Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1485/08-1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Nos termos do disposto no artº 1425º nº 2 do Código Civil, as obras realizadas em parte comum de prédio constituído em propriedade horizontal que sejam “inovações” capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das coisas comuns, são proibidas em absoluto.
2.A deliberação de Assembleia de Condóminos no sentido de convalidar “a instalação de um tubo de exaustão proveniente de uma das fracções do prédio até à cobertura, pela saguão comum” aprovada por maioria de dois terços dos condóminos, é nula ou pelo menos anulável, se aquela instalação prejudicar o uso dado do dito saguão por alguns dos condóminos, designadamente reduzindo a entrada de luz natural pelas janelas que deitam para esse saguão e causando ainda um ruído persistente que se ouve nessas fracções.
3. Não há qualquer abuso de direito se os condóminos que não aprovaram tal deliberação reagirem contra a mesma judicialmente.
4.Pressuposto essencial da aplicação do instituto da colisão de direitos é a existência efectiva de uma pluralidade de direitos pertencentes a titulares diversos, não sendo possível o respectivo exercício simultâneo e integral. Não assiste aos condóminos qualquer direito de validar obras nas partes comuns que prejudiquem a utilização, pelos outros condóminos, das coisas próprias ou comuns do prédio.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I - RELATÓRIO
A... Almeida e esposa, M... Antunes residentes no Campo das H... , Braga, instauraram, no Tribunal Judicial de Braga, a presente acção com processo sumário contra “I... & Filhos LDA”, pessoa colectiva número 5....., com sede no Campo das H... , freguesia da Sé Braga.
Para tanto alegam, em síntese, que:
Por escritura pública foi constituída propriedade horizontal no prédio sito no Campo das H... da freguesia da Sé, em Braga, condicionada à venda de algumas das fracções autónomas que o compõem, venda essa que se veio a verificar.
Foram então constituídas quatro fracções autónomas, sendo partes comuns, para além do mais, um saguão sito no lado sul/poente do dito prédio, sobre o qual deitam directamente os compartimentos e janelas existentes nas fracções autónomas, destinados ao recebimento de luz natural e arejamento com ar puro;
Os AA são donos de uma das fracções autónomas do dito prédio, mais concretamente a Fracção C. sita no segundo andar;
As demais fracções são propriedade da Ré que arrendou uma delas, a fracção A, a M... Ataíde, que aí instalou um estabelecimento de restauração.
Foi instalada uma conduta de exaustão de fumos e vapores da cozinha do dito estabelecimento no saguão do prédio, que teve como consequência a diminuição, nesse local, de luz e ar e a emissão de ruídos, mau cheiro, vapores e fumos.
Tal situação torna inabitável a fracção dos AA, afectando o direito á integridade física e moral bem como o direito ao repouso e saúde das pessoas que ali vivem;
Em Assembleia de condóminos foi aprovada apenas pela Ré, a convalidação da instalação do referido tubo de exaustão, realizada sem autorização dos condóminos, o que mereceu o voto contra do A marido;
Tal deliberação é nula, porquanto afecta os identificados direitos e por se tratar de uma alteração do destino daquela parte comum do prédio, em benefício exclusivo de um condómino;
Pedem, assim, que seja declarada nula ou anulada tal deliberação.
A Ré contestou, defendendo que a deliberação em causa é válida, porque salvaguardou o respeito pelos bens jurídicos invocados pelo autor, ao condiciona-la ao cumprimento de disposições legais e regulamentares, designadamente no que diz respeito à emissão de fumos, calor, cheiros e ruídos, devidamente isolados. Impugna ainda os factos alegados pelos AA, referindo que o saguão nunca serviu para entrada de ar por se encontrar coberto com uma clarabóia. Alega ainda que os AA actuaram com abuso de direito, uma vez que a dita instalação não prejudica os seus direitos de condómino e a sua pretensão limita as utilidades da fracção A.
Os AA apresentaram resposta, mantendo o alegado na petição inicial e impugnando os factos invocados na contestação.
Realizada tentativa de conciliação sem que tenha sido possível obter o acordo das partes, foi proferido despacho saneador tabelar e fixada a base instrutória, seleccionando-se a matéria de facto relevante para a decisão da causa, que mereceu reclamação por parte da Ré, que foi indeferida.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo. Foi proferida decisão sobre a matéria de facto, após o que se elaborou sentença que julgou procedente por provada a acção, declarando a nulidade da deliberação em causa nos autos ou, caso assim não se entenda, a anulação.
Inconformada, a Ré apelou da sentença, apresentando alegações que terminou com as seguintes conclusões:
Deu a douta sentença como provado o seguinte facto: "A conduta causou uma redução de entrada de luz em percentagem não concretamente determinada mas não inferior a 4%, nem superior a 7% (resposta aos quesitos 9° e 100) ".
Ora, o único meio de prova produzido a este respeito foi a junção de uma peritagem respeitante a outro processo, cujo relatório pericial aponta para os 4%, não mencionando, de todo em todo, os 7%.
Por outro lado nenhuma prova testemunhal se referiu, sequer, á questão da quantificação da diminuição de luz e arejamento. Pelo que o Tribunal decidiu contra a única prova produzida.
Desta forma, a resposta aos quesitos em causa deveria merecer, antes, a seguinte resposta: "A conduta causou uma redução de entrada de luz em percentagem não concretamente determinada mas não inferior a 4%".
Deu a douta sentença como provado o seguinte facto: Na fracção situada no 2° andar, ouve-se algum ruído proveniente do equipamento instalado pela Ré, no estabelecimento de restaurante (resposta ao quesito 20°).
O equipamento não foi instalado pela Ré, mas pela arrendatária da fracção "A". Não foi produzida QUALQUER PROVA que apontasse no sentido de ter sido a Ré a instalar o equipamento. Alias, tal circunstância apresenta-se em contradição com as als. H), I) e J) da MFA, dos quais resulta expressamente ter o equipamento sido instalado pela arrendatária M... Ataíde.
Desta forma, o facto deverá dar-se como provado, antes, com a seguinte redacção: "Na fracção situada no 2° andar, ouve-se algum ruído proveniente do equipamento instalado pela arrendatária da Ré, no estabelecimento de restaurante".
De Direito:
No essencial, a douta sentença recorrida declarou nula a deliberação da assembleia de condóminos que constitui o objecto do processo, por se ter alterado o fim do saguão, fundamentando, de forma lapidar, que "a sua execução altera o fim para o qual foi concebido o saguão - circulação de ar e entrada de luz. A introdução de uma tubagem transforma o espaço em chaminé" (II).
Segundo a matéria dada como provada, a afectação originária não foi suprimida tendo, apenas, sido instalado um tubo com um diâmetro de 315 mm (resposta ao quesito 7°), com uma redução de entrada de luz em percentagem não concretamente determinada, mas não inferior a 4%, nem superior a 7% (resposta ao quesito 9° e 10°). Mais se provou que o saguão referido na al. F) da MFA, tem uma área de 2,00 m2 (resposta ao quesito 5°)
Tal matéria de facto nunca legitimaria a conclusão a que chegou a douta sentença recorrida, já que o saguão não viu suprimidas, nem séria, ou sensivelmente, diminuídas as suas utilidades de iluminação e arejamento. Pois, mesmo aceitando a quantificação dada como provada, sobra, na pior das hipóteses 93% de iluminação e do arejamento (100%- 7%).
Donde decorre, a saciedade, que não foi alterado o fim do saguão, mas, apenas, consentida uma inovação que, muito embora limite - de forma abstracta e pouco expressiva - aquelas utilidades, ainda assim elas subsistem de forma predominante, sendo, ainda, a afectação principal dos mesmos.
Mais a mais, o título constitutivo é omisso quanto à afectação do saguão.
Tal decisão viola o disposto nos arts. 1422° n.° 2 al. c) do CC e art. 1430° n.° 1 do mesmo diploma, já que não se verifica qualquer alteração da afectação do espaço em causa, que nem tampouco é definida no título constitutivo, além de limitar, de forma ilegal, os poderes de administração da assembleia de condóminos, a qual compete regular o uso das partes comuns e as inovações respectivas.
Sustenta a douta sentença recorrida, de forma subsidiária que, ainda que tal não se entenda (nulidade por alteração da afectação do espaço), é anulável, pois a deliberação não foi tomada por unanimidade.
Justifica tal posição, da seguinte forma: "Por outro lado, a execução do obra vai interferir na utilização que o Autor faz da fracção que lhe pertence, pois a construção já existente (a deliberação pretendia convalidar a obra executada) causa ruídos e liberta cheiros associados à preparação de refeições que se sentem num dos compartimentos da fracção, diminuindo a qualidade do ar e interfere com o sossego e tranquilidade".
Não há qualquer matéria provada nesse sentido: provou-se que "na fracção situada no 2° andar, ouve-se algum ruído proveniente do equipamento instalado pela Ré, no estabelecimento de restaurante (resposta ao quesito 20°). O termo "algum ruído" é vago e impreciso, não podendo servir de fundamentação à decisão (subsidiária) de anulação.
O ruído não chegou a ser quantificado, tendo a peritagem junto aos autos sido inconclusiva ("nota-se algum ruído"), por os Senhores Peritos terem declarado não possui os meios para a respectiva medição, sem diligências adicionais por parte do Autor.
Por outro lado, teria de ser provado que o nível de ruído provocava incómodo e que era audível em moldes a poder perturbar o repouso e tranquilidade dos utilizadores da fracção. O que não sucedeu. Não se provou o incómodo e a intensidade do ruído.
Quanto aos cheiros: a fundamentação extravasa claramente a matéria dada como provada. Apenas se provou que "na fracção situada no 2° andar, sentem-se cheiros de fritos alimentares e confecção de outras comidas proveniente do saguão (resposta ao quesito 15°).
Não se provou, porém, que da fracção provinham esses cheiros. Recorde-se que o prédio contava com mais duas fracções: "B" e "D" - cfr. al. E) da MFA, não se tendo provado de qual delas é que provinham os ditos cheiros. Não pode, pois, a douta sentença fundamentar-se em matéria de facto que não se provou, de todo em todo.
Não se pode, pois, decidir com base no art. 1425° n.° 2 do CC, sustentando que as obras interferem no uso da fracção. E não bastaria uma "interferência", mas um "prejuízo". Pelo que, neste caso, também não seria necessária a unanimidade dos condóminos para legitimar a intervenção, mas a sua maioria de dois terços, que foi assegurada (als. N), 0) e P) da MFA), o que decorre do art. 1425° do CC e que resultou, também, violado.
Porém, mesmo que se provasse um nível de ruído prejudicial e a proveniência dos cheiros a partir da fracção "A" - o que não se provou - ainda assim, a deliberado não podia ser anulada porque, nos termos em que foi tornado, não viola qualquer disposição legal ou regulamentar.
A deliberação estabelece condignas, designadamente o cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis.
Se o beneficiário directo as executou, ou não, dentro desses ditames, é questão diversa, que não constitui objecto do presente processo. Aqui apenas se discute a deliberação e não a obra em si mesma. Não se alcança como é que pode ser ilegal, a propósito de emissões, uma deliberação que estabelece, como condicionantes, "o cumprimento das normas legais e regulamentares, designadamente no que diz respeito a emissão de fumos, calor, cheiros e ruídos, devidamente isolados, obra essa da exclusiva responsabilidade do arrendatário da fracção "A", no que diz respeito ao cumprimento destes parâmetros" -cfr. al. O) da MFA.
Desta forma, a douta sentença recorrida decidiu contra o disposto no art. 1433° n.° 1 do CC, visto que a deliberação, em si mesma, não é contrária á lei ou ao regulamento, impondo, inclusive, como condicionantes a observância das normas legais e regulamentares pertinentes.
Mesmo que se considere ter havido uma diminuição de arejamento e iluminação entre 4% a 7%, importa sublinhar - mesmo aceitando a quantificação da luz e do arejamento, exercício algo complicado - que subsistem aquelas utilidades entre 93% a 96%.
A questão que se coloca é a de saber se está compreendido no exercício legítimo de um direito e se é compatível com a finalidade económica e social do mesmo paralisar a afectação comercial, para restauração, de uma determinada fracção.
Parece, manifestamente, que não, não tendo sido o direito em causa sido criado para salvaguardar 4% a 7% de arejamento e iluminação em detrimento da afectação de uma fracção a uma finalidade económica específica, para um estabelecimento que já se encontra instalado, com investimento feito, com postos de trabalho criados e em laboração (cfr. al. H) da MFA).

Pelo que a sentença deu cobertura ao exercício de um direito fora dos quadros da sua finalidade económico-social, em violação do art. 334° do CC, que foi oportunamente invocado.
Ainda que se entenda não caber considerar o instituto do abuso de direito - o que não se concede - sempre se deveria, de forma subsidiária - recorrer ao instituto da colisão de direitos, plasmado no art. 335° do CC.
Os direitos em colisão seriam os direitos de propriedade das partes sobre as respectivas fracções. Pensa-se que o princípio da concordância sempre legitimaria a manutenção da deliberação em causa, uma vez que assegura a concordância prática entre direitos conflituantes, sem prejuízo do seu núcleo essencial. 4% a 7% de arejamento (não exterior) e de luz não parece prejudicar o conteúdo essencial do direito de propriedade do Autor, grandezas cuja salvaguarda acarreta, segundo a douta sentença recorrida, a impossibilidade de afectação do espaço para restauração, estabelecimento já instalado em laboração.
Pelo que a sentença, desconsiderou, também o instituto da colisão de direitos, previsto no art. 335° CC.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

IIFUNDAMENTAÇÃO
Objecto do recurso
Considerando que:
O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nºs 3 e 4 e 690 nº 1 do Código de Processo Civil);
Nos recursos apreciam-se questões e não razões;
Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
As questões a decidir, no caso em apreço, são as seguintes:
1- Se deve ser alterada a matéria de facto nos termos pretendidos pela recorrente, designadamente as respostas aos quesitos 9º, 10º e 20º;
2- Se existem fundamentos de facto e de direito que sustentem a decidida anulação ou anulabilidade da deliberação em causa nos autos;
3- Se a conduta dos AA quando defendem a nulidade desta deliberação social constitui um abuso de direito, por ter como consequência paralisar a afectação comercial (de restauração) de uma determinada fracção;
4 - Se no caso estão em colisão os direitos de propriedade das partes sobre as respectivas fracções, devendo manter-se a deliberação em causa por assegurar a concordância prática entre ditos direitos os conflituantes.

Na sentença recorrida, deram-se como provados os seguintes factos:
Por Escritura Pública de 17 do mês de Maio do ano de 1984 constituiu-se em regime de propriedade horizontal o prédio urbano, situado na Praça ou Campo das H... ou Conde São J..., com os números 1..., de polícia, da freguesia da Sé, da cidade de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial no número 7822 e inscrito na matriz sob o artigo 324, com as seguintes fracções:
fracção designada pela letra A, correspondente ao rés-do-chão, destinada a actividades económicas, com entrada pelo número 19, de polícia, com o valor relativo de 325 mil avos do valor total do prédio;
fracção designada pela letra B, relativa ao 1º andar, pertencendo-lhe o sótão do lado nascente, com entrada pelo número 17, de polícia, destinada a habitação, com o valor relativo de 225 mil avos do valor total do prédio;
fracção designada pela letra C, respeitante ao segundo andar, destinada a habitação, com entrada pelo nº 17, de polícia, com o valor relativo de 225 mil avos do valor total do prédio;
fracção designada pela letra D, correspondente ao 32 andar, pertencendo-lhe o sótão do lado poente, destinada a habitação, com entrada pelo n2 17, de polícia, com o valor relativo de 225 mil avos do valor total do prédio (alínea A));
A constituição do prédio em regime de propriedade horizontal foi objecto de registo na competente Conservatória do Registo Predial de Braga 28 de Setembro de 1984 (alínea B));
Por Escritura Pública celebrada no Cartório Notarial de Braga em 23 de Outubro de 1997 Dora V... declarou vender e A... Almeida declarou comprar a fracção " C ", correspondente ao 2º andar, do prédio descrito em A) mediante o preço de três mil e quinhentos contos ( alínea C) );
Na Conservatória do Registo Predial de Braga a partir de 21.01.1999 mostra-se inscrita a aquisição a favor dos Autores, da fracção C), do prédio descrito em A) (alínea D) );
As demais fracções desse prédio que são as "A", "B" e "D", relativas aos rés-do-chão, primeiro e terceiro andares, encontram-se registada na Conservatória do Registo Predial, desde 27.12.1976, a favor da Ré ( alínea E) );
O prédio descrito em A) dispõe de um saguão sito no lado sul/poente e que acompanha todo este mesmo prédio, sobre o qual deitam directamente os compartimentos e janelas existentes neles, desses três andares ou fracções autónomas, destinadas ao recebimento da luz natural, designadamente as janelas que há nos dois quartos de dormir do segundo andar ( alínea F) );
O saguão permite a entrada de luz natural ( alínea G) );
Encontra-se a funcionar no rés-do-chão, ou seja, na fracção "A", um estabelecimento de restauração, com as respectivas cozinha e salas, além do mais, denominado "Manjar do Campo das H...", pertença de M... Ataíde ( alínea H) ) );
O restaurante encontra-se em funcionamento desde as sete as vinte e duas horas, diariamente, salvo no dia semanal de descanso e nas férias ( alínea I) );
No saguão, M... Ataíde, com o consentimento da Ré, instalou a partir da fracção C "uma conduta de exaustão, de fumos e vapores instalada, além do mais, ao longo da sacada de iluminação natural ( alínea J) ).
A conduta é constituída por uma tubagem de condução do ar de exaustão da cozinha desse restaurante, montado nesse rés-do-chão, executada com chapa de aço galvanizado ( alínea L) );
A Ré convocou o Autor para uma assembleia extraordinária de condomínios, que teve lugar no escritório do Ilustre mandatário da mesma Ré, no dia 27 de Junho do corrente ano ( 2006) ( alínea M) );
Na convocatória para a assembleia fez-se constar da respectiva ordem de trabalhos no ponto 3 a "Deliberação de convalidação da instalação de um tubo de exaustão proveniente da fracção "A" até à cobertura, pelo saguão comum" (alínea N) );
Posto à discussão, aquele ponto 3, foi deliberado em assembleia, com o voto a favor da Ré e com o voto contra do Autor marido o seguinte:
" …foi deliberado aprovar a convalidação da instalação de um tubo de exaustão de gases proveniente da fracção " A ", sita no rés-do-chão e destinada a restaurante, tubo esse que atravessa na totalidade do saguão comum que percorre o edifício em altura saindo para a cobertura, composto por um tubo duplo, separado entre as suas camadas por lã de rocha, em aço galvanizado, com cerca de trinta centímetros de diâmetro, desde que o mesmo cumpra as disposições legais e regulamentares, designadamente no que diz respeito à emissão de fumos, calor, cheiros e ruídos, devidamente isolados, obra essa da exclusive responsabilidade do arrendatário da fracção " A ", no que diz respeito a observância destes parâmetros." ( alínea O) );
O Autor fez consignar em acta a sua oposição por entender que a utilização e colocação do dito tubo estava a causar graves incómodos por causa da emissão de cheiros, ruídos e produção de calor e porque se trata de uma alteração do destino daquela parte comum do prédio em beneficio exclusivo de um condómino ( alínea P) ).
Há mais de 20 anos que os Autores, por eles e antecessores, têm habitado e utilizado por eles e por pessoas ao seu serviço, este andar e quando não o têm usado para esses fins de habitação deles e pessoas ao seu serviço, têm-no dado de arrendamento e recebido as respectivas rendas e têm sempre custeado as despesas com a sua conservação, bem como, pago as contribuições e impostos que, por ele, são devidos e a ele são inerentes ( quesito 12 );
Na frente de toda a gente, sem oposição de ninguém e ininterruptamente (quesito 2º );
Na convicção de serem seus autênticos donos ( quesito 32 );
O saguão, a que se alude em F), tem uma área de 2,00 m2 ( quesito 5º):
O tubo possui um diâmetro de 315 mm (quesito 7º);
Para instalação da conduta, a que se alude em L) foi demolida parte da placa de tecto do restaurante, na base do saguão (quesito 8);
A conduta causou uma redução de entrada de luz em percentagem não concretamente determinada mas não inferior a 4%, nem superior a 7% (quesito
9º e 10º);
O saguão encontra-se instalado para permitir a entrada de ar (quesito 11º );
Na fracção situada no 2º andar, sentem-se cheiros de fritos alimentares e confecção de outras comidas proveniente do saguão (quesito 15);
A conduta tem cerca de quinze metros de altura (quesito 19º);
Na fracção situada no 2º andar, ouve-se algum ruído proveniente dom equipamento instalado pela Ré, no estabelecimento de restaurante (quesito 20º);
Há cerca de 10 anos, que o Autor utilizava a fracção descrita em C) para habitação dos empregados ao seu serviço (quesito 21º).

O DIREITO
A primeira questão a decidir prende-se com a matéria de facto dada como provada, que a Ré pretende ver alterada.
A modificabilidade da decisão de facto pelo Tribunal da Relação, está prevista no art. 712º nº 1 do CPC.
Nos termos deste artigo, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo havido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art.690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Estatui o nº2 do mesmo artigo que, no caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
No caso foi cumprido o ónus imposto pelo artº 690º-A do CPC, uma vez que a apelante indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios de prova, (que não são depoimentos gravados) que impunham decisão diversa.
A primeira discordância da Ré relativamente à decisão da matéria de facto tem que ver com a resposta dada aos quesitos 9º e 10º, que têm o seguinte teor:
A conduta (de exaustão) causou (no saguão) uma redução de entrada de luz natural na ordem dos 7%? (quesito 9º);
A redução da entrada de luz situa-se em 4%? (quesito 10º);
Na decisão sobre a matéria de facto a Mmª Juiz a quo respondeu aos quesitos 9º e 10º da seguinte forma: “Provado apenas que reduz a entrada de luz, em percentagem não concretamente determinada, mas não inferior a 4%, nem superior a 7%.”
Os fundamentos que sustentam tal decisão são os seguintes:
“No que respeita á matéria dos quesitos 9º e 10º, as partes estão de acordo, quanto à existência de redução de luz, conforme resulta da redacção dos quesitos, limitando-se a discordar da margem da redução.
As testemunhas não deram grande relevância ao facto, referindo tão só a testemunha A... Almeida, que a colocação do tubo no saguão reduz um pouco a entrada de luz.
Por outro lado, não se pode aproveitar no âmbito destes autos o resultado da perícia efectuada no âmbito do processo pendente na Vara e que consta do documento que o autor juntou em sede de audiência de julgamento, pois as partes não requereram por acordo que tal elemento de prova aproveitasse no âmbito destes autos.
Desta forma, atenta a dimensão do saguão e o diâmetro do tubo considerou-se que o mesmo constitui limitação para a entrada de luz numa percentagem não inferior a 4%, mas não superior a 7%.”

Refere a ora recorrente que o único meio de prova existente a respeito desta matéria consiste no relatório da perícia realizada no âmbito de um outro processo, cuja certidão foi junta aos autos, sendo certo que, em tal relatório, se concluiu que a entrada de luz no mesmo saguão em consequência da instalação da dita conduta ficou reduzida em cerca de 4%.
Ouvidas as gravações dos depoimentos das testemunhas, verificamos que, efectivamente, apenas uma delas, a testemunha A... Almeida, se referiu ao facto de a instalação do “tubo” em causa diminuir “um pouco” a entrada de luz no saguão onde foi instalado.
Contudo, foi junta aos autos a requerimento pelos AA para prova dos pontos 4 a 20 da base instrutória, uma certidão de um relatório de perícia realizada no âmbito de acção ordinária que corre termos na Vara Mista de Braga, onde são partes os aqui Autores e Ré, (aliás com a mesma posição processual).
Tal perícia incidiu também sobre os factos objecto dos quesitos 9º e 10º dos autos, tendo todos os peritos concluído que, em virtude da colocação da conduta ou tubo em questão, a entrada de luz no saguão ficou reduzida em cerca de 4%.
Tal meio de prova, pré-constituído uma vez que já se encontrava formado antes de surgir a necessidade de a utilizar, foi admitido pela Mmª Juiz a quo conforme despacho de fls 214 e 215 dos autos, depois de se ouvir a Ré nos termos impostos pelo artº 517º nº 2 segunda parte do CPC.
Nada impedia assim que, no caso, este meio de prova fosse valorado pelo Tribunal recorrido, até porque a tal não se opõe o disposto no artº 522º do CPC, que rege sobre o valor extraprocessual das provas. E, tal como referiu também a Mmª Juiz a quo no despacho em que admitiu a junção do relatório de peritagem, o mesmo deve ser apreciado livremente pelo Tribunal, em confronto com os demais meios de prova, tal como estabelece aliás o artº 655º do CPC.
Ora, o relatório pericial contém um juízo técnico sobre os factos em crise, sendo certo que foram os AA quem requereram a sua junção, precisamente para prova, para além do mais, dos referidos quesitos ou pontos de facto. Conjugando tal relatório com o depoimento da testemunha Abel, que não o põe em causa mas antes o corrobora, somos de entender que a resposta aos ditos quesitos ou pontos de facto deve ser alterada nos termos pretendidos pela Ré, passando a mesma a ter o seguinte teor:
Quesitos 9º e 10º: provado que a conduta causou uma redução de luz no saguão em cerca de 4%.

Discorda ainda a Ré da resposta dada ao quesito 20º, onde se deu como provado que foi a Ré quem instalou o equipamento no restaurante situado numa das fracções do prédio em questão, por estar em contradição com as alíneas H), I) e J) da factualidade assente, de onde resulta que tal equipamento foi instalado pela arrendatária da fracção, M... Ataíde.
É a seguinte a redacção de tal quesito: Os ventiladores provocam uma diferença de nível de ruído que ultrapassa em 80% o nível legal?
Respondeu-se ao mesmo: “provado apenas que na fracção situada no 2º andar, ouve-se algum ruído do equipamento instalado pela Ré, no estabelecimento de restaurante.
Efectivamente, resulta das referidas alíneas da base instrutória que a instalação do dito equipamento foi efectuada pela inquilina, facto assente por acordo das partes, como resulta do teor dos artºs 24º da petição inicial e 9º da contestação. A referência, no dito ponto de facto controvertido, à instalação do equipamento, deve-se seguramente a lapso.
Assim, a resposta ao quesito 20º deve ser alterada em conformidade, nos seguintes termos:
Quesito 20º: provado apenas que na fracção situada no 2º andar, ouve-se algum ruído proveniente do equipamento instalado por M... Ataíde no estabelecimento de restaurante situado na fracção a que se alude na alínea A dos factos assentes.

2. Da existência de fundamentos de facto e de direito que sustentem a decidida anulação ou anulabilidade da deliberação em causa nos autos.
Discute-se nesta acção a validade de deliberação tomada em Assembleia Geral de Condóminos de um prédio constituído em propriedade horizontal, que é a “situação que existe quando um edifício ou conjunto de edifícios estão divididos em fracções autónomas, quer no plano horizontal, quer no plano vertical, pertencentes a diversos contitulares, mas funcionalmente dependentes do uso de áreas comuns ao serviço de outras fracções (cfr Jorge Aragão Seia, “Condóminos e Condomínios”).
A propriedade horizontal encontra-se regulada nos artºs 1414º a 1438-A do Código Civil.
Aí se estabelecem os direitos e deveres dos condóminos, proprietários exclusivos das fracções que lhe pertence e comproprietários das partes comuns do edifício, bem como tudo o que diz respeito à Administração das partes comuns que compete à assembleia de condóminos, órgão deliberativo e a um administrador, órgão executivo e representativo ( cf artº 1430 do cc).
As deliberações da assembleia são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido (cf artº 1432º do CC).
Tais deliberações podem ser nulas quando, nos termos do disposto no artº 280º do CC, violem normas imperativas, tenham objecto seja física ou legalmente impossível, ou indeterminável, ou sejam contrárias à ordem pública ou ofensivas dos bons costumes. As deliberações nulas são impugnáveis a todo tempo e por qualquer interessado nos termos do disposto no artº 286º do CC.
Nos termos do disposto no artº 1433º do CC são anuláveis as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamento anteriormente aprovado, a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado (cf artº 1433º do CC).
A deliberação que o Tribunal recorrido considerou ser nula tem o seguinte teor:
“foi deliberado aprovar a convalidação da instalação de um tubo de exaustão de gases proveniente da fracção A, sita no rés-do-chão e destinada a restaurante, tubo esse que atravessa na totalidade do saguão comum que percorre o edifício em altura saindo para a cobertura, composto por um tubo duplo, separado entre as suas camadas por lã de rocha, em aço galvanizado, com cerca de trinta centímetros de diâmetro, desde que o mesmo cumpra as disposições legais e regulamentares, designadamente no que respeita à emissão de fumos, calor, cheiros e ruídos, devidamente isolados, obra essa da exclusiva responsabilidade do arrendatário da fracção A, no que diz respeito à observância destes parâmetros.”
Tal como resulta da factualidade provada e do disposto no artº 1421º do CC, o referido tubo de exaustão de gases foi instalado no saguão do prédio em causa, que constitui parte comum, destinando-se a permitir a entrada de ar e de luz natural nas respectivas fracções autónomas. Deste facto decorrem, para cada um dos condóminos, determinadas limitações, designadamente no que respeita á realização de obras.
Considerou a Mmª juiz a quo que a instalação do tubo de exaustão, em proveito exclusivo de uma fracção autónoma, constituiu uma inovação.
Relativamente ás obras que constituem inovações, rege o artº 1425º do CC .
Constituem inovações “as obras de transformação da coisa comum, quer a alteração se produza na forma ou na substância”( cf “Sandra Passinhas”, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal” Almedina, 2º edição, pag 275) ou, como se refere no Ac. da Relação de Lisboa de 17 de Novembro de 1994, CJ, V, pags 105 e ss, “ as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa, bem como as modificações estabelecidas na afectação do destino das coisas, sejam elas benéficas ou não para a coisa comum.”
Nesta norma distinguem-se dois tipos de inovações: as que não prejudicam a utilização, por parte de algum dos condóminos, das coisas próprias ou comuns; as que, pelo contrário, prejudicam essa utilização.
Ás primeiras, cuja validade depende da aprovação pelos condóminos por maioria de dos terços, respeita especialmente o nº 1 do artº 1425. E às segundas, proibidas em absoluto, refere-se especialmente o nº 2 do artº 1425º.”
Ora, a instalação do tubo de exaustão em parte comum do prédio afecta ao uso dos condóminos, constitui, como se concluiu na sentença recorrida, uma verdadeira inovação em benefício exclusivo de uma só fracção, acabando por alterar o destino para o qual foi concebido e é usado o referido saguão, que é o de permitir a entrada de ar e de luz nas fracções autónomas.
O facto de o título constitutivo ser omisso quanto à afectação do saguão é irrelevante, porquanto “o fim da coisa é o concretamente determinado pela afectação da coisa comum, podendo esta afectação resultar da lei, do título ou do acordo das partes ou provir da efectiva aplicação da coisa.” (cf Pires de Lima Antunes Varela CC anotado, 2ª edição, Vol lIII, pag 358).
Resulta igualmente da factualidade provada que tal inovação afectou o referido destino ou afectação do saguão, prejudicando efectivamente os AA, condóminos do prédio.
O prejuízo resulta das consequências que, da obra em causa, advieram para os AA e para o uso da sua fracção, a saber: a redução da entrada de luz na sua fracção, ainda que em apenas 4% e o ruído que se ouve e que provém da dita instalação, que, embora não quantificado com rigor, não pode deixar de se considerar relevante, atento o provado período de funcionamento do estabelecimento, das 7H às 22H, conhecendo-se hoje, como se conhecem, as consequências que, para a saúde, advêm da audição dos ruídos que, não sendo muito intensos, são persistentes.
É do que ficou provado quanto á redução de luz e essencialmente quanto ao ruído, que se pode concluir que a obra em causa afecta o gozo, por parte dos AA, da sua fracção, nomeadamente e como se diz na sentença recorrida, pondo em causa o sossego e tranquilidade de quem a usa, conclusão que não fica afectada pelo facto de não resultar claramente da factualidade provada que a emissão de cheiros a fritos e confecção de alimentos provenha da dita instalação do sistema de exaustão.
Aliás, para que se verifique o prejuízo referido no artº 1425º do CC não é necessário que os demais condóminos fiquem impedidos, em absoluto, de usufruir a coisa comum. Basta que se verifique qualquer privação ou uma simples diminuição do gozo ( cf Sandra Passinhas, ob citada, pag 152).
Assim sendo, bem andou a primeira instância quando considerou nula (ou caso assim não se entenda anulável) a deliberação em causa, que tinha como finalidade manter uma situação que alterou a afectação de parte comum do prédio em causa em prejuízo dos AA, violando assim a proibição absoluta determinada no artº 1425º nº 2 do CC, que constitui norma imperativa.
O facto de, na deliberação, se condicionar a convalidação ao cumprimento das disposições legais e regulamentares, designadamente no que diz respeito à emissão de fumos, calor, cheiros e ruídos, devidamente isolados, não assume qualquer relevância. O que se convalidou foi a instalação já efectuada, que causava já os referidos prejuízos e, a remissão genérica e imprecisa a leis e regulamentos, não é suficiente para salvaguardar os direitos dos outros condóminos. Na verdade, não sabemos a que leis e regulamentos se refere a deliberação, parecendo, pela sua redacção, que faz alusão a normas de direito público que visam salvaguardar o interesse público, designadamente as que se aplicam a este tipo de instalações.
De qualquer forma, caso assim não se entenda, tal como se defendeu na sentença do tribunal recorrido, sempre a deliberação em causa seria anulável, conforme fundamentação dela constante, que aqui nos escusamos de repetir, tanto mais que os AA não aprovaram a deliberação em causa.

Também não colhe o invocado abuso de direito, tal como aliás se decidiu já na sentença recorrida a cujos fundamentos aderimos.
Nos termos do disposto no artº 334º do CC, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Tal abuso tem de ser manifesto, “traduzindo uma clamorosa ofensa ao sentimento jurídico dominante” (cfr Ac RL de 25/01/1996, in CJ Tomo I pag 105).
Não é o que resulta da factualidade provada no caso em apreço. Os AA, não excederam os limites impostos pelo direito, que lhes assiste, de reagir contra deliberação que põe em causa os seus direitos enquanto condóminos, tal como resulta da conjugação dos artºs 1425º nº 2 e 1433º do CC. A vencer a tese dos recorrentes, o instituto do abuso de direito serviria para dar cobertura a situações ilícitas.

Invoca ainda a Ré que se deveria recorrer ao instituto da colisão de direitos plasmado no artº 335º do CC: os direitos em conflito seriam os próprios direitos de propriedade das partes sobre as suas fracções, estando assegurada com a deliberação em causa, na prática, a concordância prática entre direitos conflituantes.
De acordo com o artº 335º do CC, havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes". De acordo com o nº 2 da mesma disposição, "se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior".
O Pressuposto essencial da aplicação prática deste instituto é a existência efectiva de uma pluralidade de direitos pertencentes a titulares diversos e que não seja possível o respectivo exercício simultâneo e integral.
O que está em causa nos autos é uma deliberação que se refere ao uso de parte comum de um prédio de que a Ré, tal como os AA, é comproprietária.
De acordo com o regime da compropriedade, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se da coisa comum desde que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive ou limite aos outros do uso a que igualmente têm direito. Acresce que, no regime da propriedade horizontal esse uso não é legítimo quando, através de obra (efectuada em parte comum), se prejudique a utilização, por parte de um dos condóminos, tanto das coisas próprias, como das coisas comuns, que foi o que sucedeu com a obra convalidada. Ou seja, no caso concreto, a Ré não tem qualquer direito legítimo que suporte a validação da deliberação. Por outro lado os AA têm o direito, legítimo, de usar o saguão para o fim a que o mesmo se destina (entrada de luz e ar) e de não serem prejudicados no uso das coisas próprias e comuns do prédio de que são condóminos.
Não existe, assim qualquer colisão de direitos.
Aliás, mesmo a existir colisão, sempre deveria prevalecer o direito dos AA, uma vez que a obra convalidada pela deliberação aprovada apenas pela Ré, pode pôr em causa os direitos de personalidade dos que residirem na fracção A, que se sobrepõem ao direito de propriedade da Ré e às utilidades económicas que daí possam advir.

Termos em que deve improceder a apelação, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

III- DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação, confirmando na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela apelante.
Notifique.