Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1022/21.3T8BGC.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO COM JUSTA CAUSA
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - No caso de improceder a tese da ré/empregadora, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos de invocabilidade do abandono do trabalho, então, a comunicação da ré ao autor do abandono do trabalho reconduz-se a um despedimento ilícito.
II – Se o autor fundamenta a acção, nomeadamente a indemnização que peticiona, na cessação do contrato por alegada resolução com justa causa – comunicada à ré, desde logo, em data posterior à comunicação ao autor do abandono do trabalho – está o Tribunal impedido de extrair as consequências inerentes à ilicitude do despedimento, sob pena de condenação em objeto diverso do pedido.
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01... – PRODUTOS PARA PASTELARIA E PANIFICAÇÃO, LDA, também nos autos melhor identificada, pedindo:

“Ser declarado que o comportamento da entidade empregadora, constitui justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, ao abrigo do artigo 394.º, n.º 2, alínea b) e f) do Código do Trabalho;
Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a importância de €3.263,28 referente a créditos salariais vencidos e não pagos, acrescido de €155, 56 de juros vencidos, bem como dos respetivos juros vincendos até pagamento integral;
Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a importância de €29.511,456 a título de créditos relativos a trabalho suplementar vencidos e não pagos, acrescido de €4.446,9 de juros vencidos, bem como dos respetivos juros vincendos até pagamento integral;
Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de €799,5 a título de crédito por horas de formação não proporcionada pela Ré;
Ser a Ré condenada a pagar ao Autor €14.611,53 a título de indemnização por resolução com justa causa do contrato de trabalho;
Ser a Ré condenada a pagar ao Autor €25.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; Ser a Ré condenada a pagar ao Autor €605,52, a título de danos patrimoniais;
Ser a ré condenada ao pagamento e de juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento;
Ser a Ré condenada no pagamento das custas do presente processo.”
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em ../../2008, mediante contrato de trabalho a termo certo, para exercer as funções de inerentes à categoria profissional de distribuidor/vendedor, a prestar na área do armazém da ..., contrato esse que entretanto se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado;
Em 29/02/2020 a R. apresentou ao A. uma proposta de acordo de revogação do contrato de trabalho, que este recusou, o que desencadeou um conjunto de consequências nefastas para o A., desde logo local de trabalho, a partir de ../../2020, para o armazém da ré de ..., transferência que, pelas razões que aduz, padece de ilicitude;
Não obstante, o A. cumpriu a ordem que lhe foi dada e apresentou-se ao serviço no armazém de ..., no dia e hora designados pela R., todavia, a R. não lhe atribuiu quaisquer funções, situação que se prolongou por duas semanas, o que afectou gravemente a sua autoestima e integridade psicológica, tendo-se sentido humilhado na sua honra e dignidade;
Pelo que o A., em ../../2020, comunicou à R. a resolução do contrato de trabalho com justa causa, por carta registada, de que a ré tomou conhecimento em ../../2020;
Na vigência do contrato, o A. trabalhou uma média de 4 horas diárias para além do seu período normal de trabalho;
A R. não proporcionou ao A. quaisquer horas de formação profissional ao longo de todos os anos de serviço;
A transferência causou ao A. danos patrimoniais decorrentes do acréscimo de despesas com gasóleo, portagens e refeições que suportou para se apresentar no armazém de ..., despesas que a R. não custeou.
A ré - tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação - apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação, e deduziu reconvenção.
A título de excepção, invocou a ré:
A prescrição dos direitos reclamados pelo A., alegando, em síntese, que o contrato de trabalho do A. cessou em ../../2020, por abandono do posto de trabalho comunicado pela ré ao A. por carta que foi por este recebida em 21/7/2022;
A caducidade do direito de resolver o contrato de trabalho, alegando, por um lado, que a comunicação do A. chegou ao conhecimento da ré em ../../2020, data em que o contrato de trabalho já havia cessado por denuncia nos termos e para os efeitos do artigo 403º do Código do Trabalho; e, por outro lado, que qualquer comportamento assumido pela ré que pudesse configurar justa causa de para o A, fazer cessar o contrato de trabalho teria ocorrido até ao dia ../../2020;
Mais impugnou a R., no essencial, os factos alegados pelo A., alegando, por seu turno, e ainda em resumo, que:
Em reunião ocorrida em janeiro de 2020 a ré informou o A. do propósito de encerrar o armazém de ..., tendo ficado acordado com este a cessação por acordo do contrato de trabalho, pelo que a R. elaborou o acordo escrito através do qual se obrigava a pagar ao A. uma compensação pecuniária pela extinção do posto de trabalho e expunha os motivos pelos quais ia ser extinto o posto de trabalho, de modo a que a cessação do contrato configurasse uma situação de desemprego involuntário, documento escrito que entregou ao A., mas este não o subscreveu;
Entretanto, após a declaração do estado de emergência, em 18/3/2020, a R. recorreu à medida de lay-off simplificado estabelecida no D.L. 10-G/2020 de 26 de Março, no período compreendido entre 8/4/2020 e 6/6/2020, na qual ficou abrangido o A. e no termo desta, deu instruções ao A. para se apresentar nas instalações do ..., pois, à data, as instalações de ... já se encontravam em fase de encerramento, com diminuição drástica da sua actividade;
O A., entre o dia 8 e o dia ../../2020 apresentou-se no .../..., mas permaneceu dentro do seu automóvel ou no exterior do armazém, tendo recusado falar com o seu superior hierárquico, não lhe permitindo a transmissão de quaisquer instruções, não se mostrando disponível, nesses dias, para prestar as funções próprias da sua categoria profissional ou inteirar-se dos procedimentos existentes no armazém do .../...;
Em 19/6/2020 o A. enviou, por correio electrónico, para a R. um CIT para o período de 19 a 30 de Junho;
No dia ../../2020 o A. não se apresentou nas instalações da R., nem no armazém do .../..., nem no armazém de ..., passando a faltar injustificadamente, desconhecendo a empresa o motivo da sua ausência porque aquele não a justificou;
Por isso, em 16/7/2020 a ré enviou ao A. a comunicação escrita de que considerava ter o mesmo abandonado o posto de trabalho a partir do aludido dia ../../2020, comunicação esta que o A. levantou no posto dos correios em ../../2020;
A R. nunca deu instruções ao A. para realizar um horário que fosse para além das 8 horas diárias ou 40 semanais, mas podendo tal horário diário ou semanal vir a ser excedido, dada a natureza das funções do A., predominantemente fora do estabelecimento, o A., em 17/7/2008, celebrou com a Ré um acordo de isenção do horário de trabalho através do qual ficou estabelecido o pagamento de uma retribuição especial mensal que se manteve ao longo da manutenção do contrato de trabalho e lhe foi paga mensal e impreterivelmente ao A., pelo que não lhe assiste o direito de reclamar o trabalho suplementar;
Desde a sua admissão o A. sempre teve formação regular e contínua;
O A., desde o ano da sua admissão, tinha um fundo de maneio em dinheiro, no montante de €100,00 semanais, destinado a cobrir as despesas de transporte (gasolina, portagens), alimentação e outras, o qual era resposto semanalmente pela Ré, mediante comprovativo das despesas realizadas na semana anterior, pelo que as despesas realizadas pelo A. em Junho de 2020 estão em parte cobertas por tal fundo e as que não estiverem serão pagas pela ré, logo que o A. apresente os comprovativos das mesmas.
Deduziu o pedido reconvencional com vista à compensação de créditos, pedindo a condenação do A. a pagar-lhe a quantia de €1.562,00, a título de indemnização pela denúncia do contrato de trabalho por abandono do posto de trabalhou e, subsidiariamente, pela ilicitude da resolução do contrato de trabalho. Invocou também o abuso de direito por parte do A. ao propor a presente acção, por violação dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim económico do direito invocado.
Pediu a condenação do autor como litigante de má fé em multa e indemnização a seu favor, em montante nunca inferior a 10% do valor da acção, com fundamento, em suma, em que o autor age em abuso de direito.
O autor apresentou resposta em que, no fundamental, reafirma a posição já vertida no articulado inicial.
Assim, respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência, invocou a prescrição do pedido reconvencional, impugnando, no essencial, a versão da ré.

Foi proferido despacho saneador, no qual (e para além do mais) foi relegado para final o conhecimento das excepções deduzidas e fixado o objecto do litígio nos seguintes termos:

...) Se o contrato de trabalho que vigorou entre as partes cessou por resolução unilateral pelo A. com invocação de justa causa, ou, diversamente, se o contrato de trabalho cessou por abandono do posto de trabalho pelo A.;
2) No caso de proceder a tese do abandono do posto de trabalho, se se encontram extintos todos os créditos reclamados pelo A. por prescrição;
3) Caso se conclua pela improcedência da tese do abandono do posto de trabalho, se caducou o direito de resolução do contrato de trabalho por parte do A.;
4) Em caso de resposta negativa à questão antecedente, se procede ou não a justa causa de resolução invocada pelo A.;
5) Se o A. tem ou não direito aos créditos laborais reclamados, seja a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho, seja a título créditos laborais vencidos com a cessação do contrato de trabalho, de retribuição de trabalho suplementar e de formação não proporcionada;
6) Em caso de procedência da tese de abandono do trabalho ou de improcedência da justa causa de resolução, se a Ré tem direito à indemnização por incumprimento do aviso prévio e à compensação de créditos e se aquele direito se encontra extinto por prescrição;
7) Por fim, se o A. age com abuso de direito ao propor a presente acção.
Prosseguindo os autos, e após a realização da audiência de julgamento, veio a proferir-se sentença com o seguinte diapositivo:
.... Julga-se totalmente improcedente a presente acção, absolvendo-se, em consequência, a R. EMP01... – PRODUTOS PARA PASTELARIA E PANIFICAÇÃO, LDA. do pedido contra si formulado pelo A. AA;

2. Julga-se totalmente improcedente a reconvenção, absolvendo-se o A. AA do pedido contra si formulado pela R. EMP01... – PRODUTOS PARA PASTELARIA E PANIFICAÇÃO, LDA.”
Inconformado com esta decisão, dela veio o autor interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
(…)
A ré respondeu ao recurso, transcrevendo-se também, na parte que se reputa mais relevante, as respectivas conclusões:
(…)
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Questão prévia:

Inicia o recorrente as suas alegações requerendo a junção de documento: cópia da sentença proferida no processo 1071/23...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (Juízo do Trabalho de Torres Vedras.).
Opõe-se a apelada à requerida junção, enfatizando que a sentença proferida no Recurso de Contraordenação 1071/23...., não transitou em julgado, nem o requerente demonstrou através de certidão emitida pelo Tribunal que tal sentença já pudesse ter transitado em julgado, acrescendo que não reproduziu o autor/recorrente nas suas alegações o teor da decisão proferido nessa sentença não transitada em julgado, mas sim transcrevendo as imputações das contraordenações efetuadas pela ACT, e referindo a coima que esta se propunha aplicar, sendo que a aqui ré/recorrida não foi condenada em todas as contraordenações imputadas pela ACT, nem lhe foi aplicada coima de € 71.400,00, mas de € 39.000,00 (trinta e nove mil euros), onde esta incluída uma contraordenação estradal em nada atinente com o discutido que foi nos presentes autos.

Vejamos.

Dispõe o artigo 651.º CPC, na parte que para aqui importa:
Junção de documentos e de pareceres
... - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na ....ª instância.
(…)”

Uma das situações que, nos termos do art. 425.º do CPC, permite a apresentação de documento fora dos prazos «normais» é precisamente a da sua superveniência objetiva (produção do documento posteriormente ao encerramento da discussão em ....ª instância),
Porém, no caso, não se tratando, como não se trata, de sentença cujo trânsito em julgado esteja certificado, é, in limine e independentemente de outros considerandos que se possam fazer, tal documento insusceptível de relevar para efeitos probatórios, mostrando-se inviável, designadamente, nele basear qualquer presunção de prova.
Ante o exposto, não se admite a requerida junção.
Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs ... e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º ... do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
- Falta de fundamentação/falta do exame crítico das provas da decisão da matéria de facto;
- Impugnação da matéria de facto;
- Erro na aplicação da lei.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que constam da decisão recorrida como provados, e como não provados, são os seguintes:

“.... Factos provados
a) Por confissão ou admitidos por acordo nos articulados e por documento
...- No âmbito da sua atividade, em ... de fevereiro de 2008, a Ré admitiu o Autor ao seu serviço, através da celebração de um denominado Contrato de Trabalho a Termo Certo, atribuindo-lhe a categoria profissional de “Distribuidor/Vendedor” e cometendo-lhe as inerentes funções, contrato esse cuja cópia consta de fls. 12 a 13 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
2- Na cláusula 4ª do referido contrato de trabalho ficou estipulado o seguinte:
-O local de trabalho é na área do armazém de ....
-No entanto, o segundo outorgante (o ora A.) acorda em quaisquer deslocações e/ou transferências do local de trabalho para outras instalações do primeiro outorgante (a ora R.).
3- O referido contrato foi celebrado para o período de um ano, findo o qual, considerar-se-ia renovado por igual período, salvo aviso prévio das partes.
4- A ... de fevereiro de 2011, perante o consecutivo silêncio das partes, o mesmo converteu-se, ope legis, em contrato sem termo.
5- No dia 7 de abril de 2020, ao abrigo do Decreto-Lei 10-G/2020 de 26 de março, o Autor recebeu uma comunicação da Ré em como iria suspender o seu contrato, comunicação essa cuja cópia consta de fls. 15 vº e 16 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
6- A 5 de junho de 2020 a Ré comunicou ao Autor, via email, o seguinte:
“(…) a EMP01..., lda suspenderá o processo de lay off simplificado no dia 06/06/2020. Assim, estando a decorrer o processo de encerramento do armazém de ... e tendo já sido deslocados os serviços administrativos e logística, ao abrigo do nº 2 da cláusula quarta do Contrato de Trabalho celebrado em ../../2008, deverá a presentar-se a partir do dia 08/06/2020 pelas 9 horas no armazém sito em:
Rua ...
...
... ...
(…)”
7- No dia 20/07/2020 o A. enviou à R. uma carta registada com aviso de recepção, comunicando-lhe o seguinte:
“(…)
Assunto: Resolução de contrato trabalho - justa causa
Exmos. Srs.,
Venho pela presente, nos termos do n. º ... do artigo 394. º e do artigo 395. º do Código de Trabalho, comunicar a cessação imediata do contrato de trabalho outorgado com V. Exas., atendendo à ilicitude e culpa do comportamento de V. Exas., que torna imediata e impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências.
Como V. Exas. bem sabem há algum tempo que têm para comigo uma atitude que consubstancia a prática proibida de assédio laboral;
Tendo posteriormente optado V. Exas. por obstar à minha prestação efetiva do trabalho (retirada de funções);
Bem como determinado a transferência definitiva do local de trabalho, verificada que já se encontrava a caducidade da cláusula de mobilidade geográfica, que mais não foi do que uma decisão provocatória com o intuito de me prejudicar, inclusive sem que tenha sido compensado pelas despesas inerentes a esta alteração, ou seja, existindo um prejuízo sério para a minha pessoa;
Tudo isto a acrescer ao facto de ter sido consecutivamente obrigado a proceder a práticas ilegais que colocam em causa a saúde pública, e naturalmente também a minha saúde e segurança no trabalho.
Face ao exposto, não subsistem dúvidas de que V. Exas. adotaram os comportamentos descritos no n.? 2 do art.º 394.°, designadamente os previstos nas alíneas b), d), e), f), bem como o previsto na alínea b) do n. º 3 do mesmo artigo.
Por fim, remeto em anexo Mod. RP 5044/2018 - DGSS (DECLARAÇÃO DE SITUAÇÃO DE DESEMPREGO), devidamente preenchido, que agradeço que me seja devolvido assinado no prazo máximo de oito dias.
Com os melhores cumprimentos.
O Trabalhador
(…)”
8- Esta comunicação foi recebida pela R. no dia 22/07/2020.
9- A Ré não pagou ao Autor as férias vencidas em ... de janeiro de 2020 e respetivo subsídio de férias, bem como os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal do tempo de trabalho prestado no ano de 2020.
10- O A. faltou ao serviço de ... a ../../2020.
11- No dia 16 de julho de 2020 (quinta feira) a Ré enviou ao Autor comunicação escrita, sob registo (“...26...”), com aviso de receção, na qual procedeu à seguinte comunicação:
“Vimos por este meio comunicar-lhe o seguinte:
Tem V.ª Ex.ª faltado ao trabalho desde o dia ../../2020 (inclusive) até à presente data, consecutivamente, sem que tenha justificado por qualquer meio o motivo da sua ausência.
Tal falta de justificação, aliada ao seu absentismo, revelam a intenção de Vª. Ex.ª de não mais retomar a sua actividade para esta empresa.
Consideramos, pois, que Vª. Ex.ª abandonou o trabalho a partir do aludido dia ../../2020, o que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 403º do Código de Trabalho.”
12- Por não ter atendido em casa, o Autor levantou tal comunicação no posto dos correios no dia 21 de julho de 2020.
13- A Ré “EMP01... – Produtos para Pastelaria e Panificação, Lda.” é uma sociedade comercial que tem por objeto “Comércio, importação e exportação de produtos e equipamentos para pastelaria, panificação e outras estruturas hoteleiras”, com o “CAE Principal: 43992-R3”
14- Tem a sua sede na Zona Industrial, Rua ..., ... ....
15- No dia 18 de março de 2020 foi decretado estado de emergência nacional na sequência da pandemia provocada pela doença COVID – 19.
16- O Autor no dia 19 de junho de 2020, às 20:21 enviou por correio eletrónico para a Ré “certificado de incapacidade temporária para o trabalho” para o período de 19 de junho a 30 de junho de 2020.
*
b) Factos provados da matéria controvertida

Da petição inicial
17- A Ré apresentou ao Autor uma proposta de acordo de revogação de contrato de trabalho, que este recusou.
18- Pelo menos até Março de 2021 não ocorreu o encerramento total do armazém de ....
19- O A. apresentou-se ao serviço, no armazém de ..., no dia e hora indicado pela Ré.
20- Quando ali chegado não lhe foram atribuídas quaisquer funções.
21- Esta situação prolongou-se entre o dia ../../2020 e o dia ../../2020.
22- O Autor foi, assim, mantido numa situação de absoluta inatividade durante esse período.
23- O que afetou gravemente a autoestima e integridade psicológica do Autor.
24- Este sentiu-se humilhado na sua honra e dignidade.
25- A par de um sentimento de frustração e inutilidade que o assolou não só durante o seu horário de trabalho.
26- Entre ../../2016 e ../../2020 o A., em regra, iniciava as suas funções entre as 7h00 e as 8h00, por vezes mais cedo, e terminava o seu expediente entre as 18h00 e as 20h00, por vezes mais tarde.
27- O valor da retribuição de base do Autor no ano da cessação do contrato era de €696,00.
28- Durante o tempo em que este se apresentou ao serviço no armazém de ..., foi o Autor suportou todas as despesas com o gasóleo, portagens e refeições.
29- Despesas que sempre estiveram ao encargo da Ré.
30- Tais despesas ascenderam, pelo menos, ao valor de €498,11.
Da contestação
31- No exercício da sua atividade a empresa R. manteve instalações/armazéns em ... (local da sua sede), ..., ..., ..., .../... e ....
32- As instalações/armazém de ..., na sequência de um processo de reestruturação e reorganização da atividade da Ré que teve o seu início no ano de 2020, vieram a ser encerradas total e definitivamente em Março de 2021.
33- Na data da admissão do Autor, ficou acordado o valor da retribuição base e a obrigação da Ré lhe pagar comissões a incidir sobre o valor líquido das vendas que efetuasse.
34- Em 17 de julho de 2008, foi celebrado entre Ré e Autor um “ACORDO DE ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO”, através do qual ficou estabelecido o pagamento de uma retribuição especial mensal, que se manteve ao longo da manutenção do contrato de trabalho.
35- Ainda, ao longo da manutenção do contrato de trabalho e com o decurso do tempo foram sendo pagas pela Ré ao Autor diuturnidades.
36- O Autor, tal como acontecia com outros trabalhadores da Ré com igual categoria profissional, tinha, o que aconteceu desde o ano da sua admissão até à data da cessação do seu contrato de trabalho, um “fundo de maneio” em dinheiro destinado a cobrir as despesas de transporte (gasolina, portagens), alimentação e outras.
37- Esta quantia, designada por “fundo de maneio”, posta à disposição do Autor, tinha por fim a que este não tivesse de antecipar com quantias próprias o pagamento das despesas efetuadas durante o exercício das suas funções de Distribuidor/Vendedor.
38- Este “fundo de maneio” no montante de €100,00 (cem euros) semanais, era reposto semanalmente pela Ré, através de depósito bancário para a conta de que o Autor é ou era titular, devendo e bastando para tanto que este (Autor) entregasse os comprovativos das despesas efetuadas durante a semana anterior.
39- Por motivos de mercado, a Ré iniciou um processo de reestruturação da sua organização produtiva que implicou o encerramento das suas instalações/armazém de ..., com consequente extinção dos postos de trabalho e/ou transferência dos trabalhadores para as instalações/armazém de ... (...).
40- Com o encerramento do armazém de ..., a distribuição para a zona afeta ao mesmo passaria a ser feita a partir do armazém de ..., como passou a acontecer de facto.
41- Para tanto, foi iniciado um processo gradual de diminuição de atividade nas instalações/armazém de ... tendo a parte administrativa sido deslocada para o armazém de ....
42- O gerente da Ré em janeiro de 2020 reuniu com o Autor.
43- No decurso desta reunião ficou acordado entre ambos – gerente da Ré e Autor - fazer cessar por acordo o contrato de trabalho em causa nos presentes autos, a partir do dia 29 de fevereiro de 2020.
44- Nesta reunião, realizada com o Autor em janeiro de 2020, para além do gerente da Ré esteve presente BB, também trabalhador desta, com a categoria de chefe de vendas para as zonas de ..., ... e ... e por isso superior hierárquico daquele.
45- Em observância do acordado verbalmente na reunião de janeiro de 2020, a Ré elaborou em fevereiro de 2020, o acordo escrito, através do qual se obrigava a pagar ao trabalhador “a quantia de €6.191,60 (seis mil cento e noventa e um euros e sessenta cêntimos) a título de compensação pecuniária a compensação por extinção do posto de trabalho, mais todos os créditos vencidos à data da cessação do contrato de trabalho e os resultantes dessa mesma cessação”.
47- Neste documento, a Ré fez, ainda, constar que:
“A Primeira Outorgante encontra-se a reestruturar a sua organização e vai fazer a distribuição a partir do armazém do ...”
(…)
“A Primeira Outorgante não tem quaisquer outras tarefas ou posto de trabalho alternativo para a distribuição, quer no armazém de ..., quer na sua sede em ...”.
48- Como verbalmente acordado na aludida reunião de janeiro de 2020, a Ré entregou o documento que elaborou ao Autor, para que este pudesse analisar e/ou pedir conselho a profissional acerca do seu teor e efeitos e o subscrevesse caso o achasse conforme, já rubricado e assinado pelo seu legal representante.
49- A Ré não deu início a procedimento de “Despedimento por extinção do posto de trabalho” que tivesse por alvo o trabalhador aqui Autor.
50- O Autor no dia 3 de março de 2020, fez chegar à Ré “Certificado de incapacidade temporária para o trabalho”, vulgo baixa médica, para o período de 3 a 14 de março de 2020.
51- O decretamento do estado de emergência, em 18/4/2020, aliado à rápida evolução da pandemia criou nas empresas um clima de instabilidade e insegurança na sequência das medidas restritivas impostas à atividade destas do qual não escapou a empresa Ré e nesta com especial relevância, a uma vez que a maior parte dos seus clientes tiveram obrigatoriamente de encerrar os seus estabelecimentos ao público e/ou viram a sua atividade francamente diminuída.
52- A Ré que já se encontrava em processo de reestruturação da sua organização produtiva viu-se fortemente atingida pelo estado de emergência decretado, pelo que e por se encontrar nas condições e cumprir com todos os requisitos exigidos no Decreto-Lei 10-G/2020, recorreu à medida de lay-off simplificado, no período compreendido entre 8 de Abril a 6 de junho de 2020.
53- O Contabilista Certificado da Ré, CC, (OCC) nº ...49, em 29 de junho de 2020 emitiu a seguinte
“DECLARAÇÃO DO CONTABILISTA CERTIFICADO”:
“(…)
No período de 08-04-2020 a 07-05-2020 a empresa recorreu ao Layoff – Apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho, tendo feito a sua prorrogação por mais 30 dias em 05-05-2020 a 06-06-2020, cujo fundamento foi a quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40% da faturação no período de 20 dias anterior ao do pedido com referência face ao período homologo do ano anterior, sendo que não efetuou a continuidade do pedido de LayOff devido a quebra se situar em 07-06-2020 ligeiramente abaixo do limite mínimo dos 40% de forma global, influenciada pelos armazéns dispersos geograficamente em Portugal.”
No armazém do ... a quebra de faturação é de 45%, ou seja, tecnicamente ainda cumpre os requisitos do pedido de LayOff, justificando ainda a inocupação dos colaboradores afetos a este armazém, pelo contexto atual dos efeitos de pandemia na região de ..., geograficamente a principal área de ação deste armazém.”,
Período 26-03-2019 a ...20 a ../../2020
Armazém ...
Diferença
% Redução
Volume Faturação 232.238,55 € 128.289,75 € -103.948,80 € -45%
(…)”
54- Foram dadas instruções ao Autor para se apresentar nas instalações/armazém de ..., pese embora a atividade neste ainda ser reduzida, com uma quebra de faturação, ainda, de 45%.
55- O Autor no dia 8 de junho de 2020 (segunda-feira), compareceu e permaneceu durante o período da manhã dentro do carro no exterior do armazém de ....
56- Nesse dia 8 de junho de 2020, por razões que se prendem com as funções exercidas pelo trabalhador da Ré BB, seu Chefe de Vendas para as zonas de ..., ... e ... e por isso superior hierárquico do Autor, não se encontrava no armazém de ... (...).
57- Tal como não se encontrava o gerente da Ré, que se encontra habitualmente na sede sita em ..., deslocando-se apenas esporadicamente a outras instalações/armazéns da empresa.
58- O Autor nunca referiu ao sócio gerente da Ré, com quem sempre manteve ótimas relações profissionais e pessoais, não querer ou não aceitar ser transferido para .../....
59- Nem nunca o referiu ao seu direto superior hierárquico BB.
60- O Autor nunca se opôs expressamente à mudança de local de trabalho.
70- Só o fazendo indiretamente através de pedido de inspeção à Autoridade Para as Condições do Trabalho, Centro Local do ..., nesse mesmo dia 8 de junho de 2020.
71- O Autor no período de 8 de junho de 2020 até ao dia 18 de junho de 2020, apresentou-se em .../..., porém permaneceu dentro da sua viatura automóvel ou no exterior do armazém, o que fez nos dias 8, 9, 11, 15, 16, 17 e 18 de junho de 2020.
72- No dia 8 de junho de 2020, pelas 14:10 Horas, a pedido do Autor deslocou-se ao armazém de ... a Senhora Inspetora do Trabalho do Centro Local do ... da Autoridade Para as Condições do Trabalho DD, acompanhada pela senhora Inspetora do Trabalho EE.
73- No dia 9 de junho de 2020, pelas 10:05 Horas, a Senhora Inspetora do Trabalho DD, acompanhada da senhora Inspetora do Trabalho EE, voltou de novo ao armazém de ... desta vez em visita inspetiva.
74- No dia 15 de junho de 2020, a Senhora Inspetora do Trabalho DD, acompanhada da senhora Inspetora do Trabalho EE fez nova visita inspetiva no armazém de ....
75- No dia 24 de junho de 2020, deslocou-se ao armazém de ... o Senhor Inspetor do Trabalho FF.
76- No dia ../../2020 o Autor não se apresentou nas instalações da Ré nem comunicou com a Ré por qualquer meio no sentido de indicar que não se apresentaria mais no armazém de .../....
77- O Autor a partir do dia ../../2020 passou a faltar, desconhecendo a empresa o motivo da sua ausência, porque aquele não a justificou.
78- O Autor desde que iniciou a sua atividade em ... de fevereiro de 2008, teve estipulado um horário de trabalho de 40 horas semanais distribuídas de segunda a sexta feira, com descanso obrigatório ao domingo e complementar ao sábado.
79- Porque o horário diário e/ou o horário semanal do Autor podia vir a ser excedido, dada a natureza das funções por ele exercidas – Vendedor/distribuidor – predominantemente fora do estabelecimento, foi acordada a isenção de horário de trabalho entre o A. e a Ré.
80- Neste acordo, que perdurou ao longo da manutenção do contrato de trabalho, ficou estabelecido o pagamento de uma retribuição especial mensal a tal título de Isenção de Horário, que foi sendo paga ao A. mensalmente.
Da resposta à contestação
81- Entre o dia ... e o dia ../../2020 o A. esteve incapacitado para a actividade profissional por doença.
82- No dia 21 de Julho de 2020 o A. enviou um email dirigido a GG do seguinte teor:
“Boa tarde BB
Amanhã já lhe envio a segunda via da baixa do período entre o dia 01/07/2020 e 20/07/2020, uma vez que ... não lhe fez chegar em tempo adequado.
Coloquei na caixa do correio do Armazém de ... logo no dia a seguir.
De qualquer modo o meu muito obrigado por me ter alertado.”
83- E no dia 22/07/2020 o A. remeteu novo email dirigido a GG do seguinte teor:
“Boa tarde BB
Em resposta à sua carta registada com efeito da minha ausência nestes 20 dias fica desde já provado que estive de baixa médica por doença e que no armazém de ... ninguém lhe fez chegar este documento.
Espero que seja compreensivo comigo como eu fui com a EMP01... no período de 12 anos que fiz parte dos quadros da empresa.
Obrigado”
84- A Ré não reembolsou ao A. as despesas de deslocação realizadas por este para se apresentar no armazém do ....
*
2. Factos não provados

Da petição inicial:
-Que a proposta de acordo de revogação do contrato de trabalho foi apresentada pela ré ao Autor em 29/2/2020;
-A matéria vertida no artigo 10º;
-A matéria alegada na última parte do artigo 34º;
-O advérbio frequentemente no artigo 58º
-A matéria alegada no artigo 59º, no sentido de que o A. trabalhou sempre, diariamente, 4 horas além do seu horário de trabalho normal;
-A matéria vertida no artigo 75º;
-A matéria vertida no artigo 80º;
-A matéria vertida no artigo 100º;
-A matéria vertida no artigo 101º no segmento final;
-A matéria vertida no artigo 102º;
-O valor total de despesas referido no artigo 112º.
Da contestação:
-Que o armazém de ... encerrou definitivamente em Janeiro de 2021, encontrando-se desde então devoluto de pessoas e bens;
-Que o processo de reestruturação da organização produtiva da Ré foi iniciado em Janeiro de 2021 e que passasse, então, pelo encerramento do armazém de ...;
-Que o gerente da ré informou o A., na reunião de janeiro de 2020 da intenção de encerrar o armazém de ...;
-Que foram dadas instruções ao A. para se apresentar no armazém do ... porque outra solução não restou à Ré, já que as instalações/armazém de ... estavam em processo de encerramento com diminuição drástica da sua atividade, pela reestruturação que estava a ser levada a cabo antes da pandemia, quer pela própria pandemia;
-Que quando o A. recebeu instruções para se apresentar no ... já haviam sido transferidos para tal armazém a logística do armazém de ... e não restou outra solução á Ré senão a transferência do A. para o ...;
-Que no dia 8/6/2021 o A. não entrou para o interior do armazém de ...;
-Que já estava decidido o encerramento do armazém de ... aquando da recusa de assinatura pelo A. da minuta de acordo de revogação do contrato de trabalho;
-A matéria vertida no artigo 91º até “Autor”;
-A matéria vertida no artigo 95º;
-A matéria vertida no artigo 96º;
-A matéria vertida no artigo 144º;
-Os valores discriminados no artigo 147º;
-A matéria vertida nos artigos 156º, 157º e 158º;
-A matéria vertida no Artigo 161º;
-A matéria vertida no artigo 166º, 2ª parte.
Da resposta à contestação
-A matéria vertida no artigo 3º;
-A matéria vertida no artigo 4º;
-A matéria vertida no artigo 5º;
-Que o A. remeteu documentação com os emails enviados à Ré;
-A matéria vertida no artigo 17º;
-A matéria vertida no artigo 22º;
-A matéria vertida no artigo 40º;
-A matéria vertida no artigo 44º;
-A matéria vertida no artigo 45º.”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Da falta de fundamentação/falta do exame crítico das provas, da decisão da matéria de facto:

Invoca o recorrente a violação do n.º ... do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, do n.º ... do artigo 154.º do Código de Processo Civil, e do n.º 4 do artigo 607.º também do CPC, porquanto a Exma. Senhora Juíza a quo descreve, em resumo, o que foi dito pelas testemunhas e pelas partes (A testemunha x declarou que... A testemunha x declarou que...) sem analisar criticamente as provas, de molde que os destinatários da decisão não conseguem compreender como se formou a convicção do julgador.
Embora não o refira expressamente, o vício assim imputado à decisão recorrida – com a amplitude em que o é, invocando-se a falta de fundamentação relativamente a toda a matéria de facto - a verificar-se importa a nulidade da sentença prevista na al. b) do n.º ... do art. 615.º do CPC (... - É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;).
Mas, se bem vemos, tal nulidade não se verifica.
Reconhecendo-se, com efeito, e não obstante o seu esforçado labor, que o método adoptado pela Mm.ª Juiz a quo para motivar a matéria de facto não é o mais adequado, pois que a mera transcrição, ainda que resumida e, certamente, incidindo sobre as partes que considerou mais relevantes, dos depoimentos e declarações de parte, não elucida, per si, porque e em que medida foram relevantes, para a formação da convicção do julgador, esses depoimentos e essas declarações de parte, sendo que na sentença recorrida essa exposição condensada do que foi dito pelas testemunhas e em declarações de parte ocupou a maior parte da motivação, cumpre reconhecer também que a Mm.ª Juiz não se ficou por aí, adiantando, mormente em relação à matéria que, nos termos que infra se vão referir, o recorrente impugna relevantemente, as razões do seu convencimento – cf. designadamente antepenúltimo e último parágrafos da motivação da matéria de facto.
Assim, e ainda que possa admitir-se uma “falta funcional de fundamentação, para os casos limite em que a fundamentação é apenas aparente por não ter conteúdo, esgotando-se em fórmula sem significado próprio: nestes casos continuaria a faltar completamente a fundamentação”..., no presente caso o Tribunal recorrido fundamentou substancialmente a decisão da matéria de facto.
... Cf. Ac. RC de 05-3-2024, Proc. 1622/19.1T8PBL-D.C1, António Fernando Silva, www.dgsi.pt
2 Ac. STJ de 16-11-2022, Proc. 1060/19.6T8BRR.L1.S1, Júlio Gomes, www.dgsi.pt, no mesmo sentido, e a título de ex., Ac. RG de 14.05.2015, Proc. 414/13.6TBVVD.G1, Manuel Bargado, Ac. RP de 07-11-2022, Proc. 847/20.1T8MAI.P1, Nélson Fernandes, ambos em www.dgsi.pt
Aliás, tem-se entendido de forma senão absolutamente consensual pelo menos francamente maioritária que “A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º ..., alínea b) do CPC só ocorre quando há uma absoluta falta de fundamentação”2
O recorrente alude também a uma suposta violação do princípio da imparcialidade mas, para além de se não verificar falta de fundamentação nos termos propugnados pelo recorrente, mesmo que aquela se verificasse não vemos como daí extrair a violação do princípio da imparcialidade.
Improcede, pois, a arguida falta de fundamentação/falta do exame crítico das provas, da decisão da matéria de facto
- Da impugnação da matéria de facto:
Entende o recorrente que a decisão da matéria de facto deve ser alterada, de molde que:
- O facto dado como provado sob o n.º 43 (No decurso desta reunião ficou acordado entre ambos – gerente da Ré e Autor - fazer cessar por acordo o contrato de trabalho em causa nos presentes autos, a partir do dia 29 de fevereiro de 2020.) deve ser dado como não provado.
- E devem ser dados como provados os seguintes factos:
.... O gerente da ré e o senhor BB entregaram uma proposta de acordo de revogação do contrato de trabalho ao autor, que se comprometeu a analisar e a dar feedback.
2. A partir de 19 de junho de 2020 o autor esteve em baixa médica até ../../2020, dia em que comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho com alegação de justa causa motivada com a invocação de assédio laboral, falta de atribuição de trabalho e transferência definitiva do local de trabalho sem compensação das despesas inerentes à deslocação.
3. O contrato de trabalho do autor cessou no dia 22 de julho de 2020.
4. O autor comunicou a renovação do Certificado de Incapacidade para o Trabalho com início a ../../2020, no dia 2 de julho de 2020, através de depósito na caixa do correio do armazém da ré, sito em ..., tendo já antes telefonado a avisar quese encontrava de baixa.
5. O Senhor BB recusou-se a receber a baixa médica relativa ao período de ... a ../../2020, que o autor, sem sucesso, tentou entregar-lhe em mão.
6. Qualquer trabalhador da ré tinha acesso à caixa de correio, podendo retirar correspondência e desviá-la, sem que tais atos pudessem ser confirmados pela gerência da ré.
7 No dia ../../2020, quando foi renovado o Certificado de Incapacidade para o Trabalho que o autor deixou na caixa de correio do armazém da recorrida, o computador do recorrente encontrava-se avariado, sem que o mesmo tivesse outro acesso ao e-mail.
A recorrida veio alegar que o recorrente não deu cumprimento ao disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil.
Efectivamente no citado artigo - aqui aplicável; art. ....º/2 a) do CPT - prescrevem-se ónus a cumprir pelo recorrente em sede de impugnação da matéria de facto.
Assim estabelece:
“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
... - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
 b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os ... e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
A nosso ver o comando que se pode congeminar como incumprido é o da al. b) do n.º ... do citado artigo, isto é, a indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, pois que o recorrente faz a conexão, entre os meios de prova que identifica como obrigando a uma decisão diferente e os factos que pretende ver aditados, de uma forma algo vaga, difusa.
Entendemos contudo que, mesmo assim, o recorrente deu suficiente cumprimento aos ónus previstos no identificado artigo (sem prejuízo do que adiante se dirá e que impede a pretendida apreciação), mormente porque a sua interpretação deve fazer-se “numa perspectiva equilibrada, razoável e proporcionada” e é possível discernir o entendimento que subjaz à pretensão do recorrente, até porque a maior parte dos factos que se pretende ver aditados à factualidade provada (pontos 2 a 7) constituem um «bloco» respeitante a uma mesma situação fáctica, à excepção da impugnação do facto provado sob o n.º 43, matéria sobre a qual o recorrente não indicou qualquer meio de prova que a seu ver obrigasse a decisão diversa.
Prosseguindo então com a análise da impugnação.
Desde logo pretende o recorrente que se dê como provado que .... O gerente da ré e o senhor BB entregaram uma proposta de acordo de revogação do contrato de trabalho ao autor, que se comprometeu a analisar e a dar feedback.
Acerca desta matéria, e apesar do que acima dissemos acerca de se excepcionar no conhecimento da impugnação o facto provado sob o n.º 43. (No decurso desta reunião [referida em 42.; O gerente da Ré em janeiro de 2020 reuniu com o Autor] ficou acordado entre ambos – gerente da Ré e Autor - fazer cessar por acordo o contrato de trabalho em causa nos presentes autos, a partir do dia 29 de fevereiro de 2020.), deve notar-se que o que se deu como provado em 43. é que, entre o gerente da ré e o autor foi acordado acordar, ou seja, não se deu aí como provado que acordaram a cessação do contrato de trabalho, no sentido de que estabeleceram já então os termos do acordo [a estes se referem, antes, os números 17. e 48. do elenco dos factos provados], mas apenas que houve um compromisso de chegar a acordo para a cessação do contrato de trabalho na referida data (já agora, consigne-se que como se extrai do último parágrafo da motivação da matéria de facto, sobre esta matéria o Tribunal recorrido estribou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas GG, BB e HH (a cuja audição também procedemos), sendo que efectivamente, e conforme resulta de excertos dos respectivos depoimentos pela Mm.ª Juiz enunciados, as mesmas pronunciaram-se sobre a matéria e corroboram o que se deu como provado em 42. – testemunha BB “(…) o A. foi falar com o depoente e disse que não queria continuar assim e pediu uma reunião com o Sr. Eng.º; isso foi em Janeiro; nessa reunião ficou acordado que a empresa faria um acordo com o A. para que este, em final de Fevereiro, saísse da empresa (…)”, testemunha GG “(…) sabe que houve alguns encontros e reuniões mas não esteve presente; foi informado que teria havido um pré-acordo entre o A. e o responsável do armazém para a revogação do contrato de trabalho; (…)”, testemunha HH “(…) quanto à reunião no início de 2020, assistiu à 2ª parte da reunião e foi-lhes dado a conhece que o A. iria sair da empresa; não assistiu à 1ª parte da reunião entre o A. , o eng.º II e o BB; não sabe os termos da cessação do contrato do A.; (…)”.).
Isto assente, a matéria que o recorrente indica naquele n.º ... a fim de ser considerada provada contende com os factos que na decisão recorrida foram dados como provados sob os números 17. e 48..
Ora, sucede que, à excepção da concreta data em que alegadamente esses factos ocorreram, o que o Tribunal recorrido deu como provado em 17 foi exactamente aquilo que o autor alegou no artigo 5.º da PI: A Ré apresentou ao Autor uma proposta de acordo de revogação de contrato de trabalho, que este recusou.
Não se alcança assim a relevância, para a decisão, da matéria de facto que neste particular se quer ver aditada.
Por outro lado, constata-se que o recorrente não indica onde foi alegada tal específica factualidade (do dito ponto ...), nem se vislumbra que tenha sido alegada por qualquer das partes, o que, aliás, acontece também no que concerne aos factos que o recorrente, pretendendo ver aditados à matéria provada, identifica nos n.ºs 5, 6, e parte final do n.º 4 (tendo já antes telefonado a avisar que se encontrava de baixa) e do 7 (o computador do recorrente encontrava-se avariado, sem que o mesmo tivesse outro acesso ao e-mail)
Ora, ainda que, se oportunamente requerida/determinada a ampliação da matéria de facto probanda nos termos previstos no art. 72.º do CPT, em tese se possa congeminar a integração na matéria de facto provada de factos, v.g. complementares como se afigura ser o caso, não alegados nos articulados, como se sintetizou em acórdão desta Relação de 16-02-2023, “No processo laboral, a ampliação da matéria de facto resultante da consideração pelo juiz na sentença de factos essenciais, complementares ou concretizadores pressupõe o prévio cumprimento do contraditório, o qual tem de ser declarado e expresso. Devendo as próprias partes requer o aditamento ou o juiz oficiosamente dar-lhe conhecimento da possibilidade de ampliação, a fim delas se puderem pronunciar.”3, não se descortinando, e nem alegado foi, que as partes tenham tido oportunidade de se pronunciar nos citados termos.
3 Ac. RG de 16-02-2023, Proc. 3741/21.5T8MTS.G1, Maria Leonor Barroso, www.dgsi.pt, no mesmo sentido podem ver-se por ex. Ac. RP 19-4-2021, Proc. 2907/16.4T8AGD-A.P1, Rita Romeira, Ac. RE de 15-04-2021, Proc. 570/20.7T8EVR.E1, Moisés Silva, Ac. RP de 03-10-2022, Proc. 2798/19.3T8VNG.P1, Rita Romeira, e Ac. RL de 30-05-2023, Proc. 84365/20.6YIPRT.L1-7, Luís Pires Sousa, todos em www.dgsi.pt
Assim, não tendo o recorrente desencadeado tal mecanismo de ampliação fáctica nem tendo o mesmo sido utilizado oficiosamente pelo Tribunal de primeira instância, está, à partida, precludida a ampliação da matéria de facto em causa em sede de apelação.
Quanto à matéria de facto que consta do proposto n.º 2: “2. A partir de 19 de junho de 2020 o autor esteve em baixa médica até ../../2020, dia em que comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho com alegação de justa causa motivada com a invocação de assédio laboral, falta de atribuição de trabalho e transferência definitiva do local de trabalho sem compensação das despesas inerentes à deslocação.
Relativamente à primeira parte, a partir de 19 de junho de 2020 o autor esteve em baixa médica até ../../2020, tal matéria consta já dos factos provados sob os n.ºs 16 e 10 e 81.
Relativamente à segunda parte, dia [../../2020] em que comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho com alegação de justa causa motivada com a invocação de assédio laboral, falta de atribuição de trabalho e transferência definitiva do local de trabalho sem compensação das despesas inerentes à deslocação.”, a factualidade que se pretende seja considerada provada já consta, até de forma mais completa, dos n.ºs 7 e 8 dos factos provados.
No que tange à matéria que sob o n.º 3 se pretende também aditar ao acervo dos factos provados não é mais do que uma conclusão de natureza jurídica e que contende, aliás, com o thema decidendum, pelo que nesta sede nada há que acrescentar.
Resta, então, analisar a questão no que concerne à primeira parte do n.º 4, o autor comunicou a renovação do Certificado de Incapacidade para o Trabalho com início a ../../2020, no dia 2 de julho de 2020, através de depósito na caixa do correio do armazém da ré, sito em ..., que em substância é a mesma coisa que consta da primeira parte do n.º 7.
A este propósito, como notou o recorrente, a Mm.ª Juiz a quo consignou na motivação da matéria de facto: “Quanto à matéria de facto atinente à entrega do certificado de incapacidade temporária do A. relativo ao período de ../../2020 a ../../2020 na caixa do correio do armazém de ..., não fez o A. prova suficiente de tal facto, nem testemunhal, nem mesmo nas suas declarações de parte; afigurou-se-nos pouco plausível e credível a explicação do mesmo para o facto de não ter enviado o CIT por email, como o tinha feito anteriormente: não podendo fazê-lo, segundo o A., por avaria do computador, optou por se deslocar, estando de baixa, da sua residência em ... ao armazém de ..., que já não era o seu local de trabalho, em vez de o remeter pelo correio para a sede da empresa, como seria mais sensato.
Esta fundamentação afigura-se-nos congruente, respeitando a prova efectivamente produzida, sem qualquer atropelo a um raciocínio lógico ou às regras da experiência.
Com efeito, o recorrente convoca as suas próprias declarações e bem assim o depoimento da testemunha BB e ainda os documentos que identifica como impondo que os factos que elencou sejam dados como provados (sem cuidar, como se disse acima, de destrinçar com clareza a conexão/relevância de cada prova com cada facto).
Começando pelos documentos, daqueles referidos pelo recorrente o que se admite pode ter aqui alguma relevância é o certificado de incapacidade temporária para o trabalho entre ... e ../../2020, mas relevância muito escassa, diga-se, pois o que aqui está fundamentalmente em causa é a entrega pelo autor desse documento à ré e a sua existência e posse pelo autor não implica de forma alguma que este o tenha entregado/feito chegar à ré, v.g. colocando-o na caixa do correio do armazém da ré como alegado está.
Do facto de todos os trabalhadores (o próprio autor, o depoente, o GG e o HH) terem a chave desse dito armazém, como admitiu a testemunha BB no seu depoimento, também não se retira apoio relevante no sentido de que – sequer - muito provavelmente o depósito no documento na caixa do correio se verificou, sendo que dos excertos do depoimento desta testemunha trazidos à colação pelo recorrente nada mais contende com esta concreta factualidade.
É certo, o autor afirmou ter colocado o documento em questão na caixa do correio de ....
Mas as declarações do autor – relembre-se, parte, e por isso, desnecessário é frisá-lo, interessado no desfecho da acção - também não se afiguraram suficientes para que, por si só, permitam firmar convicção no sentido que pretende.
Se não podemos simplesmente e a priori, como entendemos que não, descartar esse meio de prova, como se a lei não mandasse tomar em consideração todas as provas atendíveis (art. 413.º do CPC) e as «declarações de parte» não fossem até um meio de prova (agora) expressamente previsto na lei (art. 466.º do CPC)4, certo é também que é neste tipo de casos que maior acuidade reveste a existência, ou não, de outros subsídios probatórios que eventualmente hajam sido carreados para o processo e possam corroborar a versão do declarante.
4 Na esteira de Luís Filipe Pires de Sousa, “repudiamos este pré-juízo de desconfiança e de desvalorização das declarações de parte, sendo infundada e incorreta esta postura que degrada prematuramente o valor probatório das declarações de parte.”; cf. http://julgar.pt/as-malquistas-declaracoes-de-parte/
4No mesmo sentido, Ac. do TRP de 21.02.2018, Proc. 271/16.0T8ETR.P1, Relator: Miguel Baldaia de Morais, in www.gde.mj.pt/jtrp, em cujo Sumário se pode ler: “I- A credibilidade das declarações da parte, no segmento em que não integrem confissão, deve ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstratas pré-constituídas que, desde logo, desvalorizem o seu depoimento apenas porque é parte, nada impedindo que as suas declarações possam servir para dar certo facto que lhe é favorável como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação, maxime quando sejam confirmadas, em maior ou menor medida, por outros subsídios probatórios que hajam sido carreados para o processo. (…)”
Ora, as testemunhas que se pronunciaram sobre esta matéria, GG, BB e HH, referiram a propósito que nunca lhes foi entregue directamente nem foi encontrada na mencionada caixa do correio a baixa médica do autor relativa ao período em causa, sendo que a testemunha HH tinha o encargo de levantar o correio que era depositado nessa caixa.
O entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido, supra assinalado, em que baseia, quanto a este ponto da matéria de facto, o seu não convencimento, não merece censura.
Deve manter-se, pois, a matéria de facto tal como decidido na sentença.

- Do erro na aplicação da lei:
O recorrente como resulta, em particular, das conclusões do recurso, restringe o âmbito desta questão à forma da cessação do contrato de trabalho – mais concretamente, insurge-se contra o entendimento perfilhado na decisão recorrida de que o contrato terminou por abandono do trabalho (cf., em particular, conclusões H, I, J e A [2.º A]), o que implica, naturalmente e em caso de resposta positiva a esta sua pretensão, se conheça das suas implicações para a pretensão do autor, nomeadamente se conheça da expecção da prescrição também deduzida pela ré e, eventualmente, dos créditos peticionados que directamente se relacionem com a cessação do contrato.
Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:
Descritos os factos, há que fazer o seu enquadramento jurídico-laboral, à luz do regime jurídico aplicável, tendo presente que a relação jurídica controvertida nasceu na vigência do Código do trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto e se desenvolveu e terminou já na vigência do Código do Trabalho revisto pela Lei 7/2009, de 12/02 e sucessivas alterações, designadamente as resultantes das Leis 53/2011, de 14/10, 23/2012, de 25/06, 69/2013 de 30/08, Lei n.º 27/2014, de 08/05, Lei n.º 55/2014, de 25/08, Lei n.º 28/2015, de 14/04, Lei n.º 120/2015, de 01/09, Lei n.º 8/2016, de 01/04, Lei n.º 28/2016, de 23/08, Lei n.º 73/2017, de 16/08 e Lei n.º 14/2018, de 19/03.
Não suscitou controvérsia entre as partes e assim resulta dos factos vertidos supra nos nºs 1 a 4 da fundamentação fáctica que entre ambas vigorou um contrato de trabalho desde 1 de Fevereiro de 2008, ocupando o A. a posição de prestador de trabalho e a R. a de empregadora, por força do disposto no artigo 10º do Código do Trabalho de 2003.
Às demais questões a apreciar, designadamente às atinentes à cessação do contrato de trabalho em causa e aos créditos reclamados pelo A., é aplicável o Código do Trabalho de 2009 aprovado pela Lei 7/2009 de 12/07, nos termos do disposto no artigo 7º nº 1 do respectivo diploma preambular, segundo o qual ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho de 2009 os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor daquele diploma, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento .
*
1. Da cessação do contrato de trabalho: resolução pelo Autor ou denúncia por abandono do trabalho
A primeira questão a resolver consiste em determinar se o contrato de trabalho que vigorou entre as partes cessou por resolução unilateral pelo A. com invocação de justa causa em ../../2020 (tese do A.), ou, diversamente, se o contrato de trabalho cessou por abandono do posto de trabalho pelo A., com efeitos a ../../2020, comunicado pela ré em ../../2020 (tese da Ré).
A resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa é uma das formas de extinção do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, actualmente regulada nos artigos 394º a 399º do Código do Trabalho 2009. Nos termos do art. 394º nºs 1, o trabalhador tem direito de fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho ocorrendo justa causa. A resolução do contrato obedece ao formalismo prescrito no art. 395º do Código do Trabalho: o trabalhador deve comunicar a resolução ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos. Constitui, assim, um negócio jurídico unilateral receptício através do qual o trabalhador revela a vontade de fazer cessar o contrato de trabalho. Sendo uma declaração receptícia, torna-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário (o empregador) ou é dele conhecida (art. 224º nº 1 do mesmo diploma).
O abandono do trabalho constitui, também, uma causa de extinção do contrato de trabalho, que se traduz numa denúncia irregular pelo trabalhador, invocável pelo empregador mediante comunicação escrita ao trabalhador, encontrando-se presentemente regulada no artigo 403º do Código do Trabalho 2009. Também a comunicação do empregador ao trabalhador na qual invoca a cessação do contrato de trabalho por abandono do trabalho constitui uma declaração receptícia que se torna eficaz logo que chega ao conhecimento do trabalhador.
Ora, face aos factos provados sob os nºs 7, 8, 11 e 12, podemos adiantar que à data em que a carta de resolução do contrato de trabalho chegou ao conhecimento da Ré, em ../../2020, já o contrato de trabalho se encontrava extinto por força da comunicação de abandono do posto de trabalho remetida pela Ré ao A. e por este recebida no dia ../../2020. Isto porque, a proceder a tese da Ré, o contrato de trabalho tem-se por extinto na data em que teve início a ausência relevante para efeitos de abandono do posto de trabalho. No caso de improceder a tese da Ré, por não se encontrarem preenchidos os pressuposto de invocabilidade do abandono do trabalho, então, a comunicação da Ré ao A. reconduz-se a um despedimento ilícito, que produziu os seus efeitos em ../../2020, data em que chegou ao conhecimento do A.
Impõe-se, assim, apreciar se estão ou não reunidos os pressupostos do abandono do trabalho invocado e comunicado pela Ré ao A.
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1.1 Do abandono do posto de trabalho
O nº 1 do artigo 403º do Código do Trabalho dispõe que: “considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem intenção de o não retomar”. Por sua vez o nº 2 estabelece a presunção de que existe abandono do trabalho “em caso de ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência”. O trabalhador poderá ilidir tal presunção, provando a ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência (nº 4). O abandono do trabalho equivale a denúncia do contrato, mas para poder invocar a cessação do contrato por abandono do trabalho, o empregador tem de comunicar ao trabalhador os factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo por carta registada com aviso de recepção para a sua última morada conhecida (nº 3). O abandono do trabalho constitui o trabalhador na obrigação de indemnizar o empregador nos termos do artigo 401º (nº 5).
São, assim, dois os elementos integradores da figura do abandono do trabalho: a ausência do trabalhador ao serviço, isto é, a não comparência voluntária e injustificada no local e no tempo de trabalho (elemento objectivo) e a intenção de não retomar o serviço, ou seja, a intenção de não comparência definitiva ao trabalho, a retirar de factos que com toda a probabilidade o revelem (elemento subjectivo). Os factos reveladores da intenção do trabalhador devem ser concludentes, não bastando meros factos indiciários (cf. Ac. STJ de 29/10/2008, in www.dgsi.pt). Como ensina Pedro Furtado Martins, “(…) o empregador não pode invocar o abandono do trabalho quando conhece ou tem obrigação de conhecer que a ausência, mesmo que prolongada, se deve a outros motivos que não a vontade do trabalhador em terminar o contrato. Ainda que tais motivos sejam insuficientes para justificar os dias de não comparência ao trabalho e, como tal, possam ser qualificados como faltas injustificadas, suscetíveis de fundamentarem um despedimento com justa causa (…). Em suma, desde que o empregador tenha ou deva ter conhecimento do motivo subjacente à não comparência ao serviço, não pode dizer-se que a ausência revela a intenção do trabalhador de não retomar o trabalho” (in Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª Edição revista e actualizada, Principia, pág. 553/554). Quanto à presunção de abandono, são dois os elementos do facto indiciário. Por um lado a ausência do serviço durante um período mínimo de dez dias úteis seguidos e, por outro lado, a falta de informação ao empregador do motivo da ausência. Ao empregador cabe o ónus da prova da verificação do facto indiciário, nos termos do disposto no art. 342º nº 2, 344º nº 1 e 350º nº 1 do Código Civil. Estabelecida a base factual da presunção, o trabalhador, por seu lado, apenas pode ilidir a presunção de abandono do trabalho se provar que esteve impossibilitado, por motivo de força maior, de comunicar ao empregador as razões da ausência. Não basta, pois, que o trabalhador prove o motivo justificativo da ausência ou que a não comparência se ficou a dever a outras razões que não a vontade de fazer cessar o contrato. Como se sumariou no Acórdão do STJ de 26.09.2018 (in www.dgsi.pt), “IV. O trabalhador para ilidir esta presunção terá que provar que a comunicação da sua ausência só não foi expedida ou só não chegou ao conhecimento do empregador por ter ocorrido um acontecimento inevitável e imprevisível, natural e/ou devido a determinada conduta de um terceiro, que não lhe é imputável.”
Em qualquer caso, para que o empregador possa invocar o abandono do trabalho como causa de cessação do mesmo tem de o comunicar por escrito ao trabalhador. Tal como se diz no aresto citado, “V. A comunicação prevista no n.º 3, do artigo 403º, da CT, não se traduz num facto constitutivo da extinção do contrato, tratando-se apenas de um requisito ou condição de atendibilidade ou de invocação da cessação do contrato pelo empregador.
E, após se elencar os factos provados com relevo para a análise esta questão
(“11- No dia 16 de julho de 2020 (quinta feira) a Ré enviou ao Autor comunicação escrita, sob registo (“...26...”), com aviso de receção, na qual procedeu à seguinte comunicação:
“Vimos por este meio comunicar-lhe o seguinte:
Tem V.ª Ex.ª faltado ao trabalho desde o dia ../../2020 (inclusive) até à
presente data, consecutivamente, sem que tenha justificado por qualquer meio o motivo da sua ausência.
Tal falta de justificação, aliada ao seu absentismo, revelam a intenção de Vª. Ex.ª de não mais retomar a sua actividade para esta empresa.
Consideramos, pois, que Vª. Ex.ª abandonou o trabalho a partir do aludido dia ../../2020, o que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 403º do Código de Trabalho.”
12- Por não ter atendido em casa, o Autor levantou tal comunicação no posto dos correios no dia 21 de julho de 2020.
16- O Autor no dia 19 de junho de 2020, às 20:21 enviou por correio eletrónico para a Ré “certificado de incapacidade temporária para o trabalho” para o período de 19 de junho a 30 de junho de 2020.
76- No dia ../../2020 o Autor não se apresentou nas instalações da Ré nem comunicou com a Ré por qualquer meio no sentido de indicar que não se apresentaria mais no armazém de .../....
77- O Autor a partir do dia ../../2020 passou a faltar, desconhecendo a empresa o motivo da sua ausência, porque aquele não a justificou.
81- Entre o dia ... e o dia ../../2020 o A. esteve incapacitado para a actividade profissional por doença.
82- No dia 21 de Julho de 2020 o A. enviou um email dirigido a GG do seguinte teor:
“Boa tarde BB
Amanhã já lhe envio a segunda via da baixa do período entre o dia 01/07/2020 e 20/07/2020, uma vez que ... não lhe fez chegar em tempo adequado.
Coloquei na caixa do correio do Armazém de ... logo no dia a seguir.
De qualquer modo o meu muito obrigado por me ter alertado.”
83- E no dia 22/07/2020 o A. remeteu novo email dirigido a GG do seguinte teor:
“Boa tarde BB
Em resposta à sua carta registada com efeito da minha ausência nestes 20 dias fica desde já provado que estive de baixa médica por doença e que no armazém de ... ninguém lhe fez chegar este documento.
Espero que seja compreensivo comigo como eu fui com a EMP01... no período de 12 anos que fiz parte dos quadros da empresa.
Obrigado”),
prossegue a fundamentação nos seguintes termos:
Como se vê dos factos provados, a Ré logrou fazer prova da base factual da presunção de abandono do trabalho por parte do A., isto é, a não comparência deste ao serviço por mais de 10 dias úteis e a falta de comunicação do motivo da ausência. E comunicou ao A. os factos da presunção da presunção de abandono por carta registada com aviso de recepção Assim, cabia ao A. alegar e demonstrar que essa comunicação só não chegou ao conhecimento da ré por circunstância não imputáveis a sei próprio, imprevisíveis e inevitáveis. Ora, o que o A. alegou, foi, antes, o cumprimento da obrigação de comunicar, alegando que se encontrou em situação de incapacidade para o trabalho entre ../../2020 e ../../2020, tendo entregue o CIT em 2/7/2020 na caixa do correio do armazém de ..., estando convicto, até ao levantamento da comunicação a Ré em ../../2020, que esta tinha conhecimento do motivo justificativo da ausência, e que prontamente tentou esclarecer o sucedido por emails enviados à Ré no mesmo dia; que a ré tinha conhecimento da anterior situação de baixa médica do A., pelo que poderia ter diligenciado junto do portal da segurança social para verificar a prorrogação do período de baixa; e, ainda que assim não se entendesse, não se verifica a intenção do A. não regressar ao trabalho, já que deixou todos os seus pertences no local de trabalho. Todavia, não logrou o A. provar que comunicou à R. a renovação da situação de baixa médica em que se encontrava. Não obsta ao funcionamento da presunção a circunstância de se ter provado que o A. esteve incapacitado para o trabalho no período temporal que antecedeu a comunicação da R., que já tinha estado de baixa no período antecedente e de tal ser conhecimento da Ré. Isto porque, nos termos do disposto no artigo 253º nºs 1, 2 e 4 do Código do Trabalho, o trabalhador tem a obrigação de comunicar a ausência ao empregador com antecedência mínima de cinco dias, ou logo que possível se não puder ser respeitada aquela antecedência; e deve reiterar a comunicação no caso de ausência imediatamente subsequente à prevista em comunicação anterior, mesmo quando a ausência determine a suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado.
Ora, face à matéria de facto provada e não provada, é forçoso concluir que o A. não logrou ilidir a presunção de abandono do trabalho.
A R. comunicou oportunamente ao A., por escrito, a cessação do contrato de trabalho por abandono do mesmo, pelo que é eficaz a invocação de tal cessação por parte da R.
Conclui-se, pois, que se verifica a presunção não ilidida de abandono do trabalho por parte do A. Assim, valendo o abandono do trabalho como denúncia do contrato de trabalho, esta produziu efeitos á data em que se iniciou a ausência não comunicada (vd. obra citada, pág. 561), pelo que o contrato de trabalho que vigorou entre o A. e a R. tem-se por extinto em ../../2020.
Na economia da acção, onde bate o ponto é, quanto a nós, saber se é possível retirar dos factos provados, que a ré sabia, ou devia saber, do motivo da ausência do autor.

Com efeito, o artigo 403.º do CT, sob a epígrafe Abandono do trabalho, dispõe:
1 – Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar.
2 – Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
3 – O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste.
4 – A presunção estabelecida no n.º 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência. 5 – Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401.º.

No citado n.º 1 do art. 403.º, está prevista a designada situação de real abandono do trabalho que implica a verificação da ausência do trabalhador do serviço e, cumulativamente, a ocorrência de factos que, com toda a probabilidade, revelem a sua intenção de não o retomar.
O n.º 2 do art. 403.º do CT trata por sua vez a situação de presumido abandono do trabalho, nos termos da qual a ausência do trabalhador do serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que a entidade empregadora seja informada dos motivos de tal ausência, basta para se presumir a intenção de abandono do trabalho pelo trabalhador.
Assim e em princípio, para a verificação de uma situação de abandono presumido basta a ausência prolongada - durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos - e sem notícias do trabalhador.
À luz do disposto no art. 342.º/1 do CC, por serem factos constitutivos do direito da ré, a esta cabe o ónus de provar quer a ausência do autor ao serviço por mais de 10 dias úteis seguidos quer a falta de notícias quanto ao motivo da ausência.
Como da fundamentação do Ac. do STJ de 26-9-2018 consta, e concordamos:
Ora, o abandono do trabalho não é uma resolução contratual por iniciativa do empregador, mas sim uma resolução por iniciativa do trabalhador, valendo como denúncia do contrato.”
E a propósito, em particular, do abandono presumido, consta:
Quanto ao ónus da prova, cabe ao empregador não só o ónus da prova da ausência do trabalhador, mas, também, o ónus de alegar e de provar que ele não recebeu informação sobre o motivo dessa ausência.
É esta a orientação jurisprudencial mais recente desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça como resulta do acórdão de 29 de outubro de 2008, proferido no processo n.º 08S2273[16], ao decidir que é ao empregador que compete o ónus de alegar e provar os factos integradores da referida presunção (base da presunção), isto é, não só a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, como também a não receção de comunicação do motivo da ausência. (…)
É de manter esta orientação.”5 (sublinhamos)
5 Proc. 9200/15.8T8LSB.L1.S1, Ferreira Pinto, www.dgsi.pt
6 Em Ac. da RC de 19-11-2015, Proc. 95/14.5TTLRA.C1, Paula do Paço, estando até em causa um período de ausência em que foi comunicado o estado de doença bem mais longo, sumariou-se nos termos seguintes: “IV – Verifica-se uma situação de denúncia do contrato por abandono do trabalho quando após um ano de doença consecutiva, com a apresentação de sucessivos atestados médicos, o trabalhador não se apresenta ao serviço durante cerca de dois meses, sem apresentar qualquer justificação e sem ter demonstrado que motivo de força maior o impediu de comunicar ao empregador a causa da ausência.”
7 Neste sentido, e a título de ex., Ac. RC de 13-01-2023, Proc. 5265/21.1T8CBR.C1, Paula Maria Roberto, www.dgsi.pt
Ora, atenta a matéria de facto, o autor esteve ausente do trabalho por mais de 10 dias úteis seguidos, sem que tenha comunicado à ré o motivo da sua ausência, e assim e v.g. sem que tenha avisado a ré que se encontrava (continuava) doente, matéria de facto que é manifestamente insuficiente para que se possa afirmar que, ainda assim, a ré devia saber do motivo da ausência do autor.6
Por outro lado, o autor não logrou provar – aliás, sequer o alegou – que ocorreu motivo de força maior que o impediu de comunicar oportunamente o motivo da ausência.
Ante o exposto, mostra-se lícita a comunicação efectuada pela ré ao autor de que o contrato de trabalho cessou por abandono por parte deste.

De todo o modo cumpre salientar que, como resulta do art. 381.º c) do CT e como bem se diz na decisão recorrida, no caso [que, como se disse, ora não se verifica] de improceder a tese da R., por não se encontrarem preenchidos os pressuposto de invocabilidade do abandono do trabalho, então, a comunicação da R. ao A. reconduz-se a um despedimento ilícito, que produziu os seus efeitos em ../../2020, data em que chegou ao conhecimento do A.7 [e assim, sempre termos de concluir que quando a comunicação da resolução do contrato de trabalho chegou ao conhecimento da ré, em 22.7.2020, já a relação laboral se encontrava extinta]
Mas, como decorre do Relatório supra, não é sequer este hipotético «despedimento ilícito» que foi invocado pelo autor, tendo este configurado a causa de pedir com base na alegada resolução com justa causa do contrato de trabalho, por si efectuada.
Sucede que a nossa lei processual perfilha o princípio do dispositivo e bem assim a designada teoria da substanciação, de acordo com os quais compete ao autor conformar o objecto do processo, alegando a pertinente factualidade essencial, sendo com referência e no âmbito do concreto objecto do processo que a decisão do litígio há-de ser encontrada - cf. nomeadamente art.s 5.º/1, 552.º/1 d) e e), 581.º/4 e 609.º/1 do CPC.
Com efeito, “A causa de pedir exerce função individualizadora do pedido para o efeito da conformação do objeto do processo. Por isso, o tribunal tem de a considerar ao apreciar o pedido e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor (art. 608-2), sob pena de nulidade da sentença (art. 615-1-d):”8
8 José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Vol. 2.º, 4.ª Edição, pág. 491.
9 Proc. 12261/17.1T8LSB.L1-7, Micaela da Silva Sousa, www.dgsi.pt
10 Ac. de 10-12-2024, Proc. 8790/18.8T8LRS.L1.S1, Nelson Borges Carneiro, www.dgsi.pt
Na mesma linha de entendimento, Ac. RL de 9-4-2024, onde se escreveu que “O princípio do dispositivo, desde logo consagrado no n.º 1 do art.º 3º do CPC, repercute-se na configuração do objecto do processo, mediante a dedução do pedido e da alegação da matéria de facto que serve de fundamento à acção ou à defesa, circunscrevendo o âmbito da decisão final (…)”9.
Ainda em recente acórdão do STJ se escreveu que, “É lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao autor, por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter; mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos do que o autor procurava obter através da pretensão que efetivamente, na sua estratégia processual, curou de formular.”10, não sendo admitida, pelo menos com a largueza que neste caso ocorreria, a convolação oficiosa do objecto do processo.
Como, relativamente a situação similar, se sintetizou em Ac. RP de 12-07-2023, “…VIII – Se o despedimento é ilícito, porque proferido sem processo disciplinar, mas, o trabalhador, em vez de impugnar o despedimento, intenta acção invocando a resolução do contrato com justa causa, sem que houvesse reconhecimento judicial da ilicitude daquele e fundamenta nesse seu acto resolutório os pedidos formulados na acção, o Tribunal está impedido de, nessa acção, apreciar a justa causa da resolução, uma vez que não é concebível resolver um vínculo que, já se encontrava cessado e que só o tribunal podia ter feito renascer.
IX – Além disso, o Tribunal está, também, impedido de extrair as consequências inerentes à ilicitude do despedimento, sob pena de condenação em objeto diverso do pedido (art.s 609º e 615º, nº 1, al. e) do CPC), já que a indemnização pedida se fundava na, alegada, resolução com justa causa.”11 (também sublinhamos)
11 Proc. 2810/20.3T8PNF.P1, Teresa Sá Lopes, www.dgsi.pt
Assim sendo, mostra-se irrelevante cogitar da eventual existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho – aquando da comunicação da resolução o contrato de trabalho já havia cessado em razão do comunicado abandono do trabalho - e, por outro lado, ainda que esta comunicação configurasse um despedimento ilícito (que não configura), estaria o Tribunal impedido de dele conhecer e daí extrair as pertinentes consequências jurídicas porquanto o autor não fundamentou a acção em tal comunicação da empregadora -, e tendo em consideração a decidida procedência da excepção da prescrição (decisão esta que não foi posta em crise pelo recurso, e que se nos afigura, aliás, correcta), o pedido tem de improceder in totum, mesmo quanto aos montantes que o autor reclama e que radicam na mera cessação do contrato (créditos peticionados a título de férias vencidas em 01.01.2020, respectivo subsídio, e proporcionais, com referência à duração do contrato em 2020, de férias e subsídios de férias e de Natal).
Acresce, relativamente à quantia reclamada a título de pagamento de trabalho suplementar, que apenas ficou provado, quanto ao trabalho prestado, que entre ../../2016 e ../../2020 o A., em regra, iniciava as suas funções entre as 7h00 e as 8h00, por vezes mais cedo, e terminava o seu expediente entre as 18h00 e as 20h00, por vezes mais tarde (mas nada se sabendo quanto ao horário de trabalho atribuído ao autor, v.g. a intervalos, nomeadamente para o almoço, compreendidos no horário de trabalho), mas também que porque o horário diário e/ou o horário semanal do Autor podia vir a ser excedido, dada a natureza das funções por ele exercidas – Vendedor/distribuidor – predominantemente fora do estabelecimento, foi acordada a isenção de horário de trabalho entre o A. e a R., sendo que neste acordo, que perdurou ao longo da manutenção do contrato de trabalho, ficou estabelecido o pagamento de uma retribuição especial mensal a tal título de Isenção de Horário, que foi sendo paga ao A. mensalmente.
Ora quer porque efectivamente a matéria provada não permite concluir se, e em que medida, o autor prestou trabalho suplementar, isto é, prestou trabalho para além do respectivo horário (apesar de em 78 dos factos provados se falar em “horário de trabalho” é ao período de trabalho semanal que efectivamente se reporta), sequer se prestou trabalho para além do período normal de trabalho diário e/ou semanal (v. art. 203.º/1do CT), quer porque, ainda que eventualmente o tenha prestado fazia-o ao abrigo de um acordo escrito de isenção do horário de trabalho (cf. arts. 218.º e 219.º/1/2 do CT, recebendo atinente subsídio (art. 265.º do CT), sempre careceria de fundamento legal esta parte do pedido.
De igual modo, quanto ao pedido formulado pelo A. com fundamento em não lhe ter sido proporcionada formação profissional, não tendo feito prova desta alegação, sendo que sobre si impedia o ónus da prova (conforme art. 342.º/1 do CC), também sempre teria de soçobrar o pedido nesta parte.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do recorrente.
Notifique.
Guimarães, 09 de Janeiro de 2025

Francisco Sousa Pereira (relator)
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Vera Maria Sottomayor


1 Cf. Ac. RC de 05-3-2024, Proc. 1622/19.1T8PBL-D.C1, António Fernando Silva, www.dgsi.pt
2 Ac. STJ de 16-11-2022, Proc. 1060/19.6T8BRR.L1.S1, Júlio Gomes, www.dgsi.pt, no mesmo sentido, e a título de ex., Ac. RG de 14.05.2015, Proc. 414/13.6TBVVD.G1, Manuel Bargado, Ac. RP de 07-11-2022, Proc. 847/20.1T8MAI.P1, Nélson Fernandes, ambos em www.dgsi.pt  
3 Ac. RG de 16-02-2023, Proc. 3741/21.5T8MTS.G1, Maria Leonor Barroso, www.dgsi.pt, no mesmo sentido podem ver-se por ex. Ac. RP 19-4-2021, Proc. 2907/16.4T8AGD-A.P1, Rita Romeira, Ac. RE de 15-04-2021,  Proc. 570/20.7T8EVR.E1, Moisés Silva, Ac. RP de 03-10-2022, Proc. 2798/19.3T8VNG.P1, Rita Romeira, e Ac. RL de 30-05-2023, Proc. 84365/20.6YIPRT.L1-7, Luís Pires Sousa, todos em www.dgsi.pt  
4 Na esteira de Luís Filipe Pires de Sousa, “repudiamos este pré-juízo de desconfiança e de desvalorização das declarações de parte, sendo infundada e incorreta esta postura que degrada prematuramente o valor probatório das declarações de parte.”; cf. http://julgar.pt/as-malquistas-declaracoes-de-parte/
4No mesmo sentido, Ac. do TRP de 21.02.2018, Proc. 271/16.0T8ETR.P1, Relator: Miguel Baldaia de Morais, in www.gde.mj.pt/jtrp, em cujo Sumário se pode ler: “I- A credibilidade das declarações da parte, no segmento em que não integrem confissão, deve ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstratas pré-constituídas que, desde logo, desvalorizem o seu depoimento apenas porque é parte, nada impedindo que as suas declarações possam servir para dar certo facto que lhe é favorável como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação, maxime quando sejam confirmadas, em maior ou menor medida, por outros subsídios probatórios que hajam sido carreados para o processo. (…)” 
5 Proc. 9200/15.8T8LSB.L1.S1, Ferreira Pinto, www.dgsi.pt
6 Em Ac. da RC de 19-11-2015, Proc. 95/14.5TTLRA.C1, Paula do Paço, estando até em causa um período de ausência em que foi comunicado o estado de doença bem mais longo, sumariou-se nos termos seguintes: “IV – Verifica-se uma situação de denúncia do contrato por abandono do trabalho quando após um ano de doença consecutiva, com a apresentação de sucessivos atestados médicos, o trabalhador não se apresenta ao serviço durante cerca de dois meses, sem apresentar qualquer justificação e sem ter demonstrado que motivo de força maior o impediu de comunicar ao empregador a causa da ausência.”
7 Neste sentido, e a título de ex., Ac. RC de 13-01-2023, Proc. 5265/21.1T8CBR.C1, Paula Maria Roberto, www.dgsi.pt  
8 José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Vol. 2.º, 4.ª Edição, pág. 491.
9 Proc. 12261/17.1T8LSB.L1-7, Micaela da Silva Sousa, www.dgsi.pt
10 Ac. de 10-12-2024, Proc. 8790/18.8T8LRS.L1.S1, Nelson Borges Carneiro, www.dgsi.pt  
11 Proc. 2810/20.3T8PNF.P1, Teresa Sá Lopes, www.dgsi.pt