Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO SOBRINHO | ||
Descritores: | VIOLAÇÃO DE SEGREDO PROFISSIONAL SIGILO BANCÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/29/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - As situações de legitimidade e de ilegitimidade da escusa de prestação de depoimento ou informações pelas instituições bancárias conduzem a um enquadramento jurídico distinto: no caso da ilegitimidade da recusa, compete ao tribunal em que esta foi invocada ordenar a prestação da informação (ou do depoimento); no caso da legitimidade da recusa, visto a informação (ou depoimento) estar protegida pelo segredo bancário, só o levantamento do sigilo pode obrigar a entidade bancária à prestação da informação. II - A quebra do segredo impõe um juízo de prevalência entre os interesses em conflito, que cabe, por força da lei, a um tribunal superior. II - Tendo a instituição bancária recusado legitimamente prestar informação ao tribunal por estar coberta por sigilo legalmente imposto, não pode o tribunal obrigá-la a prestar a informação sob cominação de condenação em multa, antes lhe competindo suscitar a intervenção do tribunal superior para determinar se a recusa deve ou não prevalecer sobre o interesse da justiça. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório; Recorrente (s): Caixa Geral de Depósitos SA e D…; Recorrida (s): M…; ***** Nos autos de inventário para partilha de bens, em que é cabeça de casal D… e requerida M…, a interveniente acidental Caixa Geral de Depósitos SA e a requerida M… vieram interpor recurso de apelação do despacho judicial de 12.05.2009, que ordenou à Caixa Geral de Depósitos SA que prestasse as determinadas informações bancárias “ com a expressa cominação de que a falta de colaboração para com este Tribunal será severamente sancionada em multa”. Esta instituição escusou-se a fornecer a informação solicitada, invocando o sigilo bancário. Formula a apelante Caixa Geral de Depósitos SA as seguintes conclusões que se transcrevem: a) - O Tribunal a quo ordenou no despacho recorrido a disponibilização pela CGD de «… extracto de todas as contas bancárias a prazo e à ordem desde Abril de 2008, inclusive, até à presente data, tituladas ou co-tituladas pelo cabeça-de-casal, D…, ….», sob pena de ser severamente sancionada em multa. I – O despacho recorrido não invoca nem tem fundamento legal; Não houve contra-alegações. O recurso foi recebido como apelação a subir imediatamente e em separado. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. 1. No âmbito dos autos de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, em que é cabeça de casal o recorrente D… e requerida M…, foi a interveniente “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” notificada, por carta de 29.01.2009 para “remeter a este Tribunal extrato de todas as contas bancárias a prazo e à ordem desde Abril de 2008, inclusive, até à presente data, tituladas ou co-tituladas pelo cabeça de casal D… (…)”. *** III- Fundamentação de Direito:
O tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (art. 660º, nº 2, “ex vi” do art. 713, nº 2, do mesmo CPC). No caso em apreço, decorre da factualidade acima fixada que a apelante CGD, interveniente acidental nos autos principais de inventário subsequente a divórcio, recusou a prestação de determinadas informações bancárias invocando o sigilo bancário, no que concerne ao interessado D…. O tribunal a quo, não obstante concluir que existe um “conflito de interesses entre o dever das instituições bancárias de não revelar as informações relativas às contas bancárias dos seus clientes e o direito de quem se arroga herdeiro/interessado de determinada pessoa de localizar os bens e que seria também proprietário – pelo menos alegadamente – dos valores depositados”, entendeu que esse dever de sigilo cede perante este direito e insistiu no pedido junto da interveniente, sob pena de lhe ser aplicada multa por falta de colaboração. No caso concreto, o Tribunal a quo invocou o disposto nos arts.519º e 266º do CPC. Mas tais normas não constituem nem podem constituir uma derrogação, por si só, do dever de segredo bancário (profissional) legalmente imposto e cuja violação é penalmente sancionada (art.º 195.º do Código Penal). No entanto, o nº 3 do mesmo artigo prevê que: “A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4”, e o nº 4 seguinte que: “Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.” Assim, o art.-519º, nº, 3, al. c) do CPC (para onde o artº.266º, nº 3 do mesmo Código também remete), ressalva expressamente a necessidade de salvaguarda do «sigilo profissional ou de funcionários públicos», considerando legítima a recusa com base em tal dever de sigilo, e estipulando que, neste caso, será então aplicável com as devidas adaptações o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de segredo bancário - nº.-4 do referido art.-519º do CPC. , aplicável por força do indicado art. 519, nº 4, do C.P.C., uma vez invocado o direito de escusa, o tribunal tomará uma das seguintes atitudes: a) ou aceita logo a legitimidade da recusa e o silêncio do recusante; Em suma, as situações de legitimidade e de ilegitimidade da escusa de prestação de depoimento ou informações pelas instituições bancárias conduzem a um enquadramento jurídico distinto: No caso da ilegitimidade da recusa, compete ao tribunal em que esta foi invocada ordenar a prestação da informação (ou do depoimento); no caso da legitimidade da recusa, visto a informação (ou depoimento) estar protegida pelo segredo bancário, só o levantamento do sigilo pode obrigar a entidade bancária à prestação da informação. Contudo, a quebra do segredo impõe um juízo de prevalência entre os interesses em conflito, que cabe, por força da lei, a um tribunal superior (art. 135, nº 3, do CPP). Neste caso, a intervenção do tribunal superior é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento. Perfilha-se assim o entendimento adoptado no Ac. desta Rel. Guimarães de 26.11.09, Proc. nº. 907/08.7TBBCL-K.G1, na esteira, aliás, do que se decidiu no Ac. da RL de 21.1.09 (Proc. 3070/2008-7, in www.dgsi.pt): “... o tribunal onde o incidente da escusa de depor tiver sido suscitado é competente para ordenar a prestação do depoimento se, tendo fundadas dúvidas sobre a legitimidade da escusa, após ter procedido às averiguações necessárias, e só após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa. É o que resulta do n.º 2 do art.º 135º do Cód. Proc. Penal ex vi n.º 4 do art.º 519º do Cód. Proc. Civil. Mas já não é competente se, após ter procedido às averiguações necessárias, concluir pela legitimidade da escusa e ordenar a quebra do segredo, por entender que ela é necessária à descoberta da verdade material dos factos relativos à questão em litígio.” Ante a jurisprudência citada, vejamos os argumentos em contrário ou a opção do legislador. Em primeiro lugar, não aceitando o tribunal a recusa na prestação de uma informação por parte de qualquer entidade, a primeira questão a considerar é, exactamente, a da legitimidade ou ilegitimidade dessa recusa. Só se concluir que a recusa é ilegítima pode o tribunal insistir pela resposta (cfr. art. 135, nº 2, do C.P.P. ex vi do art. 519, nº 4, do C.P.C.). “A legitimidade da escusa não pode deixar de resultar do cumprimento de um dever legal, isto é, do cumprimento do dever de segredo a que a instituição bancária está obrigada. A medida da legitimidade da escusa é, pois, a da extensão do segredo bancário. Em contrapartida, haverá ilegitimidade da escusa quando o facto ou elemento solicitado não estiver compreendido no âmbito do sigilo bancário (nº 2 do citado art. 78º) ou tiver havido consentimento por parte do titular da conta” (cfr. Ac. do STJ de 13.2.08, atrás citado). No caso em análise, importa considerar temos que o tribunal a quo, no âmbito de inventário subsequente a divórcio, determinou a notificação da apelante, CGD, para “remeter a este Tribunal extrato de todas as contas bancárias a prazo e à ordem desde Abril de 2008, inclusive, até à presente data, tituladas ou co-tituladas pelo cabeça de casal Domingos Gonçalves Marques(…)”. Informou ainda que, no âmbito do aludido artº 79º, nº1, poderia prestar tais elementos bancários, casos os clientes respectivos autorizassem tal prestação, tendo inclusive um dos interessados dado tal assentimento, mas obstando a tal o interessado D… . No despacho que se lhe seguiu, o Tribunal a quo insistiu pela resposta, com a cominação de multa em caso de incumprimento, invocando, nomeadamente, que “No conflito de interesses entre o dever das instituições bancárias de não revelar as informações relativas às contas bancárias dos seus clientes e o direito de quem se arroga herdeiro/interessado de determinada pessoa de localizar os bens e que seria também proprietário – pelo menos alegadamente – dos valores depositados, não se pode deixar de entender que aquele dever cede perante este direito, manifestamente superior, por reconhecido na lei, desde que naturalmente, os interessados deste inventário sejam titulares da conta bancária em causa”. Por conseguinte, o Tribunal a quo não considerou ilegítima a recusa da apelante em virtude, por exemplo, da informação não estar protegida pelo sigilo bancário. O que entendeu foi que, existindo sigilo bancário, este deveria ceder por ocorrer justa causa que o justificava, ordenando, por isso, a prestação da informação com quebra de sigilo. Mostra-se pacífico que, in casu, a informação solicitada pelo Tribunal se encontra protegida pelo segredo bancário, tendo em vista o disposto no art. 78º do DL 298/92, de 31.12, sendo certo que não existe autorização do cliente D…, nem verificada qualquer outra das excepções previstas no art. 79º do mesmo Diploma. Donde se infere que a recusa da apelante CGD era efectivamente legítima. Conforme o supra citado Ac. do STJ de 13.2.08: “... o segredo bancário é tratado como segredo profissional, vinculando todos aqueles que, por via do exercício da profissão, têm acesso às informações indicadas, designadamente, no nº 2 do art. 78º. O dever de segredo cessa quando exista autorização do cliente, sendo pois livremente disponível o correspondente direito, o que revela que o legislador concebe o segredo bancário essencialmente como protecção do direito fundamental à reserva da vida privada. Mas cessa ainda noutras situações, em que interesses relevantes de ordem pública impõem essa cessação, por força do princípio constitucional da concordância entre valores constitucionais conflituantes (nº 2 do art. 18º da Constituição da República Portuguesa). Importam-nos apenas, para o nosso caso, as als. d) e e) do nº 2 do art. 79º do RGICSF, que remetem para a lei penal e processual penal e para as disposições especiais que limitem o dever de segredo. (...) Nestes casos, não há, pois, que ponderar qual o interesse que deve prevalecer, porque o legislador, à partida, decidiu privilegiar o interesse público. O juízo de prevalência foi feito pelo próprio legislador. A eventual recusa das instituições bancárias em prestar informações às autoridades de investigação é sempre ilegítima.” Ora, concluindo o Tribunal a quo pela legitimidade da recusa e insistindo, ainda assim, pela prestação da informação por entender que devia ser quebrado o dever de sigilo, decidiu o mesmo sobre matéria que não era da sua competência (mas antes da competência do tribunal que lhe era imediatamente superior), violando o disposto no art. 135º, nºs 1 e 3, do CPP., ex vi do nº 4 do art. 519º do CPC. Deveria, pois, ter sido suscitada pela Mmª Juíza da causa a intervenção do tribunal superior, oficiosamente ou a requerimento, a fim de decidir pela necessidade da quebra de sigilo no caso. Podemos, assim, concluir que a conduta levada a efeito pelo Tribunal a quo é, por isso, violadora do princípio da legalidade, e, como se concluiu no acima indicado Ac. da RL de 21.1.09, constitui nulidade insanável que, sendo de conhecimento oficioso, deve ser declarada, nos termos dos arts. 118º, nº 1, e 119º, al. e), do CPP., aplicáveis por força do mencionado n.º 4 do art. 519º do CPC. Procedem, assim, os recursos de apelação interpostos pela interveniente CGD e pelo interessado Domingos Gonçalves Marques, havendo lugar à revogação da decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que suscite junto do Tribunal da Relação competente o incidente da quebra do sigilo. * Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedentes as apelações, revogando-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que suscite junto do Tribunal da Relação competente o incidente da quebra do segredo bancário. Sem custas. Guimarães, 29 de Março de 2011 António Sobrinho Isabel Rocha Manuel Bargado |