Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO REIS | ||
Descritores: | ARRESTO REGULAMENTO (EU) Nº 655/2014 | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/29/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - É o requisito do justificado receio de perda da garantia patrimonial do crédito do requerente que consubstancia a marca distintiva do arresto relativamente a outras providências cautelares e se traduz no periculum in mora que alicerça os pressupostos da tutela cautelar em geral. II - A mera impossibilidade de cobrança do crédito em sede de execução não constitui fundamento autónomo para o decretamento do procedimento de decisão europeia de arresto de contas bancárias, tal como resulta do Considerando 14 do Regulamento (EU) n.º 655/2014, ao prever, entre o mais, que «[a] simples falta de pagamento ou contestação do crédito, ou o simples facto de o devedor ter mais do que um credor não deverá, por si só, ser considerado prova suficiente para justificar a emissão de uma decisão. O simples facto de a situação financeira do devedor ser precária ou estar a deteriorar-se também não deverá, por si só, constituir um fundamento suficiente para proferir uma decisão». III - A circunstância de se ter apurado que o requerido se encontra a residir em ..., tendo alterado a sua morada nas bases de dados públicas para o estrangeiro, também não permite retirar, só por si, qualquer ilação que torne verosímil a ameaça de dissipação ou ocultação patrimonial por parte do requerido, quando não se mostra associada a quaisquer outros indícios ou fatores que permitam formular um juízo de probabilidade qualificada quanto à eventual deslocalização ou transferência do respetivo património para o estrangeiro, tanto mais que no caso se desconhece qual a atividade normal do requerido, bem como a sua situação económica/financeira, atual ou anterior, qual a natureza do seu património anteriormente conhecido ou as razões que o levaram a ausentar-se do país, bem como o contexto ou mesmo o momento em que tal ocorreu. IV - Aliás, a residência do requerido num Estado-Membro aderente diferente daquele onde o procedimento é instaurado não constitui sequer um pressuposto do decretamento da providência que o requerente tenha de provar, antes integrando um requisito prévio do próprio procedimento que, como tal, deve ser alegado, pois o Regulamento (EU) n.º 655/2014 tem aplicação apenas a processos transfronteiriços, conforme decorre do Considerando 10 de tal diploma. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório E..., Lda., instaurou procedimento de decisão europeia de arresto de contas bancárias, nos termos previstos no Regulamento (EU) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014, contra AA, com residência em ..., requerendo a sua dispensa de constituição da garantia, a que alude o artigo 12.º do mesmo diploma, bem como que se decrete o arresto, sem audiência prévia do requerido, nos termos dos respetivos artigos 7.º e 15.º, para garantia da quantia descrita em valor da ação, respeitante a 104.909,61€, devendo o arresto recair sobre os saldos à ordem e aplicações financeiras detidas pelo requerido junto de banco(s) que operem em ..., devendo para o efeito o tribunal solicitar ao Estado Membro de Execução que obtenha as informações necessárias para permitir que sejam identificados o banco ou os bancos e a conta ou contas do requerido. Após decisão de indeferimento liminar, revogada por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães (de 16-02-2023) foi a requerente convidada a juntar formulário próprio previsto no artigo 8.o, n.º 1 do aludido Regulamento. Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas, após o que foi proferida decisão a julgar improcedente o procedimento. Inconformada com o assim decidido, veio a requerente interpor recurso, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): « A. Considerando a prova produzida em audiência de inquirição de testemunhas em conjugação com a prova documental já carreada nos presentes autos não se logra compreender o motivo pelo qual terem sido dados tão poucos factos dados como provados B. Ao invés do que sucedeu o tribunal ad quo deveria ter dado como provado os pontos 15 a 25 da petição, considerando os documentos ..., ... e ... juntos com a petição inicial bem como a prova testemunhal indicada. C. Devendo igualmente ser dado como provados os pontos 2 e 3 - dos fatos dados como não provados. D. Afigura-se notório que o recorrido abandonou o nosso país, não aufere cá rendimentos bem como não tem bens suscetíveis de penhora. E. É notório que o recorrido adotou uma conduta omissiva em não querer ressarcir o recorrente do seu crédito. F. O recorrente instaurou uma execução há mais de cinco ano e até ao momento não foi possível encontrar bens suscetíveis de penhora. G. O crédito tem origem em 05-06-2015. H. Inclusive o apelado alterou a sua morada nas bases de dados públicas para o estrangeiro. I. Estamos perante um empresário em nome individual que encerrou um estabelecimento, que se abstêm de responder às comunicações escritas. J. Acresce que não foi possível proceder à cobrança do crédito no âmbito do nosso Ordenamento Jurídico, uma vez que o recorrido não tem detém qualquer bem em Portugal K. Não conseguindo por esse motivo executar com “sucesso” alguma penhora de saldos bancários e/ou de qualquer género, mormente penhora de imóveis, viaturas automóveis, bens móveis não sujeitos a registo. L. Considera o apelante que demonstrou e carreou aos autos indícios suficientes sobre as constantes interpelações de pagamento por via judicial e extrajudicial. M. O apelado evidencia um propósito reiterado de não cumprir o pagamento do seu crédito, o qual será facilitado pela sua ausência no estrangeiro, sendo que esta dificulta a sua recuperação do crédito. N. A não concessão desta medida leva a que exista um risco real de a execução subsequente quanto ao devedor/apelado seja consideravelmente dificultada ou frustrada de acordo com o artigo 7º/1 do regulamento. O. Neste mesmo sentido o Ac. do tribunal da relação de lisboa proferido em 28-11-2017. P. Como já dito no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães já proferido neste procedimento cautelar o abandono de Portugal e ir residir para o estrangeiro com intenção de não proceder ao pagamento das dívidas - é a nosso ver uma causa idónea a provocar num homem normal aquele receio, constituindo periculum in mora… “Em verdade, no caso sub judicio, a alegada situação concreta da ausência do requerido (devedor) para ir residir para o estrangeiro com intenção de se eximir ao pagamento das dívidas necessariamente dificulta a recuperação do crédito, e facilita e evidencia um propósito reiterado de não cumprir” Q. Ao decidir como decidiu o tribunal ad quo violou o estatuído no artigo 7º do Regulamento 655/2014 e artigo 392º do C.P.C. Nestes termos e nos melhores de direito do douto suprimento requer a V.ª Ex.ª digne admitir o requerido, julgando procedente o presente recurso e em sua consequência decretar a presente decisão europeia de arresto de contas bancárias». O recurso foi admitido para subir de imediato, nos próprios autos, e com efeito suspensivo da decisão. Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos. II. Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da presente apelação circunscreve-se às seguintes questões: A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; B) Reapreciação da decisão de mérito em face da eventual procedência da impugnação da matéria de facto: se estão verificados os requisitos necessários ao deferimento do procedimento de decisão europeia de arresto de contas bancárias. Corridos os vistos, cumpre decidir. III. Fundamentação 1. Os factos 1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida: Factos assentes a) A requerente intentou, em 10/5/2017, procedimento de injunção contra o requerido no dia 03/02/2017, nos termos constantes do doc.... que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. b) O requerido regulamento citado não deduziu oposição tendo sido aposta fórmula executória. c) A requerente deu entrada no dia 20/05/2017, da execução de que os presentes autos são apenso, constituindo título o requerimento de injunção referido em a) e b). d) No decurso da execução foram realizadas buscas pela agente de execução e realizadas várias diligências de penhora, mas não foi possível penhorar nenhum bem. e) Durante as diligências de penhora não foi possível encontrar o requerido. f) A agente de Execução apurou que o requerido se encontra a residir no estrangeiro. g) A quantia exequenda ascende neste momento a mais de 9.000€. h) O requerido alterou a sua morada nas bases de dados públicas para o estrangeiro. Factos indiciariamente dados como provados i) A Requerente é uma sociedade por quotas que se dedica ao comércio por grosso de produtos alimentares, bebidas e tabacos. j) No âmbito da sua atividade, a Requerente vendeu ao Requerido, artigos do seu comércio cujas qualidades, quantidades e preços se encontram melhor descritos na fatura nº ...51, datada de 05/06/2015, com vencimento imediato, no valor de € 3.625,99, conforme doc.... que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. k) Os bens foram vendidos e entregues ao Requerido o qual não apresentou qualquer reclamação. l) O Requerido não procedeu ao pagamento do correspetivo preço, na sua integralidade, no prazo acordado. 1.2. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida: 1) O requerido exercia atividade de empresário em nome individual e os bens vendidos pela requerente destinavam-se ao comércio exercido. 2) O requerido abandonou Portugal de forma definitiva sem dar conhecimento aos credores da sua saída, com intenção de não proceder ao pagamento das dívidas. 3) O requerido encontra-se em situação económica difícil, sendo expectável que, a curto prazo, o seu património seja atacado pelos restantes credores. 2. Apreciação sobre o objeto do recurso 2.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto A apelante/autora vem impugnar a decisão relativa à matéria de facto incluída na decisão recorrida, nos seguintes termos: i) o tribunal deveria ter dado como provado os pontos 15 a 25 da petição, considerando os documentos ..., ... e ... juntos com a petição inicial bem como a prova testemunhal indicada; ii) devendo igualmente ser dado como provados os pontos 2 e 3 dos factos dados como não provados. Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão. Efetivamente, a impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação[1]. No que respeita aos pontos da matéria de facto impugnados, a apelante indica expressamente os concretos pontos que considera incorretamente julgados, mais especificando a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a matéria impugnada. Por outro lado, a apelante enuncia os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam uma decisão diversa da proferida, indicando os elementos documentais que permitem minimamente a sua identificação e as concretas passagens da gravação com referência aos depoimentos das testemunhas. Atenta a impugnação deduzida, cumpre analisar se a matéria que no entender do recorrente suscita as alterações ou os aditamentos preconizados integra os poderes de cognição do tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto. Tal como decorre do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, o tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito, por não poder ser objeto de prova. A este propósito, refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-09-2017[2]: «[m]uito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos». Daí que a inclusão, na fundamentação de facto constante da sentença, de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, passível de apreciação oficiosa pelo tribunal da Relação, de molde a sancionar como não escrito todo o enunciado que se revele conclusivo, contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum[3]. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7-12-2018[4] densifica estes critérios em termos que julgamos adequados, na linha dos parâmetros legais e do entendimento jurisprudencial antes enunciado: «[a]caso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto». Deste modo, a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configura uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC. Analisando a impugnação deduzida pela recorrente, desde logo se verifica que na concreta formulação enunciada em 3., dos factos não provados - «O requerido encontra-se em situação económica difícil, sendo expectável que, a curto prazo, o seu património seja atacado pelos restantes credores» -, que a recorrente pretende passe a integrar o elenco dos factos provados, não estão em causa simples ocorrências objetivas ou eventos materiais e concretos, antes consubstanciando juízos essencialmente conclusivos e/ou de direito eventualmente baseados em elementos de facto que não constam da respetiva redação. Com efeito, o aditamento pretendido pela recorrente no segmento em causa traduz uma invocação genérica, conclusiva e indeterminada, relativa a premissas que se desconhecem, pressupondo a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar tais juízos valorativos, os quais encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto a apreciar e decidir na presente ação, consistindo por isso em conclusões eventualmente baseadas em factos não incluídos na respetiva redação, e que se desconhecem porque também não foram alegados. Tal constatação implica, desde já, a rejeição da impugnação relativa à matéria de facto no segmento em referência, uma vez que os juízos conclusivos que a recorrente invoca para consubstanciar a alteração a tal matéria não integram os poderes de cognição do tribunal na vertente da decisão de facto. Neste enquadramento, resta concluir que a eventual discussão sobre a matéria enunciada em 3., dos factos não provados, nunca assumiria qualquer relevância à luz da impugnação sobre a vertente de facto, mostrando-se desnecessária a reapreciação dos meios de prova que foram indicados pela recorrente a propósito desta matéria. O mesmo sucede relativamente à matéria vertida no ponto 22., do articulado que foi apresentado pela requerente, previamente ao formulário próprio previsto no artigo 8.o, n.º 1 do Regulamento (EU) n.º 655/2014, que a apelante pretende ver acrescentado à matéria de facto provada. Assim, saber se «a aqui requerente desde há vários anos que tem encetado esforços para ser ressarcida do seu crédito», constitui uma conclusão que assenta num prévio juízo valorativo, genérico e indeterminado que deve incidir sobre determinadas circunstâncias, ocorrências ou eventos materiais concretos e com referência a determinados pressupostos fáticos e contextos específicos, excedendo desta forma o âmbito da decisão em sede de matéria de facto, atendendo ao objeto da presente ação. Pelo exposto, decide-se rejeitar, nesta parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Como se viu, a apelante pretende que os factos que foram alegados nos pontos 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 23., 24., e 25., do requerimento que foi apresentado previamente ao formulário próprio previsto no artigo 8.o, n.º 1 do Regulamento (EU) n.º 655/2014, sejam dados como provados. Analisado detalhadamente o articulado que foi apresentado pela requerente, previamente ao formulário próprio previsto no artigo 8.o, n.º 1 do referido Regulamento, facilmente se constata que os concretos enunciados fácticos alegados nos respetivos pontos 15., - «Deste modo como o requerido não pagou a totalidade da sua divida, o requerente deu entrada de um procedimento de injunção no dia 03/02/2017, conforme doc.... que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais» - 16., - «O requerido regulamento citado não deduziu oposição tendo sido aposta fórmula executória» - 17., - «A requerente deu entrada de uma ação executiva no dia 20/05/2017, que corre termos no T.J.C ... - Juízo de Execução ... - Juiz ... sob o n.º 2854/17...., conforme doc.... que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais» - 18., - «No decurso desta ação foram realizadas buscas pela agente de execução e realizadas várias diligências de penhora, mas não foi possível penhorar nenhum bem, conforme doc.... que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais» - 19., - «Durante as diligências de penhora não foi possível encontrar o requerido» e 20., - «A agente apurou junto dos vizinhos na morada sita na - ... ..., ... ... que o requerido se encontra a residir no estrangeiro» - e 25., - «Tendo o requerido alterado a sua morada nas bases de dados publicas para o estrangeiro» -, já integra elenco dos factos provados constante da decisão recorrida, de acordo com o que revela pertinência para a correspondente subsunção jurídica da causa, à luz das diversas soluções plausíveis de direito, conforme resulta do enunciado nas correspondentes als. a), b), c), d), e), f), e l) da fundamentação de facto, o que delimita necessariamente o poder de cognição do tribunal ad quem e implica a rejeição da impugnação apresentada relativamente aos pontos da matéria de facto em referência, o que se decide. A apelante defende o aditamento à matéria de facto provada do alegado no ponto 24., do articulado que foi apresentado pela requerente, previamente ao formulário próprio previsto no artigo 8.o, n.º 1 do Regulamento (EU) n.º 655/2014 [«Foi possível apurar, que o Requerido se encontra a residir em ...»]. Tal como resulta da fundamentação de facto constante da decisão recorrida, o tribunal a quo integrou na al f) dos factos assentes uma alínea com o seguinte teor: «A agente de Execução apurou que o requerido se encontra a residir no estrangeiro». Relativamente à impugnação agora em análise, a apelante requer a reapreciação dos documentos ..., ... e ... juntos com a petição inicial bem como a prova testemunhal indicada (BB e CC). Analisado o teor do documento n.º ... junto com o articulado que foi apresentado pela requerente, previamente ao formulário próprio previsto no artigo 8.o, n.º 1 do Regulamento (EU) n.º 655/2014, pode constatar-se que resulta das pesquisas às bases de dados da Segurança Social, IRN - Identificação Civil e DGCI - Autoridade Tributária, realizadas em 12-08-2022, 26-09-2022 e 12-08-2022, respetivamente, que o ora requerido apresenta morada/residência/domicílio fiscal em ... Avenue..., ..., em .... Reapreciado o depoimento da testemunha CC, Agente de Execução no processo n.º 2854/17...., e apesar de afirmar não ter tido qualquer contacto com o requerido, a mesma confirmou, no essencial, o que resultou das pesquisas efetuadas no âmbito do processo de execução em referência, que indicam a morada do requerido em ..., no domicílio antes referenciado. Mais esclareceu que, nas deslocações que fez a várias moradas indicadas em Portugal, nunca encontrou o requerido, mas que, numa dessas moradas, os vizinhos referiram genericamente que o requerido está em .... Assim sendo, julgamos que os referidos meios de prova permitem evidenciar com a necessária probabilidade e segurança que o Agente de execução apurou que o requerido se encontra a residir em .... Como tal, feita a reapreciação e concatenação dos elementos indicados pela apelante, entendemos que se justifica complementar o teor da al. f) dos factos assentes, de forma a reproduzir o alegado no ponto 24 do articulado em referência. Procede, assim, nesta parte, a impugnação da matéria de facto, passando a al. f) dos factos assentes a ter a seguinte redação: «f) A agente de Execução apurou que o requerido se encontra a residir em ...». Vem, ainda, a autora/apelante suscitar o aditamento do alegado no ponto 23., do articulado inicial, à matéria de facto provada [«No âmbito da ação executiva, não foi apurado qualquer bem suscetível de penhora respeitante ao Requerido em território nacional»]. Contudo, sobre esta matéria não se vislumbra que os concretos meios de prova permitam o aditamento pretendido pela apelante, posto que da pesquisa à base de dados do IRN - Automóvel - por matrícula - que integra o documento n.º ... junto com o requerimento inicial, resulta a existência de um veículo automóvel registado em nome do requerido, com ano de matrícula em Portugal de 1995. A este propósito, a testemunha CC, Agente de Execução no processo n.º 2854/17...., confirmou a existência de tal veículo, e que o mesmo é suscetível de penhora, tanto mais que se mostra penhorado pela Autoridade Tributária, referindo, porém, que o referido automóvel não tem valor significativo para a execução, por ser um carro antigo, o que não permite que se considere provado ponto da matéria de facto em apreciação. Improcede, assim, a impugnação da decisão de facto, na parte em apreciação. Também relativamente à concreta facticidade alegada no ponto 21., do articulado inicial [«Considerando a nota discriminativa de despesas e honorários encontra-se neste momento em divida o montante de 10.409,61€, conforme doc.... que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais»], julgamos que dos concretos meios de prova invocados pela recorrente não decorrem motivos consistentes que imponham o aditamento de tal matéria aos factos assentes. Assim, a testemunha CC, Agente de Execução no processo n.º 2854/17...., prestou o seu depoimento nos presentes autos em 11-04-2023, como tal, em data posterior à que consta do documento n.º ... junto com o articulado inicial (e que se mostra datado de 02-01-2023), referindo ter consigo a respetiva nota discriminativa, após o que confirmou apenas estar em dívida cerca de 9.000,00€ ou muito perto de 9.500,00€. Deste modo, não se vislumbra que tais meios de prova imponham, por si só, o pretendido aditamento, mantendo-se a matéria vertida na al. g) dos factos assentes. Por último, quanto à matéria enunciada em 2., dos factos não provados, reportada à questão de saber se «o requerido abandonou Portugal de forma definitiva sem dar conhecimento aos credores da sua saída, com intenção de não proceder ao pagamento das dívidas», foram reapreciados os elementos probatórios indicados pela apelante, não se vislumbrando que decorra dos mesmos qualquer elemento que imponha a alteração da decisão proferida quanto ao ponto da matéria de facto em referência. Deste modo, tal como ponderou - e bem - o tribunal a quo, dos depoimentos das testemunhas BB (colaboradora da requerente na área administrativa e financeira, há 12 anos) e CC (Agente de Execução no processo n.º 2854/17....) resulta inequívoco que nenhuma das referidas testemunhas revelou ter estabelecido qualquer contacto recente com o requerido, nada evidenciando relativamente à respetiva situação económica ou quanto às razões que o levaram a ausentar-se do país, nem o momento e o contexto em que tal ocorreu, os quais denotaram desconhecer por completo. Aliás, do depoimento de BB resulta efetivamente que esta testemunha deixou de ter qualquer tipo de contacto com o requerido a partir de meados de 2016, como tal, ainda antes da instauração do procedimento de injunção, em 2017, nem sequer sabendo se o requerido era então detentor de algum estabelecimento, qual o tipo de atividade que exercia ou que exerce atualmente. Acresce que também não decorre dos documentos juntos aos autos qualquer elemento probatório que permita consubstanciar com suficiente probabilidade, e ainda que indiciariamente, o facto em causa. Pelo exposto, entendemos que não existe erro de julgamento no que respeita ao facto vertido no ponto 2., dos factos não provados. Em conclusão, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto deduzida pela recorrente, com exceção da alteração determinada em relação à al. f) dos factos assentes, nos termos antes enunciados. 2.2. Da reapreciação do mérito da decisão recorrida Os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob o n.º 1.1. supra, com a alteração determinada relativamente à al. f) dos factos assentes, nos seguintes termos: «f) A agente de Execução apurou que o requerido se encontra a residir em ...». O quadro factual relevante com vista à sua subsunção jurídica é, no essencial, idêntico ao que serviu de base à prolação da decisão recorrida. Considerando os factos indiciariamente provados, a 1.ª instância concluiu que dos mesmos resulta suficientemente indiciada a probabilidade da existência do crédito da requerente, pois que se apurou, com a certeza que se exige no âmbito das providências cautelares, que a requerente forneceu bens do seu comércio ao requerido, o qual não os pagou na íntegra. Porém, entendeu que a requerente não logrou demonstrar, ainda que perfunctoriamente, o circunstancialismo que alegou com vista a fundar o justo receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito, designadamente, que o requerido está em situação económica difícil, sendo previsível o acionamento do mesmo pelos seus credores e que o mesmo se ausentou para o estrangeiro com vista a eximir-se do pagamento das suas dívidas. Em consequência, decidiu não decretar a providência requerida, por falta de demonstração, cujo ónus lhe cabia, de um dos pressupostos do decretamento da providência concretamente requerida. Para o efeito, enunciou os seguintes fundamentos: « (…) Nos termos do art. 7º do Regulamento nº 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014, que dispõe sobre as Condições de concessão de uma decisão de arresto: “1. O tribunal profere a decisão de arresto quando o credor tiver apresentado elementos de prova suficientes para o convencer de que há necessidade urgente de uma medida cautelar sob a forma de uma decisão de arresto, porque existe um risco real de que, sem tal medida, a execução subsequente do crédito do credor contra o devedor seja frustrada ou consideravelmente dificultada. 2. Caso não tenha ainda obtido num Estado-Membro uma decisão judicial, uma transação judicial ou um instrumento autêntico que exija que o devedor lhe pague o crédito, o credor apresenta também elementos de prova suficientes para convencer o tribunal de que é provável que obtenha ganho de causa no processo principal contra o devedor.” O procedimento de decisão europeia de arresto de contas foi instituído pelo Regulamento (EU) nº 655/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014, tendo entrado em vigor em 18 de janeiro de 2017, o qual visa facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial. As situações em que é permitido ao credor lançar mão da providência cautelar de arresto estão definidas, no essencial, nos considerandos 7, 14 e 15. Assim, segundo o considerando 7, um credor deverá poder obter uma medida cautelar sob a forma de uma decisão europeia de arresto de contas («decisão de arresto» ou «decisão») que impeça o levantamento ou a transferência de fundos que o seu devedor possui numa conta bancária mantida num Estado-Membro se existir o risco de, sem essa medida, a subsequente execução do seu crédito sobre o devedor ser frustrada ou consideravelmente dificultada. O arresto de fundos mantidos na conta do devedor deverá ter como efeito impedir que não apenas o próprio devedor, mas também as pessoas por este autorizadas a fazer pagamentos através dessa conta, por exemplo, por meio de uma ordem permanente, através de débito direto ou da utilização de um cartão de crédito, utilizem os ditos fundos. Por sua vez, o considerando 14, refere que quando o credor apresentar um pedido de decisão de arresto antes de obter uma decisão judicial, o tribunal ao qual é apresentado o pedido deverá certificar-se, com base nos elementos de prova apresentados pelo credor, de que é provável que este obtenha ganho de causa no processo principal contra o devedor. Além disso, o credor deverá ter a obrigação de, em todas as circunstâncias, mesmo quando já tiver obtido uma decisão judicial, demonstrar suficientemente ao tribunal que o seu crédito tem necessidade urgente de proteção judicial e que, sem a decisão, a execução da decisão judicial existente ou futura pode ser frustrada ou consideravelmente dificultada por existir um risco real de que, na altura em que o credor vir esta decisão executada, o devedor possa ter delapidado, ocultado ou destruído os bens ou tê-los alienado abaixo do seu valor, com uma amplitude inabitual ou de modo pouco habitual. O tribunal deverá avaliar as provas da existência desse risco apresentados pelo credor. Tais provas poderão ter a ver, por exemplo, com o comportamento do devedor em relação ao crédito do credor ou num anterior litígio entre as partes, com o historial de crédito do devedor, com a natureza dos bens do devedor e com qualquer ato recentemente praticado por este a respeito dos seus bens. Ao avaliar as provas, o tribunal poderá considerar que os levantamentos efetuados das contas e os gastos em que o devedor incorre para exercer a sua atividade profissional habitual ou para despesas familiares e recorrentes não são, em si mesmos, inabituais. A mera falta de pagamento ou contestação do crédito, ou o simples facto de o devedor ter mais do que um credor não deverá, por si só, ser considerado prova suficiente para justificar a emissão de uma decisão. Ademais, não é apenas por a situação financeira do devedor ser precária ou estar a deteriorar-se que se verifica fundamento suficiente para proferir uma decisão. No entanto, o tribunal poderá ter em conta estes fatores na avaliação global da existência do risco. Por fim, de harmonia com o considerando 15, a fim de assegurar o efeito de surpresa da decisão de arresto e assegurar que ela será um instrumento útil para um credor que tenta cobrar dívidas de um devedor em processos transfronteiriços, o devedor não deverá ser informado do pedido do credor, nem ser ouvido antes da concessão da decisão de arresto ou dela notificado antes da sua aplicação. Se, com base nos elementos de prova e nas informações prestadas pelo credor ou, se aplicável, pela(s) sua(s) testemunha(s), o tribunal considerar que não se justifica o arresto da conta ou das contas em causa, não deverá proferir a decisão. Os parâmetros de decisão são similares aos da providência cautelar de arresto, de feição conservatória, prevista no direito interno português (cfr. artigos 391º e 392º, do Cód. Proc. Civil), na medida em que também o Regulamento n.º 655/2014 exige os requisitos probatórios inerentes às medidas cautelares no direito nacional: o fumus boni iuris e periculum in mora. A providência cautelar de arresto, no direito português, consiste numa apreensão judicial de bens, legalmente configurada como uma antecipação ou preparação do processo destinado a regular, de forma definitiva, a relação material litigada. Por isso mesmo, o arresto pode ser decretado como preliminar ou incidental da acção declarativa ou executiva [artºs 362º, nº 1, 364º e 391º, nº 2 do Cód. Proc. Civil]. O arresto tem, por escopo - à semelhança do que ocorre com as restantes providências cautelares - evitar que a demora na resolução definitiva do litígio cause, ao aparente (Fumus Bonis Juris) titular do direito, prejuízo irreparável ou de difícil reparação (Periculum In Mora) - artºs 381º e 392º do Cód. de Proc. Civil. Exige, pois, para ser decretado, a verificação cumulativa de dois requisitos. Por um lado, a probabilidade séria de existência do direito invocado e, por outro, a existência de justo receio de perda da garantia patrimonial respectiva [artº 392º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil]. No que tange à probabilidade séria de existência do direito, cumpre referir que o arresto apenas visa acautelar, nos sobreditos termos, os direitos de crédito, excluindo-se, por isso, do respectivo âmbito de aplicação a tutela de direitos que não revistam natureza pecuniária. Por seu turno, o juízo de probabilidade de existência do direito, basta-se com a verosimilhança da existência de uma relação creditícia entre o requerente e o requerido. Quanto ao justo receio de perda da garantia patrimonial, recai sobre o requerente o ónus de alegar e demonstrar, ainda que perfunctoriamente, a existência de um concreto circunstancialismo do qual se extraia, de acordo com as regras da experiência comum, o perigo, justificado, de impossibilidade ou dificuldade de cobrança do crédito respectivo. O justo receio referente à perda da garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia. O critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, isto é, simples conjecturas, antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da acção declarativa ou executiva. (…)». Na sequência da impugnação de parte da decisão de facto, defende a apelante a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que decrete uma decisão europeia de arresto de contas bancárias, sem a qual, alega, subsiste um risco real de a execução subsequente quanto ao devedor/apelado ser consideravelmente dificultada ou frustrada de acordo com o artigo 7.º/1 do Regulamento (EU) n.º 655/2014, e 392.º do CPC, remetendo, a propósito, para o já decidido anteriormente no presente procedimento pelo acórdão deste Tribunal da relação de Guimarães, no sentido de que a ausência do requerido/devedor para ir residir para o estrangeiro com intenção de se eximir ao pagamento das dívidas necessariamente dificulta a recuperação do crédito, e facilita e evidencia um propósito reiterado de não cumprir, sendo causa idónea a provocar num homem normal aquele receio, constituindo periculum in mora. Revertendo ao caso dos autos, julgamos que o quadro fáctico alegado e apurado no presente procedimento não permite a este tribunal divergir da fundamentação e do juízo decisório efetuado pelo tribunal a quo na decisão recorrida, sendo de concluir que os factos indiciariamente apurados não permitem firmar o indispensável juízo de verosimilhança quanto aos factos integradores do concreto o receio justificado da perda de garantia patrimonial, com referência ao requerido. Efetivamente, enquanto elemento constitutivo específico do objeto da providência cautelar, em contraste com o da ação principal de que é dependência, há que apreciar nesta sede da verificação dos fundamentos da necessidade da composição provisória, a qual decorre do «prejuízo que a demora na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja situação jurídica merece ser acautelada ou tutelada»[5]. Neste domínio, importa salientar que é o segundo dos requisitos antes enunciados que consubstancia a marca distintiva do arresto relativamente a outras providências cautelares e se traduz no periculum in mora que alicerça os pressupostos da tutela cautelar em geral. Deste modo, «a avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjetivos do juiz ou do credor, antes em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como fator potenciador da eficácia da ação declarativa ou executiva de que o procedimento é instrumental»[6]. A propósito do preenchimento do requisito em apreciação, refere Marco Filipe Carvalho Fernandes[7]: «o periculum in mora inerente à providência cautelar de arresto consubstancia-se no perigo de serem praticados atos de ocultação, disposição, alienação ou oneração do património do devedor - não sendo necessária a prova de qualquer conduta dolosa ou fraudulenta nesse sentido - até que o credor obtenha um título executivo de reconhecimento do seu crédito que lhe permita atingir o património do devedor. Fundamentalmente, o receio de perda da garantia patrimonial do crédito mostra-se justificado quando “está criado um perigo de insatisfação do crédito, por o seu titular se deparar com a ameaça de estar a ser lesado aquilo que lho garanta: o património do devedor”. Neste particular, a lei “não exige a alegação e prova de que os bens a arrestar constituem a única garantia patrimonial do crédito. O que interessa é que os bens cujo arresto se pede figurem no património do devedor, não tendo o credor a obrigação de saber com exactidão quais os bens que integram tal património”. (…) Para que se verifique o preenchimento deste requisito processual, torna-se necessário que o credor alegue factos concretos e objetivos dos quais resulte o receio ou a forte probabilidade de perder a garantia patrimonial do seu crédito e/ou que, pelas regras da experiência comum ou pelo critério do bom pai de família, imponham o deferimento imediato da providência, sob pena de total ineficácia da ação judicial correlativa. Consequentemente, o fundado receio deve ser “justo”, ou seja, o requerente do arresto deve alegar as razões de facto que justificam a apreensão imediata dos bens do requerido, i. e., a concreta situação de perigo que se poderá consumar se essa apreensão não for decretada. Essas razões de facto devem ser fundadas, atuais e concretizadas com base em elementos objetivos (atinentes à consistência económica do objeto da garantia) e subjetivos (comportamento processual e/ou extraprocessual do devedor). Há ainda que salientar que a lei não exige que a perda de garantia patrimonial seja efetiva ou certa, bastando apenas que exista um receio fundado dessa perda. Trata-se, na verdade, de “um juízo dirigido para o futuro”, regendo-se, naturalmente, por critérios de probabilidade, já que “o futuro é sempre uma mera possibilidade de ser”. Significa isto que o credor arrestante não tem de demonstrar a existência de um receio certo, mas antes de um receio provável, não bastando, no entanto, a “prova da existência de um receio qualquer, porque tem de ser «justo». Fundamentalmente, aquilo que se exige para o preenchimento do periculum in mora é a verificação de uma situação de facto que seja suscetível de causar num credor “medianamente cauteloso e prudente” o receio de não lograr receber o crédito que detém sobre o devedor/requerido. Dito de outra forma, haverá receio fundado de perda da garantia patrimonial do crédito quando “qualquer pessoa, de são critério, em face do modo de agir do devedor, e colocado no seu lugar, também temeria vir a perder o seu crédito”». Assim, «[o] receio de perda da garantia patrimonial do crédito deve ser valorado em função de diversos fatores, tais como “o montante do crédito, a maior ou menor capacidade de solvabilidade do devedor, a forma da sua actividade, a sua situação económica e financeira, a natureza do seu património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o próprio montante do crédito»[8]. Ora, analisando o que com relevância para esta questão se mostra indiciariamente assente, entendemos que o circunstancialismo apurado não permite enquadrar objetivamente qualquer situação ou alteração relevante do contexto económico do requerido, não se afigurando suficiente para integrar, em concreto, o receio justificado da perda de garantia patrimonial do requerido. Com efeito, verifica-se que a requerente não logrou demonstrar, ainda que sumariamente, como lhe competia, os demais factos alegados e que normalmente se integram no âmbito das circunstâncias que permitem justificar o arresto, designadamente a intenção, por parte do requerido, de dissipação do património conhecido (cuja dimensão se desconhece), a diminuição patrimonial e/ou a atual ou iminente superioridade do seu passivo relativamente ao ativo. Note-se, a propósito, que a requerente nem sequer logrou demonstrar o que nesta sede alegou, no sentido de que o requerido exercia atividade de empresário em nome individual e os bens vendidos pela requerente destinavam-se ao comércio exercido, pelo que também não é possível presumir, ainda que indiciariamente, o eventual encerramento do respetivo estabelecimento comercial, ou das respetivas instalações, bem como o hipotético abandono da respetiva exploração comercial, mais se desconhecendo em absoluto se deixou de informar os seus eventuais fornecedores da alteração do espaço que explorava, designadamente com o intuito de não proceder ao pagamento das suas dívidas. Tal como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 10-09-2020[9], «a mera impossibilidade de cobrança, nomeadamente em ação executiva instaurada para o efeito, do crédito em questão, sem que esteja associado a qualquer outro índice, não chega para demonstrar o “periculum in mora”, não sendo esta exigência violadora de qualquer princípio europeu ou norma constitucional». Com efeito, e ainda que se demonstre que a requerente deu entrada no dia 20-05-2017 da execução de que os presentes autos são apenso, constituindo título o requerimento de injunção referido em a) e b), bem como que no decurso da execução foram realizadas buscas pela agente de execução e realizadas várias diligências de penhora, mas não foi possível penhorar nenhum bem nem foi possível encontrar o requerido, tal não permite extrair qualquer ilação relevante sobre uma eventual alteração do contexto económico-financeiro do requerido, previsivelmente associada a uma redução ou diminuição do respetivo património e à iminente ou provável alienação do património conhecido. De resto, a mera impossibilidade de cobrança do crédito não constitui fundamento autónomo para o decretamento do pedido de arresto, tal como resulta do Considerando 14 do Regulamento (EU) n.º 655/2014, ao prever, entre o mais, que «[a] simples falta de pagamento ou contestação do crédito, ou o simples facto de o devedor ter mais do que um credor não deverá, por si só, ser considerado prova suficiente para justificar a emissão de uma decisão. O simples facto de a situação financeira do devedor ser precária ou estar a deteriorar-se também não deverá, por si só, constituir um fundamento suficiente para proferir uma decisão». Por outro lado, a circunstância de se ter apurado que o requerido se encontra a residir em ..., tendo alterado a sua morada nas bases de dados públicas para o estrangeiro, também não permite retirar, só por si, qualquer ilação que torne verosímil a ameaça de dissipação ou ocultação patrimonial por parte do requerido, posto que não se mostra associada a quaisquer outros indícios ou fatores que permitam formular um juízo de probabilidade qualificada quanto à eventual deslocalização ou transferência do respetivo património para o estrangeiro. Como se viu, não conhecemos sequer qual a atividade normal do requerido, bem como a sua situação económica/financeira, atual ou anterior, qual a natureza do seu património anteriormente conhecido ou as razões que o levaram a ausentar-se do país, bem como o contexto ou mesmo o momento em que tal ocorreu. Aliás, a residência do requerido num Estado-Membro aderente diferente daquele onde o procedimento é instaurado não constitui sequer um pressuposto do decretamento da providência que o requerente tenha de provar, antes integrando um requisito prévio do próprio procedimento que, como tal, deve ser alegado[10], pois o Regulamento (EU) n.º 655/2014 aplica-se apenas a processos transfronteiriços, conforme decorre do respetivo Considerando 10 com o seguinte teor: «Para efeitos do presente regulamento, deverá considerar-se que existe um processo transfronteiriço quando o tribunal que aprecia o pedido de decisão de arresto se situar num Estado-Membro e a conta bancária visada pela decisão for mantida noutro Estado-Membro. Também poderá considerar-se que existe um processo transfronteiriço quando o credor estiver domiciliado num Estado-Membro e o tribunal e a conta bancária a arrestar estiverem localizados noutro Estado-Membro. O presente regulamento não deverá aplicar-se ao arresto de contas mantidas no Estado-Membro onde se encontra o tribunal em que foi apresentado o pedido de decisão de arresto se o domicílio do credor também for nesse Estado-Membro, ainda que o credor requeira ao mesmo tempo uma decisão de arresto respeitante a uma ou várias contas mantidas noutro Estado-Membro. Nesse caso, o credor deverá fazer dois pedidos distintos, um de decisão de arresto e outro destinado à obtenção de uma medida nacional». À luz das considerações jurídicas supra expendidas e em face do quadro fáctico apurado nos autos, cumpre concluir, tal como na 1.ª instância, que não se mostra preenchido um dos os requisitos legalmente exigidos para o deferimento do presente procedimento de decisão europeia de arresto de contas bancárias. Daí que a decisão recorrida não mereça censura, pois fez uma correta interpretação das determinações legais e dos princípios aplicáveis. Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for. No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu decaimento. IV. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando a decisão recorrida. Custas da apelação pela apelante. Guimarães, 29 de junho de 2023 (Acórdão assinado digitalmente) Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator) Maria Luísa Duarte Ramos (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto) António Figueiredo de Almeida (Juiz Desembargador - 2.º adjunto) [1] Cf. o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1. S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt. [2] Relatora: Fernanda Isabel Pereira, p. n.º 809/10.7TBLMG.C1. S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt. [3] Cf. o Ac. do STJ de 23-09-2009 (relator: Bravo Serra), p. 238/06.7TTBGR.S1 - 4.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt. [4] Relator Filipe Caroço, p. 338/17.8YRPRT, acessível em www.dgsi.pt. [5] Cf., Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, LEX, 1997, 2.ª Edição, p. 232. [6] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 465. [7] Cf. Marco Filipe Carvalho Fernandes, Providências Cautelares, 2017 - 3.ª edição, Coimbra, Almedina, pgs. 225-229. [8] Cf. Marco Filipe Carvalho Fernandes - obra citada - p. 229. [9] Relatora Lígia Venade, p. 1525/20.7T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt. [10] Neste sentido, cf. o citado Ac. TRG de 10-09-2020. |