença proferida ou, subsidiariamente, julgar-se procedente o pedido principal da ação assim se decidindo este venerando Tribunal fará justiça.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, cumpre apreciar:
- Se perante o repúdio à herança por parte do Recorrente, o meio legal disponível à Recorrida para fazer face a essa circunstância era a acção judicial mediante a qual se iria substituir ao primeiro, aceitando-a, nos termos e com os fundamentos previstos no art.º 2067.º do C. Civil e 1039.º e ss. do CPC.
- Se está ou não verificado o pressuposto legal da impugnação pauliana relativo a uma diminuição da garantia patrimonial;
- Da pretensão subsidiaria da Recorrida traduzida na impugnação da matéria de facto;
- E se, na procedência dessa impugnação, deve ser julgado procedente o pedido principal formulado na petição inicial.

III-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a factualidade considerada provada na sentença:

1.1. Corre termos neste juízo central cível, a execução comum n.º 3607/19.9T8VCT, Juiz 3, instaurada em 26 de outubro de 2019 pela autora contra, entre outros, os 1.ºs e 2.º réus.

1.2. Essa execução tem por objeto o empréstimo n.º ………….81, concedido em 31 de março de 2016 pela autora à sociedade “X - Prestação de Serviços Técnicos Agroflorestais, Unipessoal, Lda.”, no valor de € 690.000,00 (seiscentos e noventa mil euros).

1.3. Nesse contrato outorgaram também, na qualidade de garantes, os 1.ºs e 2.º réus.

1.4. Autora e, entre outros, 1.ºs e 2.º réus consignaram nesse contrato, com interesse, o seguinte:
a - a autora concedeu à referida sociedade, a seu pedido e no seu interesse, um empréstimo no montante € 690.000,00 (seiscentos e noventa mil euros)
b - o empréstimo era concedido pelo prazo de 237 (duzentos e trinta e sete) meses
c - o empréstimo seria reembolsado conforme o plano de reembolso anexo ao mesmo
d - o capital mutuado vencia juros à taxa anual nominal de 2,75%
e - as prestações de capital, de juros e demais obrigações eram exigíveis e deveriam ser pagas nas datas dos respetivos vencimentos, independentemente de qualquer aviso ou interpelação para o efeito
f - em caso de mora no pagamento de qualquer prestação de capital, de juros ou de outra obrigação, acresceria à taxa referida a sobretaxa de 3% sobre as quantias em dívida e pelo tempo em mora
g - em caso de mora no pagamento de qualquer prestação, a acrescer à referida sobretaxa, a autora poderia cobrar a comissão de recuperação dos valores em dívida, que não poderia ultrapassar os 4%.

1.5. Autora e, entre outros, 1.ºs e 2.º réus consignaram nesse documento, especificamente quanto a juros, o seguinte:
a - em caso de mora no pagamento de qualquer prestação ou obrigação seriam devidos juros moratórios, à taxa nominal aplicável, acrescida de 3 pontos percentuais
b - a autora poderia capitalizar os juros remuneratórios correspondentes a períodos não inferiores a 1 mês, ou caso houvesse carência de pagamento de juros correspondentes a períodos não inferiores a 3 meses, adicionando-os ao capital em dívida, para seguirem o regime deste
c - em caso de mora no pagamento de qualquer prestação, a acrescer à referida sobretaxa de juros moratórios, a autora poderia, querendo, cobrar a comissão de recuperação de valores em dívida, a qual não poderia exceder os 4%

1.6. Autora e, entre outros, 1.ºs e 2.º réus consignaram ainda nesse contrato, que estes se obrigavam a pagar as despesas, judiciais e extrajudiciais, que aquela suportasse, incluindo as com honorários de advogados, para reaver o seu crédito.

1.7. Bem como a pagar os impostos e encargos inerentes ao empréstimo e as relativas à constituição, execução e extinção das garantias associadas ao crédito.

1.8. Também na referida data, na Conservatória do Registo Predial de … (“Casa Pronta”), autora e, entre outros, o 2.º réu outorgaram o “Título de Compra e Venda e Mútuo com Hipotecas”, em suma, nos seguintes termos:
“TÍTULO DE COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECAS (…)
B. IDENTIFICAÇÃO DOS INTERVENIENTES
B.1. PRIMEIRO - PARTE VENDEDORA E MUTUANTE/CREDORA HIPOTECÁRIA CAIXA …, CRL, (…) NIPC ……… (…)
(…)
B.2 SEGUNDO - PARTE COMPRADORA E MUTUÁRIA
B2. X - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS AGROFLORESTAIS, UNIPESSOAL LDA., (…)
- A parte compradora e mutuária é representada neste ato por:
L. F., (…) NIF ........., (…).
B3. TERCEIRO - OUTROS INTERVENIENTES
a) L. F., (…) NIF ........., (…).
b) F. E., (…) NIF ………, (…).
(…)
D. IDENTIFICAÇÃO DOS PRÉDIOS
D1. ELEMENTOS DESCRITIVOS DOS PRÉDIOS
Prédio 1
1. Natureza: misto - duas moradas de casas, um de rés-do-chão, com uma dependência e logradouro e outra de rés-do-chão e 1.º andar, para habitação, com logradouro, cultura arvense de regadio, terreno de pastagem, lameiro e mata mista;
2. Destino: habitação, cultura arvense de regadio, terreno de pastagem, lameiro e mata mista;
(…)
4. Situação: lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Arcos de Valdevez;
5. Inscrição matricial: ... e ... urbanos e ... rústico
(…)
Prédio 2
8. Natureza: rústica - denominado «... de ...»
(…)
11. Situação: lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Arcos de Valdevez
12. Inscrição matricial: ...

Prédio 3
15. Natureza: rústica
(…)
18. Situação: lugar de ..., da freguesia de ..., concelho de ...;
19. Inscrição matricial: .. - Secção AP;
(…)
Prédio 4
22. Natureza: urbana - casa de único andar
(…)
25. Situação: lugar de ..., Rua ... e Largo da ..., da freguesia de ..., concelho da Guarda
26. Inscrição Matricial: …
(…)
Prédio 5
29. Natureza: rústica - denominado «...»
(…)
32. Situação: lugar de ..., da União de Freguesias de ... e ..., concelho de Monção;
33. Inscrição matricial: …, o qual corresponde ao artigo … da freguesia de ... (extinta)
(…)
Prédio 6
36. Natureza: Urbana - Fração autónoma designada pela letra «H», correspondente ao rés-do-chão (…)
(…)
39. Situação: lugar de ..., da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Monção
40. Inscrição matricial: ...
(…)
Prédio 7
43. Natureza: Urbana - fração autónoma designada pela letra «Q», correspondente ao bloco dois - rés-do-chão (…)
(…)
46. Situação: lugar de ..., da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Monção
47. Inscrição matricial: ...
(…)
Prédio 8
50. Natureza: urbana - fração autónoma designada pela letra «R». correspondente ao bloco dois - rés-do-chão (…)
(…)
53. Situação: lugar de ..., da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Monção
54. Inscrição matricial: ...
(…)
Prédio 9
57. Natureza: urbana - terreno destinado a construção - lote n.º 7
(…)
60. Situação: lugar de ..., União das Freguesias de ... e ..., concelho de Monção

61. Inscrição matricial: ..., o qual corresponde ao artigo … da freguesia de ...
(…)
Prédio 10
64. Natureza: urbana - casa de dois pavimentos, alboio e rossios
(…)
67. Situação: lugar …, freguesia de ..., concelho de Monção
68. Inscrição matricial: …
(…)
D2. SITUAÇÃO REGISTRAL
Prédio 1
Prédio descrito sob o número …, da … - Conservatória do Registo Predial de …, (…)
Prédio 2
Prédio descrito sob o número … da ... – Conservatória do Registo Predial ..., (…)
Prédio 3
Prédio descrito sob o número …, da ... - Conservatória do Registo Predial de ..., (…)
Prédio 4
Prédio descrito sob o número …, da ... - Conservatória do Registo Predial de Guarda, (…)
Prédio 5
Prédio descrito sob o número …, da ... - Conservatória do Registo Predial ..., (…)
Prédio 6
Prédio descrito sob o número …, fração H, da ... - Conservatória do Registo Predial ..., (…)
Prédio 7
Prédio descrito sob o número …, fração Q, da ... - Conservatória do Registo Predial ..., (…)
Prédio 8
Prédio descrito sob o número …, fração R, da ... - Conservatória do Registo Predial ..., (…)
Prédio 9
Prédio descrito sob o número …, da ... - Conservatória do Registo Predial ..., (…)
Prédio 10
Prédio descrito sob o número .., da ... - Conservatória do Registo Predial ..., (…)
E. COMPRA E VENDA
E.1.
A PRIMEIRA, pelo seu representante, vende à SEGUNDA - X - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS AGROFLORESTAIS, UNIPESSOAL, LDA. - os imóveis identificados por prédio 1 e prédio 2, supra identificados, pelo preço global de DUZENTOS E SESSENTA E SEIS MIL TREZENTOS E SESSENTA EUROS, correspondendo ao prédio 1 o valor de 159.770,00 euros e 106.590,00 euros ao prédio 2, que já recebeu.
(…)
E.3. ACEITAÇÃO
As partes declaram aceitar o negócio, nos termos exarados.
F. MÚTUO COM HIPOTECA
F.1. A CAIXA ..., (…), concede à sociedade mutuária (…), um empréstimo no montante de SEISCENTOS E NOVENTA MIL EUROS.
O empréstimo é feito pelo prazo de duzentos e trinta e sete meses, a contar da presente data.
Do referido montante, a parcela de duzentos e sessenta e seis mil e trezentos e sessenta euros destina-se a financiar a aquisição acima realizada; o montante de quatrocentos e sete mil seiscentos e vinte e cinco euros e oitenta e dois cêntimos, para reestruturação dos créditos .......36. .......24 e .......20 e regularização das contas DO .......95 e .......25 da MUTUÁRIA e o montante de dezasseis mil e catorze euros e dezoito cêntimos para a atividade da MUTUÁRIA, (…), regulado nas condições estabelecidas do Anexo I, que fica anexo e a fazer parte integrante do presente título, (…).
F.2. O SEGUNDO confessa a sociedade mutuária, (…), devedora à CAIXA ... das quantias mutuadas (…).
Por este título, O SEGUNDO outorgante constitui, em nome da sociedade MUTUÁRIA, sua representada, a favor da CAIXA ..., hipoteca sobre os prédios 1 a 8.
Que ainda pelo presente título, os TERCEIROS - HIPOTECANTES, constituem a favor da CAIXA ..., hipoteca sobre os prédios 9 e 10.
Que as hipotecas ora constituídas se destinam a garantir o bom e integral pagamento de:
a) Do capital mutuado de SEISCENTOS E NOVENTA MIL EUROS
b) Respetivos juros, (…), acrescida em caso de mora, da sobretaxa de três por cento (3%)
c) Despesas que a CAIXA ... faça, incluindo honorários de advogados e outros mandatários (…).
Que a presente hipoteca é constituída com a máxima amplitude lega (…).
(…)
F.3. As partes declaram aceitar o negócio, nos termos exarados.
(…)
ANEXO I, (…).
CLAÚSULA PRIMEIRA (Objeto, Finalidade e Confissão de dívida)
1. A CAIXA ... concede a pedido e a favor da MUTUÁRIA um empréstimo do montante de SEISCENTOS E NOVENTA MIL EUROS.
2. Da quantia mutuada, a parcela de duzentos e sessenta e seis mil e trezentos e sessenta euros destina-se a financiar a aquisição dos imóveis identificados no título de que este instrumento é anexo, o montante de quatrocentos e sete mil seiscentos e vinte e cinco euros e oitenta e dois cêntimos, para reestruturação dos créditos .......36. .......24 e .......20 e regularização das contas DO .......95 e .......25 da MUTUÁRIA e o montante de dezasseis mil e catorze euros e dezoito cêntimos para a atividade da MUTUÁRIA, (…).
(…)
CLÁUSULA SEGUNDA (Prazo e Reembolso)
1. O empréstimo é concedido pelo prazo de duzentos e trinta e sete meses, com início nesta data.
2. O capital será reembolsado em dezoito prestações anuais constantes de capital e juros, vencendo-se as prestações de capital após o referido período de carência de trinta e quatro meses, também a contar da data deste contrato, e cada uma das restantes nocorrespondente dia de cada ano subsequente, de acordo com o plano de reembolso em anexo (ANEXO I).
CLÁUSULA TERCEIRA (Juros)
1. A quantia mutuada vence juros, postecipados e contados dia a dia, (…).
2. A taxa de juro nominal atual é de dois vírgula setenta e cinco por cento (…).
3. Os juros são pagos postecipadamente, vencendo-se a primeira prestação em 26/12/2016, e cada uma das demais no correspondente dia de ano subsequente.
4. Em caso de mora no pagamento de qualquer obrigação ou quantia serão devidos pela MUTUÁRIA juros moratórios calculados à taxa que resultar da aplicação de uma sobretaxa anual de 3% (três) por cento a acrescer à taxa de juros remuneratórios em vigor
(…).
5. A CAIXA ... pode capitalizar os juros remuneratórios (…).
6. Em caso de mora no pagamento de qualquer prestação, a acrescer à sobretaxa a que se refere supra o número quatro, a CAIXA ... poderá, querendo, cobrar a comissão de recuperação de valores em dívida, a qual não poderá exceder 4% (…).
(…)
CLÁUSULA QUINTA (Condições gerais)
1. As prestações de capital, os juros e demais obrigações são exigíveis e devem ser pagas nas datas dos respetivos vencimentos, sem necessidade de qualquer aviso ou interpelação.
(…)
3. No empréstimo e pelas operações e atos processados ao abrigo deste contrato, incidem as comissões e encargos da «Tabela de Preçário» da CAIXA ..., (…).
(…)
7. A MUTUÁRIA também se obriga ao seguinte:
a) Pagar os impostos e encargos, (…), bem como as despesas, judiciais ou extrajudiciais, que a CAIXA ... faça para assegurar ou obter o pagamento dos seus créditos.
(…)
CLÁUSULA SEXTA (Incumprimento e exigibilidade)
1. O não cumprimento de quaisquer obrigações (…), produz o vencimento antecipado e a exigibilidade imediata de todas as obrigações, (…) e especialmente nos seguintes casos:
a) Se não for paga alguma das prestações de capital ou de juros, no respetivo prazo, ou os juros moratórios, as comissões, encargos e despesas (…).
(…)
CLÁUSULA SÉTIMA (Hipoteca)
1. O bom, integral e pontual cumprimento das obrigações e responsabilidades decorrentes deste empréstimo, designadamente o reembolso do capital, pagamento dos juros, comissões, despesas judiciais extrajudiciais e demais encargos, fica garantido pela primeira hipoteca sobre os imóveis identificados na escritura de que este documento complementar é anexo.
(…)”.

1.9. A autora concedeu à referida sociedade um empréstimo, no montante de € 690.000,00, tendo o integral cumprimento do mesmo ficado garantido pelas hipotecas sobre os prédios concretamente referidos no transcrito “Título de Compra e Venda e Mútuo com Hipotecas”, ou seja, sobre os seguintes imóveis:
- PRÉDIO MISTO, denominado de “Quinta de ... e Leira da ...”, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., Arcos de Valdevez, composto de duas casas, uma de rés-do-chão, com uma dependência e logradouro, e outra de rés-do-chão e 1º andar, para habitação, com logradouro, cultura arvense de regadio, terreno de pastagem, lameiro e mata mista, descrito na Conservatória do Registo Predial respetiva sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos ... e 4... e rústica sob o artigo ...;
- PRÉDIO RÚSTICO, sito em ... de ..., Lugar de ..., freguesia de ..., Arcos de Valdevez, composto de eucaliptal, pinhal, lameiro, terreno de mato, pastagem e mata, descrito na Conservatória do Registo Predial respetiva sob o n.º …, inscrito na matriz sob o artigo ... - PRÉDIO RÚSTICO, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., composto de cultura arvense, alfarrobeiras e oliveiras, descrito na Conservatória do Registo Predial respetiva sob o n.º ..., inscrito na matriz sob o artigo 50;
- PRÉDIO URBANO, sito na freguesia de ..., concelho da Guarda, composto de andar único, descrito na Conservatória do Registo Predial respetiva sob o n.º ..., inscrito na matriz sob o artigo ... - PRÉDIO RÚSTICO, denominado de «...», sito em ..., freguesia de ..., Monção, descrito na Conservatória do Registo Predial respetiva sob o n.º ..., inscrito na matriz sob o artigo ...;
- FRAÇÃO AUTÓNOMA, designada pela letra “Q”, sita na freguesia de ..., Monção, bloco dois, composta de rés-do-chão, primeira loja, lado direito, descrita na Conservatória do Registo Predial respetiva sob o n.º ...;
- FRAÇÃO AUTÓNOMA, designada pela letra “R”, bloco dois, composta de rés-do-chão, segunda loja, lado norte, sita em ..., freguesia de ..., Monção, descrita na Conservatória do Registo Predial respetiva sob o n.º ..., inscrita na matriz sob o artigo ...;
- PRÉDIO URBANO, situado em ..., freguesia de ..., Monção, composto de terreno destinado a construção, lote n.º 7, descrito na Conservatória do Registo Predial respetiva sob o n.º ..., inscrito na matriz sob o artigo ...;
- PRÉDIO URBANO, situado em ..., freguesia de ..., Monção, composto de casa com dois pavimentos, alboio e rossios, inscrito na Conservatória do Registo Predial respetiva sob o n.º 1, inscrito na matriz sob o artigo … 1.10. A autora registou a ser favor, respetivamente, cada uma dessas hipotecas sobre os prédios concretamente referidos pelas Aps. De 31/3/2016 – docs. 4 a 12.

1.11. Também como garantia do cumprimento das obrigações assumidas no referido contrato, foi entregue à autora uma livrança em branco, subscrita pela sociedade mutuária - cfr. doc. n.º 13 junto com a p.i.

1.12. A referida livrança foi avalizada por, entre outros, 1.ºs e 2.º réus, assumindo-se estes responsáveis perante a autora pelo pagamento da dívida, em caso de incumprimento por parte da sociedade mutuária.

1.13. Sendo que, ficou desde logo estipulado que, em caso de incumprimento, a autora ficaria autorizada a completar o preenchimento da referida livrança pelo valor em dívida, o que fez.

1.14. Nem a sociedade mutuária, nem os referidos garantes pagaram a prestação do empréstimo que se venceu em 31 de Dezembro de 2018.

1.15. A autora, face a tal incumprimento, remeteu, entre outros, aos 1.ºs e 2.º réus avisos sucessivos por escrito, alertando-os para tal incumprimento e consequente vencimento de todo o crédito - cfr. docs. n.ºs 14 a 16 juntos com a p.i..

1.16. Entre outros, os referidos réus mantiveram o incumprimento, apesar de tais advertências, pelo que a autora considerou vencido todo o empréstimo e encargos acessórios.

1.17. Deste modo, no dia 11 de Outubro de 2019, entre outros, os 1.ºs e 2.º réus deviam à autora, relativamente ao empréstimo em crise, os seguintes valores:
a - € 690.000,00 de capital em dívida
b - € 33.464,57 de juros compensatórios
c - € 1.468,35 de juros de mora sobre capital
d - € 873,11 de juros de mora sobre juros
e - € 415,00 de comissões
f - € 1.448,84 de imposto de selo, no total de € 727.669,87 (setecentos e vinte e sete mil, seiscentos e sessenta e nove euros e oitenta e sete cêntimos).

1.18. Sobre esse montante continuam a vencer-se juros no valor diário de € 114,34 (cento e catorze euros e trinta e quatro cêntimos), o que perfaz, no dia 24 de outubro de 2019, o total de juros diários em dívida de € 1.486,42 mil, quatrocentos e oitenta e seis euros e quarenta e dois cêntimos).

1.19. Elevando, deste modo, o montante global em dívida, no dia 24 de Outubro de 2019, para € 729.156,29 (setecentos e vinte e nove mil, cento e cinquenta e seis euros e vinte e nove cêntimos).

1.20. O referido montante em dívida é ainda acrescido das despesas, judiciais e extrajudiciais, que a autora tenha de suportar na recuperação do seu crédito, incluindo-se honorários de advogado.

1.21. Por isso, foi instaurada a execução supra referida em 1.1. com o respetivo anexo de indicação de bens à penhora.

1.22. Em 07 de agosto de 2017, faleceu R. R., pai do réu A. R., sogro da ré M. R. e avô dos 2.º, 3.º e 4.º réus.

1.23. Na sequência, no dia 28 de novembro de 2017, compareceram no cartório notarial da notária C. G., sito em …, os 1.ºs réus, tendo em escritura denominada de “Repúdio de Herança” feito consignar o seguinte:

“(…)
REPÚDIO DE HERANÇA
(…)
PRIMEIROS
A. R., contribuinte número ...……, (…), e mulher M. R., contribuinte número ………,
(…).
(…)
DECLAROU O PRIMEIRO OUTORGANTE VARÃO:
Que pela presente escritura, repudia a herança aberta por óbito de seu pai, R. R., falecido a sete de agosto de dois mil e dezassete, (…).
(…)
Que tem como única descendência sucessível três filhos:
1) L. F., (…)
2) J. M., (…)
3) J. P., (…)
DECLAROU A PRIMEIRA OUTORGANTE MULHER:
Que presta consentimento ao seu cônjuge para a prática do presente ato.
(…)”.
- cfr. doc. n.º 20 junto com a p.i.
1.24. Essa herança é composta por, entre outros, os seguintes imóveis:

- PRÉDIO URBANO, sito na freguesia de ..., concelho de Monção, composto por casa de habitação com dois pavimentos e leira de lavradio, inscrito na Conservatória do Registo Predial respetiva sob o n.º .. e inscrita na matriz sob o artigo …
- PRÉDIO RÚSTICO, sito na freguesia de ..., concelho de Monção, com 2.950 m², inscrito na matriz sob o artigo …, que confronta a Norte com Caminho Público, a Sul com J. V., a Nascente com Estrada e a Poente com L. A.
- PRÉDIDO RÚSTICO, sito na freguesia de ..., concelho de Monção, com 600 m², inscrito na matriz sob o artigo …, que confronta a Norte, Sul e Nascente com M. F. e a Poente com V. L.
- PRÉDIO RÚSTICO, sito na freguesia de ..., concelho de Monção, com 950 m², inscrito na matriz sob o artigo …, que confronta a Norte com Estrada Nacional, a Sul com Limite de Freguesia, a Nascente com M. B. e a Poente com Limite de Freguesia e A. O. - cfr. docs. n.ºs 21 a 26 juntos.

1.25. Em concreto, o real valor do prédio urbano referido no ponto anterior à data do repúdio era de €92.000,00, e actualmente €84.500,00.

1.26. Por seu turno, o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo … e melhor descrito em 1.24. à data do repúdio valia €40.800,00 e actualmente €42.000,00.

1.27. Na sequência, o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo … tinha à data do repúdio o valor de €550,00 e actualmente tem o valor de €600,00.

1.28. Por último, o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo …, tinha à data do repúdio o valor de €32.600,00 e actualmente o valor real de mercado de € 33.600,00.

1.29. O valor real dos 4 imóveis que constituem a herança referida é de € 160.700,00 (cento e sessenta mil e setecentos euros).

1.30. O falecido R. R. deixou como herdeiros a sua esposa, F. T. e os dois filhos do casal – M. F. e o réu A. R. - cfr. doc. n.º 21 já junto.

1.31. Pelo que a quota hereditária do réu A. R. na herança aberta por óbito do seu pai é de cerca de € 26.000,00.

1.32. O empréstimo referido foi concedido pela autora à sociedade também para reestruturação dos créditos n.ºs .......36, .......24 e .......20 junto daquela - cfr. ponto 2., cláusula primeira no doc. n.º 3 junto com a p.i.

1.33. Bem como, para regularização das contas de depósito à ordem n.º .......95 e .......25 que essa sociedade detinha junto da autora - cfr. ponto 2., cláusula primeira no doc. n.º 3 junto com a p.i..

1.34. O que era do conhecimento dos 1.ºs réus, visto que o 2.º réu é sócio gerente da referida sociedade “X” e é filho do 1.º réu marido e neto do falecido R. R. e filho da avalista F..

1.35. Foram os 1.ºs réus a diligenciar junto do cartório notarial pela marcação da transcrita escritura de “Repúdio de Herança”, tendo disponibilizado aí todos os documentos necessários.

1.36. Foram também os 1.ºs réus que pagaram os emolumentos dessa escritura, o imposto de selo e demais encargos.

1.37. Os 2.º, 3.º e 4.º réus não exercem, ou alguma vez exerceram, qualquer poder de facto ou de direito sobre os ditos prédios.

1.38. Desde 31 de dezembro de 2018, a autora detém sobre, entre outros, os 1.ºs e 2.º réus um crédito, no valor atual de € 729.156,29.

1.39. O réu A. R. repudiou o seu direito na herança aberta por óbito de seu pai.

1.40. Os 1.ºs réus tinham conhecimento das dívidas da sociedade “X - ..” a vários credores, nomeadamente, à autora.

1.41. E estavam também perfeitamente conscientes do risco desses credores, mormente a autora, instaurarem execuções contra si, promovendo a penhora e venda judicial do referido “quinhão” e, consequentemente, dos imóveis antes identificados.

1.42. Os 1.ºs réus resolveram, então e desde logo, outorgar a dita escritura de “Repúdio de Herança”, a fim de impedir a satisfação do crédito futuro da autora: o património dos 1.ºs réus ingressaria na esfera jurídica dos 2.º, 3.º e 4.º réus, acabando por não responder pela dívida descrita.

1.43. Os 1.ºs réus não dispõem de quaisquer outros bens suscetíveis de penhora e satisfação do crédito da autora.

1.44. Entre outros, os 1.ºs e 2.º réus obrigaram-se expressamente a reembolsar a autora de todas as despesas que esta tivesse de suportar na recuperação do seu crédito.

1.45. À data da celebração do contrato de compra e venda e mútuo a sociedade “X” tinha já acumuladas dívidas junto da própria autora.

1.46. Qualquer diligência executiva dirigida ao 1.º réu estaria destinada ao fracasso, visto o mesmo não dispor formalmente de quaisquer bens penhoráveis.

1.47. A sociedade comercial “X – Prestação de Serviços Técnicos Agroflorestais, Unipessoal, Lda.”, sociedade de que o 2.º Réu é sócio e gerente, celebrou em 31 de Março de 2019 um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca – cf. fls. 34 e ss.

1.48. Mediante a celebração do supra referido contrato, a Autora mutuou àquela sociedade comercial o montante total de €690.000,00 (seiscentos e noventa mil euros).

1.49. Da quantia mutuada, €266.360,00 destinaram-se à aquisição dos seguintes prédios:
- Prédio misto denominado por Quinta de ... e Leira da ..., sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Arcos de Valdevez, composto por duas moradas de casas, uma de rés-do-chão, com uma dependência e logradouro e outra de rés-do-chão e 1.º andar, para habitação, com logradouro, cultura arvense de regadio, terreno de pastagem, lameiro e mata mista, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o art.º ... e ... e na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o art.º ....
- Prédio rústico denominado “... de ...”, sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Arcos de Valdevez, composto por eucaliptal, pinhal, lameiro, terreno de mato, pastagem e mata, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número … e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o art.º ....

1.50. Ao prédio misto corresponderia o valor de €159.770,00 e ao prédio rústico o montante de €106.590,00.

1.51. O valor restante da quantia mutuada, no montante de €407.625,00, tal como resulta do referido contrato, destinou-se à reestruturação dos créditos .......36, .......24 e .......20 e à regularização das contas DO .......95 e .......25 e a quantia restante de €16.014,18 para financiar a actividade da sociedade comercial mutuária, não lhe podendo ser dado outro uso ou destino.

1.52. Para garantia de bom, integral e pontual cumprimento das obrigações assumidas, foram constituídas hipotecas sobre os prédios supra identificados, bem como sobre outros prédios, rústicos e urbanos, prédios propriedade da sociedade comercial “X - Prestação de Serviços Técnicos Agroflorestais, Unipessoal, Lda.”, do gerente daquela e 2.º Réu nos presentes autos e, ainda, de F. E..
1.53. Foram assim igualmente constituídas hipotecas sobre os seguintes bens:
a) Prédio rústico sito em Lugar de …, freguesia de ..., concelho de ..., composto por cultura arvense, alfarrobeiras e oliveiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o art.º …- secção AP;
b) Prédio urbano, sito no Lugar de ..., Rua ... e Largo da ..., freguesia de ..., concelho da Guarda, composto por casa de único andar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o art.º ...;
c) Prédio rústico, denominado “...”, sito no Lugar de ..., União das Freguesias de ... e ..., concelho de Arcos de Valdevez, composto por pinhal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... e descrito na matriz predial rústica da União das Freguesias de ... e ... sob o art.º ...;
d) Fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao rés-do-chão, sita no lugar de ..., União das Freguesias de ... e ..., concelho de Monção, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número … e descrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ... sob o art.º ...;
e) Fracção autónoma designada pela letra “Q”, correspondente ao bloco dois – rés-do-chão – primeira loja, lado direito, destina a comércio, sita no lugar de ..., da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Monção, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... e inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ... sob o art.º ...;
f) Fracção autónoma designada pela letra “R”, correspondente ao bloco dois, rés-do-chão, segunda loja, lado norte, destinada a comércio ou serviços, sita no Lugar de ..., União das Freguesias de ... e ..., concelho de Monção, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... e inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ... sob o art.º ...;
g) Prédio urbano, composto por terreno para construção, lote n.º 7, sito no Lugar de ..., União das Freguesias de ... e ..., concelho de Monção, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... e descrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ... sob o art.º ...;
h) Prédio urbano, composto por casa de dois pavimentos, alboio e rossios, sita no Lugar da ..., freguesia de ..., concelho de Monção, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número 1 e inscrita na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o art.º …. (Cfr. Contrato de Contra e Venda e Mútuo com Hipotecas, junto com a petição inicial como Doc. n.º 2).

1.54. Ainda como garantia do bom e integral cumprimento do contrato de mútuo celebrado, foi entregue como garantia à Autora uma livrança em branco, subscrita pela sociedade comercial “X – Prestação de Serviços Técnicos Agroflorestais, Unipessoal Lda.” e avalizada pelos 1º e pelo 2.º Réus, bem como por F. E.. – Cfr. Doc. n.º 13 junto pela Autora com a petição inicial.

1.55. No âmbito do contrato de compra e venda e mútuo com hipotecas ficou acordado o plano de pagamento em prestações melhor descrito no documento de fls. 28 vº dos autos cujo teor se dá aqui por reproduzido.

1.56. O incumprimento de tal plano ocorreu com o não pagamento da prestação do empréstimo vencida em 31/12/2018.

1.57. A escritura pública de repúdio da herança foi celebrada a 28 de Novembro de 2017.

1.58. Não obstante o 1.º Réu marido ser pai do 2.º Réu, é o 2.º Réu, e não aquele, quem é sócio e gerente da sociedade comercial mutuária “X Prestação de Serviços Técnicos Agroflorestais, Unipessoal, Lda.”

1.59. Quem avalizou a livrança subscrita pela sociedade comercial mutuária entregue à Autora foi a mãe do 2.º e 3.º Réus, F. E..

Factos julgados não Provados:

2.1. Os 1.ºs réus tinham já, então, a noção de que a sociedade “X - ..”, em virtude da situação económica difícil em que se encontrava, não iria conseguir pagar as suas dívidas.

2.2. Por tal efeito, na qualidade de avalistas do empréstimo referido, os 1.ºs réus sabiam que seriam responsabilizados pelo pagamento decorrente do aval pelos mesmos prestado.

2.3. Os 1.ºs réus tinham, pois, perfeita consciência do risco que o seu património pessoal corria para eventual satisfação dos credores da sociedade “X - ..”, nomeadamente a autora.

2.4. O 2.º réu falou então com os 1.ºs réus, dando-lhes conhecimento do risco sério do “quinhão” hereditário do réu A. R. ser executado pelos credores da referida sociedade.

2.5. E, por tal efeito, perder a propriedade dos prédios descritos em 30.º da petição inicial, pois que, o “quinhão” hereditário do réu A. R. poderia ser objeto de penhora e posterior venda judicial.

2.6. Assim, acordaram os réus, em conluio, que, por forma a evitar tal desiderato, o réu A. R. teria de repudiar ficticiamente o seu direito na herança do seu pai R. R., sendo que, a ré M. R., também ficticiamente, daria o seu consentimento a tal ato de repúdio, dando também disso conhecimento aos 3.º e 4.º réus, por forma a que, desse modo, os 1.ºs réus ficassem, apenas formalmente, desprovidos de quaisquer bens suscetíveis de penhora, uma vez que, esses bens seriam, dessa forma, “transferidos” para o património dos filhos do 1º Réu - os 2.º, 3.º e 4.º réus, deste modo, assegurando que o seu direito na herança referida não seria afetado pelos credores da sociedade “X - ..”, mormente, pela autora.

2.7. Consequentemente, o referido “quinhão” repudiado apenas figuraria ficticiamente no património dos 2.º, 3.º e 4.º réus, continuando, na verdade, e na respetiva proporção, o 1.º réu a ser o legítimo adquirente do mesmo.

2.8. Deste modo, os 1.ºs réus asseguravam que não perderiam o seu direito sobre esse “quinhão” e, em consequência, sobre os prédios referidos em 30.º da petição inicial.

2.9. A ré M. R. entendeu perfeitamente as explicações e todo o propósito antes descrito, tendo aceitado de imediato participar em tal estratagema, bem como entendeu a já referida possibilidade de vir a autora a adquirir parte desses prédios e, mais tarde, poder requerer a indivisibilidade dos mesmos.

2.10. Assim, os 1.ºs réus não entregaram, nas respetivas proporções, aos 2.º, 3.º e 4º réus quaisquer bens pertencentes a esse “quinhão” hereditário e, pois, estes também não os receberam.

2.11. O réu A. R. não quis na realidade repudiar a sua quota na herança aberta por óbito de seu pai e a ré M. R. não quis, correspondentemente, dar o seu consentimento a tal acto de repúdio.

2.12. São apenas, entre outros, os 1.ºs réus que entram e permanecem nos prédios pacificamente e usufruem dos mesmos como bem entendem, designadamente quem limpa, conserva e cuida desses prédios, bem como colhem os frutos provenientes dos mesmos, sem oposição de quem quer que seja e à vista de todos.

2.13. São também, entre outros, os 1.ºs réus quem paga o IMI devido à fazenda nacional e todas as despesas relativas a esses prédios.

2.14. O motivo que levou a que o 1.º Réu Marido repudiasse a herança aberta por óbito do seu pai reside no facto de o mesmo se encontrar desavindo com o seu irmão, bem como ao facto de o mesmo ser casado em segundas núpcias com a 1.ª Ré mulher e ter três filhos, dois deles, o 2.º e o 3.º Réus, filhos do seu primeiro casamento, e ser seu entendimento que repudiando aquela herança os seus três filhos ficariam em pé de igualdade em relação aos direitos que cada um iria adquirir na mesma - igual proporção de 1/6 daquela herança, o que não sucederia caso o 1.º Réu marido não renunciasse à mesma e viesse a falecer antes da sua esposa, a 1.ª Ré mulher.

2.15. É única e exclusivamente o 2.º Réu quem gere e administra, de forma independente a autónoma a sociedade comercial X, da qual é o único sócio.

2.16. Não obstante a relação de parentesco existente entre o 1.º Réu marido e o 2.º Réu, este não tem qualquer tipo de participação na gestão ou administração da sociedade comercial de que o seu filho é gerente e único sócio.

2.17. O 1.º Réu marido antes de repudiar a herança a que tinha direito por óbito do seu pai, tal como já era sua real vontade, teve oportunidade de propor à Autora que o mesmo fosse dado como garantia do bom e integral cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade mutuária, em substituição de algum dos bens anteriormente dados em garantia e sobre os quais foi constituída hipoteca voluntária.

2.18. Nessa altura a Autora não mostrou qualquer interesse no referido quinhão hereditário.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vem pelos Recorrentes colocada a questão de saber se perante o repúdio à herança por parte do Recorrente, o meio legal disponível à Recorrida para fazer face a essa circunstância era a acção judicial mediante a qual se iria substituir ao primeiro, aceitando-a, nos termos e com os fundamentos previstos no art.º 2067.º do C. Civil e 1039.º e ss. do CPC e se está ou não verificado o pressuposto legal da impugnação pauliana relativo a uma diminuição da garantia patrimonial.

Vejamos.

São pressupostos da impugnação pauliana (arts. 610º e 612º do C. Civil):

a) A existência de um acto praticado pelo devedor que não tenha natureza pessoal;
b) A existência de um crédito anterior ao acto;
c) Que esse acto lese a garantia patrimonial do credor isto é, que cause a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade,
d) Sendo o acto oneroso, que exista má fé do devedor e do terceiro (sendo o acto gratuito, a impugnação procede, ainda que haja boa fé);
e) Sendo o crédito posterior ao acto, deve este ter sido realizado dolosamente, com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor.

Decorre, assim, do referido artigo que são pressupostos gerais, imprescindíveis e cumulativos para a propositura da ação de impugnação pauliana: a) a existência de um direito de crédito anterior ao acto ou, não o sendo, a sua prática dolosa com a finalidade de prejudicar o direito do credor; b) a realização pelo devedor de um acto que não possua natureza pessoal que provoque a diminuição da garantia patrimonial do crédito; c) a existência de um prejuízo, isto é, da prática desse mesmo acto resulta para o credor a impossibilidade ou dificuldade de satisfação integral do seu crédito. Acresce ainda que, tratando-se da impugnação de actos onerosos, é necessária a prova da má-fé dos contraentes (devedor e terceiro adquirente). Neste último caso, trata-se essencialmente de sancionar a actuação do devedor e do terceiro, que agiram com conhecimento do resultado danoso que a sua conduta causava a outrem. Já quanto estamos perante actos de natureza gratuita, porque não envolvem qualquer esforço patrimonial por parte do adquirente, os mesmos são impugnáveis independentemente da prova da má-fé dos outorgantes.
A impugnação pauliana é, pois, um meio de conservação da garantia patrimonial, protegendo o credor, que contava com determinado património do seu devedor quando se constituiu o crédito, contra actos do devedor que a afectam negativamente, diminuindo o ativo.
Com a impugnação pauliana, o titular do direito de crédito pretende, acima de tudo, reagir contra actuações jurídicas do devedor, não tendo como propósito substituir-se a este último no exercício de alguns direitos de conteúdo patrimonial, como acontece, por exemplo, no instituto da sub-rogação do credor ao devedor (cfr. art. 605.º e ss. do CC) .
Neste sentido, como refere VAZ SERRA, «a acção pauliana, segundo o ensinamento tradicional, aplica-se aos actos com os quais o devedor empobrece o seu património, e não apenas àqueles com que apenas se abstém de o enriquecer» ( Cfr. SERRA, Adriano Vaz, “Responsabilidade Patrimonial”, in BMJ, n.º 75, p. 223).
A este respeito, P. Lima e A. Varela, Cód. Civil Anot., Vol. I, pag. 626 e ss, em anotação ao art. 610º do CC, sustentam que “a impugnação pauliana não se confunde com a acção de sub-rogação regulada nos artigos anteriores. O credor não reage agora contra a inação do devedor, mas contra actos celebrados por este em prejuízo dele. O devedor vende ou doa, por exemplo, os seus bens, tornando-se insolvente ou criando uma situação de provável insolvência. Tais actos poderão ser impugnados pelo credor. O acto do devedor pode ser uma renúncia, desde que essa renúncia seja necessária para que os valores patrimoniais saiam do património do devedor (renúncia, por ex., a uma garantia necessária), o que não acontece com o repúdio da herança. A herança carece de ser aceita e, portanto, deve a falta de aceitação ser atacada por meio da acção sub-rogatória, para que os bens entrem no património do devedor” (sublinhado nosso).
O primeiro requisito da impugnação pauliana consiste em que o acto envolva diminuição da garantia patrimonial, ou seja, diminuição dos bens do devedor, que, por força do disposto no art. 601º do CC, respondem pelo cumprimento da obrigação do mesmo. E essa diminuição tanto pode resultar da diminuição do activo, como do aumento do passivo (Cfr. A. Varela, Ob. cit.).
No caso vertente, o acto objecto de impugnação é o repúdio do Recorrente à herança aberta por morte do pai daquele.
Conforme bem se refere na sentença recorrida, o repúdio da herança (artigo 2062º e ss CC) é um negócio jurídico unilateral, gratuito, não receptício e irrevogável. Traduz-se num acto pelo qual um herdeiro de determinada herança se afasta do seu direito a herdar, isto é, estamos perante um negócio através do qual o sucessível chamado declara não querer receber os bens que a aceitação da herança lhe atribuiria.
O repúdio apenas tem lugar após a abertura da sucessão e os seus efeitos retroagem a essa mesma data, considerando-se que o repudiante nunca foi titular do direito a herdar.
É de realçar que, por força do disposto no art. 2050º do CC, só com a aceitação da herança o sucessível (aqui devedor) chamado adquire o domínio e posse dos bens que a integram, ou seja, a aquisição sucessória depende de aceitação do sucessível.
Por assim ser, o sucessível, ao repudiar, não está a alienar bens que tenha adquirido por via sucessória, o que, só por si, demarca a situação da que é própria da acção pauliana, como a doutrina assinala (cfr neste sentido, A. Varela, ob. cit., vol VI, pág. 115, e Oliveira Ascensão, Sucessões, pág. 432-433).
Verifica-se, assim, que este acto – o repúdio – não traduz qualquer alienação ou oneração dos bens do devedor, pois não envolve qualquer diminuição da garantia patrimonial do devedor.
Não envolvendo o repúdio da herança qualquer diminuição da garantia patrimonial do crédito, podemos, com segurança, concluir que não se verifica aqui o primeiro dos assinalados requisitos legais da impugnação pauliana previstos no mencionado art. 610º do CC, o que, desde logo, impede a procedência da mesma.
Daqui decorre, também, que a impugnação pauliana da escritura de “Repúdio da Herança” objeto dos presentes autos não configura um meio idóneo de conservação de garantia patrimonial à disposição da autora, discordando-se nesta parte do entendimento do tribunal a quo.
De resto, como bem referem os Recorrentes, citando P. Lima e A. Varela (CC Anot., Vol VI, 113 e ss) o mecanismo legal para o credor poder reagir ante o repúdio da herança pelo devedor seria a sub-rogação dos credores, cujo regime jurídico se encontra previsto no art. 2067º do CC, que por sua vez, nos remete para os termos dos art. 606º e ss do CC. Este mecanismo consiste na atribuição aos credores da faculdade potestativa de aceitarem a herança ou legado repudiado pelo seu devedor.
Teria assim a Autora de ter intentado a competente acção sub-rogatória, processo especial este previsto no art. 1041º do CPCivil.
Por consequência, tem de improceder a peticionada impugnação pauliana, impondo-se nesta parte a revogação da sentença recorrida.
*
Da pretensão subsidiaria da Recorrida traduzida na impugnação da matéria de facto

Para o caso de improceder a impugnação pauliana, impugnou a Recorrido, a título subsidiário, a decisão proferida sobre alguns dos pontos julgados como não provados pelo Tribunal a quo.
A este respeito, quanto à matéria de facto, alega a recorrida que existe uma contradição entre alguns dos pontos julgados provados e não impugnados (1.14., 1.15., 1.16., 1.17., 1.36., 1.37., 1.40., 1.41., 1.42., 1.43., 1.44., 1.45., 1.46.) e alguns dos pontos que ficaram a constar da matéria de facto não provada (2.1., 2.2., 2.3., 2.7., 2.8., 2.10., 2.11., 2.12.).
Considera a recorrida que estes factos não provados devem integrar a matéria provada. Para o efeito refere que “A esta conclusão se chega pela prova produzida que permitiu ao Tribunal de 1.ª instância formar a sua convicção quanto aos factos provados - designadamente pela prova documental e testemunhal - conforme melhor decorre da motivação da decisão e ainda porque nenhum dos factos provados ter sido impugnado pelos recorrentes ou recorrida.”

Tais factos não provados são os seguintes:
- 2.1. Os 1.ºs réus tinham já, então, a noção de que a sociedade “X - ..”, em virtude da situação económica difícil em que se encontrava, não iria conseguir pagar as suas dívidas.

- 2.2. Por tal efeito, na qualidade de avalistas do empréstimo referido, os 1.ºs réus sabiam que seriam responsabilizados pelo pagamento decorrente do aval pelos mesmos prestado.

- 2.3. Os 1.ºs réus tinham, pois, perfeita consciência do risco que o seu património pessoal corria para eventual satisfação dos credores da sociedade “X - ..”, nomeadamente a autora.

- 2.7. Consequentemente, o referido “quinhão” repudiado apenas figuraria ficticiamente no património dos 2.º, 3.º e 4.º réus, continuando, na verdade, e na respetiva proporção, o 1.º réu a ser o legítimo adquirente do mesmo.

- 2.8. Deste modo, os 1.ºs réus asseguravam que não perderiam o seu direito sobre esse “quinhão” e, em consequência, sobre os prédios referidos em 30.º da petição inicial.

- 2.10. Assim, os 1.ºs réus não entregaram, nas respetivas proporções, aos 2.º, 3.º e 4º réus quaisquer bens pertencentes a esse “quinhão” hereditário e, pois, estes também não os receberam.

- 2.11. O réu A. R. não quis na realidade repudiar a sua quota na herança aberta por óbito de seu pai e a ré M. R. não quis, correspondentemente, dar o seu consentimento a tal acto de repúdio.

- 2.12. São apenas, entre outros, os 1.ºs réus que entram e permanecem nos prédios pacificamente e usufruem dos mesmos como bem entendem, designadamente quem limpa, conserva e cuida desses prédios, bem como colhem os frutos provenientes dos mesmos, sem oposição de quem quer que seja e à vista de todos.
Confrontada esta factualidade não provada com os apontados factos provados, não se descortina existir qualquer contradição entre a não prova daqueles e a consideração como provados dos factos elencados sob o ponto1.
Acresce que, ao contrário do alegado pela Recorrida nas suas alegações, os factos não provados supra referidos foram impugnados em sede de contestação pelos Recorridos, conforme, além do mais, se alcança do teor do art. 28º de tal peça processual.
Resta, pois, apreciar se o tribunal cometeu algum erro da apreciação da prova e assim na decisão sobre a matéria de facto.

Cumpre começar por analisar se a recorrida cumpriu os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto, nomeadamente se indica os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se especifica na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, impõem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, se indica na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, se expressam na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, pags. 155 e 156.

A apreciação de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova que está deferido ao tribunal da 1ª instância, previsto no art. 607º, nº5, do CPC, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (veja-se nestes sentido, Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol., pg. 201).
Diversamente do que acontece no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prévia e legalmente fixada, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O juiz, no seu livre exercício de convicção, tem de indicar os fundamentos que, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa sindicar da razoabilidade da decisão sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pg. 348).
Na verdade, o art. 607º, nº 4, do C.P.Civil, prevê expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Tal como se sustenta no Ac. da Relação do Porto, de 22.05.2019, (…)”na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]
Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.[5]
Revertendo para o caso vertente, fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, concretamente, em depoimento de parte e testemunhal, a Recorrida não indica na motivação nem nas conclusões as passagens da gravação relevantes, nem a concreta prova documental produzida que impunham decisão sobre os referidos pontos da matéria facto impugnados diversa da recorrida.
Ora, a indicação das passagens da gravação relevantes é essencial e exigível legalmente para fundamentar a pretendida alteração factual, de harmonia com o citado art. 640º, nº1, do CPC.
Esta forma de impugnação não cumpre as exigências formais da alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC.
A este respeito e concordando-se aqui inteiramente com o seu sentido, o citado Ac. da Relação do Porto, sustenta que (…)”A lei impõe aos recorrentes que indiquem o porquê da discordância, isto é, em que é que os referidos meios probatórios contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decidido e o que consta dos citados meios probatórios.
É exactamente esse o sentido da expressão legal “quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida” (destaque e sublinhado nossos).

Repare-se na letra da lei:“
Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida”!
Trata-se, aliás, da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada.

Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório.

Na verdade, o que se exige é que se analisem esses meios de prova, cotejando-os mesmo com a prova em sentido contrário, relativizando o sentido dessa prova e dizendo porquê, mas também relativizando as provas que convoca para sustentar o seu ponto de vista e de tudo isso extraindo o sentido que lhe merecer acolhimento. O que se pretende que a parte faça?

Certamente que apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, dizendo onde se encontram no processo e, tratando-se de depoimentos, identifique a passagem ou passagens pertinentes, e, em segundo lugar, produza uma análise crítica dessas provas, pelo menos elementar”.


No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 20.12.2017, no processo nº 299/13.2TTVRL.C1.S2, citado pelo recorrido, sustenta que:

“1 - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
2 - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”

Deste modo, não tendo a recorrida observado o disposto no art. 640º, nº 1 e 2 do CPC, tal implica a rejeição do recurso, na parte relativa à impugnação da matéria de facto subsidiariamente suscitada pela recorrida nas suas contra-alegações.
Deve, pois, manter a sentença recorrida quanto aos factos provados e não provados.
Consequentemente, prejudicada fica a apreciação da existência da invocada simulação, a qual tinha como pressuposto a procedência da impugnação da matéria de facto.
Por todo o exposto, somos a concluir que deve ser mantida a sentença quanto à matéria de facto provada e não provada e procederem as conclusões dos Recorrentes, impondo-se a total improcedência da acção.
*
DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso apresentado e improcedente a ampliação do seu objecto apresentada a título subsidiário e, em consequência:

a) Manter a sentença recorrida quanto à matéria de facto provada e não provada;
b) E revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a impugnação pauliana peticionada.
Custas pela Recorrida.
Guimarães, 6.05.2021

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Conceição Bucho
António Sobrinho