Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | RAQUEL BATISTA TAVARES | ||
| Descritores: | ARRENDAMENTO TUTELA POSSESSÓRIA RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE ESBULHO VIOLÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 02/13/2020 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I- O arrendatário, tal como decorre do artigo 1037º n.º 2 do Código Civil, pode usar dos meios possessórios previstos na lei, designadamente da providência cautelar de restituição provisória de posse. II- O requerente da providência de restituição provisória de posse não carece de alegar factos demonstrativos da lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, nem do periculum in mora, sendo que os únicos requisitos para a procedência da mesma são a existência da posse, o esbulho e a violência. III- A violência que para este efeito releva é não só a que a exercida sobre as pessoas, mas também a que exercida sobre as coisas, sendo de considerar o esbulho como violento se o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa em face dos meios usados pelo esbulhador, se a ação física exercida sobre a coisa se traduz num meio de coagir a pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade. IV- A colocação pelo Requerido do cadeado, que ficou apenas na posse da Administração, fechando dessa forma a folha maior do portão e impedindo a Requerente de aceder pela totalidade da entrada que constitui o acesso à sua fração e de poder ai realizar cargas e descargas, designadamente através de veículo, deixando apenas aberta a folha mais pequena que não permite que as cargas e descargas pela fração “C” decorram com normalidade, constitui um ato de esbulho (parcial) violento por parte do Requerido. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório R. M., residente em Guimarães, veio propor providência cautelar comum contra o CONDOMÍNIO DO PRÉDIO Sito na Rua ..., n.º ..., representada pela administradora, ... CONDOMÍNIO, LDA, e os condóminos, M. N., J. R., R. C., J. M., L. P., M. F., L. N. e M. V. (que votaram a favor da deliberação), pedindo, a final, que se condene os Requeridos a entregar uma chave do cadeado do portão do logradouro do prédio sito na Rua ..., n.º …, à Requerente, sendo dessa forma assegurada a passagem e acesso de veículos à fração; subsidiariamente, sejam os Requeridos condenados a retirar o cadeado do portão do logradouro, sendo dessa forma assegurada a passagem e acesso de veículos à fração “C”; cumulativamente, deverão os Requeridos obstarem à prática de qualquer ato que impeça a utilização do logradouro para cargas e descargas pela Requerente e ser deferida a inversão do contencioso; serem os Requeridos condenados em sanção pecuniária compulsória nunca inferior a €250,00 por cada dia de incumprimento da providência cautelar a decretar. Para tanto e em síntese alegou que é arrendatária das frações “B” e “C” do referido prédio, ambas destinadas ao comércio, unidas sob a designação de “Loja …”, e que desde o início do contrato, em abril de 2018, se socorria da viela passeio de logradouro existente do lado poente do prédio, que é parte comum e que constitui acesso à referida fração, para proceder às cargas/descargas do estabelecimento, através da fração, sendo que tal operação facilitava as cargas e descargas, através da fração “C”, ao invés da entrada principal da loja, tal como já acontecia com os anteriores arrendatários desta fração, não sendo proibida – ao contrário do estacionamento no espaço – por nenhum dos instrumentos de regulamentação do condomínio. Que no dia 09/07/2019, a Administração procedeu ao escoramento da folha maior do portão de acesso ao logradouro, apondo, na aludida escora, um cadeado de forma a impedir a respetiva remoção e a abertura da folha, não entregando à requerente a chave do cadeado. Mais alega que a Requerente ficou impedida de realizar as operações de carga e descarga no logradouro e de aceder com mercadorias diretamente pela fração “C” como fazia, tendo de agora de realizar, atendendo ao volume dos veículos e exiguidade dos espaços de estacionamento na rua, em cima do passeio e pela entrada do público, dificultando as operações e não obtendo a utilização esperada do espaço. Foi admitida a providência e citados os requeridos. O requerido CONDOMÍNIO, e os condóminos M. N., J. R., R. C., L. P. e M. F. deduziram oposição, alegando, antes de mais, em síntese, que se verifica a ilegitimidade dos requeridos condóminos, sendo que o Requerido J. M. (5.º) faleceu em -/10/2016, o Requerido L. N. (7º) não é proprietário, mas sim uma sociedade e o Requerido M. F. deixou de ser proprietário, em virtude de doação efetuada a 01/08/2019. Alegam ainda que a Requerente não poderia intentar a providência de impugnação das deliberações, sem acompanhamento do proprietário, verificando-se a ilegitimidade ativa da Requerente. Relativamente ao mérito, concluem pela improcedência, alegando, em síntese, que as cargas e descargas já eram efetuadas pela porta principal, mesmo utilizando indevidamente o logradouro para estacionar o veículo, deixando-o ficar indevidamente estacionado, o que é proibido pelo regulamento do condomínio, sendo aquele sítio apenas para acesso pedonal à fração. O logradouro era utilizado pelo antigo inquilino para colocar plantas e para uma pontual carga e descarga, nunca tendo sido permitida esta utilização, não havendo qualquer prejuízo, uma vez que existem lugares de estacionamento e para cargas e descargas na rua. Atendendo à necessidade de mais custos com a habilitação de herdeiros e intervenção de terceiros com a doação alegada, foi determinada a notificação a Requerente para se pronunciar, querendo, sobre a alegada ilegitimidade passiva ou requerer o que tiver por conveniente sobre a (des)necessidade de intentar a providência contra os condóminos. Foi proferido despacho no sentido de que se se configurar a ação como mera restituição de posse, poderia ser intentada a providência apenas contra o condomínio ou contra os condóminos que votaram a favor, representados pela administração, que já deduziu oposição, pelo que se designou tentativa de conciliação com a Requerente e a Requerida administração. Frustrada a conciliação, foi acordado que a providência ia apenas prosseguir com uma decisão provisória relativa à utilização do logradouro contra o Requerido “Condomínio”, representado pela administração, deixando os restantes Requeridos de ter intervenção. Foi proferido despacho determinando a prossecução da instância apenas contra o Requerido Condomínio, absolvendo da instância os restantes Requeridos. Realizada a audiência foi proferida decisão que julgou procedente o procedimento cautelar: “Pelo exposto, julgo o presente procedimento cautelar procedente e, em consequência, determino que o Requerido permita a utilização do logradouro para cargas e descargas e que, no prazo de dois dias a contar da notificação, entregue uma cópia da chave do cadeado do portão do logradouro do prédio sito na Rua ..., n.º …, à Requerente, sob pena de condenação em sanção pecuniária, no montante diário de incumprimento de € 50,00 (cinquenta euros). Custas pelas partes, atendendo ao já decidido relativamente às partes e inversão de contencioso, sem prejuízo do disposto no artigo 453º, nº1, do Código de Processo Civil. Notifique”. Da sentença recorreu o CONDOMÍNIO do Prédio sito na Rua ..., n.º ..., concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1ª-) A sentença recorrida viola de forma a Lei, o título constitutivo da propriedade horizontal, o regulamento do condomínio devidamente aprovada e as deliberações validamente tomadas pelo condomínio na assembleia geral de 18 de Junho de 2019; 2ª-) A sentença proferida legitima ou ratifica um comportamento da Requerente manifestamente abusivo e violador da Lei, da propriedade horizontal, do regulamento do condómino e das deliberações da assembleia geral de 18.06.2019; 3ª-) A escassa factualidade apurada e dada como provada não pode de todo fundamentar o decretamento desta providência cautelar, requalificada pela sentença recorrida como sendo de restituição provisória de posse; 4ª-) A Requerente socorre-se da presente providência para de forma camuflada impugnar as deliberações dos condóminos validamente tomadas na AG de 18.06.2019; 5ª-) As deliberações consignadas em acta, impõem-se aos condóminos e a terceiros titulares de direitos relativos às fracções, quer as mesmas tenham sido por aqueles aprovadas ou não; 6ª-) A Requerente não poderia vir a Juízo desacompanhada dos proprietários das fracções “B” e “C” de que a mesma é arrendatária; 7ª-) O A. F., proprietário das fracções em causa, devidamente convocado para a assembleia extraordinária de 18.06.2019, não compareceu, nem se fez representar, nem depois, notificado das deliberações, usou alguma das faculdades que o artigo 1433.º do Código Civil lhe dava para, caso discordasse, reagir às deliberações validamente tomadas naquela AG de 18.06.2019; 8ª-) A legitimidade activa ou passiva para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos radica-se nos próprios condóminos, sendo os demandados representados pelo administrador do condomínio ou por pessoa que a assembleia designar para esse efeito; 9ª-) A Requerente não tinha legitimidade para impugnar as deliberações das assembleias de Condóminos, por ser simplesmente a locatária das fracções “B” e “C” e não a sua proprietária; 10ª-) A Requerente não era a titular da relação controvertida, sendo assim de considerar parte ilegítima na presente providência cautelar; 11ª-) Não se mostram verificados nos autos os pressupostos do artigo 377º do CPC; 12ª-) A escassa matéria de facto indiciariamente dada como provada não permite inferir que houve um esbulho violento; 13ª-) Estava vedado ao Tribunal “a quo” convolar a providência cautelar comum requerida pela Autora em providência cautelar de restituição provisória de posse; 14ª-) Se estivéssemos in casu perante uma providência cautelar de restituição provisória de posse, como a sentença acabou por entender, a mesma não deixaria de ter sido desde logo decretada, produzida a prova da Requerente, mas sem a citação e audiência do Requerido, o que não se verificou; 15ª-) O artigo 378º do CPC impõe que se o Juiz, pelo exame das provas, reconhecer que o requerente tinha posse e foi esbulhado dela violentamente, ordene a restituição, mas sem citação nem audiência do esbulhador; 16ª-) Há procedimentos cautelares nominados (como é o caso da restituição provisória de posse) que, pela sua natureza, devem (imposição legal) ser sempre decretados sem audiência do requerido.; 17ª-) Se efectivamente se tratasse de uma providência cautelar de restituição provisória de posse, o Juiz, em vez de mandar citar os Requeridos, como fez através do seu despacho de 05.08.2019, teria ordenado a imediata produção da prova indicada pela Requerente e, em face dela, teria decretado a providência, mas sem a citação nem audiência dos Requeridos; 18ª-) Não o tendo feito, torna-se evidente que não se está perante um procedimento cautelar de restituição provisória de posse, que tem regras próprias e até mais restritivas (como é o caso da dispensa de citação e audiência prévia do requerido) mas antes de um procedimento cautelar comum, tal como de resto a Requerente o configurou em toda a sua linha; 19ª-) A decisão do juiz de ouvir ou não o requerido não é proferida no uso de um poder discricionário; 20ª-) Tendo a Requerente fundado a presente providência cautelar no artigo 362º do CPC (cfr. artigos 77º e sgs da petição) e configurado a mesma como um procedimento cautelar comum, e em que nem tão pouco requereu a dispensa de audiência prévia do requerido, vedado estava ao Tribunal “a quo” convolar a pretensão da Requerente para o procedimento cautelar de restituição provisória de posse; 21ª-) Não é legalmente possível operar a convolação dum procedimento cautelar comum para um procedimento cautelar de restituição provisória da posse quando manifestamente falta a alegação de factos suportadores de esbulho e violência (e depois a sua prova) que integrem os requisitos de procedência do procedimento cautelar de restituição provisória da posse; 22ª-) A correcção oficiosa feita pela sentença recorrida só seria possível se os autos comportassem os elementos fundamentais da providência que se mostraria adequada, in casu a restituição provisória de posse, o que, no nosso entender, não se verifica. 23ª-) A sentença recorrida padece assim de nulidade, que ora se invoca e requer seja apreciada e decidida; 24ª-) Nos termos do artigo 201º do CPC, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa; 25ª-) A procedência da providência cautelar de restituição provisória de posse depende da alegação e prova dos três requisitos indicados nos artigos 377º e 378º do Código de Processo Civil: a posse, o esbulho e a violência, que no caso dos autos não se provou; 26ª-) Da leitura conjugada do artigo 377º do CPC e dos artigos 255º, 1261º, 1277º, 1278º e 1279º do C.Civil, temos que para ser decretada a providência – restituição provisória de posse – não basta um comportamento que perturbe a posse, mas terá de ser um comportamento violento; 27ª-) A posse considera-se violenta quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou de coacção moral; 28ª-) A coacção física é aquela em que, através do recurso à força física, se anula e exclui a possibilidade de execução da vontade real da pessoa coagida, conduzindo à completa ausência de vontade do mesmo e colocando-o numa situação de impossibilidade material de agir; 29ª-) A coacção moral é a conseguida mediante ameaça provocadora de inibição da capacidade de reacção do coagido, através de um processo psicológico obstrutivo, levando-o a deixar o campo livre à actuação do agente, por receio de que algum mal, que poderá incidir sobre a pessoa, a honra ou a fazenda do próprio ou de terceiro, lhe seja infligido; 30ª-) Sendo certo que a violência, para efeitos de restituição provisória da posse, tanto pode incidir sobre as pessoas como sobre as coisas, não é menos verdade que a violência sobre as coisas, para relevar em termos de restituição provisória de posse, terá de ter reflexos, ainda que indirectos, como forma de intimidação, sobre as pessoas; 31ª-) Quando exercida sobre as coisas, para ser relevante e qualificar o conceito de violência, se deve sempre traduzir na intimidação do possuidor, de modo que se quede sem resistência, sujeitando-se ao acto usurpativo, nisto consistindo a coacção moral; 32ª-) Perpassada a escassa matéria de facto indiciariamente dado como provada nos pontos 1 a 17 não se verifica qualquer esbulho, e muito menos qualquer violência; 33ª-) Da matéria de facto dada como provada resulta apenas que a Requerente estava impedida de fazer cargas e descargas no logradouro, espaço comum do prédio e que o condomínio, ao ter fechado a folha maior do portão do logradouro (e não totalmente o portão, que continua aberto através de uma porta mais pequena e da qual a Requerente tem a chave), impediu a Requerida de aceder ao logradouro de carro, conforme deliberado pelos condóminos; 34ª-) Não está provado que a Requerente esteja impedida de aceder à sua fracção “C”, nem que esta esteja de qualquer forma encravada; 35ª-) Está provado (ver facto 3) que a fracções da Requerente (as fracções “B” e “C”) estão destinadas ao exercício do comércio, tendo aí a Requerente instalado, NUM ESPAÇO COMERCIAL ÚNICO, a sua loja; 36ª-) A Requerente não está impedida de aceder à sua loja, incluindo à fracção “C”, tal como de resto vem provado no facto 13; 37ª-) Para que o esbulho fosse considerado violento, ter-se-ia que estar perante factos provados (mesmo que indiciariamente) que permitissem concluir que o Requerido praticou atos que, constrangendo a Requerida (o esbulhado), a tivesse colocado numa situação de incapacidade de reagir perante o ato de desapossamento, o que não se verifica; 38ª-) Recaindo a acção do recorrente sobre coisas e não directamente sobre pessoas, a mesma só poderá ser considerada violenta se, indirectamente, coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois só assim estará em causa a liberdade de determinação humana; 39ª-) A simples mudança da fechadura de apenas uma das duas folhas do portão de acesso ao logradouro, através do qual a Requerente continua a passar e a poder aceder livremente à sua fracção “C”, feita com a única finalidade de impedir a Requerente de continuar a utilizar o espaço comum de logradouro do prédio como local de estacionamento de veículos, seja ou não para cargas e descargas, e para vazamento ou depósito de lixo, só por si, não integra o conceito legal de violência; 40ª-) Tal alegado desapossamento foi efectuado através duma acção que não incidiu sobre a Requerida (o possuidor), não se tendo verificado qualquer ofensa física ou psicológica à sua capacidade de auto-determinacão, que justificasse a procedência do procedimento cautelar de restituição provisória de posse; 41ª-) Para deferir a restituição provisória da posse, a violência, caracterizadora do esbulho, poderá ser exercida sobre coisas, mas neste caso desde que ela se repercuta nas pessoas em termos de intimidá-las ou coagi-las, o que claramente não se verifica atenta a escassa matéria de facto provada; 42ª-) Se a acção recair sobre coisas e não directamente sobre pessoas, esta só poderá ser havida como violenta se, indirectamente, coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois apenas assim estará em causa a liberdade de determinação humana; 43ª-) Nem sequer caberia no caso vertente o decretamento de um qualquer procedimento cautelar comum, pois não ficaram provados quaisquer prejuízos graves e de difícil reparação (periculum in mora), para obter uma intervenção urgente do poder judicial; 44ª-) A sentença, tal como a Requerente, confunde meros incómodos com esbulho violento; 45ª-) Tendo ficado provado a fracção “B” deita directamente para a rua ... (facto 7), a qual constituiu a entrada principal do estabelecimento da Requerente (facto 7), que a Requerente está agora impedida de parar o seu veiculo para cargas e descarga no logradouro (facto 12), mas que o faz agora na rua ou no passeio em frente ao portão (facto 13), uma vez que o seu veiculo, dadas as suas dimensões, não cabe no espaço de estacionamento existente na rua ..., o qual está muitas vezes ocupado com outros veículos (facto 13), que a Polícia Municipal de … tem ido avisar a Requerente de que não pode parar no passeio (facto 14), tudo isto não passa de meros incómodos alegados pela Requerente, mas insusceptíveis de fundamentarem o decretamento da providência nos termos em que o foi; 46ª-) Só haveria esbulho, para efeito de aplicação do referido art.º 377º do Código de Processo Civil, se se tivesse provado que a Requerente ficou privada do exercício da retenção ou fruição do objeto possuído, ou da possibilidade de o continuar, o que nitidamente não se verifica; 47ª-) Não colhe pois de todo a argumentação plasmada na sentença (cfr. pág. 12) de que a violência se caracteriza pelo facto de a Requerente ter ficado impedida de contactar com a coisa, pois tal facto não resultou provado; 48ª-) A recorrida continua a ter acesso livre e desimpedido à sua fracção “C” através do mesmo portão do logradouro, do qual tem, de resto, uma chave; 49ª-) A decisão recorrida viola de forma flagrante o título constitutivo da propriedade horizontal, que prevê que a fracção C fica nos rés-do-chão, após o gaveto e com uma entrada por uma porta larga que deita para UMA VIELA PASSEIO DE LOGRADOURO; 50ª-) Ao contrário do referido na sentença, o acesso de carro ou de veículos está vedado pelo documento constitutivo da propriedade horizontal; 51ª-) Toda e qualquer utilização que se tenha feito, com ou sem consentimento do condomínio, ou se venha a fazer daquele espaço de logradouro com veículo automóvel é claramente violadora do título constitutivo da propriedade horizontal; 52ª-) O facto de antes a Requerente ter utilizado aquele espaço para a ele aceder com o seu veículo e efectuar cargas e descargas não lhe dá legitimidade para o continuar a fazer, nem o tribunal pode vir agora sufragar, ratificar ou legitimar tal comportamento abusivo; 53ª-) A deliberação do condomínio de 18.06.2019, validamente tomada e que não foi objecto de qualquer impugnação, impõe-se a todos os condóminos e a terceiros; 54ª-) Tendo as referidas fracções sido constituídas como uma única fracção, como a Requerente alega, e que têm a sua única entrada ao público pela Rua ..., facilmente se conclui que a entrada de peão pelo logradouro lateral de acesso à fracção posterior não está a ser utilizada; 55ª-) Antes de tomar a decisão de arrendamento deste espaço comercial, a Requerente deveria ter avaliado as condições necessárias para proceder ao seu trabalho sem prejudicar terceiros, nomeadamente com a obstrução da via durante as cargas e descargas nem com a utilização indevida das partes comuns para o estacionamento de carrinhas de grande porte para fazer essas cargas e descargas; 56ª-) A própria Requerente assume que arrendou duas fracções dotando as mesmas de utilização conjunta com a sua entrada pela Rua ..., não sendo assim necessário recorrer à utilização da entrada de peões da fracção posterior pela referida viela lateral; 57ª-) A sentença recorrida violou o regulamento aprovado pelo condomínio em 22.09.2017 (facto 5); 58ª-) A partir do momento que passou a existir um regulamento que foi aprovado em assembleia de condomínios, passou a ser proibido utilizar o logradouro para efectuar cargas e descargas; 59ª-) O argumento da mera “paragem” referida na sentença (cfr. pág. 11) é deveras excessivo, inusitado e sem qualquer fundamento; 60ª-) Trata-se claramente de uma interpretação incorrecta e que claramente extravasa o que ficou consignado no nº 7 do artigo 7º do regulamento; 61ª-) A expressão “estacionar” não pode deixar de abranger a pagarem de veículos, como nos parece por demais evidente; 62ª-) Ao utilizar a expressão “estacionar” quer no regulamento que o condomínio aprovou quer em todas as comunicações que enviou à Requerente e ao seu senhorio, o condomínio queria incluir naturalmente a paragem de viaturas; 63ª-) Na acta nº 46 de 18.06.2019 vem referido, no ponto 1, que foi deliberado por unanimidade dos presentes impedir a utilização do logradouro para estacionamento de viaturas ou realização de cargas e descargas, pelo que efectuar cargas e descargas implica necessariamente a paragem dos veículos; 64ª-) A sentença recorrida violou uma deliberação legitimamente tomada pela unanimidade dos condóminos em 18.06.2019, a qual é soberana, porque foi validamente tomada; 65ª-) As deliberações não foram objecto de qualquer impugnação, a começar pelo locador das fracções em causa, que foi devidamente convocado para aquela assembleia mas não compareceu e teve delas depois conhecimento; 66ª-) Para apoio à prática de comércio, a Rua ... está dotada de um lugar de cargas e descargas que se encontra mesmo em frente às fracções em causa; 67ª-) O condomínio é alheio a todos os factores invocados pela recorrida, tais como as dimensões dos seus veículos, a configuração da rua, a escassez ou exiguidade dos lugares de estacionamento e vigilância da Polícia Municipal; 68ª-) O proprietário/senhorio das fracções, A. F., sabia e sabe desde há muito tempo (há mais de 20 anos) que o espaço é comum e que não pode fazer uso dele nem pode arrendar nem conceder direitos que não lhe pertencem, como é o caso da viela de passeio de logradouro; 69ª-) Resulta do ponto 6 dos factos provados que antes da intervenção camarária de requalificação desta rua a viela tinha acesso de nível com a rua, mas que agora tem um passeio largo à frente SEM RAMPA, pelo que se a câmara não deixou nenhuma rampa de acesso àquela viela ou espaço de logradouro é porque não é permitido o acesso à mesma com veículos; 70ª-) A sentença permite que a Requerente viole de forma flagrante o Código da Estrada, nomeadamente o seu artigo 17º; 71ª-) A inexistência de uma rampa naquele passeio faz crer com segurança a todos os transeuntes que por ali não existe qualquer acesso de carro; 72ª-) A Requerente tem que respeitar as deliberações dos condomínios, validamente tomadas e das quais o seu senhorio teve oportuno conhecimento; 73ª-) É manifesto que a presente providência não deveria ter sido decretada, impondo-se que este Venerando Tribunal revogue a sentença e decida pela total improcedência da presente providência cautelar; 74ª-) Ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou os artigos 255º, 1261º, 1277º, 1278º, 1279º e 1433º do Código Civil, e os artigos 201º, 366º, 377º e 378º do C.P.Civil.” Pugna o Recorrente pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e sua substituição por acórdão que julgue a providência cautelar totalmente improcedente, por provada, com todas as legais consequências. A Requerente apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir. *** II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC). As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes: a) Saber se se verifica a ilegitimidade do lado ativo; b) Saber se se verificam os pressupostos para decretamento da providência. *** III. FUNDAMENTAÇÃO3.1.Os factos Factos indiciariamente provados, tal como adquiridos em 1.ª instância: 1. Por contrato celebrado no dia 30.04.2018, a Requerente tomou de arrendamento, as frações autónomas identificadas pelas letras B e C, situadas no rés-do-chão do prédio urbano sita na Rua ..., n.º 111. 2. Tal prédio encontra-se constituído em propriedade horizontal, estando a administração do Condomínio confiada à sociedade “Y, UNIPESSOAL, LDA.” (... CONDOMÍNIO de Guimarães). 3. As frações estão destinadas ao exercício do comércio, tendo aí a Requerente instalado, num espaço comercial único, uma das suas lojas designadas de .... 4. Da escritura da propriedade horizontal e do alvará de licença de utilização consta que a fração C, destinada a atividade económica, fica no Rés-do-chão, após o gaveto e com uma entrada por uma porta larga que deita para uma viela passeio de logradouro do prédio, e que é aí considerada como parte comum a todas as frações. 5. Em setembro de 2017, foi aprovado um regulamento do condomínio, que aqui se dá como reproduzido, nomeadamente, prevendo no seu artigo 6.º, n.º 6 que não é permitido guardar nas partes comuns, bem próprios sem autorização da Assembleia de Condóminos, desde que interfiram com terceiros e no seu n.º 7, que é proibido estacionar veículos no espaço comum das garagens, passeios ou acessos ao prédio. 6. A requerente tem necessidade de realizar operações de carga/descarga numa base diária e, às vezes até três vezes ao dia, e socorria-se da referida viela passeio de logradouro comum, desde o início do contrato de arrendamento e tal como o faziam os anteriores utilizadores das frações, sendo que antes da intervenção a viela tinha acesso de nível com a rua e agora tem passeio largo à frente sem rampa. 7. A requerente parava os veículos no apontado logradouro, e procedia às cargas/descargas, quer através da entrada principal da fração B, quer através da fração “C”, onde entravam as paletes maiores para depois as colocar nos expositores. 8. Os inquilinos da fração C e a administração possuíam uma chave do portão, que era fechado à noite, sendo que atualmente foi decidida a entrega desta a todos os condóminos. 9. No dia 11.04.2019, a requerente recebeu uma missiva endereçada pela Administração do Condomínio, que aqui se dá como reproduzida onde lhe era assacada uma alegada “utilização indevida do logradouro comum”, nomeadamente para guardar cartão e veículos, tendo sido respondida por carta datada de 10 de maio de 2019 (junta aos autos e aqui reproduzida), infirmando as acusações. 10. Por carta datada de 24 de maio, que aqui se dá como reproduzida, a administração reitera que o inquilino tem direito a aceder ao logradouro lateral por forma a ter acesso ou dar acesso à referida loja, referindo que, no entanto, este direito é apenas de passagem pedonal, não podendo utilizar este espaço para usufruto próprio, não havendo autorização para continuar a utilizar o local para “estacionar veículos, depositar caixas de cartões ou qualquer outro objeto”. 11. Por missiva datada de 04.07.2019, a “Administração do Condomínio” enviou à requerente uma ata número 46, referente a Assembleia-geral de Condóminos ocorrida a 18.06.2019, em que por via das deliberações aí tomadas pelos 2.º a 9.º requeridos (correspondendo a 50% do capital), iria a Administração proceder ao bloqueio/trancamento da folha maior do portão do logradouro de forma a impedir o acesso de viaturas àquele espaço, não sendo autorizada a realização de cargas e descargas. 12. No dia 9 de julho seguinte foi fechada a folha maior do portão com um cadeado, que ficou apenas na posse da Administração, ficado a Requerente impedida de parar o veículo para cargas e descargas no referido logradouro. 13. A paragem do veículo para tal fim tem de ser agora efetuada na rua, e uma vez que não cabe num espaço de estacionamento, designadamente no espaço de cargas e descargas existente em frente à loja, tendo elevada ocupação, e geralmente estaciona no passeio mais largo, em frente ao portão. 14. A Polícia Municipal, quer em virtude da normal patrulha, quer por denúncia dos condóminos, tem-se dirigido ao local para avisar a Requerente que não pode parar no passeio. 15. A abertura da folha mais pequena do portão não permite as cargas e descargas pela fração C decorram com normalidade. 16. A realização do abastecimento de paletes e caixas maiores pela fração B, obriga à alteração da disposição dos produtos, prateleiras e expositores e à obstrução da entrada e do passeio aos clientes e transeuntes. 17. O portão foi colocado há cerca de 30 anos, pela Junta de Freguesia, para evitar a utilização do logradouro para consumo de droga. *** Factos não provados“Não resultaram outros factos relevantes não escritos ou com estes em contradição, excluindo matéria conclusiva ou de direito. Designadamente não resultou provado que os anteriores arrendatários utilizavam o espaço apenas para um ou outra carga pontual e que foi chamado a atenção para não o utilizar; que a Requerente deixava a carrinha estacionado o dia todo no espaço comum; que o acesso à fração C esteja tapado pelo interior da loja”. *** 3.2 O DIREITOO Recorrente invoca no presente recurso a ilegitimidade da Recorrente e a falta de pressupostos para que o tribunal a quo tivesse decretado a providência. Sustenta por um lado que a Recorrente não podia intentar a presente providência desacompanhada dos proprietários das frações, pois é apenas arrendatária, e por outro lado, que ao tribunal a quo estava vedado convolar o procedimento cautelar comum para um procedimento cautelar de restituição provisória de posse por faltar a alegação de factos integradores do esbulho e da violência, não podendo, por isso, ter também decretado a providência por falta da sua prova. Vejamos então se lhe assiste razão. De salientar em primeiro lugar que não se mostra impugnada a decisão sobre a matéria de facto, não tendo a Recorrente reagido contra a matéria de facto fixada em 1ª Instância. Por outro lado, não vem questionado nos autos que a Requerente é efetivamente arrendatária das frações “B” e “C”, situadas no rés-do-chão do prédio urbano sita na Rua ..., n.º …, o qual se encontra constituído em propriedade horizontal (estando a administração do Condomínio confiada à sociedade “Y, UNIPESSOAL, LDA”, ... CONDOMÍNIO de Guimarães) e que as frações estão destinadas ao exercício do comércio, tendo aí a Requerente instalado, num espaço comercial único, uma das suas lojas designadas de .... É, por isso, inequívoca a qualidade de arrendatária da Requerente, tal como afirma o Recorrente. Mas daí decorre a impossibilidade de lançar mão dos meios de defesa da posse, designadamente da providência cautelar de restituição provisória de posse, se for privada da coisa arrendada ou perturbada no exercício dos seus direitos? Entendemos que não. Embora a Requerente seja apenas arrendatária a lei faculta-lhe a possibilidade de lançar mão dos meios possessórios previstos na lei. Conforme decorre do n.º 2 do artigo 1037º do Código Civil: “O locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes”. A este propósito afirmam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição Revista e Atualizada, página 391) que “A defesa da posição do locatário deve caber a este , não só contra atos de terceiros, como contra os atos doo próprio locado. Para isso se lhe atribui, embora não seja mais do que um possuidor em nome alheiro, o uso das ações possessórias reguladas nos artigos 1276º e seguintes”. Também Abrantes Geraldes, a propósito do n.º 2 deste artigo 1037º escreve que “a norma, pragmaticamente inserida na regulamentação da locação, ultrapassou a polémica da natureza jurídica do arrendamento (…) ao conferir ao locatário o direito de recorrer às ações defensivas da posse, sem exclusão da tutela cautelar” (Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, pagina 34; v. ainda Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, página 445). E um dos meios de defesa da posse facultados ao possuidor é justamente a providência cautelar de restituição provisória de posse, como estatui o artigo 1279º do Código Civil. Esta providência cautelar (de restituição provisória de posse) pode ser requerida “não só pelo possuidor em nome próprio, mas também por alguns possuidores em nome alheio, como sucede com o parceiro pensador, o locatário, o comodatário e o depositário” (Marco Gonçalves carvalho, Providências Cautelares, 2015, página 262). Conclui-se, assim, que a Requerente, apesar de arrendatária das duas frações pode intentar a providência cautelar de restituição de posse contra o terceiro, desacompanhada do proprietário das mesmas, não se verificando qualquer situação de ilegitimidade ativa (neste sentido v. entre outros os Acórdãos da Relação de Lisboa de 13/03/2008, Relator Desembargador Ferreira Lopes, e de 07/02/2019, Relator desembargador Pedro Martins, da Relação do Porto de 04/11/1997, Relator Desembargador Rapazote Fernandes e do Supremo Tribunal de Justiça de 12/06/1991, Relator Conselheiro Tato Marinho, todos disponíveis em www.dgsi.pt). Sustenta ainda o Recorrente que não podia a Requerente instaurar a presente providência desacompanhada dos proprietários das frações pois o que a mesma efetivamente pretende é impugnar ou pedir a suspensão das deliberações tomadas na assembleia de condóminos e não tem legitimidade para esse efeito. Não vemos, contudo, que lhe assista razão; não estamos perante o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais pelo que se não coloca sequer a questão da ilegitimidade da Requerente para esse efeito. Tal como resulta dos autos e da decisão recorrida está em causa a restituição provisória da posse e é relativamente a esta que deve ser aferida a legitimidade da Requerente, e como vimos, assiste-lhe a possibilidade, ainda que tendo a qualidade de arrendatária, de se socorrer de tal meio. Improcede, por isso, desde já e nesta parte, o recurso. Tendo por assente que está em causa a restituição provisória da posse tal como decidido na sentença recorrida importa agora apreciar se ao tribunal a quo estava vedado convolar o procedimento cautelar comum para um procedimento cautelar de restituição provisória de posse por faltar a alegação de factos integradores do esbulho e da violência, não podendo, por isso, ter também decretado a providência por falta da sua prova, por não se encontrarem demonstrados no caso concreto os pressupostos do seu decretamento, em particular o esbulho violento. Vejamos então. Nos termos do disposto no artigo 362º do Código de Processo Civil sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado; exceto se for decretada a inversão do contencioso o procedimento cautelar é sempre dependência da ação que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa (artigo 364º n.º 1) e reveste sempre carater urgente (artigo 363º). Quanto ao fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, o periculum in mora, cumpre referir que, ao contrário do que sucede em alguns procedimentos cautelares nominados em que a lei dispensa a prova especifica do periculum in mora, no procedimento cautelar comum não se verifica tal dispensa e a manifestação dessa ideia geral de periculum in mora é a exigência do fundado receio de lesão grave dificilmente reparável do seu direito. De facto, ao lado dos procedimentos cautelares genericamente previstos nos artigos 362.º e seguintes do Código de Processo Civil, o legislador consagrou ainda os procedimentos cautelares especificados ou nominados, entre os quais se enquadra a restituição provisória da posse, dispondo o artigo 377º que no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência. Cumpre ainda sublinhar que com as providências cautelares se visa alcançar apenas uma decisão provisória do litígio, sendo necessário que a mesma seja fundamental para assegurar a utilidade da decisão, isto é seja necessária a prevenir as eventuais alterações da situação de facto que tornem ineficaz a sentença a proferir na ação principal, que essa sentença (sendo favorável) não se torne numa decisão meramente platónica (v. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, página 23). Por outro lado, as providências cautelares, quanto à sua finalidade e efeitos, dividem-se em conservatórias e antecipatórias (cfr. António Abrantes Geraldes, Temas de Reforma do Processo Civil, Volume III, página 91 e seguintes e Marco Gonçalves carvalho, Ob. Cit., página 90 e seguintes). Nas conservatórias pretende-se, apenas, acautelar ou garantir o efeito útil da ação principal, assegurando a permanência da situação existente quando se despoletou o litígio a resolver na ação ou aquando da verificação da situação de periculum in mora. As mesmas não produzem efeitos irreversíveis na esfera do requerido, nem proporcionam ao requerente uma tutela imediata do seu direito; será o caso das providências de arresto, arrolamento e, regra geral, de embargo de obra nova. Já nas providências cautelares antecipatórias e devido à urgência da situação carecida de tutela, o tribunal antecipa, ainda que numa composição provisória, a realização do direito que previsivelmente será reconhecido na ação principal (António Abrantes Geraldes, Ob. Cit., página 92). Estas excedem a natureza simplesmente cautelar ou de garantia, aproximando-se de medidas de índole executiva, pois que garantem, desde logo e independentemente do resultado que se obtiver na ação principal, um determinado efeito. É o caso da restituição provisória da posse. A restituição provisória da posse é pois uma providência cautelar com funções antecipatórias. A razão de ser desta providência, como se escreveu já no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/05/98 (BMJ n.º 477, pagina 506) “é, além da ideia de castigo ou repressão da violência, evitar a tentação, por parte do esbulhado, de fazer justiça por meio de ação direta, em princípio gerador de nova violência, compensando-o assim com um meio processual, simples e rápido, de repor a situação anterior”, o benefício concedido ao possuidor “de ser restituído à posse imediatamente, isto é, antes de ser julgada procedente a ação tem a sua justificação precisamente na violência cometida pelo esbulhador; é por assim dizer, o castigo da violência. É a violência que compensa o facto da falta de característica típica das providências cautelares: o periculum in mora” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/11/94, BMJ n.º 441, página 202). De facto o beneficio que é concedido ao possuidor esbulhado não tem em atenção um perigo de dano eminente, o periculum in mora, mas é concedido como compensação da violência de que foi vitima, pela aplicação da regra spoliatus ante omnia restituendus; por isso, e ao contrário de outros processos cautelares, designadamente do procedimento cautelar comum, o autor não carece de alegar e provar o periculum in mora bastando-lhe alegar e provar os pressupostos desta providência (v. Marco Gonçalves Carvalho, Ob. Cit., página 262, António Abrantes Geraldes, Ob. Cit., Volume IV, página 28 e seguintes e Moitinho de Almeida, restituição da Posse e Ocupação de Imóveis, 5ª Edição, página 134). São por isso pressupostos de que depende o decretamento da providência de restituição provisória da posse, tal como decorre do referido artigo 377º do Código de Processo Civil, a posse, o esbulho e a violência, sem que o requerente necessite de invocar a existência de periculum in mora. De facto, conforme decorre do artigo 1279 do Código Civil o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador; no caso de esbulho violento, o possuidor pode pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência (artigo 377º do Código de Processo Civil) sendo que se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordenará a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador (artigo 378º do Código de Processo Civil). Da leitura destes preceitos conclui-se, por isso, que o decretamento desta providência pressupõe a demonstração pelo requerente da posse da coisa, do esbulho e da violência (sendo certo que não estando em causa uma situação de esbulho violento será sempre de ponderar a possibilidade de optar pelo decretamento de uma providência cautelar comum desde que demonstrados os pressupostos desta tal como decorre do artigo 379º do Código de Processo Comum). O primeiro dos pressupostos será, por isso, a qualidade de possuidor do requerente, qualidade que decorre (cf. Artigo 1251º do Código Civil) do exercício de poderes de facto sobre uma coisa, por forma correspondente ao direito de propriedade ou a qualquer outro direito real. A posse suscetível de fundar as ações possessórias é por regra a posse em nome próprio; no entanto, como já vimos, além dos possuidores em nome próprio outros podem socorrer-se dos meios de defesa da posse, como é o caso dos titulares de direitos pessoais de gozo, designadamente do locatário (v. Acórdão da Relação de Lisboa de 27/06/2019, Relatora Desembargadora Maria José Mouro, disponível em www.dgsi.pt). A Requerente, ainda que não seja possuidora em nome próprio, pode, na qualidade de arrendatária das frações “B” e “C”, perturbada no exercício dos seus direitos, socorrer-se da providência, pelo que verificado se encontra este pressuposto. Quanto ao esbulho será de considerar que existe sempre que alguém é privado, total ou parcialmente, do uso ou fruição do bem possuído ou da possibilidade de continuar esse exercício, contra sua vontade. Na definição de Manuel Rodrigues (A Posse, 4ª Edição, 1996, pág. 363) “há esbulho sempre que alguém for privado do exercício da retenção ou fruição do objeto possuído, ou da possibilidade de o continuar”, podendo o esbulho ser total ou parcial. Relativamente à violência, a doutrina e a jurisprudência vêm-se dividindo em duas posições distintas: uns defendem que a violência relevante tem de ser a exercida contra a pessoa do possuidor, os outros que basta a violência sobre a coisa, em especial quando esta esteja ligada à pessoa esbulhada, posição que, tanto quanto nos é dado conhecer é hoje largamente maioritária. Quanto à violência, já Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, volume I, página 670) defendia que tanto pode exercer-se sobre as pessoas, como sobre as coisas, sendo esbulho violento o que se consegue mediante o uso da força contra a pessoa do possuidor mas também o que se leva a cabo por meio de arrombamento ou escalamento, embora não haja luta alguma entre o esbulhador e o possuidor. A violência sobre a coisa é relevante, para efeitos de restituição provisória, quando a coisa violada pela atuação do esbulhador era em si um obstáculo ao esbulho que teve de ser vencido ou quando esteja ligada de algum modo à pessoa do esbulhado ou ainda quando dela resulte uma situação de constrangimento físico ou moral; neste caso a violência contra as coisas há de constituir um meio de coação, de constrangimento físico ou moral sobre as pessoas, designadamente, intimidando o possuidor e limitando a sua liberdade de determinação (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/7/1999, BMJ n.º 489, página 338, e da Relação de Guimarães de 03/11/2011, Relator Desembargador António Sobrinho, e de 23/11/2017, Relatora Desembargadora Ana Cristina Duarte, disponíveis em www.dgsi.pt). Conforme refere Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, volume IV, página 48) “sendo o esbulho uma das formas através das quais se pode adquirir a posse, a sua qualificação como violento deve ser o resultado da aplicação do art. 1261 do C.C., com o que somos transportados, por expressa vontade do legislador, para o disposto no art. 255 do C.C., norma que integra na atuação violenta tanto aquela que se dirige diretamente à pessoa do declaratário (leia-se, do possuidor), como a que é feita através do ataque aos seus bens.” Também Marco Carvalho Gonçalves (Ob. Cit. página 265) tende a “considerar que, para além, dos casos em que a violência é exercida sobre a própria pessoa do possuidor, o esbulho será igualmente violento quando, sendo exercido por forma direta e imediata sobre uma coisa, atinja de algum modo, ainda que por via indireta e reflexa, designadamente pelo seu cariz ameaçador ou intimidatório, a pessoa do possuidor”. Como se pode ler no referido Acórdão desta Relação de 14/09/2017 (Relator Desembargador Espinheira Baltar, também disponível em www.dgsi.pt) “sendo hoje pacífico que a violência relevante para efeitos do esbulho tanto pode incidir contra a pessoa do possuidor como contra a coisa esbulhada. (…) Quanto à violência sobre as coisas há a destacar duas posições um pouco divergentes, na medida em que uma apenas exige uma atuação sobre a coisa esbulhada, relacionada com o esbulhado, desde que impeça o exercício do direito por parte deste. A outra impõe ainda que a atuação sobre a coisa esbulhada seja potenciadora de constrangimento ou intimidação físico ou psíquico sobre o esbulhado. O STJ, ultimamente, no acórdão datado de 19/10/2016, relatado pela Conselheira Fernanda Isabel Pereira, e publicado em www.dgsi.pt, defende a posição mais lata, expressando-se nas conclusões da seguinte forma: “O conceito de violência encontra-se plasmado no art. 1261.º, n.º 1, do CC, que define como violenta a posse adquirida através de coação física ou de coação moral nos termos do art. 255.º do mesmo Código. VI - A violência aqui retratada não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da posse como até então a exercia – pelo que se sufraga a aceção mais lata de esbulho violento. VII - A interpretação mais restritiva seria redutora e deixaria sem tutela cautelar o possuidor privado da sua posse por outrem que, na sua ausência e sem o seu consentimento, atuou por forma a criar obstáculo ou obstáculos que o constrangem, nomeadamente, impedindo-lhe o acesso à coisa. VIII - Não pode deixar de se considerar esbulho violento a vedação com estacas de madeira e rede com uma altura de 1,50m executada pelos requeridos como um obstáculo que constrange, de forma reiterada, a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam, merecendo, por conseguinte, tutela possessória cautelar no âmbito do procedimento de restituição provisória de posse”. Coexistindo as duas teses, parece ser prevalecente na jurisprudência a que entende que a violência tanto pode ser exercida sobre as pessoas como sobre as coisas, e que a violência no esbulho se concretiza na simples colocação de um obstáculo físico ao acesso ou utilização pelo possuidor à coisa esbulhada, consubstanciado, por exemplo, na colocação de um portão ou cadeado, sem fornecimento das respetivas chaves (cfr. o citado Acórdão desta Relação de 03/11/2011, mencionando a este propósito, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, 2ª edição, página 363). Assim, numa perspetiva mais ampla entende-se que a violência diretamente exercida sobre as coisas constitui meio indireto de atingir as pessoas. Como afirma Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2001, página 74) “que a coação tem de ser sempre, em última análise, exercida sobre uma pessoa, não é duvidoso; mas a construção ou a destruição duma coisa, ou a sua alteração, pode ser o meio de impedir a continuação da posse, coagindo, física ou moralmente, o possuidor a abster-se dos atos de exercício do direito correspondente. (…) é, pois, violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador”. Será de considerar o esbulho como violento se o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa em face dos meios usados pelo esbulhador, se a ação física exercida sobre a coisa se traduz num meio de coagir a pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade. Em face dos factos indiciados, julgamos que, tal como decidiu o tribunal a quo, a violência exercida pelo Recorrente ao fechar no dia 09 de Julho a folha maior do portão com um cadeado, que ficou apenas na posse da Administração, impedindo a Requerente de aceder pela totalidade da entrada e de poder ai realizar cargas e descargas, designadamente através de veículo, deixando apenas aberta a folha mais pequena que não permite as cargas e descargas pela fração “C” decorram com normalidade, é pois relevante para efeitos da restituição provisória de posse, dado que impede o exercício do direito da Requerente/esbulhada sobre a coisa. Encontra-se assim demonstrado que a Requerente foi privada da utilização que vinha fazendo da viela passeio de logradouro comum, designadamente para cargas e descargas, o que ocorria desde o início do contrato de arrendamento (celebrado em 30/04/2018) e que era também feita pelos anteriores utilizadores das frações. Ora, tal como consta do título constitutivo da propriedade horizontal a fração “C”, destinada a atividade económica, fica no rés-do-chão após o gaveto e com uma entrada por uma porta larga que deita para uma viela passeio de logradouro do prédio. Resulta do próprio título constitutivo que a fração tem uma entrada por uma porta larga que deita para a viela passeio de logradouro do prédio. E se é certo que não pode a Requerente utilizar a viela passeio de logradouro, parte comum do prédio, para aí depositar materiais ou proceder ao estacionamento de veículos (tal como consta do regulamento do condomínio) a verdade é que o acesso à referida fração, que utiliza por ser arrendatária da mesma, é pela referida porta larga que deita para o logradouro comum, sendo que também sempre foi assim relativamente aos anteriores utilizadores. E tal acesso e utilização, estando em causa uma fração destinada a atividade económica, terá de pressupor proceder a cargas e descargas; tal como entendeu o tribunal a quo, também não vemos que o acesso com veículo para cargas e descargas, pelo tempo exclusivamente necessário a estas, esteja vedado pelo regulamento do condomínio e nem pelo titulo constitutivo da propriedade horizontal, não se confundindo tal utilização com o estacionamento de veículos. Quanto ao facto da colocação do cadeado ter ocorrido a coberto da deliberação tomada em assembleia de condóminos de 18/06/2019 não determina que não se possa considerar verificado o esbulho, considerando que este existe sempre que alguém é privado, total ou parcialmente, do uso ou fruição do bem ou da possibilidade de continuar esse exercício, contra sua vontade. Do exposto decorre que a colocação pelo Requerido do cadeado, que ficou apenas na posse da Administração, fechando dessa forma a folha maior do portão e impedindo a Requerente de aceder pela totalidade da entrada que constitui o acesso à sua fração e de poder ai realizar cargas e descargas, designadamente através de veículo, deixando apenas aberta a folha mais pequena que não permite que as cargas e descargas pela fração “C” decorram com normalidade, constitui um ato de esbulho (parcial) violento por parte do Requerido, assim se verificando os pressupostos necessários ao decretamento da providência. Não só não se mostrava pois em falta a alegação dos factos integradores do esbulho com violência, como os mesmos resultam indiciariamente demonstrados, pelo que por essa via não se mostrava o tribunal a quo impedido de convolar a providência; aliás, conforme resulta do preceituado no artigo 376º n.º 4 o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida. Por outro lado, o facto de ter sido convolado o procedimento após citação do Recorrente/Requerido, quando a restituição provisória da posse deveria ser decretada sem a sua audição prévia, não constitui, no caso concreto, irregularidade com influência na decisão da causa, e, por isso, nulidade, e nem o Requerido é interessado na sua invocação pois, na verdade, ao ter sido citado teve a oportunidade de exercer o contraditório e apresentar a sua defesa previamente à prolação da decisão. De todo o modo, da leitura da ata de tentativa de conciliação consta que foi discutido o âmbito da providência e considerado que será mais célere e terá o mesmo efeito útil “uma decisão provisória relativa à utilização do logradouro em que será apenas necessário manter o Requerido Condomínio” e que os Ilustres Mandatários e restantes presentes manifestaram a sua concordância. Por fim resta dizer que também não vemos que a decisão recorrida viole o artigo 17º do Código da estrada na medida em que este dispõe que os veículos só podem circular nas bermas ou nos passeios desde que o acesso aos prédios o exija; ora, no caso concreto a viela passeio de logradouro é o acesso à fração “C” de que a Requerente é arrendatária. Não há assim razão nem fundamento, em face do exposto, para alterar a decisão proferida. Improcede, pois, a apelação. As custas são da responsabilidade do Recorrente atento o seu integral decaimento (artigo 527º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). *** SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil)I - O arrendatário, tal como decorre do artigo 1037º n.º 2 do Código Civil, pode usar dos meios possessórios previstos na lei, designadamente da providência cautelar de restituição provisória de posse. II - O requerente da providência de restituição provisória de posse não carece de alegar factos demonstrativos da lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, nem do periculum in mora, sendo que os únicos requisitos para a procedência da mesma são a existência da posse, o esbulho e a violência. III - A violência que para este efeito releva é não só a que a exercida sobre as pessoas, mas também a que exercida sobre as coisas, sendo de considerar o esbulho como violento se o esbulhado fica impedido de contactar com a coisa em face dos meios usados pelo esbulhador, se a ação física exercida sobre a coisa se traduz num meio de coagir a pessoa a suportar uma situação contra a sua vontade. IV - A colocação pelo Requerido do cadeado, que ficou apenas na posse da Administração, fechando dessa forma a folha maior do portão e impedindo a Requerente de aceder pela totalidade da entrada que constitui o acesso à sua fração e de poder ai realizar cargas e descargas, designadamente através de veículo, deixando apenas aberta a folha mais pequena que não permite que as cargas e descargas pela fração “C” decorram com normalidade, constitui um ato de esbulho (parcial) violento por parte do Requerido. *** IV. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente. Guimarães, 13 de fevereiro de 2020 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária Raquel Baptista Tavares (Relatora) Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta) Margarida Sousa (2ª Adjunta) |