Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1284/19.6T8VCT-E.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
ATA DE DELIBERAÇÕES DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO
ALEGAÇÃO DE FACTOS ESSENCIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I O art.º 6º do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, na redação anterior à dada pela Lei n.º 8/2022 de 10 de janeiro, e na atual redação, prevê que apenas pode servir de título executivo a ata em que constem as deliberações da assembleia de condóminos que procederam à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se quer o prazo de pagamento, quer a quota-parte de cada condómino, e não aquelas onde apenas se faça constar a declaração de que é devida determinada quantia global, e se delibere a sua execução.
II Quando o título executivo não contém alusão à causa de pedir (apenas a pressupondo), o credor/exequente não fica dispensado de a invocar e alegar no requerimento executivo, admitindo-se, nomeadamente em casos de títulos executivos complexos, que os mesmos poderão ser complementados por outros elementos.
III Se, considerando a alegação dos factos essenciais efetuada no requerimento executivo, e a complementar efetuada na contestação aos embargos de executado, e ainda os documentos juntos com esta peça complementares ao título, não estão devidamente titulados os valores em execução, nem os factos (essenciais) alegados no requerimento executivo permitem calculá-los (ainda que com base nos factos e documentos complementares juntos posteriormente), estamos perante faltas insupríveis, conducentes à ineptidão do requerimento executivo, excluindo a possibilidade de convite ao seu aperfeiçoamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I RELATÓRIO (com consulta eletrónica dos autos principais e apensos, e conforme resumo feito na sentença recorrida).

O Condomínio do Prédio sito na Rua ..., representado pela sua administração, na qualidade de exequente, veio, em 3/4/2019, intentar ação executiva para pagamento de quantia certa contra EMP01..., Lda. na qualidade de executada.

No requerimento executivo diz (com destaques nossos a negrito):
“1- A executada é proprietária da fracção ... correspondente à ... (A...) destinada a armazém do prédio constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., freguesia União das Freguesias ... (... e ...) e ..., concelho ....
2- Apesar de interpelada para o efeito, a executada não pagou as quotas referentes ao segundo semestre de 1997 (Junho a Dezembro); aos anos de 1998 a 2018 e, ainda, as obras efectuadas nos muretes, de acordo com o aprovado na assembleia geral de 08 de Julho de 2017 (pontos 5 a 8), conforme acta n.º ...2 que se junta e cujo teor por brevidade se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
3- Deve assim, actualmente, de quotas de condomínio:
- 104,72€ de Junho a Dezembro de 1997;
- 3.590,40€ dos anos 1998 a 2017 e
- 179,52€ do ano 2018,
num total de 3.874,64€ (três mil, oitocentos e setenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos).
4- Com efeito, em assembleia de condomínio de 08/07/2017, ficou aprovada por unanimidade a dívida da condómina, no valor de €3.605,36 (três mil, seiscentos e cinco euros e trinta e seis cêntimos) relativa ao período de Junho a Dezembro de 1997 e aos anos 1998 a Junho de 2017 - conforme acta n.º ...2 junta e cujo teor por brevidade se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
5- Desde dessa assembleia, venceram-se então conforme referenciado em 3-, o segundo semestre de 2017 (vencido em 01-01-2018) no valor de 89,76€ e, ainda as quotas de condomínio do ano 2018 (vencidas em 01-01-2019) no valor de 179,52€ – num total de 269,28€, tudo conforme orçamento aprovados e permilagem da fracção ....
6- Além das quotas de condomínio, a executada deve ainda a sua comparticipação nas obras efectuadas no prédio.
7- Nos termos daquela acta ...2, a assembleia de 8 de Julho de 2017 deliberou ainda a realização de obras nos muretes que, relativamente à fracção ... e segundo a sua permilagem de 22,6/1000, importavam uma responsabilidade de 159,94€.
8- Esse valor deveria ser pago até final de Setembro de 2017 pelo que se encontra em dívida desde ../../2017 (segundo ponto 8 da acta ...2).
9- Acresce que, nos termos da assembleia de 21 de julho de 2018, ficou ainda aprovado (ponto 5) o orçamento para a pintura exterior do prédio, no valor total de €32.595,00, devendo (conforme ponto 7) o respectivo custo ser pago com base na permilagem de cada fracção, até ao dia ../../2018 - conforme acta n.º ...3 junta e cujo teor por brevidade se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
10- Considerando que a fracção pertencente à executada possui a permilagem de 22,6/1000, deve a executada ao condomínio a título das obras aprovadas no ponto 5 o montante mencionado de 736,65€.
11- Conforme deliberado nas assembleias de 8 de Julho de 2017 e de 21 de Julho de 2018, às dívidas dos condomínios acrescem as custas e honorários de advogados sendo que, para os presentes autos, foram já liquidadas no valor de 553,50€ (IVA incluído), conforme atas n.º 32 e 33 juntas.
12- A executada foi interpelada por diversas vezes para proceder à liquidação das quantias em dívida ao referido condomínio mas nada liquidou.
13- O administrador do condomínio, AA, foi mandatado pela assembleia para proceder à cobrança da dívida pelas vias judiciais.
14- Constitui título executivo a ata da assembleia de condóminos em que se deliberou liquidar o montante em dívida pelo condómino aqui executado, nomeadamente, quotas-mensais de condomínio em dívida, honorários com advogado, juros e despesas com Agente de Execução que se venham a mostrar necessárias, nos termos do art. 6º, n.º 1 do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro.
15- Assim, o condomínio exequente é credor da quantia de 5.324,73€ (cinco mil, trezentos e vinte e quatro euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor que, à presente data, ascendem o valor de 259,55€ e da taxa de justiça previamente liquidada no valor de 25,50€.
16- A obrigação de pagamento de quantia certa é exigível nos termos do art. 703º, n.º 1, al. d) e art. 713º, ambos do C.P.C e art. 6º, n.º 1 do DL n.º DL n.º 268/94, de 25 de Outubro.
17- A dívida é certa, líquida e exigível e consta de título executivo, nos termos do art. 703º e 713º do C.P.C, e art. 6º do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro.
junta:
-acta ...2
- ACTA ...3”
Juntou as atas nºs. 32 e 33 da Assembleia Geral de Condóminos, a primeira datada de 8/7/2017, a segunda de 21/7/2017, conforme se reproduz parcialmente infra, mas esta contém lapso e refere-se antes a 2018, como refere a exequente no requerimento inicial e reitera na sua contestação aos embargos (correção a que se procederá sempre que se mencionar a mesma).
Relativamente à ata ...3 (…)
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(…)
Relativamente à ata ...2 (…)
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(…)
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No apenso B, em 12/9/2022, foi proferida sentença julgando habilitados os sócios da sociedade extinta, designadamente EMP02... e Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de BB, representada por CC e DD, a prosseguir a execução de que os presentes autos são apenso, cuja responsabilidade, tem como limitação o ativo pertencente à sociedade extinta.
No apenso C, em 8/2/2022, foi proferida sentença julgando habilitada a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de BB aqui representada pelos requeridos, CC e DD, para prosseguir nos autos apensos os seus trâmites, ocupando a posição processual daquele na lide.
*
A HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE BB, representada por DD e CC, executada nos autos principais, veio deduzir embargos de executado invocando a inexistência e inexequibilidade do título executivo.
Para o efeito refere, relativamente ao que aqui importa decidir, que as atas de Assembleia Geral de Condóminos de 08/07/2017 (ata n.º ...2) e 21/07/2018 (ata n.º ...3) dadas à execução não constituem título executivo.
Mais refere que de acordo com o art.º 6º n.º 1 do Decreto-lei n.º 268/94, a ata à qual se atribui força de título executivo, consiste na reunião da assembleia de condóminos da deliberação de aprovação do orçamento anual e definição da quota-parte de cada um dos condóminos - deliberação esta que é constitutiva da obrigação de pagamento da contribuição de cada um dos condóminos. Sendo tal ata uma formalidade ad substantiam relativamente à deliberação constitutiva da obrigação ao condomínio, não poderá a mesma ser substituída por uma ata de uma posterior reunião onde se delibere os montantes até então em dívida por determinado condómino.
Para a cobrança das dívidas reclamadas no requerimento executivo, o exequente juntou como título executivo as actas de reunião da Assembleia Geral de condóminos nº 32, de 08/07/2017 e nº 33 de 21/07/2018. As atas juntas e dadas como título executivo, não constituem deliberações de aprovação do orçamento anual e definição da quota-parte de cada um dos condóminos. Por outro lado, as atas dadas como título executivo não determinam nem discriminam em concreto as quotas em dívida, meses a que se referem, datas de vencimento e os respetivos montantes a entregar ao condomínio, assim como as prestações referentes a obras e respetivos montantes relativamente a cada condómino e datas de vencimento.
Mais acrescenta que nas atas não é feito apuramento discriminado de todas as prestações vencidas e não pagas, não constando a listagem das quotas em dívida, e respetiva data de vencimento, assim como das prestações relativas às obras.
A ata da reunião da assembleia de condóminos (ata n.º ...2 de 08/07/2017) no ponto 4 apenas refere que “Ficou aprovado por unanimidade que se executasse as dívidas mesmo que antigas, aos condóminos devedores, deve a execução prever e incluir já, as coimas possíveis de lhes serem aplicadas, que estão previstas no Regulamento do condomínio, bem como as custas e honorários de advogados pagos para os processos e a instaurar aos seguintes condóminos (…)EMP01... , Lda, com dívida de EUR 3605, 36. A este montante devem acrescidos os valores a suportar pelo Condomínio para as obras extraordinárias de conservação havidas em 1997 e 1998, nos montantes respetivos, a mencionar”.
E na ata de condóminos (ata ...3 de 21/07/2018), no ponto 4 é referido que: “Ficou aprovado por unanimidade, que se executassem as dívidas mesmo que antigas, aos condóminos devedores, devendo a execução prever e incluir já, as coimas possíveis de lhes serem aplicadas, que estão previstas no Regulamento do Condomínio, bem como as custas e os honorários de Advogados pagos para os processos a instaurar, aos seguintes condóminos:
(….) EMP01..., Lda, fracção ..., com divida de EUR 3.944,72. A este montante devem ainda ser acrescidos os valores suportados pelos Condómino para as Obras extraordinárias de Conservação havidas em 1997 e 1998, nos montantes respetivos, a mencionar (….).
Expõem ainda que resulta do teor das atas, que não se encontram indicados anos, meses, valores, nem estão discriminadas todas as prestações vencidas e não pagas, quer quanto às quotas, quer quanto as prestações das obras.
Por outro lado, acrescenta que não podem servir de título executivo relativamente ao segundo semestre de 2017, no montante de 89,76€, e ao ano de 2018, no valor de 179,94€, no total de 269,28€, períodos e anos que nem sequer estão abrangidos e mencionadas nas atas juntas.
Além de que, nas atas não são mencionados os montantes e prestações que cabe a cada condómino, relativamente às obras reclamadas.
Deste modo, conclui que deve ser reconhecido e declarado que as Atas de Assembleia Geral de Condóminos juntas (atas nºs 32 e 33) não constituem título executivo, e como tal deve ser declarado extinto o presente processo executivo e a herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de BB ser absolvida do pedido.
*
A exequente apresentou contestação, impugnando a matéria alegada e, no que aqui importa decidir, argumentando que os títulos executivos dados à execução preenchem todos os requisitos para valer como título executivo, não sendo inexistentes, nem inexequíveis.
Referiu ainda que os títulos dados à execução, atas 32 e 33, aprovam os orçamentos para julho de 2017/junho de 2018 e para julho de 2018/junho de 2019, pelo que incluem as quotizações reclamadas na execução.
Em suma, argumenta que foram válida e legitimamente aprovados os orçamentos para esses períodos nas atas 32 e 33, que elencam os valores referentes às quotas que são da responsabilidade dos condóminos. E que as atas 32 e 33 mencionam na ordem de trabalhos: nomeação dos condóminos a executar por dívidas ao condomínio, discriminando os valores em divida por parte da EMP01... Lda; deliberam os orçamentos anuais para as quotas indicadas em divida; e deliberam acerca das obras cujo valor também se encontra em divida.
Diz também que foi complementado o requerimento executivo da seguinte forma: “… a executada não pagou as quotas referentes ao segundo semestre de 1997 (Junho a Dezembro); aos anos de 1998 a 2018 e, ainda, as obras efectuadas nos muretes, de acordo com o aprovado na assembleia geral de 08 de Julho de 2017 (pontos 5 a 8), conforme acta n.º ...2 que se junta e cujo teor por brevidade se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.”
Acrescentando, ainda, que: “…Deve assim, actualmente, de quotas de condomínio:
- 104,72€ de Junho a Dezembro de 1997;
- 3.590,40€ dos anos 1998 a 2017 e
- 179,52€ do ano 2018,
Num total de 3.874,64€ (três mil, oitocentos e setenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos).”
E realçando: “…em assembleia de condomínio de 08/07/2017, ficou aprovada por unanimidade a dívida da condómina, no valor de €3.605,36 (três mil, seiscentos e cinco euros e trinta e seis cêntimos) relativa ao período de Junho a Dezembro de 1997 e aos anos 1998 a Junho de 2017 - conforme acta n.º ...2.”
Também mencionando as prestações que se venceram: “…venceram-se então conforme referenciado em 3-, o segundo semestre de 2017 (vencido em 01-01-2018) no valor de 89,76€ e, ainda as quotas de condomínio do ano 2018 (vencidas em 01-01-2019) no valor de 179,52€ – num total de 269,28€, tudo conforme orçamento aprovados e permilagem da fracção ....”
E relativamente às obras mencionam o valor em dívida, a data da deliberação, modo de pagamento e o incumprimento por parte da EMP02...: “…Além das quotas de condomínio, a executada deve ainda a sua comparticipação nas obras efectuadas no prédio….Nos termos daquela acta ...2, a assembleia de 8 de Julho de 2017 deliberou ainda a realização de obras nos muretes que, relativamente à fracção ... e segundo a sua permilagem de 22,6/1000, importavam uma responsabilidade de 159,94€….Esse valor deveria ser pago até final de Setembro de 2017 pelo que se encontra em dívida desde ../../2017 (segundo ponto 8 da acta ...2).”
E foi ainda mencionado: “…Acresce que, nos termos da assembleia de 21 de julho de 2018, ficou ainda aprovado (ponto 5) o orçamento para a pintura exterior do prédio, no valor total de €32.595,00,devendo (conforme ponto 7) o respetivo custo ser pago com base na permilagem de cada fração, até ao dia ../../2018 - conforme acta n.º ...3: considerando que a fração pertencente à executada possui a permilagem de 22,6/1000, deve a executada ao condomínio a título das obras aprovadas no ponto 5 o montante mencionado de 736,65€.
Conclui referindo que estão satisfeitos todos os requisitos para a exequibilidade e exigibilidade inerentes a esta execução.
Relativamente aos documentos que junta com a peça, correspondem às seguintes alegações:
“-9. Todos os orçamentos eram aprovados e eram comunicados os valores devidos aos condóminos em função da permilagem e em concreto à sociedade EMP01..., lda, – cfr. docs. ... a 10 que se dão integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais, tendo sido esta regularmente convocada para as assembleias de condóminos onde foram gerados os títulos executivos.” –os docs. ... a 10 respeitam, no que interessa, às interpelações, constando o valor de € 159,84 respeitante às obras nos muretes;
“-28. E, conforme consta da ata ...2 no ponto 5, do mapa da previsibilidade do custo total das obras - que apesar de ter sido adjudicada a obra os muretes por 7687,50 € depois por acordo com o empreiteiro apenas foram pagos pelo condomínio 7.072,50 € pelo que a fração da EMP01... Lda no mapa apesar de constar como devedora de 173,74 € apenas é devedora da quantia de 159,94 €, tal como peticionado no requerimento executivo- doc ...,” --o doc ... consiste num mapa de pagamento de obras e outro de previsão de obras.
“29. E igualmente como consta na ata ...3, do mapa da previsão total do custo e do orçamento que foi entregue relativo á obra das pinturas-cfr. docs 29 e 30;
30. E dos Documentos relativos aos valores em atraso por parte dos condóminos– docs ..., onde se espelham os valores em debito por parte da EMP02..., que instruíram os pontos 4 das atas 32 e 33 e discriminando os valores mensais devidos pela EMP01... Lda;” –os docs ... consistem num mapa do valor das quotas em atraso relativamente ao período de julho de 2017 a junho de 2018, no total de 3.784,88, e dívida anterior de € 3.605,36; mapa do valor das quotas em atraso de setembro a dezembro de 2016 e de janeiro a junho de 2017, no total de € 3,605,36, e com a dívida anterior de € 3.455,76, e os restantes docs. respeitam a contas, orçamentos para julho de 2017 a junho de 2018 e junho de 2018 a junho de 2019, e despesas de setembro de 2016 a junho de 2017 e de julho de 2017 a junho de 2018.
31. E ainda os mapas que serviram para aprovação das contas ponto 1 das atas 32 e 33- cft. Docs 33 a 36- onde se encontram elencados os valores das obras e sucessivos pagamentos das mesmas;
32. Constando inclusive dos anexos mapas pertencentes à mesma ata os valores à data em débito respeitantes às frações propriedade da EMP02..., descrevendo-se detalhadamente o que ficou devido.”
*
De seguida foi proferida decisão que culminou no seguinte: “Assim, face ao exposto e atento o teor das actas de condomínio ..., resulta apenas destas o valor global da dívida e não mais que isso, pelo que, pelas razões expostas, as mesmas não constituem título executivo, razão pela qual se julga procedente a exceção invocada de inexequibilidade do título e em consequência se extingue a execução à qual se encontra anexa o presente apenso.”
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Inconformada, a embargada/exequente apresentou recurso, terminando as suas alegações com as seguintes
- CONCLUSÕES –(que se reproduzem)

“I. O presente recurso tem por objeto a decisão sobre matéria de direito, e em concreto as normas jurídicas aplicadas pelo tribunal ad quo, e o sentido e interpretação que lhes foi adstrita, e versando indicar quais as normas que deveriam ter sido aplicadas, bem como evidenciar a omissão de pronúncia e falta de fundamentação;
II. Foi intentada uma ação executiva pelo condomínio - recorrente contra a proprietária da fracção ..., EMP01..., Lda.,
III. A dita sociedade comercial foi extinta, mediante procedimento administrativo de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, e encontra-se representada processualmente pelos sócios da sociedade extinta, designadamente EMP02... e Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de BB representada por CC e DD,
IV. A HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE BB, representada por DD e CC, executada nos autos principais veio deduzir embargos de executado invocando a inexistência e inexequibilidade do título executivo.
V. O tribunal ad quo em sede de decisão judicial, entendeu que das actas de condomínio ... resulta apenas o valor global da dívida e não mais que isso, pelo que, as mesmas não constituem título executivo, razão pela qual se julgou procedente a exceção invocada de inexequibilidade do título e em consequência extinguiu a execução à qual se encontra anexa o presente apenso.
VI. Na decisão o tribunal ad quo não faz referência, para fundamentar a sua decisão quer aos documentos que foram juntos com a contestação, nem quanto ao que foi invocado em sede de contestação pela recorrente, evidenciando falta ou deficiente fundamentação;
VII. Nos títulos executivos - atas 32 e 33, eram aprovados os orçamentos para Julho de 2017/Junho de 2018 e para Julho de 2018/Junho de 2019, pelo que incluem as quotizações reclamadas na execução;
VIII. Todos os orçamentos eram aprovados e eram comunicados os valores devidos aos condóminos em função da permilagem e em concreto à sociedade EMP01..., Lda., tendo sido juntos pela recorrente os orçamentos e comprovativos da comunicação á executada;
IX. O tribunal ad quo deveria ter considerado que as atas juntas pela recorrente satisfazem os requisitos de título executivo pois apesar de indicarem um valor global, no requerimento executivo procede-se à discriminação das dívidas que compõem aquele valor globalmente aprovado pelo coletivo de condóminos, de modo que o executado possa exercer plenamente o seu direito ao contraditório;
X. Atentos os valores indicados nas atas relativamente a quotas de condomínio, facilmente por simples cálculo aritmético se chega ao valor mensal, senão vejamos, foram indicadas como quotas de condomínio em divida:
- 104,72€ de Junho a Dezembro de 1997 – ou seja, 104,72 /7 meses =14,96€ mensal;
- 3.590,40€ dos anos 1998 a 2017, ou seja, (3590,40/20 anos) /12 meses =14,96€ mensal
- 179,52€ do ano 2018, ou seja, 179,52/12 meses = 14,96€ mensal,
XI. Com as atas foi junta a lista de presenças que indica o valor da permilagem que no caso da executada é de 22,6, pelo que quanto ao valor das quotas de obras peticionado, também por simples cálculo aritmético se poderia obter o valor, senão vejamos:
-Na acta ...2, a assembleia de 8 de Julho de 2017 deliberou ainda a realização de obras nos muretes que, relativamente à fracção ... e segundo a sua permilagem de 22,6/1000=0,0226, importavam uma responsabilidade de 159,94€.
-Na assembleia de 21 de julho de 2018, ficou ainda aprovado (ponto 5) o orçamento para a pintura exterior do prédio, no valor total de €32.595,00, devendo (conforme ponto 7) o respectivo custo ser pago com base na permilagem de cada fracção, até ao dia ../../2018 - conforme acta n.º ...3 considerando que a fracção pertencente à executada possui a permilagem de 22,6/1000, deve a executada ao condomínio a título das obras aprovadas no ponto 5 o montante mencionado de 736,65€ (0,032595*0,0226).
XII. O tribunal ad quo fez uma errada interpretação do previsto no artigo 6.º do DL no 268/94, de 25/10, e dos documentos juntos, bem como não atendeu ao que foi invocado em sede de contestação pela ora recorrente, havendo omissão de pronúncia.
XIII. As actas dadas à execução não carecem de se encontrar assinadas pelos condóminos que estiveram presentes na assembleia de condóminos cujo teor espelha.
XIV. Foi junto pela recorrente um documento- a lista de presenças e faz parte integrante de ambas as atas, em que se apõem a assinatura de todos os condóminos presentes;
XV. É unanime na doutrina e jurisprudência que em si a ata não tem de ser assinada por todos os condóminos desde que acompanhada da lista de presenças.
XVI. No artigo 6.º DL apenas se consigna são obrigatoriamente lavradas atas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha intervindo como presidente e subscritas por todos os condóminos nelas presentes.
XVII. A norma legal distingue, portanto, a redacção e assinatura da acta, as quais são responsabilidade da pessoa que preside à assembleia, da subscrição da mesma pelos condóminos presentes, ou seja, a aceitação do respectivo conteúdo narrativo, a qual não se confunde com a aposição da assinatura manuscrita e pode resultar pura e simplesmente da leitura da acta e sua aprovação pelos presentes, situação que na acta se menciona ter tido lugar.
XVIII. Os fundamentos enunciados no requerimento executivo são complementados com diversos documentos, que fazem parte integrante dos títulos executivos, como sejam, o orçamento quanto as quotas correntes e anuais e os orçamentos para a realização das obras dos muretes e telhado e mapas discriminando os valores em divida, que foram juntos pela recorrente.
XIX. Os documentos juntos com a contestação, onde se encontram discriminados os valores em divida pela executada, deveriam ter sido admitidos e tidos em consideração na decisão pelo tribunal ad quo, ao abrigo do dever da boa gestão processual e atento o previsto quer no artigo 6.º, e caso não se entendesse deveria ter sido dada oportunidade á recorrente para aperfeiçoar o requerimento executivo ao abrigo do artigo 726.º 4 ambos do Cpc, normas violadas pelo tribunal ad quo ao proferir-se uma decisão sem ter em conta estes dois preceitos e feito tabua rasa de todos estes elementos na fundamentação da decisão.
XX. Os títulos executivos dados á execução preenchem todos os requisitos para valer como título executivo, não são inexistentes nem inexequíveis, pois respeitam o preceituado legalmente nomeadamente o previsto no art. 703.º alínea d) do CPC em conjugação como artigo 6.º n.º 1 do Dl n.º 268/94 de 25/10,
XXI. Decorrendo esses elementos do título executivo não se torna necessário elencados exaustivamente no requerimento executivo, embora estejam discriminados também no requerimento executivo.
XXII. Tal como decorre do previsto no art. 724.º do CPC alínea e):” … no requerimento executivo expõe-se sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo …”.
XXIII. A necessidade de atribuir força executiva à ata de reunião da assembleia de condóminos, de acordo com o preâmbulo do decreto-lei 268/94, de 25/10, emerge da necessidade de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, dotando o condomínio dum instrumento célere e eficaz para a prossecução de uma das suas principais atribuições, a de cobrar as receitas e de exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas sem necessidade de prévia instauração de ação declarativa.
XXIV. Nas atas dadas como título executivo, porquanto se aprovou o orçamento anual, a estabelecer o orçamento anual para cada ano e que o montante correspondente à permilagem respeitante à fração de que a EMP02..., Lda. é proprietária, informação vertida no requerimento executivo, alcança-se por operação aritmética.
XXV. Tal como sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-03-2023: II - Para a formação de título executivo, a primitiva redação do art.º 6.º do decreto-lei 268/94, de 25/10 exige tão somente que da ata da assembleia de condomínio conste qual o montante das contribuições a pagar ao condomínio, já não assim a quota parte de cada condómino ou que esta se encontre em dívida.
XXVI. E no Acórdão da RP de 15/01/2019 – Relatora: Maria Cecília Agante, Processo nº. 13190/18.7T8PRT-A.P1 -, no qual se consignou que o “artigo 6º/1 do decreto-lei 268/94 não faz depender a força executiva da ata da assembleia de condóminos da liquidação do montante concreto, certo, da dívida de cada condómino, bastando que os dados da ata e dos demais documentos que a completam permitam determinar esse valor. Cremos até bastar a menção do valor global devido ao condomínio por contribuições correntes, pela realização de despesas de conservação ou fruição das partes comuns ou para pagamento de serviços de interesse comum, se os demais dados permitirem que cada condómino, pela aplicação da permilagem da sua fração ao valor global, conheça o montante que lhe diz respeito”;
XXVII. Realizam-se anualmente milhares de assembleias de condomínio de prédios constituídos em propriedade horizontal, por todo o país. As atas só excecionalmente serão redigidas por juristas e ainda menos por juristas experimentados e alertados para uma matéria consistente na formação de título executivo, consubstanciado nas próprias atas. As atas serão quase sempre elaboradas por cidadãos sem conhecimentos específicos. Mesmo entre os juristas aplicadores do direito vimos jáas controvérsias instaladas.
XXVIII. Das atas em causa nos autos constam os elementos bastantes para apurar o montante em dívida por referência a cada ano. Basta aplicar ao montante total do orçamento anual a permilagem correspondente à fração do embargante. O deslindamento do valor exequendo depende, pois, de mera operação aritmética.
Podemos ter por determinados, em face das atas exequenda, os quantitativos a cobrar a qualquer dos condóminos.
XXIX. O risco inerente ao título executivo constituído por atas de assembleias de condomínio não se prende com o facto de dele constar o total das prestações em dívida e a permilagem correspondente a cada condómino ou, em alternativa, o valor correspondente a cada condómino
XXX. Mostram-se verificados os requisitos efetivamente elencados na legislação em vigor às datas das realizações das assembleias, a lei aplicável exige tão somente que da ata conste qual o montante das contribuições devidas ao condomínio, o que no caso concreto se verifica.
XXXI. A acta pode conter o valor global devido ao condomínio (seja por contribuições correntes, seja para realização de despesas de conservação ou fruição das partes comuns, ou para pagamento de serviços de interesse comum), mas deve permitir que a cada condómino, pela simples aplicação da permilagem da sua fracção ao valor global, saber qual o montante que lhe toca (se outro critério não for expressamente deliberado).
XXXII. Desta forma, as atas constituem fonte das obrigações exequendas.
XXXIII. Pelo que deveria ter sido diversa a decisão do tribunal ad quo quanto ao recorrente.
XXXIV. O tribunal ad quo viola, faz má interpretação e aplicação das normas dos  artigos 6.º do Dl 268/94, de 25 de Outubro e artigos 6.º, 10.º n.º 5, 703.º alínea d) e 724.º, 726.º n.º 4 todos do CPC.”
Pede que se considerem as atas – títulos executivos exequíveis e não se extinguindo a execução.
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A embargante/executada apresentou contra-alegações....
Pede que se negue provimento ao recurso.
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O recurso de apelação foi admitido com subida imediata, nos autos e foi-lhe dado efeito devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal.
Não foi proferido o despacho previsto no art.º 617º, n.º 1, C.P.C., não se mostrando todavia indispensável a descida dos autos para o efeito (cfr. o seu n.º 5).
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, 609º, n.º 1, 635º, n.º 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:
-se o Tribunal incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, ao não considerar a prova documental junta na contestação aos embargos, ou por falta ou deficiente fundamentação;
-se a exequente tem título executivo, ou se antes dessa consideração se impunha o convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo.
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III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade a atender é a que consta do relatório supra e que corresponde ao teor e documentos juntos com o requerimento executivo e contestação aos embargos.
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IV MÉRITO DO RECURSO.

NULIDADE DE DECISÃO.

Embora não indique a norma em causa, o recorrente suscita a nulidade da decisão por omissão de pronúncia ao referir na conclusão XII que “O tribunal ad quo fez uma errada interpretação do previsto no artigo 6.º do DL no 268/94, de 25/10, e dos documentos juntos, bem como não atendeu ao que foi invocado em sede de contestação pela ora recorrente, havendo omissão de pronúncia.”
Com esta argumentação relaciona-se uma outra que vem referida na conclusão XIX em que diz “Os documentos juntos com a contestação, onde se encontram discriminados os valores em divida pela executada, deveriam ter sido admitidos e tidos em consideração na decisão pelo tribunal ad quo, ao abrigo do dever da boa gestão processual e atento o previsto quer no artigo 6.º, e caso não se entendesse deveria ter sido dada oportunidade á recorrente para aperfeiçoar o requerimento executivo ao abrigo do artigo 726.º 4 ambos do Cpc, normas violadas pelo tribunal ad quo ao proferir-se uma decisão sem ter em conta estes dois preceitos e feito tabua rasa de todos estes elementos na fundamentação da decisão.”
Igualmente suscita a nulidade por falta ou por deficiente fundamentação quando diz “VI. Na decisão o tribunal ad quo não faz referência, para fundamentar a sua decisão quer aos documentos que foram juntos com a contestação, nem quanto ao que foi invocado em sede de contestação pela recorrente, evidenciando falta ou deficiente fundamentação;”.
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Vejamos primeiro sob o prisma da nulidade da decisão.

Dispõe o art.º 615º, nº. 1, do C.P.C., que é nula a sentença quando: (…)
“b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”.
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cfr. Acórdão desta Relação de 4/10/2018 em que foi relatora a Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha, e do STJ de 17/10/2017, publicados em www.dgsi.pt, como todos os que citaremos sem outra indicação).
Conforme Acórdão desta Relação relatado pela Exmª Srª desembargadora Drª Maria João Matos com a mesma data e igualmente publicado “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).”
O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença/acórdão.
Da conjugação das normas decorre que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras (cfr. Ac. desta Relação de 5/4/2018).
Porém questões não são factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9/2/2012, segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.”
Dúvidas não há, porém, que o tribunal só pode apreciar questões que lhe forem suscitadas pelas partes - salvo as que forem de conhecimento oficioso - sob pena de, assim não sendo, cometer a nulidade no segmento inverso, ou seja, conhecer de questões que não foram suscitadas.
Nesse sentido, o Tribunal tem de conhecer de “…todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, 2º, 2ª edição, pág. 704).
Também no que respeita à suposta não consideração de factos essenciais constitutivos da causa de pedir ou em que se baseiam as exceções invocadas que tenham sido alegados pelas partes (cfr. a imposição dos art.ºs 5º, n.º 1 e 607º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aqui adaptados uma vez que o Tribunal a quo não elencou os factos, porque se tratou do conhecimento de uma exceção dilatória, mas teve-os como seu pressupostos -veremos se teve todos os que podia/devia ou não)-, entende-se que essa omissão reconduz-se ao vício de deficiência do julgamento da matéria de facto, ou seja, a erro de julgamento da matéria de facto, vício que não determina, em regra, a nulidade da sentença/despacho (cfr. n.º 3 do art.º 613º, n.º 3, C.P.C.), designadamente, por omissão de pronúncia, salvo o caso de falta absoluta da sua consideração (ou, conforme outro entendimento, também a decisão incompleta, insuficiente ou ilegal), que integrará antes o vício de falta de fundamentação, causa de nulidade de sentença face à alínea b) do n.º 1 do mesmo art.º 615º.

Ao invés, a deficiência do julgamento da matéria de facto, sempre que ocorra, ao impedir o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso, atento o pedido, causa de pedir e exceções que nele foram invocados pelas partes, é de conhecimento oficioso do tribunal ad quem, impondo-lhe que, no uso dos seus poderes de substituição, sempre que o processo contenha todos os elementos de prova que lhe permitam com a necessária segurança fazer o julgamento de facto quanto á matéria em relação à qual o Tribunal a quo não tomou posição -art. 665º, ex vi, art. 662º, n.º 1 do CPC), supra esse vício fazendo ele próprio o julgamento da matéria de facto quanto a essa concreta factualidade, sem prejuízo de haver casos em que se justifique ou imponha, conforme previsto na alínea c), do n.º 2 do art. 662º, C.P.C., a anulação da decisão recorrida - Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, págs. 293 a 295 da 4ª ed..
Deste ponto de vista, indefere-se desde já a suscitada nulidade de decisão por omissão de pronúncia, uma vez que o que vem invocado é precisamente a não consideração de factos/elementos alegados (na contestação aos embargos) tendentes a completar a alegação inicial (apresentada no requerimento executivo).
Intercalando aqui a questão da falta de fundamentação, diremos primeiro que o dever de fundamentação assenta no principio constitucional da obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente (art.º 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
A fundamentação tem de ser factual e jurídica. E, de acordo com o n.º 2 do art.º 154º, não pode ser através da mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição em apreço, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade. O dever de fundamentação abrange todos os pedidos controvertidos e todas as dúvidas suscitadas no processo, mas também abrange o dever de explicitação dos motivos que levaram o julgador a dirimir a controvérsia em determinado sentido.
Concomitantemente com o dever geral de fundamentação, existem regras específicas que devem ser observadas na elaboração da sentença, elencadas no art.º 607º, do C.P.C.: na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Daí decorre a imposição do art.º 640º C.P.C. relativamente aos ónus de impugnação da matéria de facto.
Pode divergir-se se a falta absoluta constitui a causa de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615º – “a ausência total de fundamentos de direito e de facto” conforme refere José Alberto dos Reis “Código V cit., pág. 140, e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª. ed., 1985, págs. 670 a 672; ou se a integra uma fundamentação apenas incompleta ou insuficiente.
Tem sido posição maioritária da jurisprudência que apenas a falta absoluta conduz à nulidade; admite-se que uma insuficiência grosseira (situação diversa da falta de mérito justificativo suficiente para justificar a parte dispositiva, que sempre se traduzirá antes em erro de julgamento) possa equivaler à falta, mas de qualquer modo nunca será essa a questão destes autos.
A decisão mostra-se fundamentada, com a factualidade alegada e com apelo às normas aplicáveis.
A falta de consideração de meios documentais probatórios ou de factos alegados incidirá antes e igualmente sobre o erro de julgamento da matéria de facto, a analisar no âmbito dos art,ºs 662º, nos termos já mencionados.
Improcede igualmente esta nulidade assacada à decisão recorrida.
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Sob outro prisma, caberá atentar se o Tribunal a quo omitiu despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, previsto no art.º 726º, n.º 4, C.P.C..
Esse n.º 4 ressalva desde logo os casos do n.º 2; se o requerimento executivo contiver um dos vícios aqui elencados (designadamente, conforme alínea a), caso seja manifesta a falta ou insuficiência do título, que é algo diverso da falta de indicação da causa de pedir, sendo este vício integrável na alínea b) e gerador de ineptidão, e implicando a nulidade de todo o processado – cfr. art.ºs 186º e 196º, C.P.C.-, embora ambos com a mesma cobertura e consequência), então, porque não são sanáveis, e são de conhecimento oficioso, o Tribunal tem de proferir despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo.
Significa isto que o despacho de convite ao aperfeiçoamento está reservado, como bem diz o nº. 4, ao suprimento de irregularidades do requerimento executivo, bem como à sanação de falta de pressupostos (salva a redundância, suscetíveis de sanação), aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6º.
Sucede que não nos encontramos em sede executiva, na respetiva fase liminar, mas em sede de embargos de executado.
Os embargos de executado são um enxerto (ação) declarativo, correndo por apenso ao processo de execução.
No que ao nosso caso interessa, terminada a fase dos articulados, aplicam-se aos termos subsequentes do processo as normas do processo comum de declaração –art.º 732º, n.º 2, C.P.C..
Nesta medida, após facultar às partes a discussão de facto e de direito, o juiz pode “Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.” –art.º 595º, n.º 1, b) do C.P.C..
Ultrapassada a fase de pré- saneamento –art.º 590º, n.º 2, do C.P.C.-, e se a matéria de facto relevante para apreciar os fundamentos da ação e da defesa já se encontrar provada por efeito legal de acordo das partes (art.º 574º do C.P.C.), dada a força probatória plena de documentos (art.ºs 371º e 376º do C.C.) ou da confissão (art.º 358º do C.C.); ou caso toda matéria controvertida careça de prova documental e seja a parte notificada para proceder à junção da referida prova para conhecimento imediato do mérito da causa, nos termos do art.º 590º, n.º 2, c) do C.P.C., sem que a parte o faça; ou caso a matéria de facto controvertida não seja relevante para a decisão da causa de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito passíveis de apreciação; nesses casos pode ser proferido saneador sentença –cfr. Ac. de 5/5/2022 desta Relação (processo n.º 2322/20.5T8VCT.G1).
Havendo matéria controvertida relevante para apreciar os fundamentos da ação ou da defesa, deve identificar-se o objeto do litígio e enunciar-se os factos controvertidos relevantes que integram o objeto da prova em audiência (art.º 596º do C.P.C.), e, realizada audiência de julgamento, será proferida sentença final, com fundamentação de facto e de direito (art.ºs 607º a 609º do C.P.C.).
Também pode suceder que a matéria que se possa naquela fase dar por assente seja insuficiente para a apreciação e resolução de todos os pedidos, mas seja o bastante para o conhecimento parcial do mérito. Nesse caso, tendo por orientação o princípio da economia processual, deve ser conhecido parte do objeto, e remetida a restante parte para conhecimento em sede de sentença, percorridos os trâmites seguintes.
Esta matéria deve ser conjugada com outra, dados os termos do presente caso.
De acordo com o princípio do dispositivo que vigora no nosso Código de Processo Civil, incumbe ao autor/requerente alegar os factos que integram a causa de pedir e aos réus/requeridos aqueles em que se baseiam as exceções (forma de oposição), só podendo o julgador fundar a decisão nos factos alegados pelas partes. Em conformidade, dispõe o art.º 5º, n.º 1, do C.P.C. que “ás partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
A nossa lei opta, no art.º 581º do C.P.C., pela teoria da substanciação da causa de pedir, incumbindo ao A. articular os factos dos quais deriva a sua pretensão, ou seja, a causa de pedir. Assim, esta consiste nos factos (concretos) essenciais que servem de fundamento à ação (art.º 552º, n.º 1, d), C.P.C.).
Esta teoria tem vindo a ser objeto de reflexão face à reforma do nosso Código de Processo Civil operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, e, numa leitura conforme aos art.ºs 552º, n.º 1, d), 572º, c), 584º, n.º 1, 587º, n.º 1 e 5, n.ºs 1 e 2 do CPC, defende-se agora a chamada teoria da individualização aperfeiçoada, segundo a qual a causa de pedir é constituída apenas pelos factos necessários à individualização do pedido do autor –cfr. para maiores desenvolvimentos os Acs. desta Relação de 19/12/2023 relatado por Gonçalo Oliveira Magalhães (processo n.º 7057/18.6T8BRG-A.G1, onde se cita, além de outros o Ac. da Rel. do Porto de 8/3/2022), e de 9/11/2023 (processo n.º 872/20.2T8VNF-H.G1), concretamente a declaração de voto apresentada.
Dizem Lopes do Rego (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., págs. 252 e253), Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (“Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 40) que factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a exceção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam imprescindíveis para a procedência da ação, da reconvenção ou da exceção; factos instrumentais são os que se destinam a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa.
Estas considerações terão de ser devidamente adaptadas à ação executiva e embargos de executado, e concretamente tendo em conta o título executivo em causa, da forma que mais à frente iremos delinear.
Significa isto que, neste apenso e nesta fase, o que urge saber é se o Tribunal a quo devia ter usado do seu poder/dever de dar cumprimento ao disposto no art.º 590º, n.º 2, C.P.C..

Conforme vem melhor desenvolvido e depois sumariado no Ac. do STJ de 6/2/2024 (processo n.º 1566/22.0T8GMR-A.S1): “V – A omissão indevida do convite do aperfeiçoamento, envolvente da violação do princípio da cooperação e do dever de gestão processual, integra a nulidade a que se refere o artigo 195º/1, do CPCivil, suscetível de afetar a sentença final.
VI – A omissão do despacho de aperfeiçoamento não origina, em si mesma, uma nulidade processual, mas antes uma nulidade da decisão se (e apenas se) a deficiência do articulado constituir o fundamento utilizado pelo tribunal para julgar improcedente o pedido formulado pela parte.”
A sanação de vícios suscetíveis de serem ultrapassados integra-se nos poderes deveres do juiz, de uso ofícios, e tem a sua génese no princípio do primado da decisão de mérito sobre a decisão meramente fornal.
A nulidade processual que só é evidenciada pela prolação do despacho, torna a reação do recorrente tempestiva, pois só agora a mesmo soube que o Tribunal não adotou determinada conduta prévia que se impunha. Isto é, estando em causa uma nulidade processual e não uma nulidade do despacho ou sentença, ocorrida antes de ter sido proferido o despacho (ou sentença), mas que só com a prolação deste é que aquela se evidenciou, tal torna tempestiva a sua arguição em sede de recurso (cfr. art.º199º, n.º1, do C.P.C.). Admitimos que esta nulidade pode ser invocada como integrando o vício de omissão de pronúncia do art.º615º, n.º 1, d) -cfr. n.º 4.
Melhor apreciação desta questão exige que se entre no restante objeto do recurso ou seja, impõe-se previamente saber o que tinha o exequente de alegar e juntar no seu requerimento executivo.
Há que distinguir as diferentes situações concretas, em que há verdadeira falta ou insuficiência de título, ou apenas urge completar o mesmo, ou até juntá-lo aos autos, o que passa pela destrinça entre título executivo e causa de pedir na ação executiva, matéria a que também voltaremos –cfr. a apreciação feita no Ac. da Rel. de Lisboa 19/5/2020, processo n.º 22539/17.9T8LSB-A.L1-7.
Porém, nesta questão da possibilidade de invocar em sede recursiva a omissão de convite ao aperfeiçoamento, deparamo-nos com uma razão para desde já afastar tal argumento: não faria sentir mandar juntar/aperfeiçoar algo que o recorrente diz estar no processo, junto com a (e na) sua contestação aos embargos; reiteramos que esta apreciação faz-se no apenso de embargos e não em sede de processo executivo, face ao respetivo requerimento, e em sede de apreciação liminar do mesmo.
Portanto, o que temos de verificar é se de facto o processo continha todos os elementos para decidir a exceção, ou se eventualmente não foram devidamente considerados todos os elementos (nomeadamente verificando se foi desconsiderado algum elemento junto na contestação aos embargos), ou se oficiosamente devia ter sido mandado juntar, ou alegar, algo mais.
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Decorre do disposto no art.º 10º, n.º 5, do C.P.C., que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 3ª Edição, na pág. 33), referem que “o título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto (n.º 5), assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação (art.º 53º, n.º 1).
O objeto da execução tem de corresponder ao objeto da situação jurídica acertada no título (…). É também pelo título que se determina a quantum da prestação.”
Do título executivo resulta, pois, a exequibilidade da pretensão executanda.

Conforme refere Rui Pinto (“A Acção Executiva”, 2020, Reimpressão, págs. 136 a 138), o título executivo tem uma função de representação (representação dum facto jurídico) – os factos jurídicos representados pelo título executivo são os ‘factos principais integrantes da causa de pedir em que se funda o pedido de execução: os factos de aquisição do direito ou poder a uma prestação. Pode, por isso, definir-se o título executivo como ‘o documento pelo qual o requerente de realização coativa da prestação demonstra a aquisição de um direito ou poder a uma prestação, segundo requisitos legalmente prescritos’. Representa a causa de pedir, mas não é o título a causa de pedir (existe autonomia entre o título e a obrigação, não sendo o documento que corporiza o titulo a causa de pedir) – demonstrada a causa de pedir nos termos formalmente exigidos, pode ser deduzido o pedido de realização coactiva da prestação, ainda que esta função do título (função de representação da causa de pedir) seja ‘tratada de modo flexível pela lei, de modo a acomodar diferentes cenários de suficiência do teor do título executivo’, devendo a causa ou fundamento da obrigação exequenda, quando não constar do título, ser alegada no requerimento executivo (cfr. art.º 724º, n.º 1, e), do CPC), sob pena de ineptidão do requerimento executivo, por falta de causa de pedir, com a consequente nulidade de todo o processo.
Quando o título executivo não contém alusão à causa de pedir (apenas a pressupondo), o credor/exequente não fica dispensado de a invocar e alegar no requerimento executivo.
Estas considerações terão particular importância em casos de títulos executivos complexos, ou seja, quando os mesmos poderão ser complementados por outros elementos.
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Passando então para o título executivo, a execução só pode ter como título um dos que se encontram taxativamente elencados no art.º 703º, n.º 1, do C.P.C..
No seu n.º 1 al. a) consigna-se que à execução (apenas) podem servir de base (d) “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”
À partida a data que relevaria para tal aferição deveria ser a da entrada da execução –cfr. Artº. 6º, nº. 3, da Lei 41/2013 de 26/6.
Porém, o Ac. do Tribunal Constitucional nº. 408/2015 de 23/9 (DR 1ª série, nº. 201, de 14/10/2015, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703º do C.P.C., aprovado em anexo à Leio nº. 41/2013 de 26/6, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artº. 46º, nº. 1, c), do C.P.C. de 1961, constantes dos artºs. 703º C.P.C. e 6º, nº. 3, da Lei nº. 41/2013, por violação do princípio da proteção da confiança –artº. 2º Constituição da República Portuguesa.
Esta interpretação, embora não se refira aos documentos previstos na alínea d), a nosso ver, poderá ser aí igualmente acolhida, muito embora sejam situações diferentes dado que uma tem origem negocial e outra origem legal. De facto, em cada momento as partes “obedecerão” (ou respeitarão) à lei então em vigor.
Estas considerações não importam diretamente ao caso, em que se suscita o disposto no art.º 6º do DL n.º 268/94, de 25/10, o qual foi alterado pela Lei n.º 8/2022 de 10/1, mas em que as atas juntas ao requerimento executivo reportam-se a julho de 2017 e a execução foi intentada em 3/4/2019, pois aquela lei só entrou em vigor em 10/4/2022 (cfr. o seu art.º 9º, sendo que foi publicada no DR 1ª série de 10/1/2022).
Não se trata aqui por isso da aplicação da lei nova no tempo.
Mas poderá importar saber a posição (posterior) do legislador, se entendermos que a lei teve intenção/caráter interpretativa nesta questão.
Na primeira redação dispunha no seu n.º 1: “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”
Com a redação dada por aquela lei, passou a dispor: “1 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
2 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no n.º 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
3 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.”
Para além de outras questões relativamente à abrangência do título, e que não importam ao caso, o legislador assumiu posição no sentido de uma das correntes que já se vinha desenvolvendo no que respeita às exigências do que deve constar da ata para que se lhe confira força de título executivo, em conjugação com o artº. 703º, d), do C.P.C.: uma defendia que apenas atribui força executiva às atas em que constem as deliberações que procederam à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se o prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino –basicamente o que ficou consignado na lei; e outra defendia que confere força executiva à deliberação que procede à discriminação ou liquidação dos montantes em dívida por cada condómino.
Mas o seu caráter interpretativo tem sido alvo de controvérsia, havendo decisões num e noutro sentido (cfr. Acs. da Rel. do Porto de 27/3/2023, proc. 21684/16.2T8PRT-A.P1, e de 13/6/2023 da Rel. de Coimbra, processo n.º 1089/22.7T8SRE-B.C1, estes no sentido negativo, e no sentido da afirmação dessa intenção legislativa o Ac. da Rel. de Guimarães de 27/04/2023, proc. 2251/22.8T8GMR.G1, e da Rel. do Porto de 27/11/2023, processo n.º 756/23.2T8PRT-A.P1, na nota 8).
Não precisamos de assumir posição expressa num ou noutro sentido porque o nosso entendimento é no sentido mais exigente da lei, ou se quisermos, mais restritivo, na medida em que sufragamos a posição que acabou por ser acolhida na nova redação; ou seja, será título executivo a ata que contém a deliberação de aprovação do orçamento anual e definição da quota-parte de cada um dos condóminos (ou elementos que o permitam determinar), bem como o prazo de pagamento. Foi também esta a posição do Tribunal recorrido. A questão que se coloca é se analisou bem e todos os elementos constantes dos autos. Naquele sentido e por todos, vejam-se os Acs. da Rel de Lisboa de 28/4/2022 (processo n.º 672/21.2T8LSB.L1-8), de Évora de 20/3/2021 (processo n.º 5821/19.8T8STB-G.E1), e de Coimbra de 23/1/2018 (processo n.º 7956/15.7T8CBR-A.C1).
A justificação para a posição assumida decorre da conjugação das normas que regulam a propriedade horizontal. Por força do art.º 1424º, n.º 1, C.C., os condóminos estão obrigados a contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, em regra em montante proporcional ao valor das respetivas frações, regra essa que admite disposição em sentido contrário (cfr. também o n.º 2). Cabe ao administrador elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano por força do previsto na alínea b) do art.º 1436º, n.º 1, do C.C., o qual deverá ser sujeito a aprovação em assembleia dos condóminos, convocada pelo administrador para a primeira quinzena de janeiro de cada ano -art.º 1431º do C.C.. Aprovado o orçamento, incumbirá ao administrador cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns – art.º 1436º, n.º 1, alíneas d) do C.C.) - e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas - art.º 1436º, n.º 1, alínea f) do mesmo.
Tudo conjugado, então a deliberação a que se refere a alínea f) do n.º 1 do art. 1436º do Cód. Civil – deliberação de aprovação do orçamento das despesas e definição da quota-parte de cada um dos condóminos -, ou a deliberação a que se refere o n.º 6 - que aprove orçamento para obras de conservação extraordinária ou que constituam inovação, bem como a quora parte de cada um – é constitutiva da obrigação de pagamento da contribuição de cada um dos condóminos, dotando o art.º 6º a respetiva ata de força executiva.
Havendo incumprimento por parte de algum deles, o administrador de condomínio encontrar-se-á devidamente habilitado para proceder à respetiva cobrança judicial sem necessidade de qualquer deliberação de autorização nesse sentido por parte do condomínio.
Não sendo, como se referiu, o elenco de títulos executivos suscetível de aplicação por analogia é unicamente à ata em que é tomada a deliberação de aprovação de determinadas despesas e a forma de comparticipação pelos condóminos que é atribuída força executiva. É esta deliberação que é constitutiva da obrigação de cada um dos condóminos, sendo que a ata na qual a mesma é exarada constitui um requisito essencial, uma formalidade ad substanciam, para a respetiva validade e vinculação de todos os condóminos –cfr. SANDRA PASSINHAS - “A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal”, 2ª edição, págs. 265-267 - e Rui Pinto - “Novos Estudos de Processo Civil”, págs. 197 e 198.
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Isto posto, vejamos a aplicação ao caso.
Na ata n.º ...3 e no que respeita à fração ... da executada aqui em causa consta que tem o valor em dívida de € 3.944,72, e que a esse montante deve acrescer os valores suportados pelo condomínio para as obras extraordinárias de conservação havidas em 1997 e 1998 “nos respetivos montantes, a mencionar”. Nessa ata foi aprovado o orçamento para pintura exterior do prédio, no montante de € 39.595,00, bem como que cada condomínio teria de pagar o valor respetivo até ../../2028. Essa ata é complementada por uma lista de presenças em que, no que concerne à fração ..., consta a permilagem de 22,6.
Na ata n.º ...2 e no que respeita à fração ... da executada aqui em causa, consta a dívida no total de € 3.605,36. Mais consta a aprovação do orçamento para obras urgentes no telhado e nos muretes, no valor de € 22.136,92 e € 7.687,50; mais consta que foi distribuído mapa com o custo a suportar por cada condómino, e que as obras seriam pagas de acordo com a permilagem, e que o pagamento teria de ser feito até setembro. Essa ata é complementada por uma lista de presenças em que, no que concerne à fração ..., consta a permilagem de 22,6.
Ora, relativamente a obras temos os valores totais, e a permilagem da executada, tudo constante das atas respetivas; pelo que, relativamente aos valores de 736,65 de pintura a ata ...3 permite chegar ao valor apurado (e aprovado) de € 736,65 (22,6 ‰ que consta da lista de presenças como sendo a permilagem aplicada à executada, de 32.595,00); relativamente à obra nos muretes, a ata ...2 permite contabilizar o valor de € 173,74 (22,6 ‰ de € 7.687,50), estando aqui em causa € 159,94 –cfr. explicação dada no ponto 28 da contestação aos embargos.
Igualmente resulta das atas a aprovação das datas de pagamento: 30/11/2018 e setembro de 2018. 
Em ambas as atas e no que respeita às obras foi concreta e especificamente aprovado que as mesmas serão pagas em função da permilagem.
Foi este o raciocínio que presidiu à decisão proferida no Ac. da Rel. do Porto de 27/11/2023 (processo n.º 756/23.2T8PRT-A.P1) e que aqui também aceitamos, dizendo-se no mesmo: “Ora, procedendo à exegese da ata nº ...1, verifica-se que na assembleia geral de condóminos realizada em 15 de junho de 2021 foi aprovada uma “quota extra” para a realização das ditas obras de reabilitação, no montante total de €634.185,48, tendo sido deliberado e aprovado que o montante que caberia a cada um dos condóminos nessa quota extraordinária deveria ser pago até ao dia 15 de julho de 2021.
Resulta igualmente dos suportes documentais juntos que à fração da executada corresponde uma permilagem, no referido prédio, de 17,68.
As mencionadas atas e respetivos anexos (que delas fazem parte integrante) permitem, assim, quantificar os montantes e os prazos de vencimento das obrigações em mora, por aí se indicar o montante da despesa global, tornando-se então determinável, pela simples aplicação da permilagem relativa a cada fração que integra o edifício, o quantum devido por cada condómino que, no caso, se cifra no montante de €11.212,40 [€634.185,48 x 17,68‰].
Tais atas são, pois, dotadas dos necessários requisitos de exequibilidade extrínseca, sendo que, neste conspecto – e ao invés do que sustenta a apelante -, o citado art. 6º, nº 1 do DL nº 268/94 não faz depender a força executiva da ata da assembleia de condóminos da liquidação do montante concreto, certo, da dívida de cada condómino, bastando que os dados da ata e dos demais documentos que a complementam permitam determinar esse valor, isto é, bastará a menção do valor global devido ao condomínio por contribuições (sejam elas ordinárias ou extraordinárias), se os demais dados permitirem que cada condómino, pela aplicação da permilagem da sua fração ao valor global, conheça o montante que lhe diz respeito”

Já no que respeita a outros valores, regista-se:
-quanto a quotas em dívida, temos apenas a menção a valores globais, e a remissão para “outros montantes respetivos, a mencionar”;
-a aprovação de contas e orçamentos, conforme atas juntas e tendo-se estas complementadas pelos documentos/orçamentos e contas juntos com a contestação aos embargos, não permitem saber em cada mês qual o valor em dívida nos anos de 1997 e de 1998 a 2017, acrescendo porém o seguinte:
.dos mapas de dívidas resulta que de setembro de 2016 a dezembro de 2016 e de janeiro a junho de 2017, a quota devida foi de € 14,96/mês; porém não consta a aprovação do respetivo orçamento, nem prazo de pagamento;
.dos mapas resulta que de julho de 2017 a junho de 2018 é devida a quantia mensal de € 14,96; consta também a aprovação do orçamento de julho de 2017 a junho de 2018 e julho 2018 a junho de 2019; porém, quanto a este ano de 2018, é alegado o vencimento a 1/1/2019, pelo que a ata de julho de 2018, para além de não mencionar o prazo de pagamento, também dela não pode decorrer o seu vencimento, pelo que não pode sustentar a “dívida” de 2018, apenas podendo documentar a do 2º semestre de 2017 (resultando da ata ...3 que está em dívida, logo vencida pelo menos em 1/1/2018, como alegado), ou seja, € 89,76;
-quanto a despesas com honorários e taxa de justiça também não consta das atas a aprovação de qualquer valor, apenas se faz menção à sua cobrança -cfr. Ac. da Rel. do Porto de 18/2/2019 (processo n.º 25136/15....).
Isto, posto, conclui-se que, considerando a alegação dos factos essenciais efetuada no requerimento executivo, e a complementar efetuada na contestação aos embargos de executado, e ainda os documentos juntos com esta peça e complementares ao título, não estão devidamente titulados os (demais) valores em execução, nem os factos (essenciais) alegados no requerimento executivo permitem calculá-los (ainda que com base nos factos e documentos complementares juntos posteriormente), estamos perante faltas insupríveis, conducentes à ineptidão do requerimento executivo, excluindo a possibilidade de convite ao seu aperfeiçoamento.
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Não sendo indicados no requerimento executivo factos que preencham os pressupostos da obrigação exequenda (cfr. o art. 724º, nº 1, e) do CPC), a qual também não consta do título complexo, verifica-se, pois, ineptidão do requerimento executivo.
O art.º 729º, a) do C.P.C. (ex vi art.º 731º) prevê a inexistência ou inexequibilidade do título como fundamento de oposição à execução, pelo que devem proceder naquela medida os embargos, e por isso nessa parte terá de improceder a apelação, mantendo-se a decisão recorrida que considerou que as atas em causa não constituem título executivo. A realização coactiva de uma prestação devida depende da existência de título executivo (exequibilidade extrínseca) e de ser a prestação certa, exigível e líquida (exequibilidade intrínseca). Podemos, pois, concluir que a inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que possa desempenhar essa função específica (cfr. Ac. desta Rel. de 7/6/2023, processo n.º 987/20.7T8CHV-B.G1, que discorre detalhadamente sobre estas caraterísticas).
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Está, pois, respondida a questão quanto à omissão de convite ao aperfeiçoamento dos articulados: não se justificava notificar o exequente para juntar o que quer que fosse, pois a falta detetada não é sanável.
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A execução deve prosseguir pelo valor respeitante a (€ 159,94, € 736,65, e € 89,76) € 986,35 e respetivos juros, por nesta parte se considerar ter o exequente título bastante, devendo ser apreciadas as restantes exceções suscitadas nos embargos.
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Resta apenas referir uma nota: o recorrente refere-se à questão da assinatura das atas. Porém, e muito embora a decisão recorrida mencione tal facto, não retira daí qualquer consequência, pelo que tal matéria não teve qualquer efeito prejudicial ao recorrente. Assim não será objeto do recurso, por inútil (cfr. art.º 130º do C.P.C.).
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Resulta da regra enunciada no art.º 527º, n.º 1, do C.P.C., que a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. De acordo com o n.º 2 dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso deste recurso, o recorrente/embargado acaba por ver parcialmente procedente a apelação e por via disso obter o prosseguimento parcial da execução, pelo que as custas deverão ser calculadas proporcionalmente ao proveito.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, concedem provimento parcial à apelação, determinando o prosseguimento da execução pelo valor de € 986,35 e respetivos juros, dada a procedência parcial dos embargos de executado, mantendo-se no mais a decisão recorrida de extinção da execução por insuficiência de título.
Custas a cargo de ambas as partes de acordo com o decaimento (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).
Guimarães, 29 de maio de 2024.
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Os Juízes Desembargadores

Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais
2º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas
(assinaturas eletrónicas)