Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2285/07-1
Relator: TOMÉ BRANCO
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
EXAME
PROVA PLENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULCADO IMPROCEDENTE
Sumário: I – Nos termos do art. 153° n° 1 do CE, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por agente de autoridade mediante utilização de material aprovado para o efeito.
II – Conforme decorre do auto de notícia de fls. 4, o teste foi efectuado com o aparelho SERES, modelo 679T, com o n° de série 2775, tendo tal aparelho sido aprovado pelo Oficio n° 326 de 11/01/2006.
III – Nessa altura o arguido não levantou qualquer objecção ao resultado do exame, pois se duvidava da qualidade do aparelho ou que o resultado não era fiável, poderia ter solicitado a realização da contraprova; mas não foi isso que aconteceu, pois consta do auto de notícia que o arguido se recusou a assinar, e que ao ser notificado que podia requerer contraprova, declarou não desejar ser submetido ao exame de contra-prova.
IV – Ora, sendo assim, não pode agora o arguido vir dizer que é duvidosa a qualidade do aparelho, sendo certo que não lhe apontou em concreto qualquer deficiência de funcionamento, nem pretendeu a contraprova, sendo certo que teve essa possibilidade.
V – Acresce que o próprio Código da Estrada, no seu art. 170° n° 4, determina que os resultados obtidos através de aparelhos aprovados e utilizados na fiscalização de trânsito, como e o caso, fazem fé até prova em contrário.
VII– Assim os exames realizados ao abrigo desta disposição constituem prova legal plena, só podendo ser contrariados através de meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto – art. 347° Código Civil –valendo pois aqui apenas e como expressamente vem referido pelo preceito, a prova que for feita em contrário desse resultado, o que quer dizer que sempre que o arguido não concorde com o resultado objectivo que á fornecido pelo aparelho, aquilo que tem de fazer é requerer a contraprova, nos termos do artº 153º n 2 do CE.
VIII – Nesta conformidade, não existe qualquer nulidade na prova obtida mediante o exame de pesquisa do álcool, como pretende o recorrente.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.
I)
Relatório

No processo Sumário nº 214/07.2.GEGMR do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Guimarães, por sentença de 30.07.2007, foi para além do mais, decidido, condenar o arguido F... GUIMARÃES:
Como autor da prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 10,00 (dez) euros, o que perfaz a quantia global de 900,00 (novecentos) euros e na pena acessória de proibição de condução de quaisquer veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses, nos termos do art. 69º, do Cód. Penal;

Inconformado o arguido interpôs recurso da sentença, concluindo nas suas motivações: (transcrição)
A) O agente da GNR, única testemunha da acusação, não presenciou o arguido no exercício da condução, não podendo, por conseguinte, dar-se como provado com toda a certeza que era o arguido o condutor do veículo em causa, porquanto, um dos requisitos essenciais para o cumprimento do tipo objectivo de ilícito do crime de condução de veículo em estado de embriaguez é precisamente o exercício da condução, não podendo, por conseguinte, um agente policial, que chega ao local do acidente 10 minutos após a ocorrência do mesmo e encontra o arguido sentado na mala do veículo, concluir que aquela pessoa era o condutor.
B) O Tribunal a quo não pode basear a sua convicção apenas no depoimento ao agente da GNR que não é uma testemunha presencial e apenas oferece aos autos um depoimento assente em conhecimentos obtidos de forma indirecta, pelo que devia proceder à aplicação do princípio in dúbio pro reo.
C) O princípio probatório "in dubio pro reo", a bem das garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas, deveria ter sido accionado, na hipótese de, não colhendo a tese da acusação, por falta de prova, ainda assim o Tribunal duvidar das declarações esclarecidas e coerentes do arguido e das testemunhas de defesa, nas questões essenciais.
D) A sentença encontra-se inquinada pelo vício do artigo n.° 410°, n° 2, al. a) - uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque se nos afigura que resulta do texto da sentença que tal condenação nunca poderia ter sido decidida (com remissão para a prova ali referida e os fundamentos ali vertidos.
E) A sentença ora recorrida encontra-se ferida de nulidade nos termos do disposto no artigo 379 n.° 1, al. a) com base na falta de fundamentação referida no artigo 374.° n.° 2 ambos do Código de Processo Penal, uma vez que não existe uma exposição, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
F) O Tribunal a quo não interligou a prova produzida pelos ofendidos e testemunhas com a prova pericial, não fundamentando, por conseguinte, a conexão existente entre as lesões constantes do exame médico e as declarações dos depoentes.
G)A sentença, no que concerne à enumeração dos meios de prova de que se serviu o julgador para formar a sua convicção, nada diz quanto à razão de ciência, credibilidade, coerência e coincidência dos depoimentos das testemunhas.
H) Deverá, assim, a sentença ser declarada nula por inobservância do disposto no artigo 374 n.° 2 do CPP conjugado com o artigo 379 n,° 1 al. a) do mesmo código, a qual deverá ser reformada pelo mesmo tribunal, proferindo nova sentença onde se supra a omissão apontada na fundamentação e que o respectivo tribunal determine a realização de nova audiência de julgamento, por esta, a nosso ver, se revelar essencial para uma correcta fundamentação da sentença.
I) Dever-se-á também considerar nula a prova obtida mediante o exame de pesquisa de álcool devido ao facto de nos autos não ter sido feita prova da conformidade legal do alcoolímetro que fiscalizou o arguido.
O Ministério Público quer na 1ª instância, quer nesta Relação, propugna a confirmação do julgado.

Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.
***

Com relevância para a decisão do presente recurso, importa que se transcreva agora a sentença recorrida:
O arguido, no dia 23.6.07, pelas 04h10m, conduziu o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, matrícula 97-BG-... , na Rua Comendador Pereira Magalhães, S. João, Vizela, depois de ter bebido bebidas alcoólicas;
Na data e local acima referidos o arguido foi interveniente num acidente de viação, tendo-se despistado sozinho;
Cerca de 10 minutos após o acidente acima referido, acederam ao local dos factos agentes policiais, nomeadamente o agente autuante, V... Loureiro, os quais ali foram chamados através de um telefonema efectuado para a GNR a dar conta do dito acidente;
Quando o arguido foi abordado pelos agentes policiais, nomeadamente pelo agente V... Loureiro, o veículo referido em a) encontrava-se estacionado na Rua Comendador Pereira Magalhães, S. João Vizela, encontrando-se o arguido sentado na mala do dito veículo, a qual estava aberta;
O agente policial V... Loureiro perguntou ao arguido quem era o condutor de tal veículo à data e local do acidente, tendo o arguido respondido que era ele mesmo, - apresentando-se, assim, como o condutor de tal veículo à data;
Foi então solicitado ao arguido que se submetesse a exame de pesquisa de álcool no sangue, o que o arguido fez voluntariamente, apresentando uma taxa de 2,37 gramas de álcool por litro de sangue, conforme exame de pesquisa pelo método do ar expirado efectuado na altura;
Na sequência de tal constatação, o agente da GNR V... Loureiro procedeu à sua constituição como arguido, sujeitando-o a termo de identidade e residência, tendo-o ainda notificado pessoalmente para comparecer no dia 25.6.07, pelas 9h30m, nos serviços do Ministério Público junto deste Tribunal, sob pena de, faltando, incorrer na prática de um crime de desobediência, bem como elaborou o auto de notícia, documentos que o arguido recusou assinar e receber;
O arguido tinha perfeito conhecimento de que, por força da quantidade de álcool ingerido, não podia conduzir na via pública o veículo automóvel, e que se apresentasse uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 gramas por litro, cometia um crime;
Agiu de vontade livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta não era permitida e era proibida por lei;
O arguido não tem antecedentes criminais;
O arguido aufere 1.240,00 euros/mês; a sua mulher é empresária; não tem filhos; vive em casa própria; tem um veículo automóvel de marca Mitsubishi, e é sócio gerente de uma empresa sendo que esta tem oito automóveis.
Motivação:
Num discurso titubeante e de fraca consistência, o arguido negou, no essencial, a versão descrita na acusação, numa tentativa de fazer crer que, quem conduziu o veículo identificado nos autos, que reconheceu pertencer-lhe, na data e local referido nos autos, foi um seu empregado, porquanto o arguido estava aleijado no pé e por isso não podia conduzir.
Mais disse que tinham estado, o arguido e tal empregado, na casa da irmã do arguido, com outros amigos, onde este ingeriu bebidas alcoólicas, e dali se retiraram no dito carro sendo o condutor do mesmo o citado empregado.
Referiu que a dada altura do percurso deve ter adormecido e só acordou no momento em que tiveram o citado acidente, acordando com o embate.
Mais disse ter então referido ao seu empregado para que este dali se retirasse e acedesse à sua casa (do empregado) para ali ir buscar um automóvel, da empresa do arguido e conduzido habitualmente por aquele, a fim de o ir buscar ao local do acidente e o levar à sua própria casa e que mais tarde trataria do carro interveniente no acidente. O dito empregado retirou-se, por isso, do local, e dirigiu-se a sua casa que dali dista, a pé, cerca de meia hora.
Telefonou, após, à sua irmã a contar-lhe o sucedido e esta deslocou-se ao local do acidente, cerca de 10 minutos após o mesmo ter ocorrido, ali tendo acedido e imediatamente atrás da GNR.
Quando os agentes da GNR o interceptaram, o arguido estava sentado na mala do seu carro, que estava aberta. Questionado sobre o condutor de tal veículo referiu ter dito aos agentes da GNR que habitualmente era ele mas que à data do acidente referido nos autos quem conduzia tal carro era um seu empregado que dali se retirou para ir buscar outro carro para dali se retirarem.
Mais disse que à data em que chegaram a GNR e a sua irmã ao local estavam com o arguido mais dois indivíduos que tinham ali parado por terem visto o carro acidentado e perguntavam-lhe se o mesmo precisava de ajuda.
A irmã do arguido, a testemunha M... Sousa, corroborou as declarações por ele prestadas, dizendo que o arguido e um empregado deste estiveram em sua casa e que quando dali se retiraram viu que quem ia a conduzir o dito automóvel era o empregado do irmão. Mais disse ter ouvido o arguido referir à GNR que quem conduziu tal carro à data e local dos factos foi o tal empregado.
Também a testemunha José G... referiu que esteve na casa da irmã do arguido e que viu o empregado do arguido a conduzir o veículo referido nos autos quando saíram de tal casa.
A testemunha Paulo C... corroborou as declarações do arguido dizendo ter sido ele quem conduziu o veículo referenciado nos autos à data e local ali descritos, debitando o seu depoimento de forma coincidente com a versão apresentada em juízo pelo arguido, mas dela se afastando quando referiu que ele próprio deve ter adormecido ao volante de tal carro quando o conduzia e por isso teve o dito acidente e por causa do mesmo acordou e então questionou o arguido sobre o sucedido e este lhe disse que ele (a testemunha) adormeceu momentos antes do acidente e lhe contou como embateram. Ou seja, na versão desta testemunha quem adormeceu foi ela própria à data do acidente e na do arguido quem vinha a dormir até ter ocorrido o acidente era o próprio arguido!!!
Muito embora tivessem corroborado, no essencial, a versão trazida pelo arguido, a sua irmã, o seu fornecedor (do arguido) José G..., e o seu empregado (do arguido) – tendo-se este último, inclusivamente, apresentado como o único condutor do veículo naquela noite (todos com ligações de parentesco a primeira e de trabalho os segundo e terceiro, levantando dúvidas ao tribunal sobre a isenção dos seus depoimentos, prestados, aliás, de forma titubeante e pouco espontânea) -, foi o depoimento, particularmente isento, distante e credível, prestado pelo agente da GNR, V... Loureiro que decisivamente convenceu.
Referiu o citado agente ter-se deslocado ao local dos factos por ter sido efectuada uma chamada telefónica para a GNR dando conta do acidente em questão. Ali chegado questionou o arguido, o qual estava sentado na mala do carro, sobre o condutor, à data e local, de tal carro tendo o arguido referido, espontaneamente, ser ele mesmo e, por isso, foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue o que o arguido fez voluntariamente e sem reservas.
Questionada directamente a testemunha se lhe foi comunicado pelo arguido que quem conduzia tal veículo era um seu empregado o agente policial referiu que nada disso lhe foi dito no momento ou posteriormente pelo arguido ou por outrem e nem ali acedeu quem quer que fosse identificando-se como tal.
Positivamente valorado foi, ainda, o resultado do exame de pesquisa de álcool no ar expirado, documentado nos autos junto a fls. 13, como também os documentos de fls. 3 a 12..
Relativamente à representação, pelo arguido, de que o grau de alcoolémia apresentado ultrapassava o tolerado pela lei penal, a convicção do Tribunal fundou-se na conclusão a que razoavelmente conduzem as máximas da experiência comum, especialmente apoiadas na seguinte ordem de considerações: segundo os resultados proporcionados pelos estudos que têm vindo a ser realizados nesta matéria, pode dizer-se que, apesar de variar a capacidade de resistência ao álcool em razão do peso, idade, e sexo do indivíduo, a partir dos 2,0 gramas/litro um ser humano normal aceita que está embriagado e toma consciência de que o seu estado o impede de conduzir (cfr. Comité Nacional de Defesa contra o Álcool da Bélgica, Revista Turbo, artigo intitulado “O álcool ao volante”, transcrito por Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal anotado, II. V., 1996, pg.916 e ss.).
Relativamente aos antecedentes criminais, relevou o certificado junto aos autos.
Quanto às condições pessoais do arguido teve-se em conta as declarações pelo mesmo a propósito prestadas, as quais nesta parte se evidenciaram sinceras.
Quanto aos factos não provados, cumpre referir que não se produziu em audiência qualquer prova, consistente e credível, que permitisse dar como provados outros factos para além dos que nessa qualidade se descreveram.
II)
Esta Relação conhece no presente caso, apenas de direito por não ter sido documentada em acta a prova produzida em audiência, já que Mº Pº e ilustre advogado prescindiram da documentação - cfr. fls 21 (artºs 364º, nº 1 e 428º, nº 2 do C.P.P.).
O âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas da respectiva motivação (artº 403º e 412º, nº 1 do C.P.P.). Tudo, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades.
Assim da análise das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as divergências relativamente à sentença:
- Discordância quanto à matéria de facto dada como assente;
- Do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada;
- Da inexistência do exame crítico das provas que fundamentaram a condenação (violação do artº 374º, nº 2 do C.P.P.);
- Violação do princípio in dubio pro reo;
- Da nulidade da prova obtida mediante o exame de pesquisa de álcool ao sangue.

Apreciemos então as questões suscitadas:
A) Impugnação da matéria de facto.
O recorrente discorda da matéria de facto dada como assente, pois que, na sua perspectiva o tribunal não pode dar como provado “com toda a certeza que era o arguido o condutor do veículo em causa”, uma vez que o agente da GNR, única testemunha da acusação, não presenciou o arguido no exercício da condução.
Ora, conforme já foi anteriormente referido, não tendo os actos da audiência sido documentados, ficou este tribunal de recurso impossibilitado de sindicar o processo de apreciação da prova que conduziu a julgar como provada a matéria de facto agora impugnada, a qual, diga-se desde já, foi fixada de harmonia com o disposto no artº 127º do C.P.P., segundo as regras da experiência e livre convicção do tribunal.
Daí que improcedem as conclusões do recurso que consubstanciam impugnação da matéria de facto.
B) Do invocado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada:
Como é sabido, há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artº 410º n° 2 a) CPP), quando da factualidade vertida na decisão se verifica faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição.
Como se refere no Ac. STJ 97.11.12 (citado por Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal anotado, Vol. II, pág. 752), quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz.
Do exposto resulta que o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não pode de modo algum confundir-se com insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão esta situada na esfera do princípio da livre apreciação da prova (artº 127° CPP), a qual é insindicável em reexame da matéria de direito.
Contudo há que ter presente que o referido vício tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (artº 410º, n° 2 CPP), não sendo admissível a consulta a outros elementos que constem do processo, como vem sendo o entendimento da jurisprudência.
Assim as raízes desse vício têm de estar implantadas na decisão recorrida.
No caso dos autos, examinado e revisto, à luz de tais ditames e ensinamentos, o texto da decisão recorrida, não se vê, de todo em todo, que a Senhora Juíza a quo haja incorrido na pretextada insuficiência.
Antes se afigura que o esforço argumentativo do recorrente traduz uma divergência de convicção relativamente à prova produzida e aos factos decantados, como provados, divergência a que este Tribunal não pode, como acima se deixou explicitado, dar qualquer relevo processual.
Ademais, não pode deixar de referir-se que, tanto quanto se entrevê da decisão recorrida, o Tribunal, com os privilégios da imediação e da oralidade, fez adequada apreciação da prova produzida em audiência.
Improcede, pois, o recurso nesta matéria.
C) Da violação do preceituado no artº 374º, nº 2 do C.P.P.
Alega o recorrente que a decisão impugnada não obedece ao preceituado no citado preceito legal, uma vez que não existe uma exposição, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Segundo o recorrente a sentença, no que concerne à enumeração dos meios de prova de que se serviu o julgador para formar a sua convicção, nada diz quanto à razão de ciência, credibilidade, coerência e coincidência dos depoimentos das testemunhas.
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que não tem razão.
É sabido que o ónus de motivação definido pelo artº 374º, nº 2 do C.P.P. para a sentença visa, designadamente, assegurar ao arguido a possibilidade do cabal exercício dos seus direitos de defesa, constitucionalmente garantidos (artº 32º, nº 10, da Constituição), que só pode efectivar-se com a completa percepção dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e das condições em que pode impugnar a decisão. Pretende-se, fundamentalmente, por um lado, conferir força pública inequívoca (autoridade e convencimento) aos referidos actos e, por outro lado, permitir a sua fundada impugnação. Trata-se no dizer de Michelle Taruffo, de permitir a transparência da decisão (neste sentido, por mais significativos, os acórdãos, do STJ, de15.01.97, CJ STJ, ano V, Tomo I, pp. 181 e segs. e de 7.10.98, CJ STJ, ano VI, Tomo III, pp. 183 e segs.).
Ora no caso dos autos, é bem evidente que a Mmª Juiza cumpriu tal exigência.
Na verdade, analisando a fundamentação da matéria de facto constante da sentença recorrida e acima transcrita, da mesma constam por forma clara a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e o respectivo processo lógico e racional que foi seguido na apreciação dessas provas.
Assim, aí se explicam as razões que levaram a Senhora Juíza a não dar crédito à versão dada pelo arguido nos autos, segundo a qual, não era ele quem na altura dos factos, conduzia o veículo 97-BG-... , mas sim um seu empregado.
Na verdade, e ao contrário do sustentado pelo recorrente, a Senhora Juíza não só enumera os meios de prova que serviram para fundamentar a sua convicção, mas fez efectivamente o necessário exame crítico desses meios probatórios.
Basta atentar no que na motivação se observou:
A testemunha Paulo C... corroborou as declarações do arguido dizendo ter sido ele quem conduziu o veículo referenciado nos autos à data e local ali descritos, debitando o seu depoimento de forma coincidente com a versão apresentada em juízo pelo arguido, mas dela se afastando quando referiu que ele próprio deve ter adormecido ao volante de tal carro quando o conduzia e por isso teve o dito acidente e por causa do mesmo acordou e então questionou o arguido sobre o sucedido e este lhe disse que ele (a testemunha) adormeceu momentos antes do acidente e lhe contou como embateram. Ou seja, na versão desta testemunha quem adormeceu foi ela própria à data do acidente e na do arguido quem vinha a dormir até ter ocorrido o acidente era o próprio arguido!!!
Muito embora tivessem corroborado, no essencial, a versão trazida pelo arguido, a sua irmã, o seu fornecedor (do arguido) José G..., e o seu empregado (do arguido) – tendo-se este último, inclusivamente, apresentado como o único condutor do veículo naquela noite (todos com ligações de parentesco a primeira e de trabalho os segundo e terceiro, levantando dúvidas ao tribunal sobre a isenção dos seus depoimentos, prestados, aliás, de forma titubeante e pouco espontânea) -, foi o depoimento, particularmente isento, distante e credível, prestado pelo agente da GNR, V... Loureiro que decisivamente convenceu”.
Ora diante desta fundamentação, mal se percebe a crítica que o recorrente faz quanto à omissão de exame crítico das provas.
Aliás, deve até dizer-se que a fundamentação exibida na decisão impugnada é bastante exaustiva dada a forma como é feita a análise de cada um dos meios de prova valorados, neles se incluindo o exame de pesquisa de álcool.
Do que se conclui que a fundamentação da matéria de facto, ao contrário do que pretende o recorrente, revela-nos todo o processo lógico e racional que esteve subjacente à convicção do tribunal, não se vislumbrando a existência de qualquer arbitrariedade nessa apreciação, razão pela qual não se suscita qualquer questão ou dúvida por parte deste tribunal.
Em suma: analisada sob critérios de razoabilidade e bom senso, a fundamentação exibida na decisão recorrida, permite avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
Por isso que o recurso não pode, deixar de improceder neste ponto.


C) Não valoração do depoimento da testemunha Eliana Marques Vieira.
Acentua o recorrente que o tribunal a quo omitiu por completo o depoimento da referida testemunha.
Ora, em primeiro lugar, há que frisar que a ponderação do Tribunal "a quo" sobre a prova produzida em audiência de julgamento, com os beneficios da oralidade e da imediação e com respeito pelo disposto, maxime, nos arts.125º e 127º, do Código de Processo Penal (CPP), não pode ser infirmada pela mera alegação de que o Tribunal valorou este depoimento em beneficio de outro, ou de que credibilizou uma versão dos factos em desabono de outra, quando se não demonstra nem, ex officio, se detecta, a ocorrência de um flagrante erro de julgamento ou mesmo a forte possibilidade de que um tal erro possa ter ocorrido.
Depois, por que, no caso, o Tribunal de 1ª instância, como já demonstrámos, com respeito pela regra estabelecida no artº 374º, nº 2 do C.P.P., revela, de forma transparente, as razões que, em sede de decisão sobre a matéria de facto, justificam as opções que tomou.
Inexiste, assim a invocada nulidade da sentença recorrida.
Do que se conclui que apesar do esforço argumentativo do recorrente, também neste plano o recurso não pode proceder.
D) Da violação do princípio in dubio pro reo
Alega o recorrente que a Mmª Juíza a quo violou o princípio in dubio pro réu, porquanto, os presentes autos configuram a situação típica de “palavra contra palavra”, sendo que, interroga-se o arguido, o comprovado “ambiente de conflito” não afecta teoricamente a credibilidade de ambas as partes da relação conflituosa?
Na sua perspectiva, “a prática judicial diz-nos que, em situações semelhantes, um “juiz médio” aplicaria o referido princípio.
Ora, como é sabido o princípio in dúbio pró reo, traduz uma imposição feita ao juiz no sentido de que este tem de decidir a favor do arguido sempre que tiver dúvidas sobre os factos decisivos para a solução da causa.
Só que de tal princípio não se pode extrair a conclusão do recorrente.
A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo existir quando, de forma evidente resulte que o tribunal, na dúvida optou por decidir contra o arguido.
Ora é evidente que pelas razões já atrás referidas não se vislumbra que tenha havido no espírito do tribunal qualquer dúvida sobre a prova dos factos que considerou provados e, como tal improcede manifestamente o recurso quanto a esta matéria.


Da nulidade da sentença (artº 374º, nº 2 do C.P.P.)
Nos termos do disposto no artº 374° n° 2 CPP "Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal".
Ora, acentua a recorrente que, foi alegado na contestação e durante o decorrer da audiência de julgamento que as insignificantes lesões descritas nos autos só podem ser consequência de uma propositada mas leve auto-agressão, premeditada para a constituição do suporte para um procedimento crime, como forma de pressionar a arguida a uma transacção no foro laboral em acção por despedimento sem justa causa, e que tal factualidade não consta nos "factos provados", nem nos "factos não provados".
Mas não tem razão a recorrente.
É que conforme se vê da transcrição acima feita, a decisão impugnada cumpriu de forma exemplar a obrigação legal decorrente do citado artº 374, nº 2 C.P.P., não se limitando, de resto, à simples enumeração dos meios de prova, antes explicitando o processo de formação da convicção do Tribunal, através da discussão do valor desses meios perante o caso concreto.
Mas mais do que isso. Consta expressamente no ponto VIII) do factos não provados que "A assistente tenha propositadamente auto-infligido as lesões descritas, com vista a ter um suporte para um procedimento crime contra a arguida".
Daí que, sem necessidade da maiores considerações se considere que a crítica dirigida à sentença neste particular não pode proceder.
Em suma, analisada sob critérios de razoabilidade e bom senso, a fundamentação exibida permite avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
Por isso que, apesar do esforço argumentativo da recorrente, o recurso não pode deixar de improceder, sob todos os aspectos.