Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5576/19.6T8GMR.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: PRINCÍPIO DA IGUALDADE PROCESSUAL
PRESTAÇÃO ALIMENTAR
INCUMPRIMENTO
MAIORIDADE
LEGITIMIDADE ACTIVA
PRESCRIÇÃO DAS PRESTAÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/01/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do CPC).

1- O princípio da igualdade processual na sua dimensão positiva, que impõe ao juiz o dever de promover a efetiva igualdade das partes, não afasta as normas imperativas previstas na lei processual civil, mas apenas atua naquelas situações em que a própria lei imponha ao tribunal uma intervenção assistencial em benefício da parte dela necessitada.
2- Da redação do art. 1880º e 1905º, n.º 2 do CC (este, na versão aditada pela Lei n.º 122/2015, de 1/09) resulta que os progenitores onerados com prestação alimentar fixada em benefício dos filhos, durante a menoridades destes, encontram-se automaticamente obrigados a satisfazer-lhe essa prestação alimentar até os últimos perfazerem os 25 anos de idade, exceto se o progenitor, obrigado à prestação alimentar, alegar e provar: a) que o filho, beneficiário da prestação alimentar, concluiu o seu processo de educação ou de formação profissional antes de atingir os 25 anos de idade; b) esse beneficiário da prestação alimentar interrompeu voluntariamente o seu percurso de educação ou de formação profissional; ou c) é desrazoável a exigência ao progenitor, onerado com a prestação alimentar, face às circunstâncias especificas do caso, que continue a satisfazer essa prestação alimentar ao filho maior de idade.
3- A exceção da desrazoabilidade da exigência feita ao progenitor de que continue a satisfazer a prestação alimentar ao filho, fixada durante a menoridade deste, durante a sua maioridade, carece de ser apreciada por referência à conduta do beneficiário da prestação alimentar (conduta do filho), irrelevando as disponibilidades do obrigado (progenitor) para continuar a satisfazer essa prestação alimentar, uma vez que essas disponibilidades são fundamento de uma eventual alteração da prestação alimentar fixada ao filho durante a menoridade deste, por alteração das circunstâncias que presidiram à fixação dessa prestação.
4- Na sequência da redação do n.º 3 do art. 998º do CPC, introduzida pela Lei n.º 122/2015, em caso de incumprimento da prestação alimentar fixada em benefício do filho, durante a menoridade deste, o progenitor que suporte o sustento do filho dispõe de legitimidade ativa para instaurar o incidente de incumprimento do art. 41º do RGPTC contra o progenitor inadimplente, mesmo após o filho (beneficiário da prestação alimentar incumprida) ter atingido a maioridade, assistindo igual legitimidade ao filho, beneficiário da prestação alimentar incumprida.
5- No âmbito do incidente de incumprimento apenas pode ser alterada a prestação alimentar incumprida, por acordo, e na conferência a que alude o n.º 4 do art. 41º do RGPTC, pelo que na ausência desse acordo, o juiz apenas pode decidir o incumprimento (n.º 7 do mesmo art. 41º).
6- A exceção perentória da prescrição das prestações alimentares incumpridas não é do conhecimento oficioso do tribunal, e essa exceção tem de ser invocada pelo requerido na alegação/oposição que deduza ao requerimento inicial com que é instaurado o incidente de incumprimento, sob pena de, posteriormente, não a poder já invocar.
7- O regime do n.º 2 do art. 1905º do CC assenta na premissa ou presunção do legislador de que é normal e esperável que os filhos não tenham o seu processo de educação ou de formação profissional concluído antes de perfazerem os 25 anos de idade, pelo que apenas se pode concluir pela ilação dessa presunção legal, com fundamento na exceção da “irrazoabilidade”, quando sejam alegadas e provadas pelo progenitor, obrigada a satisfazer a prestação alimentar fixada durante a menoridade do filho, circunstâncias concretas e específicas que sejam demonstrativas da desrazoabilidade em o mesmo continuar a satisfazer a prestação alimentar fixada ao filho até o último perfazer os 25 anos de idade, como seja, um persistente e reincidente desinteresse do filho em, por razões que lhe são imputáveis (nomeadamente, por ócio), em se aplicar no estudo e de, assim, concluir esse seu processo educativo ou formativo em tempo oportuno e razoável.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

Relatório

M. L., instaurou o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais a favor do seu filho, R. F., nascido a - de julho de 2000, contra F. F., residente no Lugar das …, Edifício …, freguesia de … Felgueiras.
Para tanto alega, em síntese, que no âmbito dos autos de divórcio por mútuo consentimento, que correram termos na Conservatória do Registo Civil de Guimarães, em 13/07/2007, foi decretado o divórcio entre requerente e requerido e foi regulado o exercício das responsabilidades parentais em relação ao filho de ambos, então menor, R. F., no qual ficou estabelecido que o requerido pagaria 200,00 euros mensais, a título de alimentos a favor do filho, e que essa prestação seria atualizada anualmente de acordo com os índices de inflação publicados pelo INE;
Acontece que desde junho de 2019 o requerido não paga a prestação alimentar fixada a favor do filho e nunca pagou a atualização dessa prestação alimentar;
Atualmente encontra-se em dívida a importância de mil euros, a título de prestações alimentares não pagas, a que acrescem as quantias decorrentes das atualizações da prestação alimentar inicialmente fixada.

Notificado para alegar, querendo, o que tivesse por conveniente, o requerido apresentou alegações escritas, em 29/10/2010, em que conclui pela improcedência do presente incidente, alegando, em síntese, que em julho de 2019 deixou de pagar a prestação alimentar devida ao filho na convicção de que este tinha concluído o seu percurso educativo, dado que tinha concluído o 12º ano de escolaridade;
De acordo com a informação que lhe foi prestada pelo próprio filho, este concluiu o 12º ano há dois anos, mas encontra-se há dois anos consecutivos inscrito no 12º ano, para melhoria de notas;
O filho trabalha atualmente e desde meados de 2019, no restaurante “X”, em Guimarães, sendo penoso e injusto que o requerido tenha de continuar a prestar-lhe alimentos, quando esse seu filho já trabalha e já concluiu o seu percurso educativo e quando o próprio requerente tem uma outra filha menor a cargo, nascida a -/12/2020, aufere cerca de 700,00 euros mensais, tem de pagar renda de casa de dois empréstimos, um pessoal, e outro referente à aquisição de veículo automóvel.

Por despacho de 16/12/2019, determinou-se que:
“Considerando a maioridade atingida pelo filho da requerente e do requerido em data anterior àquela a que respeitam as prestações de alimentos referidas no art. 6º da petição inicial, bem como o disposto no art. 41º, n.º 1 do RGPTC, ao abrigo do disposto no art. 3º, n.º 3 do CPC, determina-se a notificação da requerente e requerido para, no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciarem sobre a exceção da ilegitimidade ativa quanto a tal segmento do pedido deduzidos nos autos.
No mesmo prazo, a requerente deverá vir aos autos juntar cópia do regime de exercício das responsabilidades parentais a que alude no requerimento inicial, bem como especificar quais os valores que tem como devidos por força da atualização invocada, com menção dos índices anuais ponderados, posto que o articulado inicial se mostra omisso quanto a tal. (…)”.
Apenas a requerente se pronunciou quanto à exceção dilatória da legitimidade ativa suscitada pelo tribunal, sustentando que essa exceção não se verifica, dado que o filho R. F. coabita consigo.
Indicou os índices anuais de atualização da pensão de alimentos inicialmente fixada em benefício do filho, publicados pelo INE.
Tendo vista nos autos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que a requerente dispõe de legitimidade ativa para deduzir o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais por alimentos, dado que o beneficiário da prestação alimentar coabita com aquela e é ela quem vem suportando o seu sustento.
Por despacho de 22/01/2020, determinou-se a notificação da requerente para esclarecer se o seu filho maior, R. F., reside consigo e, bem assim se a mesma suporta integralmente todas as despesas daquele.
Por requerimento entrado em juízo em 30/01/2020, a requerente informou que o filho R. F. reside consigo e que é a mesma que suporta todas as despesas com ele.
Notificado o requerido dessa resposta, a fim de se pronunciar, querendo, nada disse.
Realizou-se a conferencia de progenitores, a que compareceram requerente e requerido, mas não foi possível obter a conciliação destes, pelo que se ordenou a sua notificação para alegarem, querendo.
Apenas a requerente apresentou alegações escritas, em que reafirma basicamente o que já tinha alegado no requerimento inicial, mantendo que o requerido encontra-se desde junho de 2019 em situação de incumprimento em relação à prestação alimentar devida ao filho e fixada durante a menoridade deste, e conclui pedindo a condenação deste a pagar a quantia de 3.000,00 euros, a título de prestações alimentares vencidas e não pagas, e a quantia de 3.190,56 euros, a título de atualizações da pensão alimentar.

Por decisão proferida em 14/09/2020, ordenou-se a notificação da requerente para, em dez dias, esclarecer:

a) Qual o percurso académico do jovem mencionado a partir da sua maioridade, com junção da documentação comprovativa de matrícula, caso se aplique;
b) Se o mesmo jovem trabalhou após a sua maioridade e, em caso positivo, qual a entidade empregadora;
c) Qual o número de beneficiário da Segurança Social respeitante ao mesmo jovem”.

Por requerimento entrado em juízo em 25/09/2020, a requerente cumpriu com o que lhe foi determinado.
Notificado esse requerimento da requerente ao requerido para se pronunciar, querendo, nada disse.
Por despacho de 05/11/2020 determinou-se que se averiguasse na base de dados da Segurança Social se o jovem R. F. aufere rendimentos.
Feitas essas averiguações, tendo tido vista nos autos, o Ministério Público promoveu que se notificasse a requerente para que apresentasse certificado de matrícula efetiva do jovem em estabelecimento de ensino, o que se deferiu, tendo a requerente, em 04/12/2020, junto aos autos esse documento.
Notificado o requerido para o teor do requerimento apresentado pela requerente e para o documento em causa, que o instrui, por requerimento entrado em juízo em 22/01/2021, aquele veio alegar o seguinte:
“Atendendo que o filho R. F. comprovou ao tribunal que retomou o seu percurso formativo com a inscrição este ano na licenciatura de marketing e tendo este falado com o pai previamente sobre isso, por acordo entre ambos, o pai começou a contribuir com 80,00 euros mensais para os estudos. Infelizmente o requerido não tem rendimentos para puder ajudar mais monetariamente o filho e por esse motivo o avô paterno – J. F., também tem contribuído para os estudos do R. F. com o valor de 100,00 euros mensais”.
Notificado esse requerimento à requerente e ao Ministério Público, este promoveu que se julgasse verificado o incumprimento.
Por despacho de 09/02/2021 determinou-se a notificação da requerente para vir esclarecer nos autos se mantém interesse no presente incidente, atento o acordo alegado pelo requerido.
A requerente veio manifestar ter interesse no prosseguimento do incidente, alegando que em dezembro de 2020, janeiro e fevereiro de 2021, o requerido entregou a quantia mensal de 80,00 euros; que o mesmo não paga a pensão de alimentos devida ao filho porque não quer e, no que concerne ao avô, sustentou que este último oferece ocasionalmente ao R. F. pequenas quantias, ora de 20,00 euros, ora de 50,00 euros, a título de ajudas, e sem caráter regular.
Designou-se nova conferência com a intervenção de ambos os progenitores e do jovem R. F..
Realizada essa conferência, frustrou-se a conciliação em virtude do requerido alegar que “só consegue pagar 80,00 euros, pois também tem outra filha”, enquanto o jovem R. F. sustentou que “não concordava com esse valor, pois é injusto perante o que a mãe paga”.
Em 13/04/2021 proferiu-se sentença, em que se fixou o valor do presente incidente em 4.190,56 euros e se julgou verificado o incumprimento do requerido, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Nestes termos, na procedência do incidente, decide-se julgar verificado o incumprimento, por parte do requerido, F. F., da obrigação de prestar alimentos a seu filho R. F., nascido a ..-07-2000, fixando-se o montante em dívida, nesta data, em € 8182,99 (oito mil cento e oitenta e dois euros e noventa e nove cêntimos) e respetivos juros de mora, à taxa legal, computados desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento, o qual deve ser acrescido das prestações que se vencerem daqui em diante.
Custas a cargo do requerido, sendo aplicável a taxa de justiça constante do separador “Outros Incidentes” da Tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais”.

Inconformado com o assim decidido, o requerido F. F. interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

I - Existe clara contradição pelo que a sentença enferma de nulidade. Isto porque:
II - Consta do ponto 5 dos factos provados que “O requerido, até maio de 2020, pagou à requerente, a título de alimentos a favor do seu filho R. F., a quantia mensal de € 200,00”.
III - E em sentido contrário, consta do ponto dos factos não provados que “O requerido pagou à requerente ou ao jovem R. F. a quantia de € 200,00 por conta da prestação de alimentos a favor deste, vencida em junho de 2019.
IV - Neste tipo de ações é obrigatória a representação de advogado nos presentes autos.
V - Deveria ter-se notificado o ora apelante para constituir advogado dentro de certo prazo e adverti-lo expressamente das cominações legalmente previstas para a sua constituição, o que não se fez, nos termos do art.° 33° do C.P.C..
VI - Existe, portanto, a omissão da prática de um ato que a lei consagra, e do qual resulta prejuízo grave para o Requerido, ora apelante.
VII - A saber, a prolação da sentença condenatória.
VIII - O juiz daquele tribunal estava vinculado ao dever de providenciar pela falta, pelo recorrente, de constituição de advogado. Nestas condições, o juiz a quo omitiu um ato cuja prática a lei lhe impunha.
IX - Deve pois, a omissão dessa notificação ser determinada e reconhecida, devendo ser declarada a nulidade desse ato e de todos os subsequentemente praticados que dele diretamente dependem.
X - Devendo ser declarada a nulidade da sentença proferida nos presentes autos e consequentemente ordenado o cumprimento da notificação prevista no art.° 33.° do C.P.C., tudo com as demais consequências legais.
XI - A ação foi intentada em 10/10/2019.
XII - Prescrevem, no prazo de 5 anos as pensões alimentícias vencidas, de acordo com a al. f) do art.º 310.º do CC.
XIII - Considerando que o incidente de incumprimento foi intentado em 10/10/2019, estão prescritas todas as prestações alimentícias até outubro de 2014.
XIV - O instituto da prescrição também se aplica ao alimentado maior, uma vez que este dispunha do prazo de um ano, a contar da sua maioridade, para intentar a respetiva ação de incumprimento.
XV - Prazo esse, já há muito ultrapassado.
XVI - No caso vertente decorreram mais de cinco anos entre o momento em que a recorrida podia exigir ao recorrente cada uma das prestações alimentares em causa e aquele em que a ação por incumprimento foi intentada.
XVII - Em consequência, se o prazo de prescrição a aplicar no caso vertente for o de cinco anos a que se reporta a alínea f) do artigo 310º do Código Civil, a conclusão não poderá deixar de ser no sentido de que prescreveu o direito de crédito que a recorrida fez valer na ação principal.
XVIII - A requerente é parte ilegítima para em nome próprio instaurar ação para efetivação do cumprimento da obrigação de prestação de alimentos fixada na menoridade do filho, de que este é exclusivo titular, mas apenas relativamente às prestações vencidas após a maioridade do mesmo, exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição do requerido da instância.
XIX - Conforme se refere no Acórdão do STJ de 08/04/2008, acima citado, “a eventual culpa grave do filho deve ser apreciada dentro duma perspetiva de razoabilidade da exigência de alimentos, atendendo à sua situação e à dos pais.
XX - No caso concreto, verifica-se culpa grave do filho uma vez que no ano de 2017/2018 não obteve aproveitamento;
XXI - E no ano seguinte também não obteve aproveitamento!
XXII - Só conseguindo terminar o 12.º ano no ano letivo de 2019/2020.
XXIII - E saliente-se que o jovem concluiu o 12.º ano num curso de educação e formação para adultos (na Escola Secundária ...).
XXIV - No dia 29 de outubro de 2019 o recorrente comunicou ao tribunal o seguinte: “em julho deste ano de 2019 deixou de pagar a pensão de alimentos para o filho – R. F., dado que já é maior de idade, trabalha num restaurante e na convicção que este terminou o seu percurso educativo, uma vez que tem o 12.º ano concluído;
XXV - Pela informação dada pelo R. F., este já concluiu o 12.º ano há dois anos, contudo pelo segundo ano consecutivo, inscreve-se no 12.º ano para melhoria de notas a duas disciplinas na expectativa de alcançar uma melhor média”
XXVI - Significa que o progenitor provou, nos autos, e até vai de encontro aos factos dados como provados, a não razoabilidade da exigência de alimentos.
XXVII - E essa exigência não era razoável, não só pela falta de aproveitamento escolar, tal como alegou, mas também pelo facto de o filho se encontrar a trabalhar num restaurante.
XXVIII - Relativamente ao trabalho do filho, foi dado como provado que aquele apenas auferia o valor de € 10/dia.
XXIX - Segundo os critérios de razoabilidade e proporcionalidade não se afigura credível que alguém aufira apenas o valor dado como provado, mesmo trabalhando duas ou três horas diárias.
XXX - Mesmo que assim fosse, o que não se concede, foi dado como provado que o filho trabalhava todos os dias, de segunda a sexta-feira, apenas ao almoço em 2019/2020.
XXXI - Ora, tendo em conta o valor hipotético de € 10,00 e multiplicando esse valor por 22 dias úteis, sempre o jovem recebeu em 2019/2020, a quantia de € 220,00 mensais, o equivalente a um part-time.
XXXII - O que significa que, na ausência de despesas comuns do dia-a-dia (por ex. renda, água e luz), se conclui que o jovem já provinha ao seu próprio sustento.
XXXIII - No requerimento de 22 de janeiro de 2021, o apelante referiu que existiu um acordo com o R. F., uma vez que já era maior, no sentido de lhe ser entregue a quantia de € 80,00 para fazer face a despesas com educação escolar.
XXXIV- Foi referido pelo apelante que, dada a sua impossibilidade económica, o avô paterno, J. F., entregaria ao R. F. € 100,00 mensais, o que efetivamente sempre sucedeu (desde a sua entrada na Faculdade), sendo a Requerente sabedora dessa situação.
XXXV- Tais factos não foram atendidos pelo tribunal a quo.
XXXVI - No requerimento de 22 de fevereiro de 2021, a requerente contesta, mas confessa-se sabedora de que o avô paterno entregava ao seu filho determinadas quantias.
XXXVII - Todavia, vem dizer que são quantias esporádicas e em valor inferior ao referido pelo Requerido.
XXXVIII - Ora, existe omissão de pronúncia quanto a estes factos alegados por ambos.
XXXIX - Mesmo que não se conseguisse apurar o valor exato ou os momentos temporais daquela prestação efetuada pelo avô, sempre se deveria ter pronunciado, o juiz a quo, valorando, ou desvalorando as declarações das partes e indicar a sua posição.
XL - A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
XLI - Havendo omissão de pronúncia, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615 CPC a sentença é nula.
XLII - O Requerido, ao longo de todo o processo não teve tratamento igual ao da Requerente pelo que houve violação do art.º 13.º da CRP.
Termos em que, e nos melhores de Direito, deve o presente Recurso ser julgado procedente.

Apenas o Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos:

1- Em relação à alegação da nulidade da decisão dado que seus fundamentos estão em oposição com a decisão proferida:

Não existe oposição em dizer-se que «O requerido, até maio de 2020, pagou à requerente, a título de alimentos a favor do seu filho R. F., a quantia mensal de € 200,00» e que «O requerido pagou à requerente ou ao jovem R. F. a quantia de € 200,00 por conta da prestação de alimentos a favor deste vencida em junho de 2019» pois do conjunto dos dois textos resulta que o Meritíssimo Juiz a quo entende provado que o requerido pagou até maio de 2020 os alimentos e que não os pagou no mês posterior, pelo menos na forma descrita.

Pelo que não se verifica a nulidade referida
2- Quanto à alegada nulidade da decisão por falta da informação ao ora recorrente da obrigação de ser representado em juízo por advogado, esta também não se verifica, dado que nos termos do artigo 18.º do RGPTC só é obrigatória a constituição de advogado na fase de recurso.
3- Em relação à prescrição de todas as prestações alimentícias até outubro de 2014, tanto as pedidas por M. L. como as pedidas por R. F. o requerido não invocou a prescrição atempadamente, pelo que não é atendível agora.
4- Quanto à alegação da não razoabilidade do pedido de alimentos de R. F. desde a sua maioridade por ter culpa grave no seu não aproveitamento escolar não se afigura que exista.
Para além dos fundamentos da douta sentença recorrida não parece constituir um comportamento de tal forma grave por parte do jovem ter reprovado em dois anos consecutivos na finalização do 12º ano de escolaridade que torne não razoável a continuação da sua carreira académica, que aliás tem continuado sem sobressaltos após aquelas duas reprovações. O que poderia ser um comportamento irresponsável numa pessoa mais idosa não o é num jovem de dezoito anos de idade.
5- Quanto à não razoabilidade do pedido de alimentos de R. F. por exercer profissão remunerada.
O jovem não exerce uma profissão remunerada que lhe permita sustentar-se. Exerceu um trabalho em part time, ocasional, que lhe terá permitido auferir algum dinheiro (no máximo 220€ mensais) para os seus gastos pessoais. O que é descrito nos autos e na douta sentença recorrida não é de modo nenhum um trabalho remunerado que lhe permitisse sustentar-se.
Não torna não razoável que a obrigação alimentar dos pais se mantenha.
6- Em relação à nulidade da sentença por omissão de pronúncia por não ser feita referência à entrega da quantia de 100€ mensais pelo avô paterno de R. F., J. F., entregaria àquele € 100,00 mensais desde a sua entrada na Faculdade. A douta sentença não referiu, nem tinha de referir, que o avô paterno de R. F. lhe entregava dinheiro. Não resulta de uma obrigação alimentar e não é o pagamento de alimentos por sub-rogação do pai. Será uma liberalidade do avô. Não se destina a pagar os alimentos em lugar do recorrente, as liberalidades praticadas por outras pessoas não têm relevância e por isso não têm de constar da sentença.
Pelo que não se verifica qualquer omissão de pronúncia ao não se referir aquelas entregas.
7- Em relação à violação do artigo 13º da Constituição por o Requerido ao longo de todo o processo não ter tido tratamento igual ao da Requerente não é alegado qualquer facto relativo a essa desigualdade. Nem se verifica este tratamento desigual.
Pelo que rejeitando o presente recurso farão V. Exas. Justiça.

No despacho em que admitiu o recurso, a 1ª Instância procedeu à retificação da facticidade julgada provada no ponto 5º na sentença, nos termos que se seguem:
A sentença proferida nos autos, a 13-04-2021, contém um lapso de escrita no segmento atinente ao ponto 5 da matéria de facto provada.
Na verdade, no segmento mencionado, pretendia referir-se até maio de 2019 e não até maio de 2020 como consta na decisão.
O lapso referido patenteia-se da própria decisão, considerando o teor do relatório nela constante, onde se mencionada as posições assumidas pelas partes nos autos sobre a matéria em causa, conjugado com a fundamentação da matéria de facto, onde se refere o consenso entre as partes sobre tal matéria, bem como com a fundamentação jurídica, onde se assume a matéria de facto conforme se pretendia referir.
Ao abrigo do art. 614º, n.º1 e 2, do CPC, retifica-se o lapso apontado, determinando-se a retificação do segmento decisão mencionado no sentido de dele passar a constar a referência ao ano de 2019 em vez da menção ao ano de 2020”.
Notificados desse despacho, apelante, apelada e Ministério Público não reagiram quanto ao nele decidido, pelo que este transitou em julgado.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação, tendo em conta, não a ordem pelas quais as mesmas vêm suscitadas pelo apelante na sua alegação de recurso, mas a ordem lógico-jurídica pelas quais aquelas deviam ter sido suscitadas, resumem-se ao seguinte:
a- se a sentença recorrida é nula por os fundamentos nela aduzidos para sustentarem a decisão nela proferida estarem em oposição com essa decisão, porquanto existe contradição entre a facticidade nela julgada provada pelo tribunal a quo, no ponto 5º dos factos provados, e a facticidade que nessa mesma sentença foi julgada como não provada;
b- se essa sentença é nula por omissão de pronúncia, porquanto o tribunal a quo nela não se pronuncia quanto à facticidade alegada pelo apelante no requerimento que apresentou em juízo em 22/01/2021;
c- se essa sentença é nula em virtude de nos presentes autos ser obrigatória a constituição de advogado, impondo-se que o tribunal a quo tivesse notificado o apelante para, dentro de certo prazo, constituir advogado, com advertência expressa das cominações legalmente estabelecidas para essa não constituição, o que não aconteceu, ocorrendo nulidade processual, por preterição de uma formalidade legal, o que determina a nulidade de todo o ulterior processado, incluindo da própria sentença recorrida;
d- se essa sentença é nula, por ao longo do presente incidente de incumprimento das obrigações das responsabilidades parentais ter ocorrido infração do princípio da igualdade em detrimento do apelante;
e- se ao julgar tabelarmente, na sentença recorrida, que a requerente M. L. (apelada) dispõe de legitimidade ativa para instaurar o presente incidente de incumprimento, a 1ª Instância incorreu em erro de direito em virtude da requerente M. L. não dispor de legitimidade ativa para, em nome próprio, instaurar o presente incidente de incumprimento da prestação de alimentos fixada na menoridade do filho, após este último ter atingido a maioridade;
f- se o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância padece do vício da deficiência, porquanto na sentença não foi julgada como provada, sequer como não provada, a facticidade alegada pelo apelante no requerimento entrado em juízo em 22/01/2021;
g- se a decisão de mérito proferida na sentença padece de erro de direito, em virtude de todas as prestações alimentares vencidas até outubro de 2014 e que se encontram em dívida, se encontrarem prescritas, nos termos do disposto no art. 310º, al. f) do CC e, bem assim por ser desrazoável exigir que o apelante continue a prestar alimentos ao filho após este ter atingido a maioridade atenta o percurso profissional do último, da circunstância deste já exercer atividade profissional remunerada e de ter possibilidades de trabalhar para prover ao seu próprio sustento e face às possibilidades económicas e financeiras do próprio apelante, que tem uma outra filha a cargo.
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
1. R. F. nasceu a ..-07-2000 e é filho da requerente, M. L., e do requerido, F. F. (cfr. certidão de assento de nascimento junta aos atos a 09-04-2021);
2. Por decisão proferida a 13-07-2007 pela Senhora Conservadora do Registo Civil de Guimarães, além do mais, homologou-se o regime de exercício das responsabilidades parentais atinentes a R. F. (cfr. documentos juntos com a petição inicial e com o requerimento apresentado a 08-01-2020 pela requerente);
3. Nos termos de tal regime, o jovem R. F. ficou entregue aos cuidados e guarda da mãe;
4. Nos termos do mesmo regime, o progenitor contribuirá, a título de alimentos a favor do filho R. F., com a prestação mensal de € 200,00, até do dia 8 de cada mês, anualmente atualizável de acordo com a taxa de inflação fixada de acordo com os índices do INE;
5. O requerido, até maio de 2019, pagou à requerente, a título de alimentos a favor do seu filho R. F., a quantia mensal de € 200,00;
6. O jovem R. F. reside com a requerente na habitação desta;
7. A requerente suporta as despesas do jovem R. F.;
8. O jovem R. F., no ano letivo de 2017/2018, reprovou à disciplina de Matemática;
9. No ano letivo de 2018/2019, o jovem R. F., em substituição da frequência da disciplina de Matemática, inscreveu-se na disciplina de História, a qual frequentou, e não teve aproveitamento;
10. No ano letivo de 2019/2020, o jovem R. F. inscreveu-se no Curso de Educação e Formação para Adultos na Escola Secundária ..., de forma a concluir o 12.º ano, o que veio a suceder;
11. No presente ano letivo, o jovem R. F. encontra-se inscrito no Curso de Marketing da Instituto Superior de Contabilidade e Administração do … (cfr. documento junto aos autos com o requerimento de 04-12-2020, apresentado pela requerente);
12. O jovem R. F., trabalhou num restaurante, da seguinte forma:
i. em finais de 2018 e durante parte do ano de 2019, de forma esporádica e apenas no período do almoço, uma ou duas horas por dia, duas ou três vezes por semana;
ii. durante o ano letivo de 2019/2020, de segunda a sexta-feira, no horário do almoço, cerca de duas horas por dia;
13. Do trabalho referido no ponto anterior, o jovem R. F. recebia €10,00 por cada dia de trabalho;
14. O requerido, no mês de setembro de 2019, auferiu o salário bruto de € 859,10, correspondente ao salário líquido de € 731,31;
15. F. B. nasceu a ..-12-2010 e é filha do requerido, F. F. e de C. F. (cfr. certidão de assento de nascimento junta com o requerimento de 29-10-2019 pelo requerido);
16. O requerido paga renda pelo imóvel onde habita, de montante não apurado;
17. O requerido paga mensalmente prestações monetárias para amortização de mútuos que celebrou com terceiros, de montante não apurado.
*
Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provado que:
a. O requerido pagou à requerente ou ao jovem R. F. a quantia de € 200,00 por conta da prestação de alimentos a favor deste, vencida em junho de 2019.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

B.1- Da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão.

O apelante imputa o vício da nulidade à sentença recorrida, com fundamento na circunstância dos fundamentos nela aduzidos para ancorar a decisão de mérito nela proferida estarem em pretensa contradição com essa decisão, alegando para tanto que a facticidade nela julgada provada no ponto 5º se encontra em contradição com a julgada não provada nessa mesma sentença.
O invocado vício da nulidade que o apelante imputa à sentença recorrida tem na sua base um erro de escrita em que incorreu a 1ª Instância na fixação da facticidade que julgou provada no identificado ponto 5º, conforme esta, em sede de despacho de admissão do recurso, acusou acontecer e em que ordenou a retificação do mencionado erro de escrita à luz do disposto nos arts. 615º, n.º 2 e 614º do CPC, por forma onde, nesse ponto 5º, se lia: “maio de 2020”, se passasse a ler: “maio de 2019”, sem que esse despacho que ordenou a mencionada retificação tivesse sido alvo de qualquer impugnação por parte do apelante ou de quem quer que seja, encontrando-se, por conseguinte, transitado em julgado e, portanto, a questão suscitada pelo apelante nos autos ultrapassada.
Na verdade, implicando o vício da contradição do julgamento da matéria de facto a existência de uma colisão entre a facticidade constante de uma resposta e aquela que consta de outra das respostas, ou então com a facticidade julgada provada no seu conjunto, de tal modo que uma delas seja contrária à outra (1), é indiscutível que não existe qualquer colisão entre a circunstância da 1ª Instância ter julgado provado, no ponto 5º que: “O requerido, até maio de 2019, pagou à requerente, a título de alimentos a favor do seu filho R. F., a quantia mensal de 200,00 euros” e de concomitantemente ter julgado como não provado que: “O requerido pagou à requerente ou ao jovem R. F. a quantia de 200,00 euros, por conta da prestação alimentar a favor deste, vencida em junho de 2019”.
Com efeito, a prestação alimentar devida pelo apelante ao jovem R. F., vencida em junho de 2019, é a prestação alimentar devida pelo primeiro a essa seu filho relativa ao próprio mês de junho de 2019, pelo que não existe qualquer contradição entre o facto de se julgar como provado que aquele pagou 200,00 euros, a título de alimentos a favor do filho até maio de 2019 e de se ter julgado como não provado que o mesmo pagou a quantia de 200,00 euros, por conta da prestação de alimentos, vencida no mês de junho de 2019.
No entanto, independentemente de antes de se operar a mencionada retificação do ponto 5º dos factos julgados na sentença ocorrer ou não a invocada contradição que vem suscitada pelo apelante entre a facticidade julgada provada nesse ponto 5º e a julgada não provada, dir-se-á que ainda que essa contradição ocorresse, não se estaria perante qualquer causa determinativa da nulidade da sentença sob sindicância, nomeadamente, por nulidade por contradição entre os fundamentos de facto e/ou de direito invocados na mencionada sentença e a decisão de mérito nela proferida a que alude a al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC, mas perante erro de julgamento da matéria de facto, a ser conhecido, inclusivamente, oficiosamente pelo tribunal ad quem, e que este teria de solucionar no âmbito da presente apelação, no uso dos poderes de substituição que lhe são conferidos pelo art. 662º do CPC, exceto se os elementos probatórios constantes do processo não consentissem, com a necessária segurança, suprir o mencionado vício da contradição, situação em que, nos termos da al. c), do n.º 2 desse art. 662º, teria de anular a facticidade julgada provada pela 1ª Instância no identificado ponto 5º do elenco dos factos provados e, bem assim a nela julgada não provada, com a consequente anulação da sentença, e determinar a realização de novo julgamento quanto a essa concreta facticidade, seguindo-se a posterior prolação de nova sentença (2).
Logo, ao invocar a mencionada nulidade da sentença recorrida, por pretensa contradição entre os fundamentos nela invocados para suportar a decisão de mérito nela proferida e essa própria decisão, com base na pretensa contradição do julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, é indiscutível que o apelante confunde causas determinativas de nulidade da sentença com erros de julgamento.

Vejamos:

Conforme temos repetidamente escrito nos arestos que temos relatado, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (3).
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente elencadas no art. 615º do CPC, e tal como se extrai de simples leitura desse preceito, reportam-se a vícios formais da sentença (despacho – art. 613º, n.º 3 -, ou acórdão – art. 666º, n.º 1) em si mesma considerada, decorrente de na respetiva elaboração e/ou estruturação, o tribunal não ter respeitado as normas processuais que regulam essa elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes quanto aos fundamentos e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente, não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, uma vez que na sentença, o tribunal não conheceu de todos os fundamentos – causa de pedir invocada pelo autor, na petição inicial, ou exceções invocadas pelas partes nos seus articulados, o que se reconduz ao vício da nulidade, por omissão de pronúncia, ou porque aquele tribunal, na sentença, conheceu de causa de pedir ou de exceção não invocadas, respetivamente, pelo autor, na petição inicial, ou pelas partes nos respetivos articulados, apesar dessa causa de pedir ou exceção de que o tribunal conheceu não ser do conhecimento oficioso deste, com o que incorreu no vício da nulidade da sentença proferida, por excesso de pronúncia, ou porque, na sentença, o tribunal condenou o réu em pedido, qualitativa ou quantitativamente distinto do formulado pelo autor, incorrendo no vício da nulidade por condenação ultra petitum).
Deste modo, a causas determinativas da nulidade da sentença a que alude o n.º 1 do art. 615º, são defeitos de atividade ou de construção da própria sentença (despacho ou acórdão) em si mesma considerada, ou seja, reafirma-se, está-se na presença de vícios formais que afetam a sentença de per se e/ou os limites à sombra dos quais esta é proferida.
Neste sentido pronuncia-se Abílio Neto, ao ponderar que os vícios determinativos da nulidade da decisão judicial “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (4).
Diferentemente das causas determinativas da nulidade da sentença são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com vícios quanto ao julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal ou quanto ao julgamento de direito por este efetuado, decorrentes de o juiz ter incorrido, respetivamente, numa distorção da realidade factual que julgou como provada e/ou não provada na sentença (acórdão ou despacho), por a prova produzida não consentir esse julgamento de facto que realizou, mas antes impor julgamento de facto diverso (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na aplicação do direito, porquanto não identificou corretamente as nomas legais ou institutos jurídicos que eram aplicáveis à concreta relação jurídica material controvertida em discussão no processo, não procedeu à correta interpretação dessas normais ou institutos jurídicos e/ou não procedeu à correta aplicação dos mesmos aos factos que se quedaram como provados e não provados (error iuris).
Nos erros de julgamento assiste-se, assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida, por esta não consentir o julgamento de facto que foi realizado pelo tribunal ad quem na sentença (acórdão ou despacho), mas antes impor julgamento de facto distinto e/ou por ter incorrido numa incorreta ou deficiente aplicação do direito ao não ter procedido à correta identificação das normas ou institutos jurídicos aplicáveis à relação jurídica material controvertida objeto daquele concreto processo, ter procedido a uma incorreta interpretação dessas normas e/ou institutos jurídicos e/ou ter procedido a uma incorreta subsunção dos factos que se quedaram provados e não provados àqueles.
Trata-se, portanto, de erros que por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada (vícios formais), sequer aos limites à sombra dos quais é proferida, mas antes ao mérito, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in iudicando (5).
Por sua vez, concretamente quanto ao vício da nulidade da sentença, por os fundamentos de facto e/ou de direito nela avocados pelo tribunal para ancorar a decisão de mérito que nela proferiu e essa própria decisão, vício esse a que se reporta a al. c), do n.º 1 do art. 615º, a verificação dessa concreta causa determinativa de nulidade da sentença pressupõe que nela exista uma contradição lógica interna entre a decisão de mérito proferida e os fundamentos de facto e/ou de direito avocados na mesma para ancorar essa decisão, ou seja, o julgador, em sede de subsunção jurídica da facticidade apurada, seguiu determinada linha de raciocínio fáctico-jurídico argumentativo, que aponta para determinada conclusão (procedência, improcedência ou procedência parcial da ação), mas em vez de tirar essa conclusão, decide noutro sentido, oposto ou divergente.
Trata-se de nulidade que se relaciona, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º, 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC e 205º, nº 1 da C.R.P., do juiz ter de fundamentar as suas decisões e, por outro, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal - premissa maior - com os factos - premissa menor.
Por outras palavras, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário”, pelo que “constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada” (6).
Essa oposição não se confunde, porém, com “o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento, e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir” (7).
A nulidade da sentença, com fundamento em oposição entre os fundamentos e a decisão, traduz-se, assim, num vício real no raciocínio do julgador explanado na sentença ao nível da subsunção jurídica nela operada, consistente na circunstância de na fundamentação da decisão de mérito, isto é, em sede de subsunção jurídica da facticidade apurada, o juiz, no discurso fáctico-jurídico argumentativo que aí aduz apontar para determinado sentido da decisão de mérito a proferir, e na decisão de mérito que acaba por proferir, seguir outro caminho, oposto ou, pelo menos, diferente daquele para que apontava todo o raciocínio fáctico-jurídico argumentativo que antes explanara para fundamentar essa decisão.
Esse vício distingue-se do erro de julgamento seja em sede de julgamento da matéria de facto, seja de julgamento de direito, em virtude de neste não existir qualquer vício de raciocínio do julgador, mas antes uma incorreta apreciação da prova produzida, que não permitia que se julgasse como provada ou não provada determinada facticidade, mas antes impunha julgamento de facto distinto do realizado (error facti) e/ou por se ter incorrido numa incorreta identificação das normas e/ou institutos jurídicos aplicáveis à concreta relação jurídica material controvertida delineada pelas partes no processo, ter incorrido em erro na interpretação dessas normas ou institutos jurídicos e/ou por se ter incorrido em erro na aplicação dessas normas ou institutos jurídicos aos concretos factos que acabaram por se provar nessa concreta ação (error iuris).
Por conseguinte, saber se a decisão de facto ou de direito está certa ou não, reafirma-se, é questão de mérito, e não causa determinativa de nulidade da sentença, designadamente, por contradição entre os fundamentos e a decisão (8).
O vício da nulidade da sentença por oposição entre a decisão nela proferida com os fundamentos nela avocados para ancorar essa decisão, conforme decorre do que se vem dizendo, tem a ver com a construção viciosa da sentença, isto é, a sentença proferida padece de um vício lógico interno (9), em que o juiz procede à subsunção dos factos julgados provados e não provados ao direito aplicável, segue determinado raciocínio fáctico-jurídico argumentativo para chegar à conclusão (a parte dispositiva da sentença, isto é, à decisão de mérito a proferir), mas em vez de tirar essa conclusão lógica que resultava desse seu discurso fáctico-jurídico argumentativo que vinha seguindo, extrai uma outra conclusão contrária ou, pelo menos, diferente (por exemplo, toda a lógica de raciocínio seguida na sentença, em sede de subsunção jurídica dos factos apurados, apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, quando vai extrair a conclusão - decisão de mérito -, a partir da linha de raciocínio que nela vinha seguindo, de modo contraditório, decreta a absolvição do réu do pedido).
“Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real” (10).
Destarte, conforme resulta do que se vem dizendo, diversamente do pretendido pelo apelante, a mencionada causa determinativa da sentença não se reconduz ao vício da contradição que eventualmente ocorra ao nível da facticidade julgada provada pelo tribunal ad quem na sentença, sequer entre a que este julgou como provada e a que julgou como não provada, ou ainda, entre o julgamento de facto que realizou na dita sentença e a fundamentação que nela explanou para motivar esse julgamento de facto que realizou, uma vez que esses vícios, quando efetivamente se verifiquem, reconduzem-se a erros de julgamento da matéria de facto e, como tal, ficam sujeitos ao regime jurídico do art. 666º do CPC, que só em situações muito contadas e excecionais acabam por se reconduzir, em face do atual regime jurídico do CPC, resultante da reforma operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, que deixou de estabelecer a tradicional cisão entre julgamento da matéria de facto e sentença, a qual, na lei adjetiva anterior versava apenas sobre matéria de direito, passando agora o julgamento da matéria de facto a estar contido na própria sentença (art. 607º, n.ºs 2 a 5), a vícios determinativos da nulidade dessa sentença, como será o caso em que o juiz, na sentença, omita totalmente a declaração dos factos que julga provados e quais os que julga não provados, ou quando nesta omita totalmente a fundamentação/motivação desse julgamento de facto que realizou.
Na verdade, os vícios que afetam o julgamento da matéria de facto, apesar desse julgamento de facto se conter, atualmente, na sentença, em regra, não constituem causa determinativa da sentença, nomeadamente, por omissão de pronúncia ou por falta de fundamentação, dado que a matéria de facto encontra-se sujeita a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, por norma, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto no n.º 1 e da al. c), do n.º 2 do art. 662º do CPC (11).
Deste modo é que, como referido, ainda que antes de se ter operado a mencionada retificação da facticidade julgada provada no ponto 5º da sentença, essa facticidade estivesse em efetiva contradição com a julgada não provada na mesma, é que dizemos que essa contradição, ainda que se verificasse, diversamente do pretendido pelo apelante, nunca consubstanciaria qualquer causa determinativa da nulidade da sentença, nomeadamente, com fundamento em pretensa contradição entre os fundamentos nela aduzidos pela ancorar a decisão e a própria decisão de mérito nela proferida, a que alude a al. c), do n.º 1 do art. 615º, mas erro de julgamento da matéria de facto.
Resulta do exposto, que quer porque o vício da nulidade invocado pelo apelante se encontra ultrapassado, perante a retificação do erro de escrita de que padecia a facticidade julgada provada no ponto 5º dos factos julgados provados na sentença, quer porque antes dessa retificação, ainda que a invocada contradição se verificasse, esse vício nunca consubstanciava o vício da nulidade a que alude a al. c), do n.º 1 do art. 615º, improcede o mencionado fundamento de recurso aduzido pelo apelante.

B.2- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

O apelante imputa o vício da nulidade à sentença recorrida com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 615º, advogando que no requerimento entrado em juízo em 22 de janeiro de 2021, alegou que existiu entre aquele e o seu filho R. F. (beneficiário da prestação alimentar alegadamente incumprida), um acordo no sentido de entregar ao último a quantia de 80,00 euros, para fazer face às despesas com a educação escolar deste e, bem assim que dada a sua impossibilidade económica, o avô paterno desse seu filho, se obrigou a entregar ao último a quantia mensal de 100,00 euros mensais, o que efetivamente sempre sucedeu, desde a entrada do filho na faculdade.
Acontece que na sentença recorrida, o tribunal não atendeu a esses factos, apesar de a requerente (aqui apelada), no requerimento que apresentou em juízo em 22/02/2021, confessar ser sabedora dos mesmos, pretendendo, contudo, que as quantias entregues pelo avô paterno ao R. F. eram esporádicas e em valor inferior ao alegado pelo apelante.
Conclui assim o apelante, que ao omitir pronúncia quanto a esses factos, a 1ª Instância incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, mas antecipe-se desde já, sem qualquer arrimo jurídico possível, confundindo indiscutivelmente o apelante, mais uma vez, causas determinativas de nulidade da sentença, com erros de julgamento da matéria de facto, na dimensão de vício da deficiência, ao não julgar como provados, sequer como não provados aqueles factos, caso os mesmos relevem efetivamente para o objeto do presente incidente de incumprimento das obrigações parentais por parte do apelante.
Com efeito, já se procedeu à distinção entre causas determinativas de nulidade da sentença e erros de julgamento, quer na vertente de erros de julgamento da matéria de facto (error facti), quer na de erros do julgamento da matéria de direito (error iuris) e, bem assim às especificidades que regulam a invocação, o conhecimento e a sanação pelo tribunal ad quem dos erros de julgamento da matéria de facto, os quais, como se disse, salvo casos contados e muito excecionais, os quais, reafirma-se, se reconduzem à total ausência de discriminação e declaração dos factos julgados provados pelo tribunal a quo na sentença, ou à total ausência de declaração nela dos factos que julgou não provados (n.ºs 3 e 4 do art. 607º), ou à absoluta ausência de fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto que realizou, o que não é o caso, em que o apelante se limita a acusar o vício da deficiência do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, por não ter considerado provado, sequer como não provado, determinados e específicos factos (a pretensa celebração entre este e o filho R. F. do por ele invocado acordo em que terão pactuado que o mesmo pagaria ao filho 80,00 euros mensais, a título de alimentos, face às atuais despesas de educação escolar do último e, bem assim, por nela a 1ª Instância não ter julgado como provado, sequer como não provado, que dada a impossibilidade económica do apelante em liquidar a prestação alimentar ao filho, o avô paterno obrigou-se a entregar mensalmente ao último 100,00 euros mensais, entrega essa que tem vindo efetivamente a realizar desde que esse seu neto entrou na faculdade), não se estando, portanto, perante qualquer ausência de total falta de discriminação e indicação, na sentença, dos factos julgados provados pela 1ª Instância, ou perante qualquer situação de total ausência de indicação dos factos julgados não provados, sequer perante qualquer ausência total de fundamentação do julgamento de facto realizado pela 1ª Instância.
Acontece que a consubstanciar a enunciada facticidade, que foi efetivamente alegada pelo apelante no requerimento entrado em juízo em 22/01/2021, matéria relevante para a decisão a proferir no âmbito do presente incidente de incumprimento do acordo de regulação das responsabilidade parentais quanto à prestação de alimentos fixada ao apelante a favor do filho, durante a menoridade do último, está-se perante erro de julgamento, na vertente do vício da deficiência do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, e não perante qualquer causa de nulidade da sentença recorrida, nomeadamente, por omissão de pronúncia.
O mencionado erro de julgamento, a verificar-se, carece de ser solucionado por esta Relação no uso dos seus poderes de substituição, nos termos do disposto no art. 662º do CPC, conforme supra já se enunciou.
Na verdade, a nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronuncia relaciona-se com os fundamentos, isto é, com a causa de pedir invocada pelo autor na petição inicial, para suportar a pretensão de tutela judiciária (pedido) que aí formula contra o réu e que pretende que o tribunal lhe reconheça, ou com as exceções invocadas pelo réu, na contestação, com vista a impedir, extinguir ou modificar essa pretensão deduzida pelo autor na petição inicial, ou com as contra exceções que o autor, contraponha, na réplica, na ausência desta, no início da audiência prévia, onde não havendo lugar a esta, no início da audiência final (arts. 584º, n.º 1 e 3º, n.º 4 do CPC), com vista a neutralizar (impedindo, modificando ou extinguindo o efeito jurídico pretendido pelo réu com a invocação da exceção) a matéria de exceção que invocou na contestação.
Ora, impondo o n.º 2 do art. 608º ao juiz a obrigação de resolver na sentença (despacho ou acórdão – arts. 613º, n.º 3 e 666º, n.º 1 do CPC) todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, exceto se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, compreende-se que sempre que o juiz não conheça do pedido deduzido pelo autor com fundamento em todas as causa de pedir por ele invocadas, na petição inicial, ou não conheça de todas as exceções invocadas pelo réu, na contestação, para modificar, impedir ou extinguir esse pedido, ou não conheça de todas as contra exceções que o autor opôs a essas exceções aduzidas pelo réu na contestação, a fim de neutralizá-las, aquele incorre no vício da nulidade da sentença que vier a proferir, por nela não ter conhecido de todas as questões, isto é, de todos os fundamentos (causa de pedir, exceções ou contra exceções) invocadas pelas partes, reconduzindo-se essa nulidade, à nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Inversamente, já se o juiz, na sentença, conhecer de causa de pedir, exceção ou contra exceção não alegada pelas partes e de que não era lícito ao mesmo conhecer oficiosamente, incorrerá no vício da nulidade da sentença que venha a proferir, por excesso de pronúncia.
Note-se, contudo, que já não consubstancia omissão ou excesso de pronúncia, o facto de, na sentença, o juiz considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes das que tenham sido invocadas pelas partes, uma vez que aquele não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (12).
Acresce precisar que como já alertava Alberto dos Reis (13), impõe-se distinguir, por um lado, entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”.
“Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.
Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes, determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (14).
“Questões” não se confundem, assim, com os “argumentos” que as partes invocam em defesa dos seus pontos de vista ou para afastar o ponto de vista da parte contrária.
Na esteira da doutrina e da jurisprudência, dir-se-á que “questões” são os pontos de facto e/ou de direito centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, os pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidas ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir as teses em presença (15).
“Assim como a ação se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)” (16).
Acresce precisar que apenas ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal, na sentença, silencie, total e absolutamente, qualquer pronúncia quanto à questão e não quando aprecia a mesma, mas fá-lo de forma sintética e escassamente fundamentada (17).
Assente nas enunciadas premissas, atento o objeto do presente incidente de incumprimento da obrigação alimentar fixada ao apelante a favor do seu filho R. F., durante a menoridade deste, dir-se-á que a 1ª Instância, conheceu de todas as questões que as partes lhe submeteram, pronunciando-se quanto ao alegado incumprimento das prestações alimentares que a apelada (requerente do incidente de incumprimento) imputa ao apelante e quanto à matéria de exceção invocada pelo apelante que o levou pretensamente, de forma legitima, a deixar de liquidar a prestação alimentar ao filho em julho de 2019 (a circunstância desse seu filho ter já concluído o seu processo educativo e, bem assim da desrazoabilidade do apelante ter de continuar a pagar ao filho, entretanto maior, a prestação de alimentos fixada durante a menoridade deste, perante o percurso escolar e laboral deste, levando-o pretensamente a trabalhar e a auferir proventos que lhe permitem prover ao seu próprio sustento), não se vislumbrando qualquer omissão de pronúncia, mas, quando muito, caso a enunciada facticidade se mostre efetivamente relevante para o objeto em discussão no presente incidente (o que infra, em sede de apreciação do erro de julgamento da matéria de facto, se apreciará), ocorrerá erro de julgamento da matéria de facto, na vertente do vício da deficiência, tanto mais que não se vislumbra que essa facticidade seja de exceção, ante os fundamentos jurídicos que infra se explanarão.
Deste modo, perante o que se vem dizendo, improcede o vício da nulidade da sentença recorrida, por pretensa omissão de pronúncia que vem invocado pelo apelante.

B.3- Da nulidade da sentença recorrida em consequência da nulidade processual antes cometida.

Advoga o apelante que a sentença sob sindicância é nula, como decorrência da nulidade processual antes cometida, isto porque, na sua perspetiva, no presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais é obrigatória a constituição de advogado, pelo que se impunha que o mesmo tivesse sido notificado pelo tribunal para constituir, querendo, advogado, com a advertência expressa das cominações legalmente previstas caso não o fizesse, o que não aconteceu, o que, a seu ver, consubstancia nulidade processual, a qual acarreta a nulidade de todo o posterior processado, incluindo da própria sentença sob sindicância, mas sem razão.
Com efeito, nos processos previstos no Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), em cujo elenco se conta o incidente de incumprimento da decisão judicial ou do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, como é o caso do presente incidente, que versa apenas quanto ao pretenso incumprimento da prestação alimentar (cfr. art. 41º do RGPT), nos termos do disposto no n.º 1 do art. 18º desse mesmo diploma, apenas é obrigatória a constituição de advogado na fase de recurso.
Deste modo, contrariamente ao sustentado pelo apelante, no presente incidente de incumprimento, não é obrigatória a constituição de advogado, exceto na fase de recurso.
Destarte, nos presente autos não ocorreu qualquer nulidade processual, tanto mais que caso na notificação que lhe foi dirigida pelo tribunal para, nos termos do n.º 3 ao art. 41º do RGPTC, alegar o que tivesse por conveniente em relação ao incidente de incumprimento que lhe foi instaurado pela apelada (requerente), não constasse a menção de que no presente incidente de incumprimento apenas era obrigatória a constituição de advogada na fase de recuso, se está perante uma mera irregularidade processual, dado que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 195º do CPC, essa omissão só seria suscetível de produzir nulidade quando a lei expressamente o declarasse (o que não é o caso) ou quando a omissão cometida pudesse influir no exame ou na decisão da causa (o que também não é o caso, dado que, reafirma-se, no presente incidente de incumprimento, o apelante apenas é obrigado a constituir advogado na fase de recurso, conforme efetivamente se encontra representado por advogado, na presente fase de recurso).
Improcede, pois, o mencionado fundamento de recurso invocado pelo apelante.

B.5- Da nulidade da sentença por violação do princípio da igualdade.

Advoga o apelante que ao longo do presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais quanto ao seu filho R. F., e especificamente quanto à prestação alimentar que lhe foi fixada em benefício deste, durante a sua menoridade, não teve tratamento igual ao dispensado à requente (apelada) e sustenta que esse princípio, que se encontra consagrado no art. 13º da CRP, é estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente.
Na verdade, continua o apelante, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções, todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional.
Mais advoga que o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr. por todos, acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de junho de 2003 e nos acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º Vol., págs. 7 e segs.)» - Ac. Tribunal Constitucional nº 437/06.

Apreciando:
O princípio da igualdade constitui efetivamente um dos princípios estruturantes do constitucionalismo moderno e encontra-se consagrado no art. 13º da CRP.
Esse princípio significa, antes de mais, que tendo todos a mesma dignidade social, a lei tem de ser igual para todos, pelo que a igualdade é, antes de tudo, a igualdade na lei.
Reconhecendo, contudo, o legislador constituinte moderno que o princípio da igualdade não se pode cingir a uma mera igualdade na lei, posto que esse entendimento redundaria numa igualdade meramente formal entre os cidadãos, própria dos estados liberais, mas antes que numa sociedade democrática, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 1º da CRP), esse princípio comporta necessariamente uma dimensão substantiva, isto é, positiva, e que face às desigualdades de facto que se verificam entre os cidadãos (físicas, económicas, geográficas, etc.), exige-se da parte do legislador ordinário e do poder público e da sociedade civil em geral que “criem ou recriem as oportunidades e as condições que a todos permitam usufruir dos mesmos direitos e cumprir os mesmos deveres” (18), com vista a promover uma efetiva igualdade real entre todos os cidadãos, é pacifico entre os constitucionalistas que, atualmente, para além da sua dimensão negativa, o princípio da igualdade comporta uma dimensão positiva ou substantiva, pelo que tal como acontece com os direitos com estrutura de direitos sociais, o princípio da igualdade impõe, nessa sua dimensão positiva, ao legislador ordinário e aos poderes públicos e à sociedade civil em geral que dentro do princípio do possível, criem medidas concretas de discriminação positiva, a favor dos cidadãos mais desfavorecidos, com vista a promover uma igualdade efetiva e substantiva entre todos os cidadãos.
O sentido fundamental do princípio constitucional da igualdade comporta, assim, uma dimensão positiva e uma dimensão negativa.
Na sua dimensão negativa, a Constituição veda ao legislador e aos poderes públicos a concessão de privilégios, isto é, de situações de vantagens a determinados cidadãos ou grupo de cidadãos, e interdita o estabelecimento de discriminações entre cidadãos, desde que esses privilégios e discriminações não se revelem objetivamente justificáveis. Já na sua dimensão positiva, o princípio da igualdade impõe ao legislador ordinário e aos poderes públicos o dever de: “i) tratamento igual de situações iguais, ou tratamento semelhante de situações semelhantes; ii) tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objetivamente desiguais e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador; iii) tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais ou desiguais e que, consoante os casos, se converte para o legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação; iv) tratamento das situações não apenas como existem, mas também como devem existir (acrescentando-se, assim, uma componente ativa ao princípio e fazendo da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei), e v) a consideração do princípio não como uma “ilha”, antes como princípio a situar no âmbito dos padrões materiais da Constituição” (19).
Como decorrência do princípio constitucional da igualdade, concretizando-o e densificando-o, o legislador ordinário consagrou no âmbito do processo civil, no art. 4º do CPC, o princípio da igualdade processual das partes, ao impor ao tribunal o dever de assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente, no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
O enunciado princípio da igualdade processual, tal como o princípio constitucional da igualdade de que dimana, comporta também ele um conteúdo negativo e um conteúdo positivo.
Na sua dimensão negativa, o princípio da igualdade processual significa que ambas as partes devem possuir os mesmos poderes, direitos, ónus e deveres, isto é, cada uma delas deve situar-se numa posição de plena igualdade perante a outra e ambas devem ser iguais perante o tribunal, estando vedado ao último promover a desigualdade entre as partes.
No entanto, o legislador processual não se basta com essa vertente negativa do princípio da igualdade, na medida em que impõe ao tribunal a função de garantir e promover a igualdade substancial das partes, o que significa que, no atual CPC, o princípio da igualdade, tal como é imposto pela Constituição, comporta um conteúdo positivo, ou seja, uma igualdade material ou substancial entre as partes, ao impor ao tribunal uma função de auxiliar à parte necessitada desse auxílio, de que são exemplo os poderes deveres que são impostos ao tribunal, nomeadamente, pelos arts. 411º, 417º, 436º, 452º, n.º 1, 467º, n.º 1, 487º, n.º 1, 490º, n.º 1, 526º, n.º 1 do CPC, estes em sede de instrução da causa, e pelos arts. 547º, 590º, n.ºs 2 a 5 do mesmo Código.
Note-se, contudo, que o princípio da igualdade processual na sua dimensão positiva ou substancial, “não pode postergar os vários regimes imperativos na lei, que originam desigualdades substanciais ou que se bastam com igualdades formais”, ou seja, o dever que é imposto ao juiz de promover a efetiva igualdade substancial das partes, não pode afastar as normas imperativas enunciadas na lei adjetiva, não podendo, por exemplo, o juiz conceder a uma das partes um articulado suplementar, ainda que, dada a notória diferença de qualidade entre os articulados de cada uma das partes, ele fosse necessário para assegurar uma igualdade substancial entre elas, assim como não pode desrespeitar os prazos imperativos estabelecidos na lei para as partes apresentarem os seus articulados, requerimentos de prova, proceder à alteração desses requerimentos probatórios, interporem recurso, etc., não obstante o decurso desses prazos processuais, dados os efeitos preclusivos que lhes estão associados, são de per se, ou poderão ser, geradores de desigualdades substantivas entre as partes.
Deste modo, o poder-dever que é imposto ao tribunal de promover a igualdade substancial das partes nunca poderá afastar o regime imperativo que se encontra enunciado na lei processual, mas apenas atua naquelas situações em que a própria lei processual imponha ao tribunal uma intervenção assistencial em benefício da parte dela necessitada, como sucede nas situações previstas nos n.ºs 2 a 4 do art. 590º, onde se impõe ao juiz o poder-dever de convidar as partes para que supram exceções dilatórias que sejam suscetíveis de serem sanadas, de aperfeiçoarem os seus articulados sempre que detete que estes padecem de insuficiência ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (20).
Assentes nas enunciadas premissas, alega o apelante que ao longo do presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais não teve um tratamento processual igual ao que foi dispensado pelo tribunal a quo à requente (apelada), sem que tenha concretizado essa sua alegação, ou seja, sem que tenha especificado quando, como e em que medida é que o tribunal a quo lhe dispensou um tratamento processual distinto daquele que decorre do regime processual enunciado no art. 41º do RGPTC, ou que estando necessitado de assistência, solicitada esta, o tribunal lha negou, apesar de estar obrigado processualmente a fazê-lo, ou quando é que esse mesmo tribunal lhe conferiu um tratamento distinto daquele que dispensou à apelada.
Acresce que analisado o processado não descortinamos que no decurso deste tenha ocorrido qualquer violação do princípio da igualdade e, muito menos, tratamento de favor dispensado à apelada em detrimento do apelante, antes pelo contrário.
Na verdade, no âmbito do presente incidente de incumprimento das responsabilidade parentais que a apelada instaurou contra o ora apelante, que respeita apenas ao incumprimento da prestação alimentar fixada ao apelante em beneficio do filho, fixada durante a menoridade deste, que à data da instauração do presente incidente já tinha atingido a maioridade, a 1ª Instância limitou-se a seguir essencialmente o processualismo fixado no art. 41º do RGPTC, e sempre que se afastou deste último, como é o caso dos despachos que proferiu em 14/09/2020 e 05/11/2020 e a convocação (e realização) de uma segunda conferência com a requerente, requerido e o beneficiário dos alimentos (o filho, já maior), salvo o devido respeito, manifestamente não atuou em detrimento dos interesses do apelante, mas, quando muito, em benefício deste.
Na verdade, na sequência da revisão operada pela Lei n.º 122/2015, de 01/09, que reviu o arts. 1905º do CC e 989º do CPC, da conjugação do disposto nos arts. 1880º e 1905º, n.º 2 (nova redação) do CC, é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial segundo o qual, nos casos em que durante a menoridade dos filhos tenha sido fixada aos progenitores uma prestação alimentar, essa prestação alimentar continua a ser automaticamente devida pelo progenitor com ela onerado até o filho ter completado os 25 anos de idade, salvo, isto é, exceto (matéria de exceção), o obrigado a alimentos (o progenitor) alegar e provar (art. 342º, n.º 2 do CC): a) que o filho, beneficiário da pensão, concluiu o respetivo processo de educação ou formação profissional antes de atingir os 25 anos de idade; b) tiver livremente interrompido esse seu processo de educação ou de formação profissional; ou c) que se verificam os requisitos da inexigibilidade do cumprimento dessa obrigação alimentar ao filho maior, por irrazoabilidade dessa exigência (21).
Logo, tendo a prestação alimentar alegadamente incumprida pelo apelante sido fixada em benefício do seu filho R. F., durante a menoridade deste, é inegável que ao proferir os despachos de 14/09/2020 e 05/11/2020, determinando, no primeiro, que a apelada (requerente do incidente) prestasse nos autos informações sobre o percurso académico do D. a partir da sua maioridade, com junção da documentação de matrícula deste, e no segundo, para que a Secção indagasse, na base de dados da Segurança Social, se esse beneficiário à prestação de alimentos exercia ou não profissão remunerada, o tribunal a quo teve em vista essencialmente o apuramento de facticidade integrativo de matéria de exceção, a qual, contudo, cumpria ao apelante alegar e provar (e não à apelada, requerente do incidente, sequer ao R. F., beneficiário dos alimentos fixados durante a sua menoridade), pelo que se quebra ao princípio da igualdade ocorreu ao longo do processado, essa quebra não foi manifestamente em detrimento do apelante, mas, quando muito, em detrimento da apelada e em benefício do primeiro, uma vez que o apelante, nas alegações escritas que apresentou em juízo em 29/10/2010, não juntou ou arrolou qualquer prova tendente a demonstrar a facticidade de exceção que aí alegou.
De resto, conforme resulta da análise do processado, ao longo dele observou-se, integral e cabalmente, o princípio do contraditório em relação ao apelado, uma vez que este, nos termos do n.º 3 do art. 41º do RGPTC, foi oportunamente notificado do requerimento apresentado pela apelada, com que esta instaurou o presente incidente de incumprimento, a fim de apresentar, querendo, alegações escritas em que apresentasse a sua defesa, e foi sempre notificado de todos os requerimentos, informações e documentos apresentados pela apelada, de motu próprio ou por imposição do tribunal (como foi a regra), ao longo do presente incidente, pelo que se o mesmo não se pronunciou, como efetivamente não o fez, com exceção da alegação que apresentou em 29/10/2019 e da resposta entrada em juízo em 22 de janeiro de 2021, foi porque não o quis, ou entendeu não o dever fazer.
Deste modo, contrariamente ao pretendido pelo apelante, o qual, reafirma-se, não cuidou sequer em concretizar minimamente essa sua alegação, não se vislumbra que no presente incidente de incumprimento das obrigações parentais, tivesse ocorrido qualquer entorse ao princípio da igualdade, quer na sua dimensão negativa, quer na sua dimensão positiva, improcedendo este fundamento de recurso.

B.6- Da exceção dilatória de legitimidade ativa.

Sustenta o apelante que ao julgar tabelarmente, na sentença recorrida, que a requerente M. L. é parte legitima, a 1ª Instância incorreu em erro de direito, em virtude daquela não dispor de legitimidade ativa para, em nome próprio, instaurar o presente incidente de incumprimento da prestação de alimentos, fixada durante a menoridade do filho, após este último já ter atingido a maioridade.
Por sua vez, sustenta o Ministério Público que se está perante questão nova, não suscitada pelo apelante perante a 1ª Instância, a qual não é do conhecimento oficioso do tribunal, pelo que a arguição dessa exceção dilatória por parte do apelante, no âmbito das suas alegações de recurso, é intempestiva, consubstanciando questão nova, que não pode ser conhecida por esta Relação, mas salvo o devido respeito por entendimento contrário, sem razão.
É um facto que o apelante instaurou o presente incidente de incumprimento da prestação alimentar devida pelo apelante ao seu filho R. F. e fixada durante a menoridade deste, quando o último já atingira a maioridade.
É igualmente um facto que o apelante não invocou a falta da legitimidade ativa da requerente para instaurar o presente incidente de incumprimento, após o beneficiário dos alimentos (o R. F.) já ter atingido a maioridade.
Também é um facto que quem suscitou essa questão foi o próprio tribunal a quo no despacho que proferiu em 16/12/2019, em que ordenou a notificação de requerente e requerido para, no prazo de dez dias, se pronunciarem, querendo, quanto à exceção da ilegitimidade ativa.
Finalmente, é um facto que na sequência da posição adotada pela apelada e pelo Ministério Público, segundo a qual, a primeira dispõe de legitimidade ativa para instaurar o presente incidente de incumprimento referente a alimentos impostos ao apelante em beneficio do filho, fixados durante a menoridade deste, apesar do último, à data da instauração do presente incidente, já ter atingido a maioridade, em virtude desse beneficiário da prestação de alimentos coabitar com a apelada e ser esta quem procede ao seu sustento, a 1ª Instância conformou-se com essa posição, tanto assim que, na sentença recorrida, não se pronunciou, concreta e especificamente, quanto a essa exceção dilatória, mas limitou-se a proferir sentença, julgando tabelarmente que as partes são legitimas.
Acontece que a falta de legitimidade ativa para a apelada, após a maioridade do filho, instaurar o presente incidente de incumprimento da prestação alimentar devida ao filho, fixada durante a menoridade deste, configura uma exceção dilatória, que obsta a que o tribunal conheça do mérito do presente incidente de incumprimento, dando lugar à absolvição do requerido (apelante) da instância (arts. 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. d) do CPC).
Nos termos do disposto no art. 578º do CPC, salvo as exceções da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no art. 104º, as restantes exceções dilatórias são do conhecimento oficioso do tribunal.
Deste modo, a exceção dilatória da ilegitimidade ativa é do conhecimento oficioso do tribunal.
A circunstância da 1ª Instância ter julgado tabelarmente que as partes são legitimas, acrescentando que “aqui se convocando o disposto nos arts. 41º, n.º1, do RGPTC, e 989º, n.º3, do CPC, para sustento da legitimidade ativa da requerente” (sem mais), nos termos do n.º 3 do art. 595º do CPC, não constitui óbice processual a que esta Relação, em concreto, conheça dessa exceção, a qual, reafirma-se, é do conhecimento oficioso do tribunal.
Posto isto, é inegável que a obrigação dos pais de prestarem alimentos aos filhos durante a menoridade destes, ou enquanto estes não forem emancipados, não só constitui uma obrigação jurídica, mas uma obrigação ética, moral e natural dos pais em relação aos filhos, compreendendo-se que o art. 1877º estatua que os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação; que o art. 1878º estabeleça competir aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens (n.º1), devendo os filhos obediência aos pais, sem prejuízo destes, de acordo com a maturidade dos filhos, deverem ter em conta a opinião dos últimos nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida (n.º 2), e que no art. 1874º se leia que pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxilio e assistência e que o dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar.
Acresce que sendo o processo de crescimento e de assunção de responsabilidades e de autonomização dos filhos um processo gradual e progressivo, impendendo, aliás, sobre os filhos a obrigação de se irem autonomizando e de progressivamente procurarem prover ao seu próprio sustento e de, inclusivamente, contribuírem, durante a sua menoridade, para os encargos da vida familiar, de acordo com os seus recursos próprios, enquanto perdurar a vida em comum, compreende-se que se disponha no art. 1879º do CC, que os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação sempre que, durante a menoridade, aqueles estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, o seu próprio sustento, e que, por outro lado, porque o atingimento da maioridade ou a emancipação dos filhos não significa, necessária e automaticamente, o atingimento da autonomia financeira e económica que permita aos filhos proverem ao seu próprio sustento, se estabeleça no art. 1880º que se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado, o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.
Deste modo, se os pais podem ficar desobrigados, ainda durante a menoridade dos filhos a prestarem-lhes alimentos, sempre que estes disponham de meios económicos e financeiros próprios, necessários e suficientes, para proverem ao seu próprio sustento, embora com o atingimento da maioridade ou a emancipação dos filhos, cesse o exercício do poder paternal dos pais em relação àqueles, não se segue, necessária e automaticamente, a cessação da obrigação dos pais de prestarem alimentos aos filhos.
Com efeito, quando no momento em que atinjam a maioridade ou forem emancipados, os filhos não dispuserem de meios próprios para proverem ao seu próprio sustento e essa impossibilidade derive de não terem ainda completado o seu processo educativo ou formação profissional, nos termos do art. 1880º, a obrigação dos pais de prestarem alimentos mantém-se enquanto esse processo educacional ou de formação profissional não se concluir e pelo tempo “normalmente requerido” para que a mesma formação se complete, exceto (e, portanto, matéria de exceção, submetida à regra do ónus probandi fixada no n.º 2 do art. 342º do CC) se os pais alegarem e provarem que essa exigência em continuarem a prestar alimentos aos filhos maiores ou emancipados não é razoável face às circunstâncias concretas e especificas do caso.
Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos pelos pais aos filhos e a forma de os prestar, nos termos do n.º 1 do art. 1905º do CC, são regulados por acordo dos pais, sujeitos a homologação do tribunal.
Deste modo, nos casos em que durante a menoridade dos filhos seja fixada aos progenitores prestação alimentar ao benefício dos seus descendentes com fundamento numa das causas previstas no art. 1905º, n.º 1 do CC, nos termos do disposto no art. 1880º do CC, essa prestação alimentar mantém-se após os filhos terem atingido a maioridade ou a emancipação, quando os últimos não tenham completado o seu processo educativo ou de formação profissional, pelo tempo normalmente requerido para que esse processo se completasse, salvo quando os pais aleguem e provem que a manutenção dessa obrigação é desrazoável
Acontece que perante este dispositivo legal, discutia-se na doutrina e na jurisprudência como conjugar o mesmo com o disposto no art. 1877º, que limita o exercício das responsabilidades parentais até ao momento em que os filhos atinjam a maioridade ou sejam emancipados, e como exercer, do ponto de vista processual, o direito dos filhos, maiores, à manutenção do direito dos pais de lhes continuarem a satisfazer a prestação alimentar, quando dela se encontrassem necessitados e ocorresse incumprimento dessa obrigação por parte dos progenitores.
Essas dúvidas e discussões foram, entretanto, ultrapassadas pela Lei n.º 122/2015, de 01/09, que alterou a redação do mencionado art. 1905º do CC e, bem assim do art. 989º do CPC.

Quanto ao art. 1905º, a Lei n.º 122/2015 aditou-lhe o seu atual n.º 2, que consta da seguinte estatuição:

Para efeitos do disposto no art. 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete os 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver livremente interrompido ou ainda em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.

Por sua vez, essa Lei aditou ao art. 989º do CPC, o n.º 3, que consta do seguinte:

“O progenitor que assuma, a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores”.

A Lei n.º 122/2015 entrou em vigor em 01/10/2015 (cfr. art. 4º dessa Lei) e as mencionadas alterações que introduziu são aplicáveis às relações jurídicas já constituídas à data da sua entrada em vigor, na medida em que essas alterações dispõem diretamente sobre o conteúdo das relações jurídicas constituídas entre pais e filhos, abstraindo dos factos que lhe deram origem (art. 12º, n.º 2 do CC).
Tal significa que tendo o presente incidente de incumprimento por objeto a prestação alimentar fixadas ao apelante em 13/07/2007, em benefício do filho, então menor (cfr. ponto 2º dos factos apurados), isto é, prestações alimentares fixadas ao último em beneficio do filho antes da entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, mas tendo o beneficiário dessas prestações atingido a maioridade em 31 de julho de 2018 (cfr. ponto 1º dos factos apurados) e, consequentemente, já em plena vigência da referida Lei n.º 122/2015, as alterações legislativas introduzidas por este diploma legal são aplicáveis ao presente incidente.
Deste modo, na sequência da revisão operada pela referida Lei n.º 122/2015, da conjugação do regime jurídico dos arts. 1880º e 1905º, n.º 2 do CC, resulta claro que fixada aos progenitores prestação alimentar em benefício dos filhos, durante a menoridade destes, o progenitor obrigado à prestação alimentar, como sucede no caso dos autos, continua automaticamente obrigado a satisfazer a prestação alimentar antes fixada ao filho, na menoridade deste, até o último perfazer os 25 anos de idade, exceto se o obrigado a prestar os alimentos (o apelante) alegar e provar factos concretos dos quais decorram que o filho, beneficiário da prestação alimentar, entretanto maior: a) completou o seu processo de educação ou de formação profissional antes de atingir os 25 anos de idade; b) interrompeu voluntariamente o seu processo de educação ou de formação profissional; ou b) que a exigência em que o mesmo continue a satisfazer a prestação de alimentos ao filho maior, perante as circunstâncias concretas e especificas do caso, lhe é inexigível, por ser desrazoável essa exigência.
Por outro lado, face à redação do n.º 3 do art. 998º do CPC, introduzida pela Lei n.º 122/2015, na sequência daquele que era já o entendimento doutrinal e jurisprudencial mais moderno, embora minoritário, (22) é pacifico que em caso de incumprimento da prestação alimentar fixada a um dos progenitores em benefício do filho, durante a menoridade deste, uma vez atingida a maioridade desse beneficiário, o progenitor que suporte o sustento do filho perante a impossibilidade deste de prover ao seu próprio sustento e do incumprimento da prestação alimentar por parte do outro progenitor, nos termos do n.º 3 do mencionado art. 998º, dispõe de legitimidade ativa para instaurar o incidente de incumprimento a que alude o art. 41º do RGPTC contra o progenitor inadimplente.
Na verdade, nos casos em que o requerente do incidente alegue que é ele que está a prover ao sustento do filho, maior ou emancipado, face à inadimplência do outro progenitor da prestação alimentar fixada durante a menoridade desse filho, entretanto maior, tanto bastará para que, nos termos do disposto no art. 30º do CPC, se conclua que esse progenitor, requerente do incidente, dispõe de interesse direto em demandar o progenitor incumpridor, com vista a constrangê-lo ao pagamento das prestações alimentares fixadas ao filho, durante a menoridade deste, e assim obrigá-lo a contribuir para o sustento do último (23).
Essa legitimidade ativa, nos termos do art. 1905º, n.º 2 do CC, é igualmente conferida ao próprio filho maior, beneficiária da prestação alimentar incumprida.
Destarte, tanto o progenitor que sustente o filho maior, como o próprio filho maior, beneficiário da prestação alimentar incumprida, dispõem de legitimidade ativa para propor o incidente de incumprimento a que alude o art. 41º do RGPTC contra o progenitor inadimplente, tratando-se, portanto, de uma situação de legitimidade ativa concorrente (24).
A legitimidade ativa do progenitor que sustente o filho maior é uma legitimidade ativa própria, que é, contudo, exercida pelo mesmo em beneficio do filho maior, que é o titular do direito a alimentos.
Note-se que as alterações legislativas introduzidas pela mencionada Lei n.º 122/2015, tiveram uma dupla finalidade, a saber: proteger o filho maior da necessidade de acionar judicialmente o progenitor inadimplente, objetivo esse que foi alcançado pelo legislador mediante a introdução do n.º 2 ao art. 1905º do CC, e salvaguardar o próprio progenitor onerado com as despesas de sustento e educação do filho maior, perante a impossibilidade deste de prover ao seu próprio sustento, por forma a garantir a justa repartição dos encargos, intento esse que foi alcançado pelo legislador mediante as alterações introduzidas ao art. 989º do CPC (25).
Assente nas premissas acabadas de enunciar, revertendo ao caso dos autos, nele a apelada (requerente) instaurou o presente incidente de incumprimento do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra o requerido (apelante), alegando que este se encontra obrigado a liquidar a prestação alimentar fixada em benefício do filho de ambos, durante a menoridade deste, mas que aquele não cumpre com essa obrigação alimentar, uma vez que desde junho de 2019, não paga essa prestação e nunca pagou as atualizações anuais acordadas quanto à prestação alimentar inicialmente fixada.
Finalmente, alegou que é ela, apelada, quem perante essa inadimplência do progenitor, tem vindo a sustentar o filho, que consigo coabita.
Deste modo, apesar do beneficiário das prestações alimentares pretensamente em dívida, à data da instauração do presente incidente de incumprimento, ser maior, é indiscutível que nos termos do disposto no n.º 3 do art. 999º do CPC, a requerente dispõe de legitimidade ativa para instaurar o presente incidente de incumprimento das obrigações parentais, face à alegação de que tem sido ela quem tem suportado o sustento do filho.
Nesta conformidade, improcede a exceção dilatória da ilegitimidade ativa invocada pelo apelante.

B.7- Do vício da deficiência do julgamento da matéria de facto.

O apelante imputou à sentença recorrida o vício da nulidade, por pretensa omissão de pronúncia, em virtude de nela a 1ª Instância não ter julgado provada, sequer não provada, a facticidade que alegou no requerimento entrado em juízo em 22/01/2021.
Conforme supra se demonstrou, com essa sua alegação, o apelante confundiu causas determinativas da nulidade da sentença, com erros de julgamento da matéria de facto, na vertente da deficiência, pelo que com vista a verificar se ocorre ou não o mencionado vício da deficiência do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, impõe-se indagar se a facticidade alegada pelo apelante no mencionado requerimento de 22/01/2021, releva ou irreleva para efeitos de decisão a proferir quanto à relação jurídica material controvertida que se encontra delineada no presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, isto é, se essa facticidade consubstancia factos essenciais de matéria de exceção que tenha sido alegada pelo apelante, o que, a afirmar-se, nos termos do disposto nos arts. 5º, n.º 1 e 607º, n.ºs 3 e 5 do CPC, demandava que a 1ª Instância a tivesse julgado como provada ou não provada na sentença recorrida, pelo que não o tendo feito, impor-se-á a esta Relação fazer atuar os poderes de substituição que lhe assistem, nos termos do disposto no art. 662º do CPC.
No mencionado requerimento o apelante alegou que “Atendendo que o filho R. F. comprovou ao tribunal que retomou o seu percurso formativo, com a inscrição, este ano, na licenciatura em Marketing, e tendo este falado com o pai previamente sobre isso, por acordo entre ambos, o pai começou a contribuir com 80,00 euros mensais para os estudos”.
É em relação a este pretenso acordo que o apelante acusa o vício da deficiência do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, pretendendo que se adite à facticidade julgada provada a existência desse acordo, mas antecipe-se, desde já, sem qualquer arrimo jurídico.
Na verdade, no incidente de incumprimento previsto no art. 41º do RGPT, à semelhança do que acontecia no anterior procedimento do art. 181º da OTM, regula-se o desrespeita pela decisão judicial ou acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais por parte de um dos pais ou de terceira pessoa a quem a criança ou o jovem tenha sido confiado.
Trata-se de incidente que reveste a natureza de jurisdição voluntária e em que, por isso, o tribunal não está subordinado a critérios de legalidade estrita, cumprindo ao juiz adequar a tramitação e a decisão a proferir à concreta situação de facto e que melhor tutele os interesses da criança ou do jovem (arts. 12º do RGPTC e 986º a 988º do CPC).
O procedimento em causa, tal como decorre do disposto no n.º 1 do art. 41º do RGPTC visa apenas aferir do incumprimento de acordo ou decisão que fixou o regime de responsabilidades parentais e daí que apenas seja seu objeto indagar se: a) ocorreu incumprimento da decisão judicial ou de acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais por parte do requerido; b) no caso de incumprimento, a adoção de diligências necessários para o cumprimento coercivo das obrigações incumpridas; c) a condenação do inadimplente em multa até 20 unidades de conta; e d) caso se verifique os respetivos pressupostos, fixar uma indemnização a favor da criança ou do jovem em relação ao qual se verificou o incumprimento.

Deste modo, do objeto do presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais que, no caso dos autos, versa apenas sobre o pretenso incumprimento pelo requerido (apelante) da prestação de alimentos fixada em benefício do filho R. F., durante a menoridade deste, não faz parte a alteração do acordo ou da decisão que fixou essa prestação alimentar (26).
É certo que no âmbito do presente incidente, essa prestação alimentar antes fixada e alegadamente incumprida, pode ser alterada, mas essa alteração apenas poderá ocorrer por acordo, na conferência a que alude o n.º 4 do art. 41º do RGPT, pelo que na ausência desse acordo, o tribunal apenas poderá e terá de decidir o incumprimento, nos termos do n.º 7 desse art. 41 (27).

Tal significa que independentemente de o apelante ter ou não celebrado o acordo que alega ter pretensamente pactuado com o seu filho, credor da prestação de alimentos alegadamente incumprida, entretanto maior, esse pretenso acordo, na medida em que não foi celebrado no âmbito da conferência a que alude o n.º 4 do art. 41º do RGTPC, na qual, aliás, apelante e apelada não chegaram a qualquer acordo (na 1ª conferência que teve lugar), e onde estes e o beneficiário da prestação alimentar alegadamente incumprida (o filho) não chegaram igualmente a qualquer acordo na 2ª conferência que teve lugar nos autos, esse pretenso acordo irreleva e não faz parte do objeto do presente incidente.
Destarte, salvo o devido respeito por opinião contrária, ao não se pronunciar quanto à existência ou inexistência desse alegado acordo, não o julgando provado, sequer como não provado, a 1ª Instância não incorreu em qualquer erro do julgamento da matéria de facto, na vertente da deficiência.

Avançando.
No requerimento entrado em juízo em 22/01/2021, o apelante alega que dada a sua impossibilidade económica em prestar alimentos ao filho, o avô paterno deste, J. F., obrigou-se a entregar-lhe quantia mensal de 100,00 euros, obrigação essa que tem cumprido desde que o neto entrou na faculdade.

Acontece que tendo o presente incidente de incumprimento por objeto verificar se o apelante cumpriu ou não a prestação alimentar fixada ao filho, durante a menoridade deste, e verificar se, no caso negativo, as exceções invocadas pelo apelante que alegadamente legitimam esse não pagamento dessa prestação alimentar se mostram ou não procedentes, conforme bem realça o Ministério Publico nas suas contra-alegações, a mencionada facticidade mostra-se totalmente irrelevante para o objeto do presente incidente.
Com efeito, para além de existir discordância entre requerente e requerido quanto à verificação ou não dessa concreta facticidade, sendo certo que competia ao apelante prová-la e, no requerimento de 22/01/2021, o mesmo não apresentou qualquer prova para o efeito (art. 342º, n.º 1 do CC), ainda que a provasse, essa concreta facticidade mostra-se totalmente irrelevante para o objeto do presente incidente, dado que o avô paterno do beneficiário da prestação alimentar alegadamente incumprida, ainda que tenha assumida essa obrigação e a venha a cumprir, não a assumiu a título de prestação alimentar e, muito menos, o fez por sub-rogação do apelante, isto é, em substituição da obrigação alimentar que impende sobre o apelante satisfazer (progenitor), tanto mais que sendo a obrigação dos progenitores de prestarem alimentos aos filhos, uma obrigação pessoal, a lei não consente essa substituição.

Destarte, o facto de o tribunal ter omitido qualquer pronúncia, não julgando como provada, sequer como não provada, no julgamento de facto que realizou na sentença sob sindicância, a existência dessa pretensa obrigação alegadamente assumida pelo avô paterno do R. F., beneficiário da prestação alimentar alegadamente incumprida pelo apelante e fixada durante a menoridade deste e, bem assim a satisfação ou insatisfação dessa pretensa obrigação pelo avô paterno junto do R. F., não consubstancia qualquer erro de julgamento da matéria de facto, na vertente da deficiência, uma vez que essa facticidade não consubstancia matéria de exceção que impeça, modifique ou extinga a obrigação legal que impende sobre o apelante de continuar a prestar a obrigação alimentar, fixada durante a menoridade do R. F., ao último, sendo, portanto, essa concreta facticidade totalmente irrelevante para o objeto do presente incidente de incumprimento.

Decorre do exposto, que a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de julgamento da matéria de facto que realizou, ao não ter julgado como provada, sequer como não provada a facticidade alegada pelo apelante no requerimento entrado em juízo em 22/01/2021, improcedendo este fundamento de recurso e, em consequência, mantêm-se inalterado o julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo.

B.7- Do mérito – da exceção perentória da prescrição.

O apelante imputa erro de direito à sentença recorrida, em que a 1ª Instância julgou procedente o presente incidente e verificado o incumprimento da obrigação daquele de prestar alimentos ao seu filho R. F., nascido a ..-07-2000, e fixou o montante em dívida, à data da prolação da sentença, em € 8182,99 (oito mil cento e oitenta e dois euros e noventa e nove cêntimos), e respetivos juros de mora, à taxa legal, computados desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até efetivo e integral pagamento, o qual deve ser acrescido das prestações que se vencerem daqui em diante, advogando que todas as prestações alimentares vencidas até outubro de 2014 se encontram prescritas, nos termos do disposto no art. 310º, al. f) do CC.
Acontece que a prescrição extintiva, que não extingue as prestações de alimentos prescritas, mas que apenas as converte numa obrigação natural, nos termos do nº 2 do art. 304º do CC, não opera ipso jure, mas tem de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.
Acresce que quando invocada judicialmente, a exceção perentória da prescrição, nos termos do disposto no art. 573º do CPC, tem de ser invocada pelo réu na contestação, sob pena de não o fazendo, não a poder invocar posteriormente, o que significa que o apelante encontrava-se obrigado a suscitar essa concreta exceção nas alegações escritas que apresentou em 29/10/2020.
Acontece que o apelante não invocou a exceção perentória da prescrição que apenas agora, nas suas alegações de recurso, aduz de modo intempestivo.
Deste modo, não tendo o apelante invocado tempestivamente a exceção da prescrição e não sendo essa exceção do conhecimento oficioso do tribunal, encontra-se esta Relação impedida de dela conhecer, improcedendo este fundamento de recurso.

B.8- Mérito – inexigibilidade das prestações incumpridas por desrazoabilidade.

Advoga o apelante que a sentença recorrida, ao julgar procedente o presente incidente de incumprimento da prestação alimentar fixada ao seu filho, durante a menoridade deste, e que à data da instauração do presente incidente era já maior de idade, padece de erro de direito, isto porque esse beneficiário da prestação alimentar incumprida, com culpa grave, no ano letivo de 2017/2018, não obteve aproveitamento escolar, no ano letivo seguinte, também não obteve aproveitamento escolar, e apenas, no ano letivo de 2019/2020, conseguiu terminar o 12º ano num curso de educação e formação para adultos.
Acresce que esse seu filho trabalha num restaurante, onde aufere 10,00 euros dia, e não se mostra credível que aufira apenas aquela quantia diária de 10,00 euros, mesmo que trabalhe apenas duas ou três horas diárias.
Acresce que o seu filho recebe do avô paterno 100,00 euros mensais, desde que entrou para a faculdade, e acordou com o apelante que este apenas lhe pagaria 80,00 euros mensais.
Mais acrescenta o apelante ter deixado de satisfazer a prestação alimentar ao filho em julho de 2019, dado que este era já maior, trabalhava, e trabalha, num restaurante e que o fez na convicção de que o último tinha terminado o 12º ano de escolaridade, conforme o próprio o informou, factos esses que ele, apelante, comunicou ao tribunal.
Analisada a enunciada argumentação do apelante, reafirma-se que na sequência da revisão operada pela Lei n.º 122/2015, de 01/09, que aditou ao artigo 1905º do CC, o seu atual n.º 2, da conjugação deste preceito com o disposto no art. 1880º do mesmo Código, resulta que é obrigação legal dos pais de continuarem a satisfazer aos filhos a prestação alimentar fixada durante a menoridade destes, até os últimos atingirem os 25 anos de idade, salvo se progenitor, obrigado à prestação alimentar, alegar e provar que: a) o filho, beneficiário da prestação alimentar, completou o seu processo de educação ou de formação profissional antes de completar os 25 anos de idade; ou b) se o filho maior, beneficiário da prestação alimentar, tiver interrompido voluntariamente o seu processo de educação ou de formação profissional; ou, ainda, d) se a continuação da satisfação da prestação alimentar for inexigível ao progenitor, por ser desrazoável, perante as circunstâncias concretas e especificas do caso a sua exigência.
Dir-se-á, assim, que em face do que se vem dizendo, é de todo irrelevante a convicção com que o apelante deixou de pagar ao filho, a partir de junho de 2019 (cfr. ponto 5º da facticidade apurada e matéria não provada – e não de julho de 2019, conforme o apelante alega) a prestação alimentar, fixada durante a menoridade deste, designadamente, se o fez devido à própria informação que lhe foi prestado pelo R. F. de que teria concluído o 12º ano (facto indemonstrado), posto que o que releva é saber se o apelante alegou e provou factos concretos suscetíveis de integrarem (ou não) uma das três exceções acima identificadas que lhe conferem o direito de deixar de satisfazer essa prestação alimentar ao seu filho, entretanto, maior.
Nessa apreciação são igualmente totalmente irrelevantes as críticas que o apelante assaca ao julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, nomeadamente, quando sustenta que não é credível que o filho apenas aufira 10,00 euros diários, dado que o mesmo não impugnou o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e, muito menos, mediante o cumprimento dos ónus impugnatórios enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, pelo que, independentemente do acerto ou desacerto desse julgamento de facto, essa facticidade se tem por definitivamente provada e, consequentemente, é perante ela (e não aquela que, na perspetiva do apelante, devia ter sido julgada provada e não provada) que se há-de verificar se a sentença recorrida padece ou não dos erros de direito que o mesmo lhe imputa.
Acresce que a facticidade atinente ao pretenso acordo que terá alegadamente sido celebrado extraprocessualmente entre o apelante e o filho e, bem assim a relativa à pretensa obrigação assumida pelo avô paterno do filho, beneficiário da prestação alimentar, conforme já enunciado, além de se tratar de facticidade indemonstrada nos autos, é totalmente irrelevante para o objeto do presente incidente de incumprimento.
A propósito da exceção da “desrazoabilidade” da exigência do apelante de continuar a satisfazer a prestação fixada ao filho, durante a menoridade deste, apesar deste já ser maior, salvo o devido respeito por entendimento contrário, contrariamente ao que parece ser o entendimento do apelante (e, inclusivamente, da 1ª Instância), essa desrazoabilidade carece de ser apreciada por referência à conduta do beneficiário da prestação alimentar (filho) perante o obrigado a prestar-lhe essa prestação e, bem assim à conduta desse beneficiário da pensão em relação ao seu processo educativo ou de formação profissional e dos rendimentos que o próprio disponha para prover ao seu sustento, irrelevando os proventos e/ou despesas atuais do progenitor, obrigado à prestação de alimentos, nomeadamente, as possibilidades de que disponha para continuar a satisfazer a prestação alimentar ao filho, já maior, ou o sacrifício que tem de empreender para satisfazer essa prestação alimentar, uma vez que a diminuição das possibilidades do obrigado a prestar alimentos, seja por diminuição das suas receitas, seja por aumento das suas despesas, é fundamento legal para que aquele requeira, querendo, a alteração da prestação alimentar incumprida, por alteração das circunstâncias que presidiram à sua fixação, matéria essa que, conforme já referido, não faz parte do objeto do presente incidente de incumprimento.
Deste feita, na nossa perspetiva, em sede de apreciação da desrazoabilidade da exigência imposta ao apelante de continuar a prestar ao seu filho, maior, a prestação alimentar que foi fixada durante a menoridade deste, não há que se entrar em consideração com os rendimentos que o apelante, atualmente, aufere, sequer com as despesas com que o mesmo se vê atualmente confrontado, sendo, portanto, totalmente irrelevante, para esses efeitos, que o mesmo auferia atualmente o salário líquido de 731,13 euros, tenha uma outra filha menor a cargo, nascida em 01/12/20210, tenha de pagar renda de casa e, bem assim de pagar as prestações de dois empréstimos que contraiu (pontos 14º, 15º, 16º e 17º dos factos apurados), posto que essa facticidade, reafirma-se, será fundamento para o apelante, caso assim o entenda, requeira a alteração da prestação alimentar que foi fixada ao filho, durante a menoridade deste, por alteração das circunstâncias que presidiram à fixação dessa prestação alimentar.
Posto isto, contrariamente àquela que era a convicção do apelante, da facticidade apurada sob os pontos 10º e 11º, este não logrou fazer prova, conforme era seu ónus fazer, que no mês de junho de 2019, data em que já não pagou a prestação alimentar fixada ao seu filho R. F., durante a menoridade deste, esse seu filho já tivesse o seu processo educativo concluído, antes pelo contrário, conforme se quedou apurado, esse processo educativo, permanecia, e permanece, por concluir, uma vez que R. F. encontra-se inscrito, no presente ano letivo, no curso de Marketing, do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do ….
Acresce que em face da facticidade provada sob os pontos 8 a 11, o apelante não logrou fazer prova que esse seu filho tivesse interrompido o seu processo de educação e, muito menos, que essa interrupção tivesse sido voluntária, mas antes o que se provou é que o mesmo nunca interrompeu esse seu processo de educação.
Resta verificar se perante a facticidade que se quedou como provada, o apelante fez prova em como se mostra desrazoável a exigência de que continue a satisfazer a prestação alimentar ao filho, maior de idade.
Neste âmbito há que se ter presente que a circunstância de a lei reconhecer automaticamente aos filhos, a quem foi fixada uma prestação alimentar imposta aos pais, durante a sua menoridade, o direito de continuarem a receber essa prestação alimentar até perfazerem os 25 anos de idade, parte necessariamente de uma premissa ou presunção legal, a qual seja que, por norma, não se prefigura desrazoável ao legislador que os filhos não tenham concluído o seu processo de educação ou de formação profissional antes de perfazerem os 25 anos da idade.
Como tal, em face desta posição do legislador, apenas quando comprovadamente se aleguem e provem factos demonstrativos em como o beneficiário da prestação alimentar incumprida pelo progenitor, apesar de dotado de capacidades intelectuais e físicas suficientes que lhe permitem progredir nos estudos ou na sua formação profissional, demonstre um persistente desinteresse pelas suas obrigações escolares e formativas, será lícito ao tribunal concluir pela verificação daquela exceção, considerando ilidida a presunção legislativa de que não é desrazoável exigir-se do pais que continuem a prestar alimentos aos filhos até estes atingirem os 25 anos de idade, uma vez que até essa idade é natural/normal que os filhos não tenham o seu processo de educação ou de formação profissional concluído.
Acontece que compulsada a facticidade apurada, não é isto que evidencia a matéria apurada em relação ao filho maior do aqui apelante.
Na verdade, essa facticidade denota que até ao 12º ano, o R. F. transitou sempre de ano letivo e que no ano letivo de 2017/2018, reprovou à disciplina de matemática no 12º ano de escolaridade (ponto 8º da facticidade apurada).
No ano letivo de 2018/2019, o R. F., em substituição da disciplina de matemática, inscreveu-se na disciplina de história, a qual frequentou, mas não teve aproveitamento (ponto 9º da facticidade apurada).
Por sua vez, no ano letivo de 2019/2020, o R. F. inscreveu-se no curso de educação e formação de adultos, na Escola Secundária ..., de forma a concluir o 12º ano, o que veio a acontecer (ponto 10º da facticidade apurada).
Desta feita, tal como acusa o apelante acontecer, o R. F. frequentou três anos letivos para concluir o 12º ano de escolaridade, apenas o logrando concluir no 3º ano de frequência do 12º ano.
No entanto, se estes factos são suscetíveis, em abstrato, de revelarem desinteresse e falta de empenho da parte do R. F. pelo seu processo educacional, desinteresse esse que muito legitimamente tornará desrazoável que o apelante lhe continue a prestar alimentos, quando apreciada essa facticidade em concreto, nada permite concluir que assim seja efetivamente.
Na verdade, no ano letivo de 2017/2018 o R. F. reprovou à disciplina de matemática e no ano letivo seguinte, à disciplina de história, que frequentou em substituição da primeira, de modo que a reprovação ao longo desses dois anos incidiu sobre disciplinas distintas.
Trata-se de disciplinas que, em regra, respeitam as áreas de estudo distintas – a matemática, ligada às áreas de ensino das ciências, enquanto a história, à área de ensino das humanidades.
O apelante nada alegou, apesar de sobre si impender o ónus da prova da facticidade integrativa da exceção em causa, quanto à área de estudo que o R. F. frequentou até atingir o 12º ano, pelo que caso essa área de estudo tivesse sido uma área em que, nos 10º e 11º ano de escolaridade, o R. F. não tivesse frequentado a disciplina de história, dir-se-á ser altamente previsível e, inclusivamente, esperável, que um aluno, sem bases nessa concreta disciplina – a história -, independentemente do empenho e estudo que pudesse empreender, viesse a reprovar à disciplina de história, até porque se trata da disciplina de história do 12º ano, em que as matérias lecionadas já são pré-universitárias e, portanto, com alguma complexidade, exigindo da parte dos estudantes, trabalho, empenho, mas também bases, a qual, nessa hipótese, o R. F. não dispunha.
Acresce que no ano letivo seguinte, o R. F. conclui o 12º ano de escolaridade, mal se compreendendo a alusão feita pelo apelante de que o fez num curso de educação e formação para adultos, desvalorizando que esses cursos, tal como os do ensino dito “normal”, são regulados e aprovados pelo Estado, mais concretamente, pelo Ministério da Educação, pelo que dessa circunstância não pode este tribunal, sequer quem quer que seja, extrair qualquer ilação acerca das capacidades, estudo e/ou empenho do R. F., tanto assim que, presentemente, o último frequenta o ensino superior.
Acresce que durante os mencionados anos letivos de 2018/2019 o R. F. trabalhou (cfr. ponto 12º da facticidade apurada), o que, em princípio se mostra incompatível com qualquer atitude da parte deste de ócio, desinteresse e/ou falta de empenho, nos estudos, no âmbito das suas restantes responsabilidades e/ou ao nível do seu projeto de vida futuro.
Destarte, da circunstância do R. F. ter incorrido nas mencionadas reprovações que se quedaram como provadas, não pode esta Relação, sem mais, concluir por um juízo de inexigibilidade, por irrazoabilidade, da obrigação do apelante de continuar a satisfazer a prestação alimentar fixada ao filho, durante a menoridade deste, para além da sua maioridade, sendo certo que era sobre o apelante que impendia o ónus da alegação e da prova de facticidade suficiente para demonstrar essa alegada desrazoabilidade.
E isto é assim também quando se atenta nos proventos económicos retirados pelo R. F. do trabalho que desenvolveu, uma vez durante os anos de 2018 e 2019, essa prestação de trabalho, foi esporádica e apenas no período do almoço, uma ou duas horas por dia, duas ou três vezes por semana; no ano letivo de 2019/2020, aquele trabalhou de segunda a sexta-feira, no horário do almoço, cerca de duas horas por dia, o que lhe proporcionou 10,00 euros diários por cada dia de trabalho (pontos 12º e 13º dos factos apurados), o que se mostra manifestamente insuficiente para que o mesmo possa prover ao seu próprio sustento, sendo certo, que não se provou que a partir do termo do ano letivo de 2019/2020, o R. F. continue a trabalhar e a auferir quaisquer rendimentos.
Destarte, tal como conclui a 1ª Instância, o apelante, que se encontrava onerado com o ónus da alegação e da prova de facticidade integrativa das exceções previstas no n.º 2 do art. 1905º do CC, que lhe permitia afastar a obrigação, que lhe é imposta por lei, de ter de continuar a satisfazer ao seu filho R. F. a prestação alimentar que foi fixada em benefício deste, durante a sua menoridade, não logrou fazer prova da verificação de nenhum dessas exceções, o que aqui se subscreve, improcedendo este fundamento de recurso.
Aqui chegados, resulta do exposto, improcederem todos os fundamentos de recurso aduzidos pelo apelante, impondo-se julgar improcedente a presente apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
*
Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação totalmente improcedente e, em consequência:
- confirmam a sentença recorrida.
*
Custas da apelação pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*
Guimarães, 01 de julho de 2021
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

José Alberto Moreira Dias (relator)
António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)



1. Ac. RE. de 06/10/88, BMJ. 380º, pág. 559.
2. Neste sentido Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 280 a 285.
3. Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI.
4. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
5. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
6. Ac. da RG, de 14.05.2015, Processo nº 414/13.6TBVVD.G., in base de dados da DGSI. No mesmo sentido Ac. RC, de 11.01.1994, BMJ nº 433, pág. 633, onde se lê: que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição”. Ainda, Ac. do STJ, de 13.02.1997, BMJ nº 464, pág. 524, e de 22.06.1999, CJ, 1999, tomo II, pág. 160.
7. José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 670; Ac. STJ. de 20/01/2004, Proc. 03S1697, in base de dados da DGSI.
8. Ac. do STJ. de 08.03.2001, Processo nº 00A3277, in base de dados da DGSI.
9. Ferreira de Almeida “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, pág. 370.
10. Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 370 e 371.
11. Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, in base de dados da DGSI, onde se postula que: “Apesar de atualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão de matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerando além do mais o caráter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último ato decisório. Realmente a decisão da matéria de facto está sujeito a um regime diferenciado de valores negativos – deficiência, obscuridade ou contradição – a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é suscetível de dar lugar à atuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª Instância”. No mesmo sentido Ac. RL. de 29/10/2015, Proc. 161/09.3TCSNT.L1-2, na mesma base de dados da DGSI. Em sentido não totalmente coincidente, mas que subscrevemos, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed. Almedina, págs. 707 e 708: “.. a deslocação da decisão de facto e da sua fundamentação para a sentença não afasta a distinção entre o que interessa à fundamentação da decisão final (os factos principais que hajam sido provados, os quais têm de ser discriminadamente descritos) e o que interessa à fundamentação da (logicamente) anterior decisão de facto (as razões da íntima convicção judicial, com a explicação da inerente passagem da prova dos factos instrumentais à prova dos factos principais da causa, bem como a justificação da falta de prova dos factos não provados, sem necessidade de os referir discriminadamente)…Sendo a decisão de facto deficiente, obscura ou contraditória, a Relação, em recurso, oficiosamente ou a requerimento da parte, conhece o vício, anulando a decisão (art. 662-2-c); havendo falta de fundamentação, a Relação determina que o tribunal de 1ª instância fundamente a decisão (art. 662º-2-d),…”, os quais, a fls. 733 a 734, que “…atualmente a sentença contém tanto a decisão sobre a matéria de direito como a decisão sobre a matéria de facto (cf. O art. 607-4), pelo que os vícios da sentença não se autonomizam hoje dos vícios da decisão sobre a matéria de facto, diversamente do que antes sucedia (cf. os arts. 668 e 653-4 do CPC de 1961). Esta circunstância, se não justifica a aplicação, sem mais, do regime do art. 615º à parte da sentença relativa à decisão sobra a matéria de facto - desde logo porque a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640º e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cfr. os n.ºs 2 e 3 do art. 662º) – obriga, pelo menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação”.
12. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143. Ac. RC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1, in base de dados da DGSI: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”.
13. Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143.
14. No mesmo sentido Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, em que reafirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de um qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”.
15. Acs. STJ. 30/10/2003, Proc. 03B3024; 04/03/2004, Proc. 04B522; 31/05/2005, Proc. 05B1730; 11/10/2005, Proc. 05B2666; 15/12/2005, Proc. 05B3974, todos in base de dados da DGSI.
16. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 5º vol., pág. 54.
17. Acs. STJ. de 20/06/2006, Proc. 06A1443; 13/07/2007; Proc. 07A091, in base de dados da DGSI.
18. Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotado”, tomo I, 2ª ed., Wolters Kluwer e Coimbra Editora, pág. 220.
19. Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., págs. 222 e 223.
20. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, págs. 42 a 46.
21. Acs. RG. de 05/11/2020, Proc. 1188/03.4TBBCL-C.G1; de 21/06/2018, Proc. 458/18.1T8BCL.G1; RL de 17/12/2020, Proc. 373/14.8TMPDL.B.L1-2; e de 20/09/2018, Proc. 4345/15.7T8LRS-A.L1, in base de dados da DGSI.
22. Daniela Pinheiro de Silva, in “Alimentos a Filho Maior. Natureza, âmbito e extensão das normas do art. 983º, n.º 3 3 4 do Código de Processo Civil”, Almedina, 2019, págs. 107 a 109; Acs. RG de 19/03/2015, Proc. 410/14.6T8CL-C.G1; RL de 02/10/2014, Proc. 6420/11.8TCLRS-D.L1-8; RC. de 01/07/2014, Proc. 6374/07.5TBLRA-F.C1, in base de dados da DGSI.
23. Ac. RE. de 19/11/2020, Proc. 3930/19.2T8FAR-A.E1; RL de 04/04/2019, Proc. 769/15.8T8LRS.L1, in base de dados da DGSI, bem como arestos supra identificados na nota 21.
24. Caderno do CEJ intitulado “Questões do Regime do Processo Tutelar Cível”, Formação Contínua, julho de 2019, pág. 97.
25. Daniela Pinheiro de Silva, ob. cit., págs. 107 a 108.
26. Ac. RP. de 18/12/2008, Proc. 2297/17.0T8PRT-B.P1, in base de dados da DGSI.
27. Tomé d´Almeida Ramião, “Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, 2ª ed., Quid Juris, pág. 155.