Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA COIMBRA | ||
Descritores: | FASE DE INQUÉRITO CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE APRECIAÇÃO DO PEDIDO JUIZ DE JULGAMENTO ARTºS 311º E 123 Nº 2 DO CPP | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/17/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | 1. O pedido de constituição como assistente é sempre apreciado por um juiz: o juiz de instrução na fase de inquérito; o juiz do julgamento, na fase de julgamento. 2. Apesar de ser este o procedimento estabelecido pela lei, se for remetido à distribuição, para julgamento, um processo em que não tenha sido apreciado pelo JIC um pedido de constituição de assistente formulado na fase de inquérito, deverá o juiz do julgamento receber o processo, apreciar o pedido e proferir o despacho a que alude o art. 311º do Código de Processo Penal. 3. E é assim, porque não só a lei permite a reparação da irregularidade cometida no momento em que é verificada ( art. 123 nº 2 do Código de Processo Penal), como também os princípios processuais da economia e celeridade o reclamam. | ||
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Decisão Texto Integral: | Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra. Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho. Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães. No processo 517/17.8PBGMR que corre termos no Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz 2, foi proferido o seguinte despacho: A fls. 277, o ofendido L. M., ainda na fase de inquérito, veio requerer a sua constituição como assistente, através de requerimento dirigido ao Digno Magistrado do Ministério Público. Não obstante, o Ministério Público, em vez de remeter os autos à autoridade judiciária competente (o JIC - cfr. art.° 68.º, n.°s 3 e 5 do CPP) para apreciar o requerido, enviou-os à distribuição prematuramente. Destarte, não estão os autos em condições para que seja proferido o despacho previsto no art.° 311.º do CPP, pelo que se anula a distribuição e se determina a remessa ao Ministério Público para o que tiver por conveniente. Notifique. * Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, concluindo do seguinte modo (transcrição):1. O Ministério Público deduziu despacho final de inquérito (dia 07.02.2018) e ordenou a sua notificação nos termos legais. 2. Entretanto, a fls. 277 (dia 02.03.2018), veio o ofendido L. M. requerer a sua constituição como assistente, apresentando em 13.02.2018, em articulado separado, pedido de indemnização civil, nos termos do art. 77º do Código de Processo Penal (cfr. fls. 301 e ss.). 3. Em 20.03.2018, foi ordenado pelo Ministério Público o cumprimento do disposto no art. 68º, n,° 4 do Código de Processo Penal (cfr. fls. 304). 4. Decorridos os prazos legais, sem que fosse requerida a abertura de instrução, foram os autos remetidos à distribuição (dia 24.05.2018), com a promoção de que o Ministério Público nada tinha a opor a esse pedido de constituição como assistente (cfr. fls. 339 e 345). 5. Vem o presente recurso interposto da douta decisão de fls. 350 (dia 12.06.2018), quando após remessa dos autos para a fase de julgamento, assim determinou: «A fls. 277, o ofendido L. M., ainda na fase de inquérito, veio requerer a sua constituição como assistente, através de requerimento dirigido ao Digno Magistrado do Ministério Público. Não obstante, o Ministério Público, em vez de remeter os autos à autoridade judiciária competente (o JIC - cfr. art.° 68º, n.°s 3 e 5 do CPP) para apreciar o requerido, enviou-os à distribuição prematuramente. Destarte, não estão os autos em condições para que seja proferido o despacho previsto no art.° 311º do CPP, pelo que se anula a distribuição e se determina a remessa ao Ministério Público para o que tiver por conveniente. Notifique.» 6. O Ministério Público não pode conformar-se com tal decisão e daí o presente recurso. 7. A fase de inquérito termina com o despacho final de inquérito, no caso, com a dedução de acusação. 8. Os pedidos de constituição como assistente formulados entre o momento em que foi deduzida acusação pelo Ministério Público e o momento em que os autos são remetidos para a fase de julgamento não carecem de ser imediatamente apreciados, podendo sê-lo em ato seguido pelo Juiz competente para a fase de julgamento, salvo se a admissão prévia dessa constituição como assistente for condição para a validade da prática de qualquer ato processual pelo requerente (por exemplo, a dedução de acusação particular nos termos do art. 284.° do Código de Processo Penal). 9. Por conseguinte, o despacho proferido nos autos a fls. 350 que 'anula a distribuição" é manifestamente ilegal porque desprovido de fundamento legal, o que aliás nem sequer foi invocado pelo Tribunal a quo. 10. Não existe nenhum normativo que, em alternativa ao despacho a que alude o art. 311.º do Código de Processo Penal, permita ao Tribunal a quo "anular a distribuição". 11. Entendimento contrário seria até suscetível de provocar um verdadeiro "entorse" ao princípio constitucional do juiz natural previsto no art. 32.º, n.° 9 da Constituição da República Portuguesa, no sentido constitucional que tribunal é também o próprio juiz chamado a tomar a decisão num caso concreto. 12. Permitir que o Tribunal a quo possa "anular a distribuição", seria admitir uma derrogação das regras próprias da distribuição, devolvendo os autos ao Ministério Público e sujeitando o processo depois a nova distribuição, com possibilidade de alteração do foro competente para o julgamento (alteração do concreto Juiz da causa). 13. Mas ainda que assim não se entenda, remetidos que foram os autos à fase de julgamento e vislumbrando-se uma "ilegalidade" pela não remessa dos autos ao Juiz de Instrução, importa atentar no disposto no art. 123º, n.° 2 do Código de Processo Penal. 14. Segundo este normativo, "pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade (...) quando ela puder afetar o valor do ato praticado". 15. Conforme refere PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE (3) «... nem todas as ilegalidades cometidas no processo penal são irregularidades: só são relevantes as irregularidades que possam afetar o valor do ato praticado (princípio de relevância material da irregularidade). ( ... ) Portanto, se for cometida uma irregularidade que não possa afetar o valor do ato praticado, não se verifica o vício previsto no artigo 123º isto é, a ilegalidade do ato é inócua e juridicamente irrelevante" (sublinhado nosso). 16. Ora, se a lei atribui competência material ao Juiz para conhecer e decidir sobre pedidos de constituição como assistente, mesmo na fase de Julgamento, nos prazos indicados no art. 68º, n.° 3, al. c) do Código de Processo Penal, 17. então, no caso concreto, é juridicamente irrelevante que o pedido de constituição como assistente formulado nos autos seja apreciado pelo Juiz de Instrução ou pelo Juiz de Julgamento. 18. Já que a validade desse pedido não fica comprometida se o mesmo for apreciado pelo Juiz de Julgamento, nem existe nenhum ato subsequente àquele pedido que fique igualmente afetado, nem tão pouco existe nenhum direito dos diversos sujeitos processuais que tenha sido "beliscado". 19. Aliás, nem sequer é mencionado no douto despacho de fls. 350, qual a relevância material da irregularidade: qual é o ato processual que ficou comprometido e que só a remessa do processo ao Juiz de Instrução possa reparar. 20.É nosso entendimento que ao ter decidido da forma como o fez, violou a douta decisão o disposto no art. 123º, n.° 2 e 311º ambos do Código de Processo Penal e no art. 32.º, n.° 9 da Constituição da República Portuguesa. 21. Pelo que, em consequência, caso o Tribunal a quo não reveja a sua posição e assim obste a maiores delongas, como o permite o art. 414º, n.° 4 do Código de Processo Penal, com o sempre e mui merecido respeito, deverá a mesma ser revogada e substituída por despacho a que alude o art. 311º do Código de Processo Penal e, simultaneamente, dê seguimento à tramitação legal do pedido de constituição como assistente. * O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.* Não foi apresentada resposta.* Antes da subida dos autos, ao abrigo do disposto no artigo 414º, nº 4 do Código de Processo Penal o Mmo Juiz a quo sustentou a decisão.* Nesta Relação o Exmo PGA emitiu o parecer que se transcreve:(…) O recurso que recai sobre tal despacho encontra-se a fls. 126 a 131 verso. Nos termos de tal recurso, persegue-se o entendimento de que: a) É da competência do juiz do julgamento o conhecimento dos pedidos de constituição como assistente “ formulados entre o momento em que foi deduzida acusação pelo Mº Pº e o momento em que os autos são remetidos para a fase de julgamento, … salvo se a admissão prévia dessa constituição como assistente for condição para a validade da prática de qualquer acto processual pelo requerente ( por exemplo a dedução de acusação particular, nos termos do art. 284 CPP)”; e b) A entender-se verificar-se uma irregularidade processual pelo facto de o JIC não haver, no tempo oportuno, conhecido do pedido, aquela não afecta o valor do acto praticado, podendo, por isso e nos termos do art. 123º nº 2 do CPPenal ser reparada de imediato porquanto o juiz do julgamento pode conhecer e decidir dos pedidos de constituição como assistente, “ mesmo na fase de julgamento, nos prazos indicados no art. 68 nº 3 c) do CPPenal”( fls. 131). Sobre o mérito do recurso que temos em mão, importa ponderar as duas circunstâncias acima mencionadas e ainda a outra incontornavelmente relativa à distribuição do processo. Assinale-se que o despacho em causa decretou a anulação da distribuição. E começando por esta questão, devemos asseverar que tal despacho quando determina aquela está a produzir um extravase de competência funcional. A magistrada judicial que o proferiu carece de competência para isso ordenar. A distribuição tem como escopo assegurar a aleatoriedade na designação do juiz do processo. Como refere a doutrina, “A distribuição tem como finalidade assegurar não só que o serviço do tribunal é repartido com igualdade, mas também a aleatoriedade na determinação do juiz do processo, conforme o n°1 do artigo 209°-A"- José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 1, 1999, p. 360), havendo vários juízos, secções, varas, dentro do mesmo tribunal, os processos hão-se ser distribuídos equitativamente pelos diversos juízos, varas, secções desse tribunal - Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil”, vol. III, p. 197). Dispõe o art.° 89 da Lei 62/2013, de 26/08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) que "A distribuição é presidida por juiz a designar pelo presidente do Tribunal que decide as questões com aquela relacionada”. As questões relacionadas com aquela são as relativas à falta, irregularidade e erro da distribuição. Sendo da competência daquele juiz o conhecimento de tais assuntos, não podia a decisora do despacho interferir naquele ato. A distribuição realizada observou as regras da sua produção, tendo em consequência dela os autos sido alocados ao Juízo Local Criminal de Guimarães -Juiz 2. Nos termos do art° 205, n.º1 do CP Civil "a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final". Significa isto que o despacho recorrido, nesta parte, interferiu com algo que nada tem a ver com a distribuição do processo, com a contingência da sua afetação a um magistrado, pois que o conhecimento da não realização no processo de uma concreta notificação a uma parte nada, absolutamente nada se intromete com tal aleatoriedade que preside àquela. Donde a conclusão de que aquela não se mostra nula. Relativamente à segunda questão, concernente à competência do juiz do julgamento para apreciação dos pedidos de constituição como assistente "formulados entre o momento em que foi deduzida acusação pelo M°P° e o momento em que os autos são remetidos para a fase de julgamento, devemos tão só socorrermo-nos do disposto no art.° 17 do CP Penal que define a competência do juiz de instrução. Diz este normativo que "Compete ao juiz de instrução proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para Julgamento, nos termos prescritos neste Código. Ou seja, todas - é este o termo legal - as funções jurisdicionais acometidas ao juiz de instrução só cessam a partir de um concreto momento, a partir da "remessa do processo para julgamento". Portanto, fixado o momento crucial da cessação da competência - a remessa do processo para julgamento, todos os atos anteriores a tal remessa àquele juiz competem. E óbvia a opção legislativa: enquanto o processo estiver sob seu domínio, a ele cabe a sua movimentação e decisão. É incontroverso que a decisão sobre o pedido de constituição de assistente é competência de um juiz - art.° 68, n.º3 do C P Penal - Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo.. desde que o requeiram ao juiz”. No caso, quando o ofendido peticionou a sua constituição como assistente, o processo, no caso, o inquérito, ainda não tinha sido remetido para julgamento, o M°P° ainda não o havia feito. E assim sendo, dúvidas não ficam que era da competência do JIC a decisão daquele pedido de constituição de assistente. O M°P° deveria ter enviado o inquérito para o JIC para tal fim, em conformidade com o sobredito normativo, sem sopesar qualquer critério de celeridade ou até de oportunidade adjetivas. Obviamente que a questão da delimitação das fases processuais que é evidenciada pela Mma juíza subscritora da decisão recorrida na sustentação da sua decisão torna-se irrelevante em face do acabado de referir. Quanto à última questão relativa à valoração da omissão referida: o M°P° procedeu à remessa do inquérito para a fase de julgamento sem que o JIC tivesse apreciado ato da sua exclusiva competência, o pedido de constituição de assistente. Refere João Conde Correia, in «Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais», in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Stvdia Ivridica 44, pp. 140 e 141, que no nosso quadro processual penal existe "um sistema de nulidades progressivas, que variam consoante a gravidade da imperfeição e as correspondentes necessidades de tutela dos interesses subjacente, à norma jurídica violada. As infrações mais graves dão lugar às nulidades insanáveis, que são de conhecimento oficioso em qualquer estado do procedimento, mas que não obstam à formação de caso julgado. As infrações de gravidade mediana originam as nulidades intermédias, que devem ser arguidas pelo interessado, dentro de determinados limites temporais e que ficam sanadas pela intervenção de certos eventos previstos na lei. As infrações mais leves são relegadas para afigura das irregularidades que, embora constitua uma cláusula geral capaz de alargar as possibilidades de destruição do processado, está sujeita a causas de sanação fulminantes". A nulidade constitui um vício do ato processual alicerçado na violação de princípios e normas principais ao direito penal adjetivo como tais entendidas pelo legislador. Quanto a ela, vigora o princípio da legalidade ou da tipicidade: "a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade quando esta for expressamente com/nada na lei', sendo que "nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular"—vd. artigo 118.º, n°s 1 e 2, do C. P. Penal. Neste contexto, a irregularidade circunscreve-se por exclusão: todas as situações que não constituem nulidade processual e que não estão feridas do vício de inexistência nela se acobertam. Passando ao caso em apreciação, a omissão já suficientemente explicitada, inequivocamente não faz parte de uma qualquer das situações constantes dos artigos 119 e 120 do C.P.Penal, pelo que, constituindo uma ilegalidade, como já referido, ela integra, por exclusão, uma irregularidade processual, estando sujeita, pois, ao seu regime adjetivo. Em regra, a irregularidade deve ser arguida "pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado sendo que o decurso de tal prazo sana a irregularidade e a declaração judicial desta apenas "determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar"- vd. Art.° 121º, n.° 1, do C.P.Penal. Todavia, quando a irregularidade "puder afetar o valor do ato” processual praticado "pode ordenar-se oficiosamente a sua reparação' - cf. artigo 123º, nº 1, do CPP. A irregularidade afeta o valor do ato processual praticado quando da mesma decorre a violação de um interesse público ou de um interesse privado indisponível. Em caso verifica-se uma irregularidade por omissão, a não sujeição a despacho de um requerimento de constituição de assistente. Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21/03/2018, proc. 4316/14.0TDPRT-A.131, sendo dele relatora a desembargadora MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA, "Em matéria de irregularidades consagra o legislador uma larga 'válvula de segurança' que é a de que se pode ordenar oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado, art. 123º, n.° 2, do Código de Processo Penal. Quando na origem da irregularidade está uma omissão, pode ordenar-se a reparação oficiosa da irregularidade quando o ato omitido, podendo ainda ser realizado, afete o valor dos atos subsequentes": (sublinhado nosso) É, justamente, o que acontece no caso em consideração. A omissão é reparada através da prolação de pertinente despacho por banda do juiz de julgamento que possui plena competência para o mesmo. Se nos termos do art.° 311º, n.º1 do C.P.Penal o julgador tem a obrigação de, recebidos os autos, se pronunciar sobre nulidades e outras questões prévias seguramente que nestas se incluem as irregularidades que cabem no n.° 2 do art.° 123 do mesmo Código. Para além de que, como já acima se referiu, "Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo ... desde que o requeiram ao juiz.". c) Assim, concluindo, o recurso do Ministério Público merecerá integral provimento, devendo o despacho criticado ser revogado, devendo o juiz do julgamento apreciar o pedido de constituição de assistente apresentado pelo ofendido, assim superando a omissão verificada em inquérito por tal pedido não ter sido apreciado pelo MC, reparando essa irregularidade. * Após a notificação a que alude o artigo 417º, nº 2 responderam H. M. e outros, assistentes/arguidos nos autos nos seguintes termos (transcrição):Com esta resposta, visam os aqui assistentes/arguidos dar apenas o seu singelo contributo à resolução da questão decidenda. É que, salvo melhor entendimento, na questão a decidir não está em causa apenas a irregularidade - reconhecidamente - cometida pelo Ministério Público de 1ª Instância ou outra qualquer relacionada com a distribuição do processo e dos princípios que deverão nortear esse regime de distribuição. Ainda assim quanto à anulação da distribuição, diga-se, desde já, que o assim decidido não contenderá, nem prejudicará o escopo da aleatoriedade na designação do juiz do processo, porquanto a nova distribuição que houver lugar continuará subordinada aos mesmos procedimentos que visam essa mesma aleatoriedade na designação do juiz do processo. O que se afigura estar também em causa na questão a decidir prende-se com as concretas funções jurisdicionais determinadas no Código de Processo Penal. E como assim acaba por assinalar o Digno Procurador Geral Adjunto deste Venerando Tribunal, no caso em apreço, competia ao Juiz de Instrução a concreta função jurisdicional de apreciar o requerimento de constituição de assistente. E se era da competência do JIC a decisão daquele pedido de constituição de assistente, o que estará aqui em causa é precisamente uma questão de competência do Tribunal. E caso viesse a ser a Mma. Juiz do julgamento a decidir daquele pedido de constituição de assistente, quando a competência era - inquestionavelmente - do Mm. Juiz de Instrução, estaria a Mma. Juiz de Julgamento a violar as regras de competência do Tribunal. Que nos termos da alínea e) do artigo 119º do Código de Processo Penal, é cominada com a nulidade insanável. Pelo que se afigura bem ter andado a Mma. Juiz de Julgamento quando decidiu nos termos constantes do despacho recorrido. * Colhidos os vistos, realizou-se Conferência.* II.Cumpre apreciar e decidir, tendo em conta que são as conclusões do recorrente que delimitam as questões a solver e que, analisando-as, é a este Tribunal pedido que dilucide se, tendo sido remetido à distribuição para julgamento um processo sem que tenha sido apreciado, pelo JIC, um pedido de constituição de assistente formulado na fase de inquérito, tal circunstância obsta a que o juiz do julgamento receba o processo, aprecie aquele pedido e profira o despacho a que alude o artigo 311º do Código de Processo Penal. Apreciando. O direito processual penal é o conjunto de normas jurídicas que orientam e disciplinam o processo penal e este é o necessário pressuposto de realização e complemento do direito penal: nulla poena sine processu. Mas o processo penal, como tradução da vida em comunidade exige a atuação de pessoas e/ou entidades que nele participam, o desenvolvem, e codeterminam a tramitação processual, porque o processo penal é antes de mais um pro-cedere, procedimento dinâmico em que cada um exercita os direitos e deveres que lhes compete, de acordo com a situação jurídica processual. Foquemo-nos num dos sujeitos processuais, o assistente (artigo 68º e ss do Código de Processo Penal). O assistente “excelente e democrática instituição” – cfr Vitor Fairen Guillen citado por Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal I, Verbo, 308 - tem a posição de colaborador do Ministério Público (artigo 69º) e pode entrar no processo em qualquer altura (sem prejuízo dos momentos próprios fixados legalmente no caso do procedimento depender da acusação particular – artigo 68, nº 2) aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeira ao juiz (artigo 68º, nº 3): a) Até 5 dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento; b) Nos casos do artigo 284º e da alínea b) do nº 1 do artigo 287º, no prazo estabelecido para a prática dos respetivos atos; c) No prazo para interposição de recurso da sentença. Acrescenta o nº 4 do artigo 68º que o juiz, depois de dar ao Ministério Público e ao arguido a possibilidade de se pronunciarem sobre o requerimento, decide por despacho, que é logo (sublinhados nossos) notificado àqueles. Isto é, durante o decorrer do processo a presença do assistente é bem vinda aos autos, de tal modo que quando alguém manifesta a vontade de se constituir assistente, a resposta ao pedido deve ser célere, já que a sua presença enriquece, pelo exercício dos direitos e deveres inerentes, o próprio processo. É também por isso que, no nº 5 do artigo 68º do Código de Processo Penal, se prevê até a possibilidade de a tramitação do incidente de constituição de assistente correr em separado, para o incidente não ficar refém de delongas processuais que atrasem a sua decisão. Além disso, como se viu, qualquer que seja a fase em que seja formulado, durante o inquérito ou já na fase de julgamento, o requerimento de constituição de assistente é sempre apreciado por um juiz. Chegou a ser ponderada a possibilidade de deixar de caber ao juiz a decisão quanto à constituição de assistente, pelo menos na fase de inquérito, mas tal propósito veio a ser afastado – (cfr declaração de voto de Teresa Beleza in Anexo 10, página 40 do Suplemento ao nº 53-II, Série A do Diário da Assembleia da República de 23/05/1998, no âmbito do projeto de reforma do CPP) sendo absolutamente inequívoca a lei ao referir que a apreciação do pedido cabe a um juiz. E a razão é simples: independentemente da razão histórica da atribuição ao juiz da competência para decidir sobre a constituição de assistente, a constituição de assistente num processo crime toca inevitavelmente a posição processual do arguido, pelo que o juiz deve continuar a ser a autoridade judiciária, com poderes de decisão em matérias fundamentais, para assegurar ao máximo as suas possibilidades reais de defesa – admitir ou recusar que alguém se constitua assistente num processo é certamente uma dessas decisões (cfr. Tolda Pinto in A Tramitação Processual Penal, página 124, 125). Ora, assim sendo, e de acordo com a estrutura do processo penal, o juiz que deverá conhecer do pedido de constituição de assistente durante o inquérito é o juiz de instrução ( art. 17º do Código de Processo Penal); na fase de julgamento, é o juiz do julgamento. É este, digamos assim, o modelo abstrato estabelecido pela lei e é, seguindo-o, que a atuação processual se pode considerar perfeita. Mas na tramitação processual nem sempre o modelo prescrito na lei é rigorosamente observado. Quando tal acontece, ocorre uma imperfeição com consequências jurídicas diferentes consoante a gravidade do vício. De facto, nem todas as desconformidades com o modelo legal e abstratamente estabelecido, têm iguais consequências. Vejamo-lo rapidamente. No nosso processo penal existem três tipos de desconformidades: as nulidades insanáveis (artigo 119º do Código de Processo Penal), as nulidades dependentes de arguição (artigo 120º) e as irregularidades (artigo 118º, nº 2).( Há ainda a figura da inexistência - a mais grave manifestação de invalidade - e a inadmissibilidade, - figura autónoma das demais e que se traduz na não aceitação de determinado ato na sequência processual). Nos termos do artigo 118º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal a inobservância do modelo legal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei; quando a lei não comina com nulidade, o ato desconforme, é, tão só irregular. Portanto às irregularidades chega-se por residualidade (artigo 118º, nº 2), sendo certo que o ato irregular produz os efeitos típicos do ato perfeito, enquanto não for declarada a irregularidade. A irregularidade é, pois, uma invalidade menos grave, sanável também com mais facilidade. Poderá ser arguida pelos interessados (no próprio ato ou se a ele não tiveram assistido, nos três dias seguintes a contar no momento em que tenham sido notificados para qualquer termo no processo) e pode ser também reparada ou mandada reparar, oficiosamente, quando puder afetar o valor do ato praticado (artigo 123, nº 2 do CPP). Posto isto, o despacho recorrido classifica, expressamente, a desconformidade verificada pelo facto de o requerimento de constituição de assistente não ter sido apreciado ainda na fase de inquérito, como irregularidade. Trata-se de uma classificação que se afigura incontroversa, já que tal omissão não cabe na previsão dos artigos 119º e 120º do Código de Processo Penal. A questão que, agora, se põe é a de saber se, perante tal irregularidade teria o tribunal a quo que ordenar a regressão do procedimento ao momento processual em que foi praticada, como foi determinado pelo despacho recorrido, ou antes deveria reparar a irregularidade, apreciando o requerimento da constituição como assistente. Já atrás se viu que a admissão da constituição de assistente tem de caber a um juiz, seja ele de instrução ou de julgamento. Também já atrás se viu que o requerimento da constituição de assistente deverá ter uma resposta célere para que não fique, injustificadamente, de fora um sujeito processual essencial ao objetivo de alcançar a justiça da situação em apreço. Assim sendo, e uma vez a lei (artigo 123º, nº 2 do CPP) permite a reparação da omissão no momento em que é verificada, o juiz do julgamento, no momento em que recebe os autos e profere o despacho do artigo 311º do Código de Processo Penal, constatando que não foi apreciado o pedido de constituição de assistente, não só pode, como deve, apreciá-lo. Por que o pode, já o vimos (porque a lei o permite). E por que o deve? Porque o princípio da economia processual (deve procurar-se o máximo resultado processual, com o mínimo emprego de atividade; o máximo rendimento com o mínimo custo – cfr Manuel Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 387) e o princípio de celeridade (o processo deverá chegar rapidamente à sua natural conclusão – ob cit, 388) o aconselham vivamente. E assim fazendo, não só é um juiz que toma a decisão de apreciação do requerimento e nesse segmento está observada a lei, como atribui celeridade à apreciação, o que também a lei exige. Aqui chegados, é forçoso concluir que a decisão recorrida de devolução dos autos à fase de inquérito e de anulação da distribuição traduz a prática de atos inúteis, que a lei proíbe (artigo 130º do Código de Processo Civil ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal), e não pode ser mantida. O recurso obtém, portanto, total provimento. * III.DECISÃO Em face do exposto, acordam os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em: - Revogar o despacho recorrido; - Determinar que o Mmo Juiz a quem foram os autos distribuídos, aprecie a requerida constituição de assistente e profira o despacho a que alude o artigo 311º do Código de Processo Penal. Sem custas. * Notifique.Guimarães, 17 de dezembro de 2018 (Maria Teresa Coimbra) (Cândida Martinho) |