Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
848/08.8TBFAF-B.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: VIOLAÇÃO DE SEGREDO PROFISSIONAL
SIGILO BANCÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - As situações de legitimidade e de ilegitimidade da escusa de prestação de depoimento ou informações pelas instituições bancárias conduzem a um enquadramento jurídico distinto: no caso da ilegitimidade da recusa, compete ao tribunal em que esta foi invocada ordenar a prestação da informação (ou do depoimento); no caso da legitimidade da recusa, visto a informação (ou depoimento) estar protegida pelo segredo bancário, só o levantamento do sigilo pode obrigar a entidade bancária à prestação da informação.
II - A quebra do segredo impõe um juízo de prevalência entre os interesses em conflito, que cabe, por força da lei, a um tribunal superior.

II - Tendo a instituição bancária recusado legitimamente prestar informação ao tribunal por estar coberta por sigilo legalmente imposto, não pode o tribunal obrigá-la a prestar a informação sob cominação de condenação em multa, antes lhe competindo suscitar a intervenção do tribunal superior para determinar se a recusa deve ou não prevalecer sobre o interesse da justiça.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrente (s): Caixa Geral de Depósitos SA e D…;
Recorrida (s): M…;

*****

Nos autos de inventário para partilha de bens, em que é cabeça de casal D… e requerida M…, a interveniente acidental Caixa Geral de Depósitos SA e a requerida M… vieram interpor recurso de apelação do despacho judicial de 12.05.2009, que ordenou à Caixa Geral de Depósitos SA que prestasse as determinadas informações bancárias “ com a expressa cominação de que a falta de colaboração para com este Tribunal será severamente sancionada em multa”.
Esta instituição escusou-se a fornecer a informação solicitada, invocando o sigilo bancário.

Formula a apelante Caixa Geral de Depósitos SA as seguintes conclusões que se transcrevem:

a) - O Tribunal a quo ordenou no despacho recorrido a disponibilização pela CGD de «… extracto de todas as contas bancárias a prazo e à ordem desde Abril de 2008, inclusive, até à presente data, tituladas ou co-tituladas pelo cabeça-de-casal, D…, ….», sob pena de ser severamente sancionada em multa.
b) – Como decorre das notificações recebidas, estamos perante um processo de inventário para partilha subsequente ao divórcio entre o ex-casal D… e M….
c) - A CGD, invocando o dever de segredo bancário ao qual está por lei obrigada nos termos do art. 78.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), tinha já recusado a satisfação de anterior pedido idêntico (cfr sua carta de fls.-de 04-02-2009).
d) - Na segunda notificação efectuada (de 18-05-2009), a insistir pela prestação de tais elementos, a mesma foi complementada com requerimento mediante o qual a interessada / requerida M… prestou o seu consentimento pessoal à prestação de tais informações, «… por se tratar de depósitos que integram o património comum do seu dissolvido casal.» e) - Ora, mediante tal consentimento, tornou-se possível à CGD prestar as informações solicitadas em relação às contas onde a requerida M… fosse titular conjuntamente com o cabeça-de-casal D… (cfr art.-79, nº.-1 do aludido Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro). Pelo que, nesta parte, ficou o pedido do Tribunal de 1ª Instância satisfeito.
f) - Mas não em relação às demais, necessariamente não abrangidas pela autorização pessoal e exclusiva da requerida M… . Em relação a essas, portanto, mantém-se necessariamente o dever de sigilo bancário ao qual a CGD está legalmente vinculada. O que, aliás, é reconhecido pela 1ª Instância.
g) - O que acontece é que o Mmo. Juíz do Tribunal a quo no despacho do qual ora se recorre, não invocando qualquer disposição legal que preveja uma excepção ao dever de sigilo, e considerando que «No conflito de interesses entre o dever das instituições bancárias de não revelar as informações relativas às contas bancárias dos seus clientes e o direito de quem se arroga herdeiro/interessado de determinada pessoa de localizar os bens e que seria também proprietário – pelo menos alegadamente – dos valores depositados, não se pode deixar de se entender que aquele dever cede perante este direito, manifestamente superior, por reconhecido na lei….», ordenou a prestação da informação – sob pena de multa severa - invocando, designadamente, o dever de cooperação e o disposto nos arts.-519 e 266 do CPC.
h) - Ora, parece que o melhor entendimento será o de que as invocadas normas não constituem, por si só, uma derrogação do dever de segredo bancário (profissional) legalmente imposto e cuja violação é penalmente sancionada (art.º 195.º do Código Penal), pois, a ter-se outro entendimento, tal deixaria sem qualquer sentido a legítima recusa de prestação de informação, prevista no art. 135º do Código de Processo Penal e o respectivo regime de verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado, previstos nos nºs 2 a 5 do mesmo art. 135º .
i) - De resto, o próprio art.-519, nº.-3, al. c) (para onde o art.-266, nº.-3 também remete), ressalva expressamente a necessidade de salvaguarda do «sigilo profissional ou de funcionários públicos», considerando legítima a recusa com base em tal dever de sigilo, e estipulando que, neste caso, será então aplicável com as devidas adaptações o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de segredo bancário - cfr nº.-4 do aludido art.-519 do CPC.
j) - Do que decorre que o pedido de informação em causa, tem isso sim, de ser analisado à luz do disposto no art.º 135º do C.P.P., para onde remetem tanto o nº.-4 do art..-519 do CPC, como a al. d) do nº.-2 do art.-79 do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
l) – Prevê, de facto, o art. 79º, nº 2, al. d) do RGICSF que os elementos sujeitos a segredo podem ser revelados nos termos da lei penal e de processo penal, e dispondo esta lei de uma previsão normativa especialmente aplicável a estes casos, constante dos arts. 182º e 135º do Código de Processo Penal, crê-se que deverão ser primacialmente estas as normas a aplicar.
m) - Ora a ponderação de interesses que poderá conduzir à prevalência do interesse público na administração da justiça relativamente aos interesses protegidos pelo segredo bancário, tem a sua sede própria no procedimento de quebra de sigilo bancário previsto no art. 135º, nº 3 do C.P.P..
n) - Ao ordenar a prestação dos elementos de informação em causa, o Tribunal a quo, violou o disposto no n.º 3 do art. 135.º do CPP, já que deveria ter suscitado junto do Tribunal da Relação do Porto o incidente de prestação de informação com quebra do dever de segredo.
o) - Na verdade, concordando com a interpretação daquela norma feita pelo STJ no seu Acórdão de 06/02/2003, relativo ao processo n.º 03P159, publicado in www.dgsi.pt, Sumário – n.º III, também a CGD defende que: “A decisão sobre o rompimento do segredo é da exclusiva competência de um tribunal superior ou do plenário do Supremo Tribunal de Justiça, se o incidente se tiver suscitado perante este tribunal.”
p) - Ao usar da competência atribuída ao Tribunal da Relação pelo n.º 3 do art. 135., para onde remetem tanto o nº.-4 do art.-519 do CPC como a al. d) do nº.-2 do art..-79 do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, e ao decidir como decidiu, o despacho recorrido está necessariamente ferido do vício de nulidade (art.-201 do CPC) ou, pelo menos, infringe flagrantemente as regras de competência absoluta, mais propriamente, da competência em razão da hierarquia, (arts.101 e ss do CPC), o que desde já aqui expressamente se invoca;
q) – resultando assim violadas aquelas normas – ou seja, , violou assim o disposto no art.-519, nº.-3, al. c) e nº.-4 do CPC; art.-78 e 79, nº.-2, al. d) do DL 298/92 de 31 de Dezembro e art.-135, nº.-2 e 3 do CPP.
r) – Ora, inexistindo decisão do Tribunal da Relação que determine no caso concreto a quebra do segredo bancário, não pode a CGD considerar-se deste desobrigada.
s) – O presente recurso é admissível ao abrigo da al. a) do nº.-2 do art.-678 do CPC, uma vez que está em causa o recurso de uma decisão que, à luz do que aqui se defende, violou as regras de competência em relação da hierarquia;
t) – devendo ser-lhe atribuído efeito suspensivo ao abrigo do art.-692, nº.-3 al. c) e ainda porque, se assim não for, o mesmo perderá toda a sua relevância e utilidade - uma vez que tal significaria, por absurdo, que a CGD teria entretanto de prestar as informações que estão ressalvadas pelo dever legal de sigilo bancário, o que, precisamente, através do presente recurso, se invoca;
Termos em que, e nos demais de Direito, deve o despacho ora recorrido ser dado sem efeito e substituído por outro que: Remeta para o Tribunal da Relação do Porto o incidente de escusa, para que este Tribunal superior decida quanto à eventual prestação, pela CGD, das informações pretendidas, com quebra do dever de segredo, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 135.º do CPP, caso se considere tal quebra do segredo bancário justificada face às normas aplicáveis, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante.

Por seu turno, a apelante M… apresentou as seguintes conclusões transcritas:

I – O despacho recorrido não invoca nem tem fundamento legal;
II – O art. 79, nº2, do DL 298/92 de 31 de Dezembro é taxativo quanto às excepções de levantamento do sigilo bancário e de sobreposição dessa informação ao direito de reserva da privacidade, apenas a permitindo nos termos do processo penal, al. d), e quando haja lei expressa que limite o dever de segredo, al. e);
III – O despacho recorrido violou o art. 79 do DL 298/92 de 31 de Dezembro.
Termos em deve ser julgado procedente o recurso e anulado o despacho recorrido.

Não houve contra-alegações.

O recurso foi recebido como apelação a subir imediatamente e em separado.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***
II- Fundamentação de facto:

Com interesse para a apreciação do recurso, e uma vez analisados os autos, temos que:

1. No âmbito dos autos de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, em que é cabeça de casal o recorrente D… e requerida M…, foi a interveniente “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” notificada, por carta de 29.01.2009 para “remeter a este Tribunal extrato de todas as contas bancárias a prazo e à ordem desde Abril de 2008, inclusive, até à presente data, tituladas ou co-tituladas pelo cabeça de casal D… (…)”.
2. A referida interveniente respondeu ao tribunal, por carta de 04.01.2009, nos seguintes termos: “1. Os elementos solicitados estão sujeitos ao segredo bancário, nos termos do art. 78º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro. 2. Não se verificando, face aos dados fornecidos, nenhuma das excepções estabelecidas no art. 79º do mencionado Regime, designadamente nas alíneas d) e e) do seu nº 2, não podemos fornecer os elementos solicitados, sob pena de violarmos o dever de segredo a que estamos legalmente vinculados.3. Lembramos, porém, a V.Exª a possibilidade de, ao abrigo do nº 1 do citado artº 79º, o (s) cliente (s) autorizar (em), por escrito, a prestação dos elementos ora solicitados, podendo esta Instituição, se V.Exª o achar conveniente, proceder às necessárias diligências junto do (s) mesmo (s)”;
3. Face à oposição de consentimento do interessado D…, por despacho proferido em 12.05.2009, nos autos principais), decidiu o Tribunal a quo insistiu pela resposta, com a cominação de multa em caso de incumprimento, invocando, nomeadamente, que “No conflito de interesses entre o dever das instituições bancárias de não revelar as informações relativas às contas bancárias dos seus clientes e o direito de quem se arroga herdeiro/interessado de determinada pessoa de localizar os bens e que seria também proprietário – pelo menos alegadamente – dos valores depositados, não se pode deixar de entender que aquele dever cede perante este direito, manifestamente superior, por reconhecido na lei, desde que naturalmente, os interessados deste inventário sejam titulares da conta bancária em causa”.
4. Mais ordenou a notificação daquela interveniente Caixa Geral de Depósitos SA “para prestar as informações constantes do ofício que antecede (e a que se reporta o ponto 1 supra) … com a expressa cominação de que a falta de colaboração com este Tribunal será severamente sancionada com multa;
5. A CGD e o interessado D… vieram interpor o presente recurso do referido despacho de 12.05.2009.

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III- Fundamentação de Direito:


Apelações da interveniente CDG e do interessado D…;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos arts. 684, nº 3, e 685-A, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

O tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (art. 660º, nº 2, “ex vi” do art. 713, nº 2, do mesmo CPC).

No caso em apreço, decorre da factualidade acima fixada que a apelante CGD, interveniente acidental nos autos principais de inventário subsequente a divórcio, recusou a prestação de determinadas informações bancárias invocando o sigilo bancário, no que concerne ao interessado D….

O tribunal a quo, não obstante concluir que existe um “conflito de interesses entre o dever das instituições bancárias de não revelar as informações relativas às contas bancárias dos seus clientes e o direito de quem se arroga herdeiro/interessado de determinada pessoa de localizar os bens e que seria também proprietário – pelo menos alegadamente – dos valores depositados”, entendeu que esse dever de sigilo cede perante este direito e insistiu no pedido junto da interveniente, sob pena de lhe ser aplicada multa por falta de colaboração.

No caso concreto, o Tribunal a quo invocou o disposto nos arts.519º e 266º do CPC. Mas tais normas não constituem nem podem constituir uma derrogação, por si só, do dever de segredo bancário (profissional) legalmente imposto e cuja violação é penalmente sancionada (art.º 195.º do Código Penal).
Estatui o art. 519º, nº 1, do CPC, que: “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.”

No entanto, o nº 3 do mesmo artigo prevê que: “A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4”, e o nº 4 seguinte que: “Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.”

Assim, o art.-519º, nº, 3, al. c) do CPC (para onde o artº.266º, nº 3 do mesmo Código também remete), ressalva expressamente a necessidade de salvaguarda do «sigilo profissional ou de funcionários públicos», considerando legítima a recusa com base em tal dever de sigilo, e estipulando que, neste caso, será então aplicável com as devidas adaptações o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de segredo bancário - nº.-4 do referido art.-519º do CPC.
Daqui deflui que o pedido de informação em causa, tem, isso sim, de ser analisado à luz do disposto no art.º 135º do Código de Processo Penal CPP.
Aliás, o próprio art.-79º, nº 2, al. d) do RGICSF prevê também expressamente que os elementos sujeitos a segredo podem ser revelados nos termos da lei penal e de processo penal, e, dispondo esta lei de uma previsão normativa especialmente aplicável a estes casos, constante dos arts. 182º e 135º do CPP, pode-se concluir que deverão ser primacialmente estas as normas a aplicar.

Nos termos do art. 135, nº 2, do CPP Dispõe o art. 135 do C.P.P. que: 1. Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos. 2. Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento. 3. O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento. 4. Nos casos previstos nos nºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável. 5. O disposto nos nºs 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso.”

, aplicável por força do indicado art. 519, nº 4, do C.P.C., uma vez invocado o direito de escusa, o tribunal tomará uma das seguintes atitudes:

a) ou aceita logo a legitimidade da recusa e o silêncio do recusante;
b) ou, tendo dúvidas sobre a legitimidade da recusa, após averiguações, conclui por essa ilegitimidade e insiste pelo depoimento ou informação, ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa (art. 135, nº 2 e 4, do C.P.P.);
c) ou, ainda, concluindo pela legitimidade da recusa, requer ao tribunal superior àquele em que o incidente tiver sido suscitado Se o incidente tiver sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, a competência para a decisão da quebra do segredo profissional cabe ao plenário das secções respectivas (art. 519, nº 4, do C.P.C., e 135, nº 3, do C.P.C.). que ordene a quebra do segredo profissional se esta se mostrar justificada, ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa (art. 135, nº 3 e 4, do C.P.P.).

Em suma, as situações de legitimidade e de ilegitimidade da escusa de prestação de depoimento ou informações pelas instituições bancárias conduzem a um enquadramento jurídico distinto:

No caso da ilegitimidade da recusa, compete ao tribunal em que esta foi invocada ordenar a prestação da informação (ou do depoimento); no caso da legitimidade da recusa, visto a informação (ou depoimento) estar protegida pelo segredo bancário, só o levantamento do sigilo pode obrigar a entidade bancária à prestação da informação.

Contudo, a quebra do segredo impõe um juízo de prevalência entre os interesses em conflito, que cabe, por força da lei, a um tribunal superior (art. 135, nº 3, do CPP). Neste caso, a intervenção do tribunal superior é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.

Perfilha-se assim o entendimento adoptado no Ac. desta Rel. Guimarães de 26.11.09, Proc. nº. 907/08.7TBBCL-K.G1, na esteira, aliás, do que se decidiu no Ac. da RL de 21.1.09 (Proc. 3070/2008-7, in www.dgsi.pt): “... o tribunal onde o incidente da escusa de depor tiver sido suscitado é competente para ordenar a prestação do depoimento se, tendo fundadas dúvidas sobre a legitimidade da escusa, após ter procedido às averiguações necessárias, e só após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa. É o que resulta do n.º 2 do art.º 135º do Cód. Proc. Penal ex vi n.º 4 do art.º 519º do Cód. Proc. Civil. Mas já não é competente se, após ter procedido às averiguações necessárias, concluir pela legitimidade da escusa e ordenar a quebra do segredo, por entender que ela é necessária à descoberta da verdade material dos factos relativos à questão em litígio.”
Esta posição encontra-se também pormenorizadamente explicada no Ac. do STJ de 13.2.08 (Proc. 07P894), publicado no DR nº 63, I Série, de 31.3.08, que fixou a seguinte jurisprudência sobre a matéria: “1. Requisitada a instituição bancária, no âmbito de inquérito criminal, informação referente a conta de depósito, a instituição interpelada só poderá legitimamente escusar-se a prestá-la com fundamento em segredo bancário. 2. Sendo ilegítima a escusa, por a informação não estar abrangida pelo segredo, ou por existir consentimento do titular da conta, o próprio tribunal em que a escusa for invocada, depois de ultrapassadas eventuais dúvidas sobre a ilegitimidade da escusa, ordena a prestação da informação, nos termos do nº 2 do art. 135º do Código de Processo Penal. 3. Caso a escusa seja legítima, cabe ao tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se suscitar perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao pleno das secções criminais, decidir sobre a quebra do segredo, nos termos do nº 3 do mesmo artigo.”

Ante a jurisprudência citada, vejamos os argumentos em contrário ou a opção do legislador.

Em primeiro lugar, não aceitando o tribunal a recusa na prestação de uma informação por parte de qualquer entidade, a primeira questão a considerar é, exactamente, a da legitimidade ou ilegitimidade dessa recusa. Só se concluir que a recusa é ilegítima pode o tribunal insistir pela resposta (cfr. art. 135, nº 2, do C.P.P. ex vi do art. 519, nº 4, do C.P.C.).

“A legitimidade da escusa não pode deixar de resultar do cumprimento de um dever legal, isto é, do cumprimento do dever de segredo a que a instituição bancária está obrigada. A medida da legitimidade da escusa é, pois, a da extensão do segredo bancário. Em contrapartida, haverá ilegitimidade da escusa quando o facto ou elemento solicitado não estiver compreendido no âmbito do sigilo bancário (nº 2 do citado art. 78º) ou tiver havido consentimento por parte do titular da conta” (cfr. Ac. do STJ de 13.2.08, atrás citado).

No caso em análise, importa considerar temos que o tribunal a quo, no âmbito de inventário subsequente a divórcio, determinou a notificação da apelante, CGD, para “remeter a este Tribunal extrato de todas as contas bancárias a prazo e à ordem desde Abril de 2008, inclusive, até à presente data, tituladas ou co-tituladas pelo cabeça de casal Domingos Gonçalves Marques(…)”.
Esta, por sua vez, recusou a informação, invocando que os elementos solicitados se encontravam sujeitos ao segredo bancário, nos termos do art. 78 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31.12, não se verificando, face aos dados fornecidos, nenhuma das excepções estabelecidas no art. 79º do mesmo Regime.

Informou ainda que, no âmbito do aludido artº 79º, nº1, poderia prestar tais elementos bancários, casos os clientes respectivos autorizassem tal prestação, tendo inclusive um dos interessados dado tal assentimento, mas obstando a tal o interessado D… .

No despacho que se lhe seguiu, o Tribunal a quo insistiu pela resposta, com a cominação de multa em caso de incumprimento, invocando, nomeadamente, que “No conflito de interesses entre o dever das instituições bancárias de não revelar as informações relativas às contas bancárias dos seus clientes e o direito de quem se arroga herdeiro/interessado de determinada pessoa de localizar os bens e que seria também proprietário – pelo menos alegadamente – dos valores depositados, não se pode deixar de entender que aquele dever cede perante este direito, manifestamente superior, por reconhecido na lei, desde que naturalmente, os interessados deste inventário sejam titulares da conta bancária em causa”.

Por conseguinte, o Tribunal a quo não considerou ilegítima a recusa da apelante em virtude, por exemplo, da informação não estar protegida pelo sigilo bancário. O que entendeu foi que, existindo sigilo bancário, este deveria ceder por ocorrer justa causa que o justificava, ordenando, por isso, a prestação da informação com quebra de sigilo.

Mostra-se pacífico que, in casu, a informação solicitada pelo Tribunal se encontra protegida pelo segredo bancário, tendo em vista o disposto no art. 78º do DL 298/92, de 31.12, sendo certo que não existe autorização do cliente D…, nem verificada qualquer outra das excepções previstas no art. 79º do mesmo Diploma.

Donde se infere que a recusa da apelante CGD era efectivamente legítima.

Conforme o supra citado Ac. do STJ de 13.2.08: “... o segredo bancário é tratado como segredo profissional, vinculando todos aqueles que, por via do exercício da profissão, têm acesso às informações indicadas, designadamente, no nº 2 do art. 78º. O dever de segredo cessa quando exista autorização do cliente, sendo pois livremente disponível o correspondente direito, o que revela que o legislador concebe o segredo bancário essencialmente como protecção do direito fundamental à reserva da vida privada. Mas cessa ainda noutras situações, em que interesses relevantes de ordem pública impõem essa cessação, por força do princípio constitucional da concordância entre valores constitucionais conflituantes (nº 2 do art. 18º da Constituição da República Portuguesa). Importam-nos apenas, para o nosso caso, as als. d) e e) do nº 2 do art. 79º do RGICSF, que remetem para a lei penal e processual penal e para as disposições especiais que limitem o dever de segredo. (...) Nestes casos, não há, pois, que ponderar qual o interesse que deve prevalecer, porque o legislador, à partida, decidiu privilegiar o interesse público. O juízo de prevalência foi feito pelo próprio legislador. A eventual recusa das instituições bancárias em prestar informações às autoridades de investigação é sempre ilegítima.”

Ora, concluindo o Tribunal a quo pela legitimidade da recusa e insistindo, ainda assim, pela prestação da informação por entender que devia ser quebrado o dever de sigilo, decidiu o mesmo sobre matéria que não era da sua competência (mas antes da competência do tribunal que lhe era imediatamente superior), violando o disposto no art. 135º, nºs 1 e 3, do CPP., ex vi do nº 4 do art. 519º do CPC. Deveria, pois, ter sido suscitada pela Mmª Juíza da causa a intervenção do tribunal superior, oficiosamente ou a requerimento, a fim de decidir pela necessidade da quebra de sigilo no caso.

Podemos, assim, concluir que a conduta levada a efeito pelo Tribunal a quo é, por isso, violadora do princípio da legalidade, e, como se concluiu no acima indicado Ac. da RL de 21.1.09, constitui nulidade insanável que, sendo de conhecimento oficioso, deve ser declarada, nos termos dos arts. 118º, nº 1, e 119º, al. e), do CPP., aplicáveis por força do mencionado n.º 4 do art. 519º do CPC.

Procedem, assim, os recursos de apelação interpostos pela interveniente CGD e pelo interessado Domingos Gonçalves Marques, havendo lugar à revogação da decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que suscite junto do Tribunal da Relação competente o incidente da quebra do sigilo.



*
III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedentes as apelações, revogando-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que suscite junto do Tribunal da Relação competente o incidente da quebra do segredo bancário.
Sem custas.


Guimarães, 29 de Março de 2011
António Sobrinho
Isabel Rocha
Manuel Bargado