Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
296/11.2TBMNC.G1
Relator: MARIA DE FÁTIMA ALMEIDA ANDRADE
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- As causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no artigo 615º do CPC.

II- Apenas a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito e já não a sua deficiência, em que assenta a decisão, são causa de nulidade da mesma.

III- O erro de julgamento da matéria de facto não se inclui nestas causas de nulidade, o qual deve ser reapreciado nos termos do artigo 662º do CPC.

IV- Tão pouco configura esta nulidade o eventual erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito.

V- Sendo conhecida do declaratário e alegada nos autos, para poder ser apurada em sede de matéria de facto, a vontade real do declarante, é de acordo com a mesma que vale a declaração emitida.

VI- Não alegada a vontade real do declarante, a interpretação das declarações negociais será feita à luz das regras do artigo 236º a 239º do CC.

VII- É vedado o conhecimento pelo tribunal de recurso de questões novas antes não suscitadas entre as partes, nos termos do artigo 608º n.º 2 do CPC.

VIII- Inserida condição resolutiva num contrato de compra e venda e verificado o evento futuro e incerto na mesma previsto, deixa o negócio de produzir os seus efeitos.
Implicando no caso do contrato de compra e venda que a propriedade transmitida por via do negócio celebrado volta ao anterior proprietário por via da verificação da condição resolutiva com efeitos retroativos à data da conclusão do negócio e a consequente obrigação para o comprador de devolver o preço recebido.

IX- Assim só não ocorrerá se a retroatividade, que é a regra geral consagrada no artigo 276º do CC tiver sido afastada por vontade das partes ou tal resultar da natureza do ato.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

Município de Monção, melhor id. a fls. 4, instaurou ação declarativa então sob a forma de processo comum sumário contra:
“Empresa A – Produtos Químicos, Lda.”, igualmente melhor id. a fls. 4.
Pela procedência da ação peticionou a autora:

“I. ser declarada a resolução do contrato de compra e venda respeitante ao prédio mencionado no artigo 5º da petição inicial, celebrado entre o autor e a ré Empresa A – Produtos Químicos, Ldª, através de escritura pública outorgada em 8.01.2009 no Notário Privativo do Autor e aí exarada de fls. 63 a fls. 65 verso do Livro de Escrituras Diversas nº 20, com as demais consequências legais aí previstas e no Regulamento do Pólo Industrial da Lagoa, nomeadamente a reversão para o autor do referido prédio e todas as benfeitorias nele realizadas sem o pagamento de qualquer indemnização ou compensação à ré;
II. ser a ré condenada a reconhecer o autor como dono do sobredito prédio.
III. ser ordenado o cancelamento da inscrição/apresentação … de 2009/02/09, da descrição …/20081114 da freguesia de Cortes e da inscrição/apresentação … de 2009/02/09, da descrição …/20081114 da freguesia de Troporiz, ambas da Conservatória do Registo Predial de Monção, respeitantes à aquisição por parte da ré Empresa A – Produtos Químicos, Ldª do direito de propriedade incidente sobre o prédio mencionado supra;
IV. ser ordenado o cancelamento de todas as eventuais inscrições/apresentações subsequentes às sobreditas inscrições/apresentações mencionadas em III supra, que respeitem à alienação, transmissão ou oneração do prédio objeto dos autos, e que subsistam à data em que for determinada a resolução do contrato de compra e venda em apreço peticionada em I supra;
Subsidiariamente, no caso de não proceder o pedido deduzido em I. supra, ser a ré condenada a restituir ao autor quantia nunca inferior a € 1.269.600,00, acrescida de juros à taxa legal que se vencerem até efetivo e integral pagamento.”

Alegou para o efeito e, em síntese:
- ter celebrado com a ré um contrato de compra e venda relativo ao prédio identificado em 5º da p.i., com vista à instalação nele de uma unidade de comércio por grosso de produtos químicos, o qual foi sujeito a determinadas condições, tendo em contrapartida a autora concedido à ré o benefício de redução acentuada do preço do terreno que integra o prédio objeto do negócio;
- ter a ré incumprido as aludidas condições fixadas no contrato, o que determina a resolução do contrato de compra e venda e a reversão da propriedade do aludido prédio a favor do autor ou a restituição a este do valor da bonificação de que a ré beneficiou na aquisição do lote, acrescido de uma multa compensatória de 20% sobre o referido valor, conforme determina o Regulamento do Pólo Industrial onde se situa o prédio em causa.
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Citada a ré, contestou e deduziu reconvenção, tendo nomeadamente:
i- invocado a incompetência do tribunal em razão da matéria por via da qual concluiu pela sua absolvição da instância;
ii- impugnado parcialmente os factos alegados pela autora e alegado ter estado objetivamente impossibilitada de cumprir as obrigações que resultavam do contrato por alteração das circunstâncias em que a R. fundara a sua vontade de contratar com o autor, conforme este bem o sabe por a R. lho ter comunicado. Por via do que concluiu pela improcedência da ação e sua absolvição dos pedidos formulados quer a título principal quer subsidiário;
iii- deduziu ainda reconvenção por via da qual e declarando estar de acordo com o A. quanto à resolução contratual peticionou:
. que seja declarado que o contrato de compra e venda outorgado entre o autor e a ré se encontra resolvido por força do instituto previsto no art.º 437º do CC, por alteração anormal das circunstâncias e, também consequentemente, seja o autor condenado a devolver à ré a quantia de € 330.625,00, acrescida de juros de mora contados da data da notificação da reconvenção até integral pagamento;
. caso a reconvenção não seja julgada procedente, seja declarada a resolução do contrato de compra e venda outorgado entre o autor e a ré, por estes estarem de acordo quanto à mesma, devendo a ré ser condenada a reverter o terreno ao autor e este condenado a devolver àquela a quantia que lhe foi entregue a título de preço, no valor de € 330.625,00, acrescida de juros de mora contados da data da notificação da contestação.
Respondeu o A. reiterando o por si alegado na p.i. e concluindo quer pela improcedência das exceções alegadas quer pela improcedência da reconvenção e consequentemente pela sua absolvição do pedido reconvencional.
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Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a exceção de incompetência em razão da matéria. Foi identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova (fls. 317 a 320).
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, em que se decidiu:
“A) julgar totalmente procedente a ação e, em consequência:
I. declara-se a resolução do contrato de compra e venda respeitante ao prédio identificado no ponto 6. do elenco dos factos provados, celebrado entre o autor e a ré Empresa A – Produtos Químicos, Ldª, através de escritura pública outorgada em 8.01.2009 no Notário Privativo do Autor e aí exarada de fls. 63 a fls. 65 verso do Livro de Escrituras Diversas nº 20, com a reversão para o autor do referido prédio sem o pagamento de qualquer indemnização ou compensação à ré;
II. condena-se a ré a reconhecer o autor como dono do sobredito prédio; e
III. ordena-se o cancelamento da inscrição/apresentação … de 2009/02/09, da descrição …/20081114 da freguesia de Cortes e da inscrição/apresentação … de 2009/02/09, da descrição …/20081114 da freguesia de Troporiz, ambas da Conservatória do Registo Predial de Monção, respeitantes à aquisição por parte da ré Empresa A – Produtos Químicos, Ldª do direito de propriedade incidente sobre o prédio mencionado supra e de quaisquer inscrições/apresentações subsequentes às sobreditas inscrições/apresentações que respeitem à alienação, transmissão ou oneração do prédio objeto dos autos, e que subsistam a esta data.
B) julgar totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência, absolver o autor dos pedidos reconvencionais.”
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Do assim decidido apelou a R. oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões
“1.ª Vem o recurso interposto da Sentença na parte em que a mesma decidiu que a reversão do terreno dos autos para o Município de Monção não impõe a este último o dever de devolver à Recorrente o valor que a mesma pagou a título de preço pela sua aquisição. Ou seja,
2.ª Embora a Recorrente esteja de acordo quanto à resolução do Contrato, discorda da Sentença na parte em que a mesma não reconheceu o direito da Recorrente a receber o valor pago pelo terreno e, consequentemente, não condenou o Recorrido a devolver-lhe tal valor.
3.ª Na Sentença, em sede de fundamentação de Direito, é referido que foi convencionado a perda do preço pago em caso de resolução, isto é, que as partes afastaram ou limitaram a retroatividade da resolução.
4.ª Tais factos – convenção quanto à perda do preço e acordo sobre limitação da retroatividade - não foram alegados pelas partes, não constam de documento junto aos autos, nem foram alvo de julgamento pelo Tribunal a quo. Surgem pela primeira vez referidos na fundamentação de Direito da Sentença.
5.ª Tais factos foram preponderantes para que o Tribunal tivesse decidido que que a Recorrente não tinha direito a ser embolsada do preço pago pelo terreno, assim indeferindo o pedido por ela, nesse sentido, formulado.
6.ª No entanto, como se conclui, tais factos não foram devidamente especificados onde deveriam ter sido, nem o Tribunal fundamenta, onde deveria fundamentar, as razões pelas quais os considerou verificados/provados.
7.ª Consequentemente, a Sentença recorrida enferma da nulidade cominada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a qual se argui, com os devidos e legais efeitos.
8.ª Ainda que assim não se entenda, sempre se concluirá que a Sentença recorrida fez errado julgamento de um concreto ponto de facto. Na verdade,
9.ª Na sentença recorrida, em 9 dos factos provados, considera-se assente que as partes, entre outras matérias, acordaram no seguinte:
«Que o não cumprimento dos prazos e obrigações estipuladas nas quatro alíneas anteriores, por culpa a si imputável ou da sua exclusiva responsabilidade, implicará as sanções a que se refere o artigo 19.º do regulamento do Polo Industrial da Lagoa, nomeadamente, a reversão do Lote N3 e de todas as benfeitorias nele realizadas para o Município de Monção, sem que daí resulte qualquer direito de indemnização».
10.ª Porém, sem que tal matéria de facto tenha passado pelo crivo de um julgamento e sem, também, que tais factos fossem devidamente especificados no rol dos factos provados, o Tribunal a quo foi mais longe e, em sede de fundamentação de direito, concluiu o seguinte:
«E, ao contrário do defendido pela Recorrente, não descaracteriza a figura o facto de se ter convencionado a perda do preço pago ou das benfeitorias entretanto realizadas, visto que, como vimos já, a retroatividade da condição uma vez verificado o facto condicionante, pode ser afastada ou limitada pela vontade das partes.
No caso, ficou limitada aos efeitos translativos da propriedade». – Sentença recorrida, fls. 22, 5.º parágrafo.
11.ª Parece que na Sentença recorrida se entende que a expressão «sem que daí resulte qualquer direito de indemnização» aposta na cima transcrita cláusula importa, no entender do Tribunal a quo, uma convenção das partes no sentido da perda do direito ao preço pela Recorrente e na limitação dos efeitos retroativos da resolução. Ou seja, em sede de interpretação do Contrato o Tribunal decidiu que foi essa a vontade das partes.
12.ª Fê-lo, porém, erradamente, pois a disposição contratual em apreço é claríssima, não carecendo de qualquer esforço interpretativo.
13.ª Não há dúvidas que as partes acordaram que na hipótese de resolução do Contrato, o lote N3 e as benfeitorias nele realizadas reverteriam para o Município sem que este devesse indemnizar Recorrente, pelo valor dessas benfeitorias. É este precisamente o sentido da expressão «sem que daí resulte qualquer direito de indemnização», não tendo esta o significado de um acordo entre as partes quanto a uma alegada não devolução do preço pago pelo Lote N3.
14.ª Quando se escreve «sem direito a indemnização» está-se, unicamente, a referir às benfeitorias: estas revertem para o Município, juntamente com o Lote N3, não tendo aquele a obrigação de indemnizar a Recorrente pelo seu valor.
15.ª «Sem direito a indemnização» não significa “sem a devolução do preço pago”. Tal resulta cristalinamente do texto da cláusula contratual em causa como também do regime legal que se mostra aplicável e das mais elementares regras hermenêuticas. Na realidade,
16.ª O regime regra da resolução importa a destruição com efeitos retroativos do negócio jurídico devendo repristinar-se a situação factual existente à data da celebração do negócio jurídico: entrega do prédio por um lado, devolução do preço por outro lado - artigos 276.º e 434.º do Código Civil.
17.ª Tal regime regra – de retroatividade – traduz-se numa presunção legal que a lei estabelece em qualquer uma das referidas figuras – condição resolutiva ou resolução - pelo que o seu afastamento depende de vontade manifestamente expressada pelas partes contrária a tal retroatividade.
18.ª Nada há no contrato em geral ou na referida cláusula em particular que permita extrair a conclusão de que as partes quiseram limitar os efeitos da retroatividade, nomeadamente excluindo o dever de o Município devolver o preço pago. Pelo contrário.
19.ª As partes tiveram o cuidado de expressamente acordar que a reversão também abrangia as benfeitorias sem direito a indemnização, pelo que se quisessem limitar os efeitos da retroatividade de modo a que esta abrangesses outras matérias, como a não devolução do preço pago, tê-lo-iam, seguramente, previsto, e não o fizeram.
20.ª A devolução do preço pago pela Recorrente como efeito da retroatividade da resolução não consubstancia uma indemnização mas apenas a devolução do que foi pago. A causa desta devolução é a destruição retroativa dos efeitos do negócio e não um qualquer facto ilícito e culposo que intitulasse o credor a receber uma indemnização.
21.ª Estando em causa um negócio formal, a interpretação da vontade das partes teria que ter um mínimo de correspondência com o texto do Contrato – artigo 238.º do Código Civil - e o certo é que a interpretação adotada pelo Tribunal não tem a mínima correspondência com o teor de tal cláusula.
22.ª Sendo o Contrato um negócio jurídico formal, não estava na disponibilidade do Tribunal, dentro dos limites objetivos da interpretação impostos pelo Código Civil, atribuir um sentido (totalmente) diferente ao negócio e às suas cláusulas relativamente àquele que está efetivamente escrito, sem o acordo expresso das partes e ignorando a letra da cláusula/disposição contratual em apreço.
23.ª Violou, pois, o Tribunal a quo as regras de interpretação que resultam do artigo 238.º, números 1 e 2, do Código Civil.
24.ª O Tribunal fez, pois, errada interpretação da acima citada disposição contratual que integra o facto provado em 9., quando considerou que as partes convencionaram a perda do preço pago e a limitação dos efeitos retroativos da resolução.
25.ª Tal convenção não foi dada como provada, não foi alegada pelas partes e não pode ser retirada, em sede interpretativa, do teor da citada cláusula contratual.
26.ª Ao considerar que as partes acordaram em limitar os efeitos da retroatividade da resolução de modo a que o Recorrido não tivesse que devolver à Recorrente o valor que esta pagou a título de preço pela aquisição do imóvel, a Sentença recorrida incorreu em manifesto erro quanto ao julgamento da matéria de facto.
27.ª Tal erro decorreu de uma incorreta análise e interpretação do contrato de compra e venda, cuja escritura está a fls. (…) dos autos.
28.ª Consequentemente, deve aditar-se aos factos não provados o seguinte:
«Não ficou demonstrado nem, aliás, vem alegado nos autos, que as partes ao acordarem no Contrato “Que o não cumprimento dos prazos e obrigações estipuladas nas quatro alíneas anteriores, por culpa a si imputável ou da sua exclusiva responsabilidade, implicará as sanções a que se refere o artigo 19.º do regulamento do Polo Industrial da Lagoa, nomeadamente, a reversão do Lote N3 e de todas as benfeitorias nele realizadas para o Município de Monção, sem que daí resulte qualquer direito de indemnização” quisessem limitar os efeitos da retroatividade de resolução, designadamente através da não devolução pelo Recorrido à Recorrente da quantia que esta pagou a título de preço pela aquisição do referido Lote N3».
29.ª A Sentença recorrida também interpretou e aplicou incorretamente normas legais que usou para fundamentar a decisão impugnada.
30.ª Ao decidir pela não retroatividade da resolução na parte que se refere à devolução do preço pelo Recorrido à Recorrente, a Sentença Recorrida fez errada interpretação e aplicação das normas do Regulamento do Polo Industrial da Lagoa, designadamente violou o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 19.º que nada consagra a esse propósito, normas essas que integram o Contrato, conforme resulta do facto provado 9.
31.ª Ademais, a Sentença recorrida também faz errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 270.º, 276.º, 289.º e 432.º e seguintes do Código Civil.
32.ª A verificação da condição resolutiva a que a compra e venda estava sujeita importa, por um lado, a resolução do negócio que está na sua base mas, por outro lado, importa também a não produção de efeitos do negócio, desde a sua celebração - artigos 270.º, 276.º e 432.º e seguintes do Código Civil.
33.ª Os efeitos da condição resolutiva “(…) retrotraem-se à data da conclusão do negócio, a não ser que pela vontade das partes ou pela natureza do ato, hajam de ser reportados a outro momento - artigo 276.º do Código Civil.
34.ª “Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, - artigo 433.º - com ressalva dos artigos seguintes”, estabelecendo o artigo 434.º que a “A resolução tem efeito retroativo, salvo se a retroatividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução”.
35.ª Na situação em apreço é manifesto que não se verifica nenhuma das exceções que permitam afastar a eficácia retroativa da resolução: tal não resulta da vontade das partes ou da natureza do contrato.
36.ª Significa que a resolução do Contrato importou obrigatoriamente a não produção de efeitos do negócio desde a sua celebração (artigos 270.º, 276.º e 432.º e seguintes do Código Civil), ficando assim as partes obrigadas a, reciprocamente, restituir o que receberam.
37.ª Conclui-se, pois, que a interpretação que o Tribunal faz do Regulamento (alínea b) do n.º 2 do artigo 19.º) e da já escalpelizada cláusula contratual, viola, não só as acima citadas normas do Regulamento, como também o disposto nos artigos 270.º, 276.º, 289.º e 432.º e seguintes do Código Civil, razão pela qual deverá a Sentença sempre ser revogada.
38.ª Acresce que a interpretação que o Tribunal faz da norma plasmada na alínea b) do n.º 2 do artigo 19.º Regulamento não pode corresponder ao sentido e alcance dessa mesma norma sob pena de tal norma, assim interpretada, ofender grosseiramente, o núcleo essencial do direito de propriedade privada, violando, nessa interpretação, a norma do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), circunstância que determinaria a nulidade de tal norma.
39.ª A interpretação que o Tribunal a quo atribui ao Regulamento consubstancia uma clara situação de confisco porquanto a Recorrente vê-se despojada de um bem (o lote de terreno) que adquiriu pro forçada resolução do negócio, sem que, por outro lado, lhe seja devolvido o montante que pagou por tal aquisição.
40.ª Assim, a norma constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 19.º Regulamento do Polo Industrial da Lagoa, na interpretação preconizada pelo Tribunal, deverá ser julgada inconstitucional por clara e ostensiva violação, inter alia, do artigo 62.º da CRP.
41.ª De igual modo, a norma constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento do Polo Industrial da Lagoa na interpretação preconizada pelo Tribunal, assim como a interpretação que, à luz de tal norma, o Tribunal faz da acima referida disposição contratual, deverão ser julgadas inconstitucionais por clara e ostensiva violação, inter alia, do artigos 2.º e 9.º, alínea b), e 62.º da CRP, e, consequentemente, deve ser recusada a sua aplicação in casu (artigo 204.º da CRP).
42.ª Consequentemente, na medida em que a interpretação que o Tribunal a quo faz da citada norma do Regulamento está desconforme à constituição, deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por Acórdão em que se faça interpretação da alínea b) do n.º 2 do artigo 19.º do Regulamento em conformidade com as citadas normas constitucionais.
43.ª Ainda que se entenda que a Sentença recorrida não fez errada interpretação e aplicação de um conjunto de normas que se mostravam aplicáveis e de outras que foram aplicadas, sempre se entenderá que a Sentença Recorrida teria errado ao não considerar e aplicar outro bloco legal que se mostrava aplicável.
44.ª Estando em causa a alineação de um terreno (Lote N3) que pertence ao Município – ou seja à Administração Pública – o Regulamento deve obediência à Lei dos Solos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de novembro.
45.ª Os números 3 e 4 do artigo 5.º da Lei dos Solos, impedem em absoluto que a reversão do terreno seja acompanhada da perda das quantias entregues a título de pagamento.
46.ª No pior cenário, se nisso for acordado no ato de transmissão, poderá ocorrer a perda parcial do valor pago a título de preço no montante máximo de 30% do seu valor, conforme o que ficar previsto na escritura.
47.ª Significa, pois, que no caso vertente, não poderia nunca ter sido decidida – como o foi na Sentença recorrida – a perda total do preço pago pela Recorrente.
48.ª Assim, também nesta hipótese aventada, se conclui que a Sentença recorrida incorreu em erro de Direito ao não considerar o regime legal que resulta do artigo 5.º, em particular dos seus números 3 e 4, da Lei dos Solos, que assim resultariam violados, o que sempre justificaria a sua revogação e consequente substituição por um Acórdão em que se decidisse que a Recorrente teria direito, pelo menos, à devolução do montante equivalente a 70% do preço pago.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que reconheça o direito da Recorrente a ser reembolsada do valor que pagou a título de preço de aquisição do Lote N3, de igual modo condenando o Recorrido a devolver tal valor à Recorrente, acrescido de juros de mora contados da data da prolação da Sentença recorrida até integral pagamento. Não se entendendo, deve ser reconhecido o direito da Recorrente a receber, a título de devolução resultante da resolução do Contrato, p valor equivalente a 70% do preço pago acrescido de juros de mora contados da data da prolação da Sentença recorrida até integral pagamento, pois só assim será feita Justiça!”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem as seguintes as questões a apreciar:
1) nulidade da sentença;
2) erro quanto ao julgamento de facto;
3) erro na aplicação do direito.
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III- Fundamentação

Foram dados como provados os seguintes factos:

“1. O autor procedeu à implementação de um Parque para fins industriais e comerciais no Lugar de …, freguesia de …, concelho de Monção, destinado à instalação de unidades de produção industrial e comercial.
2. Na sequência de candidatura apresentada pela ré em 28.07.2007, foi outorgado, em 13.12.2007, entre o autor e a ré um documento escrito, denominado de “Contrato promessa de compra e venda de um Lote de terreno para fins industriais, na freguesia de …”, mediante o qual o autor prometer vender e a ré prometeu comprar um lote de tereno para fins industriais, sito na freguesia de Cortes e Troporiz, do concelho de Monção, conforme documento de fls. 49 a 55 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
3. Mais acordaram no documento referido em 2. que o preço total da compra e venda era de € 330.625,00, correspondente a uma valorização de € 12,50/m2, a pagar em duas prestações de € 165.312,50, sendo a primeira, a título de sinal e princípio de pagamento, até 31.01.2008 e a segunda na data de celebração do contrato prometido (cláusula 3ª do contrato promessa).
4. Ainda de acordo com o aludido contrato mencionado em 2., a ré obrigou-se a:
- implementar no Lote de terreno um projeto de investimento destinado ao comércio por grosso de produtos químicos – cláusula 4ª do contrato promessa;
- apresentar nos serviços competentes da Câmara Municipal de Monção, o projeto de arquitetura para licenciamento da edificação a construir no Lote de terreno no prazo máximo de 2 meses a contar da data de celebração do contrato prometido – cláusula 5ª do contrato promessa;
- iniciar os trabalhos de construção do edifício proposto a licenciamento no prazo máximo de 60 dias a contar da obtenção do alvará de licença de construção emitido pela Câmara Municipal de Monção, devendo os trabalhos decorrerem dentro do prazo previsto no Alvará – cláusula 5ª do contrato Promessa.
5. Acordaram igualmente o autor e a ré que o incumprimento das obrigações constantes do número 1 da cláusula 5ª do contrato promessa determinaria a aplicação da sanção prevista nas alíneas a) e b) respetivamente, do número 2 do artigo 19ª do Regulamento do Pólo Industrial da Lagoa – cláusula 5ª do contrato promessa.
6. Em 8.01.2009, por escritura pública outorgada no Notário Privativo do autor e aí exarada de fls. 63 a fls. 65 verso do Livro de Escrituras Diversas nº 20, este declarou vender à ré, que declarou comprar um terreno inserido no sobredito Parque Industrial, designado por: prédio urbano, sito no lugar da …, freguesia de …, concelho de Monção, composto de terreno destinado a construção, designado por Lote N3, descrito na Conservatória do registo Predial de Monção sob os números … da freguesia de … e … da freguesia de …, onde se encontrava registado a favor do Município de Monção, pela inscrição G e inscrito na matriz urbana da freguesia de … sob o artigo …-P e na matriz urbana da freguesia de … sob o artigo …-P, com a área de 26 450 m2, conforme documentos de fls. 18 a 48 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.
7. O preço da sobredita compra e venda, no valor de € 330.625,00, foi integralmente pago ao autor pela ré.
8. As partes outorgantes declararam na sobredita escritura que “…a venda é efetuada em consequência da candidatura apresentada pela ora segunda outorgante e nos termos da deliberação da Câmara Municipal de Monção, aprovada na sua reunião ordinária de 10 de Dezembro de 2007, para instalação (sobre o lote de terreno em apreço) de uma unidade de comércio por grosso de produtos químicos.
9. Mais declarou na dita escritura a ré ter tomado conhecimento de todas as disposições do Regulamento do Pólo Industrial da Lagoa e que se submetia ao cumprimento das seguintes obrigações:
- Concluir a construção da unidade de comércio por grosso de produtos químicos (sobre o Lote de terreno objeto da referida escritura) no prazo previsto na licença de construção e nas prorrogações que vierem a ser-lhe concedidas, nos termos do disposto no artigo 16º do Regulamento do Pólo Industrial da Lagoa;
- Iniciar a laboração da unidade de comércio por grosso de produtos químicos mencionado na alínea anterior no prazo máximo de seis meses após a conclusão das obras de construção da mesma, nos termos do disposto no artigo 17º do Regulamento do Pólo Industrial da Lagoa;
- Com o início de atividade, nos termos do disposto na alínea anterior, criar e manter um número mínimo de vinte postos de trabalho;
- No prazo de seis anos contados a partir da data desta escritura não alienar, transmitir ou onerar o lote de terreno designado N3, nos termos do artigo 14º do Regulamento do Pólo Industrial da Lagoa;
- Que o não cumprimento dos prazos e obrigações estipulados nas quatro alíneas anteriores, por culpa a si imputável ou da sua exclusiva responsabilidade, implicará as sanções a que se refere a artigo 19º do regulamento do Pólo Industrial da Lagoa, nomeadamente, a reversão do Lote N3 e de todas as benfeitorias nele realizadas para o Município de Monção, sem que daí resulte qualquer direito de indemnização.
10. Como contrapartida das condições supra mencionadas, e no pressuposto do respectivo cumprimento, o autor concedeu à ré um benefício que se traduziu na redução acentuada do preço do terreno que integra o prédio objeto do aludido contrato, relativamente aos preços de mercado então praticados no local em apreço.
11. À data, o valor de mercado do prédio aludido em 8. ascendia a, pelo menos, € 790.750,00.
12. Com a atribuição deste benefício à ré, o autor, enquanto autarquia local, pretendeu obter a implantação na área do Pólo Industrial da Lagoa de empresas capazes de contribuir para o desenvolvimento económico do concelho e consequente melhoria das condições de vida dos munícipes e a criação de postos de trabalho.
13. A ré não apresentou nos Serviços de Obras do autor qualquer pedido que visasse o licenciamento da construção de um eventual armazém ou outro edifício sobre o lote de terreno em causa, não construiu a sobredita unidade de comércio por grosso de produtos químicos, nem qualquer outro edifício sobre o lote de terreno supra mencionado e não manteve aí qualquer atividade, nem criou qualquer posto de trabalho.
14. Presentemente, o lote de terreno em causa permanece devoluto e desprovido de qualquer edificação.
15. Na candidatura apresentada pela ré foi indicado o montante de € 5.512.000,00 correspondente ao investimento do projeto, sendo que € 3.000.000,00 corresponderiam a capital próprio e € 2.512.000,00 corresponderiam a capital proveniente de empréstimos bancários, conforme documento de fls. e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
16. Foi ainda indicado que o projeto teria um custo anual, com vencimentos e remunerações com pessoal, no montante de € 949.000,00.
17. Entre os anos de 2007 e 2008 verificou-se um agravamento progressivo da crise económico-financeira internacional, com um abrandamento generalizado da atividade económica a nível mundial.
18. Em consequência da aludida crise, houve uma redução de encomendas, a qual teve reflexos na diminuição das vendas da ré, sobretudo no mercado interno, durante o período de 2009 a 2014.
19. Por carta datada de 28.12.2009, a ré solicitou ao autor uma prorrogação de prazo para implementação e execução do projeto por um período de seis meses, invocando, além do mais que os efeitos da crise vinha a condicionar fortemente a atividade daquela, conforme documento de fls. 201 a 203 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20. Por carta datada de 2.03.2010, o autor comunicou à ré que o Executivo Municipal tinha deliberado em 18.02.2010 autorizar a prorrogação de prazo para cumprimento das obrigações assumidas pela ré até Abril de 2010, conforme documento de fls. 204 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
21. Por carta datada de 28.04.2010, a ré solicitou ao autor que lhe fosse concedido um prazo não inferior a seis meses, com início em 1.05.2010, com vista à identificação de entidades interessadas em assumir a execução do projeto, invocando que em resultado da conjuntura económica não se encontravam reunidas as condições para a ré realizar a implementação do projeto nos termos acordados, conforme documento de fls. 211 a 213 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
22. Por carta datada de 1.06.2010, o autor comunicou à ré que a Câmara Municipal de Monção tinha deliberado, em 1.05.2010, autorizar a prorrogação de prazo solicitada pela ré, com os seguintes condicionalismos: caso o Município viesse a angariar novo investidor, daí não resultaria qualquer devolução de dinheiro à ré e caso fosse apresentado, por parte da ré, um potencial investidor que reunisse as condições de aceitação por parte do Município, a venda do terreno seria efetuada com intermediação do próprio Município, recomprando o lote à ré e fazendo a venda diretamente à entidade terceira, conforme documento de fls. 214 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
23. Apesar da ré ter manifestado desacordo quanto aos condicionalismos fixados pelo autor, por carta datada de 4.11.2010, a ré solicitou ao autor que lhe fosse concedido novamente um prazo não inferior a seis meses, com vista à identificação de entidades interessadas em assumir a execução do projeto, conforme documento de fls. 225 a 227 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
24. Por carta datada de 17.11.2010, o autor comunicou à ré que o Executivo Municipal tinha deliberado, em 10.11.2010, indeferir o pedido de prorrogação de prazo e ordenar o desencadeamento do processo de reversão do terreno, conforme documento de fls. 228 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
25. Na sequência, por carta datada de 18.01.2011, a ré propôs ao autor a resolução do contrato com fundamento na alteração das circunstâncias; a atribuição de eficácia retroativa à resolução; a entrega imediata do terreno ao autor; o pagamento pela ré da quantia de € 33.062,20, a título de compensação pela não implementação do projeto e a devolução do autor à ré do montante de € 330.0625,00, conforme documento de fls. 232 a 234 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
26. Tal proposta não foi aceite pelo autor, conforme documento de fls. 235 a 237 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
27. Por carta datada de 16.03.2011, a ré enviou nova proposta ao autor, na qual, mantendo as restantes condições, propôs o pagamento de € 40.000,00 e a devolução da quantia de € 290.625,00, conforme documento de fls. 239 a 241 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
28. A qual também não foi aceite pelo autor, conforme documento de fls. 242 a 243 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”
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O tribunal a quo deu ainda como não provada a seguinte factualidade:
“- que, em consequência da crise, as condições de obtenção de financiamento bancário para a ré se tornaram mais onerosas;
- que, em consequência da crise, o grupo em que a ré se insere que, na península ibérica, se viu obrigada a proceder a uma redução de pessoal, despedindo 27 trabalhadores;
- que, em consequência da crise, os prazos da ré de recebimento tenham alargado e tenham aumentado os créditos incobráveis;
- que, por via da crise, a ré não conseguiu a venda das instalações existentes no Porto e que essa receita era essencial para canalizar para o projeto de Monção;
- que se a ré procedesse ao investimento projetado, a mesma iria ficar em situação económica ou financeira difícil.”
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Conhecendo.
1) Cumpre em primeiro lugar apreciar da invocada nulidade da sentença por referência à alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC [vide conclusões 1ª a 7ª]
É fundamento da arguida nulidade, como melhor resulta explanado nas alegações de recurso, a não inclusão nos factos provados, nem nos factos não provados que as “partes tenham acordado em restringir a eficácia retroativa da resolução do contrato, caso a mesma se viesse a verificar”, não obstante em sede de apreciação de direito, o tribunal a quo ter afirmado “(…) não descarateriza a figura o facto de se ter convencionado a perda do preço pago ou das benfeitorias entretanto realizadas, visto que como vimos já, a retroatividade da resolução uma vez verificado o facto condicionante pode ser afastada ou limitada pela vontade das partes”.

As causas de nulidade da sentença estão previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC.
Dispõe o nº 1 do artigo 615º do CPC
“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
Fundamenta a recorrente a nulidade da sentença na al. b) do nº 1, ou seja na falta de fundamento de facto que permita ao tribunal a quo concluir em sede de direito nos termos acima assinalados.
O dever de fundamentação decorre desde logo do disposto no artigo 607º nº 4 do CPC o qual determina ser dever do juiz declarar quais os factos que “julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas (…) tomando ainda em consideração os factos (…) provados por documentos (…)”.
Dever de fundamentação que igualmente decorre do artigo 154º do CPC no que respeita decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido e que tem consagração constitucional no art.º 205º, nº 1, da Lei Fundamental, nos termos do qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”
É entendimento uniforme na jurisprudência e com apoio na doutrina que a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito, e apenas esta e já não a sua deficiência, em que assenta a decisão são causa de nulidade da mesma [vide nesse sentido Ac. TRG de 19/03/2013, Relator Filipe Caroço; Ac. TRG de 21/05/2015, Relatora Ana Duarte in http://www.dgsi.pt ].
Ora analisada a decisão recorrida depreende-se da mesma a fundamentação em sede de direito das afirmações que são questionadas pela recorrente.
Assim e desde logo, pode ler-se na sentença recorrida, após reprodução do artigo 19º do Regulamento a que o contrato de compra e venda se reportou, e por referência ao qual as partes declararam se submeter ao cumprimento de especificadas obrigações [vide 9 dos factos provados]:
“Ora, os negócios jurídicos não são imperativamente puros, as partes podem acordar cláusulas acessórias típicas ou atípicas, desde que os negócios, por sua natureza, não sejam com elas incompatíveis, corolário este do princípio da liberdade contratual, previsto no art.º 405º do CC.
Com efeito, na sede de relações contratuais impõe-se considerar que os outorgantes dispõem da faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, de celebrar contratos não previstos na lei e de integrarem nestes as clausulas que entenderem, nos limites do disposto no art.º 280º, do CC, em homenagem, antes de mais, aos princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual.
Cumpre, pois e antes de mais, interpretar e qualificar a referida cláusula.
Interpretação essa que há-de fazer-se de acordo com a doutrina da impressão do destinatário, consagrada no art.º 236º, nº 1, do CC (…)
(…)
Tudo visto, parece evidente que o terem as partes estipulado que, em caso da compradora não cumprir as obrigações e os prazos fixados no contrato, o vendedor teria direito à reversão do prédio, significa, numa interpretação razoável, que seria feita por qualquer declaratário normal colocado na posição do declaratário real - art.º 236º, nº 1, - que foi estipulada uma condição resolutiva, porquanto as partes, sem dúvida, quiseram que o contrato produzisse, desde logo, os seus efeitos - transmissão da propriedade - sujeitando, porém, o comprador a cumprir determinadas obrigações, sob pena de resolução contratual por parte do vendedor.
(…)
Ora, in casu, defende a ré que as partes da aludida cláusula não resulta a reversão do prédio, sem a devolução do respectivo preço.
Todavia, em nosso entender, não tem razão.
Desde logo há que atentar em que a compra e venda não é, nem pela sua natureza nem por disposição de lei, um negócio incondicionável.
Trata-se claramente de uma cláusula acessória, visto que não faz parte do conteúdo necessário do contrato de compra e venda, nem sequer do seu conteúdo normal, mas que pode ser convencionada ao abrigo do princípio da liberdade contratual, e que apresenta todas as características de uma verdadeira e própria condição, sujeita ao regime definido nos art.ºs 270º e seguintes do CC.
E, de igual modo, analisada a condição aposta, é fácil concluir que o vendedor - e tal intenção foi aceite pela compradora - atentas as condições da venda (designadamente o preço) impedir que a ré viesse a destinar o prédio a outros fins, desvirtuando a finalidade do contrato.
De facto, o que o que o autor pretendeu com a cláusula em questão, foi garantir a prossecução do seu plano de fomento industrial e assim poder realizar o negócio com a certeza de que se tal plano não fosse concretizado pela ré/compradora, poderia sê-lo por outro qualquer futuro adquirente, visto que, verificada a condição, a propriedade dos lotes reverteria automaticamente ao património da vendedora, livre de ónus ou encargos e sem a devolução do valor pago.
É este o sentido que qualquer declaratório normalmente diligente retiraria do negócio em causa, sendo certo que, conhecendo a compradora (credora condicional) toda esta motivação, podia e devia contar com o referido sentido interpretativo (art.º 236º nº 1 do CC).”
Desta transcrição parcial da decisão resulta evidente que o tribunal a quo interpretou as cláusulas contratuais recorrendo para o efeito à doutrina da impressão do destinatário, consagrada no art.º 236º, nº 1, do CC conforme expressamente declarado e em função da mesma concluiu em termos em que a recorrente discorda.
Ou seja o tribunal a quo, no que a este ponto decisório concerne, seguiu um raciocínio lógico dedutivo coerente e consequente nos termos que justificou e consta da fundamentação de direito da decisão.
Note-se que o tribunal a quo fundamentou a decisão de direito com base nos factos constantes da decisão de facto que analisou e dos quais quanto ao teor de cláusulas contratuais apuradas, interpretou o seu sentido nos termos referidos.
Assim e relembrando a taxatividade das causas de nulidade da sentença previstas no artigo 615º do CPC, nas quais se não inclui o erro de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, os quais devem antes ser reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes; tão pouco nas mesmas se incluindo o eventual erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito os quais têm antes de ser reapreciados em sede de análise da decisão de direito de acordo com os fundamentos do recurso delimitados pelas conclusões (vide 639º do CPC), sendo manifesto pelos motivos expostos que a decisão não padece do vício de fundamentação quer de facto quer de direito, impõe-se concluir pela improcedência da invocada nulidade da sentença nos termos invocados pela recorrente.
Improcede portanto a invocada nulidade da sentença, nos termos invocados pela recorrente.

2) Cumpre em segundo lugar apreciar do alegado erro na decisão de facto [vide conclusões 8ª a 28ª]
Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662ºdo CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Fazendo ainda [vide António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável).
Tendo presentes estes considerandos, cumpre apreciar a pretensão da recorrente.
Pretende a recorrente que aos factos não provados seja aditado o seguinte segmento:
«Não ficou demonstrado nem, aliás, vem alegado nos autos, que as partes ao acordarem no Contrato “Que o não cumprimento dos prazos e obrigações estipuladas nas quatro alíneas anteriores, por culpa a si imputável ou da sua exclusiva responsabilidade, implicará as sanções a que se refere o artigo 19.º do regulamento do Polo Industrial da Lagoa, nomeadamente, a reversão do Lote N3 e de todas as benfeitorias nele realizadas para o Município de Monção, sem que daí resulte qualquer direito de indemnização” quisessem limitar os efeitos da retroatividade de resolução, designadamente através da não devolução pelo Recorrido à Recorrente da quantia que esta pagou a título de preço pela aquisição do referido Lote N3».
Conforme resulta do próprio texto da proposta redação do segmento em análise em causa está a vontade negocial real das partes aquando da emissão da declaração em causa, a qual não foi alegada nos autos. Implicando terem ficado as declarações negociais em causa sujeitas à interpretação por parte do tribunal de acordo com as regras consagradas nos artigos 236º a 239º do CC.
Tivesse sido alegada a vontade real das partes e a sua determinação teria de ser apreciada e incluída em sede de decisão de facto.
Não tendo sido alegada a vontade real, as declarações negociais serão interpretadas de acordo com as já referidas regras.
Com efeito, sendo conhecida do declaratário e alegada nos autos, para poder ser apurada em sede de matéria de facto, a vontade real do declarante, é de acordo com a mesma que vale a declaração emitida (vide 236º nº 2 do CC).
Não alegada a vontade real do declarante, a interpretação das declarações negociais será feita à luz das regras do artigo 236º nº 1 e 237º a 239º do CC.
A parte pode discordar da interpretação seguida pelo tribunal a quo por entender não respeitar a mesma as regras do artigo 236º do CC. Desacordo que aliás manifestou e invocou como fundamento do recurso em sede de reapreciação de direito.
Mas tal é questão que se prende não com a reapreciação da decisão de facto, mas antes como a subsunção jurídica dos factos ao direito.
A inclusão da vontade negocial real das partes aquando da celebração do contrato sendo factualidade antes não alegada, configura para além do mais questão nova não apreciada pelo tribunal a quo em sede factual e que assim em sede de recurso não pode ser considerada – vide artigo 608º nº 2 do CPC.
Improcede portanto a pretendida reapreciação da decisão de facto, por falta de fundamento da mesma.
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***
3) Em 3º lugar insurgiu-se a recorrente quanto à subsunção jurídica dos factos, invocando errada e inconstitucional interpretação e aplicação dos normativos legais [vide conclusões 29ª a 48ª].
Cumpre portanto apreciar de direito.
Não está questionado o enquadramento da relação contratual estabelecida entre A. e R. no âmbito do regime jurídico do contrato de compra e venda.
Nos termos do artigo 874º do C.C., “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.”.
Relativamente ao momento em que se opera a transmissão da propriedade, releva ainda o preceituado no artigo 408º n.º 1 do C.C. o qual assim dispõe “A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei”.
Em consonância com esta norma está o artigo 879º do C.C., no qual se diz que a compra e venda tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação da sua entrega e a obrigação de pagar o preço.
Porque através do contrato de compra e venda se transmite a propriedade, tem a doutrina qualificado este contrato quanto à sua natureza como real, com eficácia real – real quod effectum – por contraposição ao contrato com eficácia meramente obrigacional. Significa isto que a transmissão da propriedade se dá por mero efeito do contrato, não dependendo nem da traditio, nem da posse simbólica nem de outra formalidade externa (cfr. Baptista Lopes in “Compra e Venda, 90).
Exceções a este efeito absoluto derivado do contrato de compra e venda podem verificar-se se e no que ora releva o negócio tiver sido celebrado sob condição.
Tal como decorre do disposto no artigo 270º do CC: "as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva".
Ou seja através da condição, inserida no contrato por vontade das partes, fazem estas depender a eficácia do contrato de um evento futuro e incerto:
- na verificação do qual o negócio produzirá os seus efeitos – caso em que os efeitos do negócio ficam suspensos até à sua verificação (condição suspensiva). Implicando no caso do contrato de compra e venda que até lá a propriedade se não transmite;
- na verificação do qual o negócio deixará de produzir os seus efeitos – caso em que os efeitos até aí produzidos, cessam (condição resolutiva). Implicando no caso do contrato de compra e venda que a propriedade transmitida por via do negócio celebrado volta ao anterior proprietário por via da verificação da condição resolutiva com efeitos retroativos à data da conclusão do negócio.
O que assim só não ocorre se tais efeitos do preenchimento da condição “pela vontade das partes ou pela natureza do ato” tiverem de “ser reportados a outro momento” (artigo 276º do CC).
Assim a regra geral é a da retroatividade que todavia pode ser afastada por vontade das partes.
A recorrente tão pouco questionou a qualificação da cláusula analisada pelo tribunal a quo como cláusula na qual foi inserida uma condição resolutiva, nos seguintes termos:
“Tudo visto, parece evidente que o terem as partes estipulado que, em caso da compradora não cumprir as obrigações e os prazos fixados no contrato, o vendedor teria direito à reversão do prédio, significa, numa interpretação razoável, que seria feita por qualquer declaratário normal colocado na posição do declaratário real - art.º 236º, nº 1, - que foi estipulada uma condição resolutiva, porquanto as partes, sem dúvida, quiseram que o contrato produzisse, desde logo, os seus efeitos - transmissão da propriedade - sujeitando, porém, o comprador a cumprir determinadas obrigações, sob pena de resolução contratual por parte do vendedor.”
A divergência reside no efeito retroativo que o tribunal a quo, num juízo de interpretação à luz do artigo 236º do CC, declarou afastado por vontade das partes e assim declarou não ser devida a devolução do respetivo preço. O que o tribunal a quo justificou nos seguintes termos:
De facto, o que o que o autor pretendeu com a cláusula em questão, foi garantir a prossecução do seu plano de fomento industrial e assim poder realizar o negócio com a certeza de que se tal plano não fosse concretizado pela ré/compradora, poderia sê-lo por outro qualquer futuro adquirente, visto que, verificada a condição, a propriedade dos lotes reverteria automaticamente ao património da vendedora, livre de ónus ou encargos e sem a devolução do valor pago.
É este o sentido que qualquer declaratório normalmente diligente retiraria do negócio em causa, sendo certo que, conhecendo a compradora (credora condicional) toda esta motivação, podia e devia contar com o referido sentido interpretativo (art.º 236º nº 1 do CC).
E, ao contrário do defendido pela ré, não descaracteriza a figura o facto de se ter convencionado a perda do preço pago ou das benfeitorias entretanto realizadas, visto que, como vimos já, a retroatividade da condição uma vez verificado o facto condicionante, pode ser afastada ou limitada pela vontade das partes.”
Em causa o declarado pelas partes na escritura pública de compra e venda e nomeadamente pela R. e descrito em 9) dos factos provados, do qual se destaca ter a ré declarado na dita escritura “ter tomado conhecimento de todas as disposições do Regulamento do Pólo Industrial da Lagoa e que se submetia ao cumprimento das seguintes obrigações:
(…)
- Que o não cumprimento dos prazos e obrigações estipulados nas quatro alíneas anteriores, por culpa a si imputável ou da sua exclusiva responsabilidade, implicará as sanções a que se refere a artigo 19º do regulamento do Pólo Industrial da Lagoa, nomeadamente, a reversão do Lote N3 e de todas as benfeitorias nele realizadas para o Município de Monção, sem que daí resulte qualquer direito de indemnização.”
Por sua vez o artigo 19º do citado Regulamento, a cujas sanções a R. expressamente declarou se aceitar submeter é do seguinte teor:
“1 – Qualquer alteração verificada, relativamente às previsões apresentadas na candidatura à aquisição de lotes, bem como qualquer incumprimento dos prazos definidos nos artigos anteriores será alvo de análise detalhada por parte da entidade gestora do Pólo Industrial da Lagoa.
2 – No caso de se verificarem alterações ou incumprimentos injustificados ou por culpa imputável aos adquirentes, haverá lugar:
a) à anulação da atribuição do(s) lote(s) pelo incumprimento do disposto no artigo 15.º do presente regulamento, conferindo o direito de a entidade gestora do loteamento rescindir unilateralmente os contratos assinados decorrentes da decisão de atribuição de lotes, perdendo o adquirente o direito sobre os 50% do valor do lote;
b) à reversão do(s) lote(s) e de todos os direitos sobre ele(s) constituídos, a favor da entidade gestora do loteamento, pelo incumprimento dos prazos previstos nos artigos 14.°, 16.º e 17.° do presente regulamento; ou
c) ao pagamento correspondente ao valor da bonificação de que beneficiaram na aquisição do lote, acrescido de uma multa compensatória de 20% sobre o referido valor, pelo incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 17.º no respeitante à ocupação e ao número de postos de trabalho criados.»
A interpretação de uma declaração negocial cujo fito é o apuramento da vontade das partes, implica o recurso «à “ordem envolvente da interação negocial”, como a letra do negócio, as circunstâncias do tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respetivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei, os usos e costumes por ela recebidos, bem assim o comportamento posterior dos contraentes.” [cfr. Ac. TRC 14/09/2010, Relator Manuel Capelo in www.dgsi.pt/jtrc].
Nesta interpretação se seguindo o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (artigo 236º do CC).
Ainda e no caso dos negócios formais, como é o caso, não podendo a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (vide artigo 238º do CC).
O contrato em causa nos autos surgiu no âmbito da implementação de um Pólo Industrial por parte do aqui A. – operação de loteamento que foi sujeita ao regime jurídico da urbanização e edificação estabelecido pelo DL 555/99 – com vista a promover o melhor ordenamento territorial, criando uma área preparada e destinada a acolher condignamente as unidades industriais instaladas e a instalar, promovendo ainda dessa forma a criação de novos postos de trabalho estáveis e qualificados. Tratando-se portanto de uma iniciativa através da qual a CMM visou atrair novos investimentos necessários ao desenvolvimento integrado e sustentável da economia do concelho, procurando para isso incentivar a sua instalação através da maior bonificação do preço dos lotes destinados às atividades industriais a suportar pela Câmara.
Assim consta da nota introdutória do Projeto de Regulamento do “Pólo Industrial” em menção que para garantia do cumprimento dos objetivos subjacentes a tal iniciativa foi elaborado – vide proposta do regulamento inicial e aprovação da proposta por deliberação camarária de 28/06/2002 junta a fls. 324 a 331, publicado em 20/08/2002 (vide DRE junto a fls. 349 a 351).
Estando o Regulamento já aprovado junto a fls. 308 e segs., do qual de novo consta nota introdutória justificativa da sua aprovação como garante do cumprimento dos objetivos subjacentes à iniciativa do “Pólo Industrial”.
Este Regulamento foi sujeito a alterações nos termos das deliberações de 30/06/2005 – vide fls. 331 v. a 333 e DRE de 18/08/2005 a fls. 352 v./353; e de 29/12/2006 – vide fls. 334 a 346 e DRE de 30/03/2007 a fls. 353 v. a 355 que republicou na integra este Regulamento com as alterações aprovadas pela Assembleia Municipal.
A ora aqui R. previamente à celebração do contrato de c/v em análise, havia já celebrado contrato promessa de c/v no âmbito do qual já declarara conhecer e aceitar todas as disposições do Regulamento deste Pólo Industrial (vide contrato-promessa de c/v de fls. 49 e segs.).
O declarado em tal contrato-promessa não diverge quanto às obrigações assumidas, do igualmente constante do contrato de compra e venda.
Conhecimento e submissão ao cumprimento de obrigações de tal Regulamento decorrentes que a R. assim reiterou na escritura de compra e venda (vide contrato de fls. 18 e segs.).
Analisada a cláusula do Regulamento a que a R. expressamente declarou se submeter e nomeadamente o seu nº 2, para o que se convocam as regras de interpretação do artigo 236º do CC (tal como e bem o fez o tribunal a quo) resulta claro que no caso de incumprimento injustificado ou por culpa imputável ao adquirente das previsões apresentadas na candidatura ou nos prazos definidos nos artigos anteriores (vide nº 1 de que este nº 2 é uma consequência) haverá lugar às sanções indicadas nas als. a) a c) das quais se depreende no confronto com os artigos a que as mesmas se reportam que estas foram definidas em função de momentos temporais.
Assim a al. a) prevê uma sanção reportada ao momento em que foi já celebrado contrato promessa de compra e venda, a partir do qual as partes têm o prazo de 60 dias para apresentar na CM projeto de arquitetura e 180 dias após a aprovação deste para iniciar a fase de licenciamento.
No incumprimento destas obrigações e decidida por esta via a anulação da atribuição dos lotes pela entidade gestora do loteamento, é sancionado o “adquirente” com a perda do direito sobre os 50% do valor do lote.
Ou seja o valor pago – até 50% do valor do lote é perdido como sanção, a favor da promitente vendedora.
Releva aqui o disposto no artigo 13º nº 1 do mesmo Regulamento do qual se extrai que até à celebração da escritura pública seria pago por conta do preço acordado valor não superior a 50%, já que esta seria a percentagem a pagar com a celebração da escritura pública.
Consequentemente decorre desta alínea a) a sanção, na sua aplicação, da perda total do valor pago pelo promitente adquirente até o mencionado valor de 50% [à semelhança da sanção prevista no artigo 442º do CC para o contrato-promessa de compra e venda].
No outro extremo temporal, encontra-se a al. c).
Aqui e porque reportada ao artigo 17º nº 2 do mesmo Regulamento, em causa está a atuação do adquirente que apresentou o projeto, obteve licenciamento de obra e como tal previamente celebrou já a escritura de compra e venda do lote com o pagamento da totalidade do preço, concluiu os trabalhos e deu início à atividade instalada nos termos aprovados.
Porém e violando o disposto no nº 2 deste artigo 17º, não manteve a sua atividade ou não respeitou o número de postos de trabalho criados pelo período mínimo de 5 anos contados desde o início da atividade
Assim e nestas situações em que o adquirente observou todos os condicionalismos e deu início à atividade, apenas não tendo observado o período mínimo de manutenção dessa mesma atividade ou o número de postos de trabalho criados (que foram fator de bonificação tal como resulta do artigo 10º do regulamento já citado) a sanção corresponde ao valor da bonificação de que beneficiou na aquisição do lote (vide artigo 10º do Regulamento), acrescido de uma multa compensatória de 20% sobre o referido valor.
Ou seja, não obstante o cumprimento de todas as demais obrigações e início da atividade, com o inerente investimento que para o adquirente implicou, o não cumprimento dos referidos requisitos motiva a aplicação de uma sanção para o adquirente – monetária - mantendo não obstante a propriedade do seu lote.
Numa posição temporal intermédia encontra-se a situação a que o caso sub judice foi subsumido – al. b) do artigo 19º nº 2.
Aqui e porque reportada ao não cumprimento dos prazos previstos nos artigos 14º [que se reporta à inalienabilidade dos lotes adquiridos por um período de seis anos contados da data da escritura de compra e venda]; 16º [relativo ao prazo para o início e conclusão dos trabalhos, após obtida licença de construção, o que necessariamente implica que a escritura de compra e venda já foi celebrada, como decorre do artigo 13º do Regulamento] e 17º [in casu por violação dos prazos estabelecidos para o início da atividade por referência à data limite para a conclusão das obras a que se refere o artigo 16º - vide 17º nº 1. Estando o 17º nº 2 excluído da aplicação desta sanção por via e na medida da integração de tal situação na al. c) já analisada do mesmo Regulamento] sempre está em causa situação em que já foi celebrada a escritura de compra e venda, sem que nos prazos estabelecidos tenha o adquirente dado início e concluído os trabalhos; dado início à atividade ou violado a cláusula de inalienabilidade.
Nestes casos a sanção prevista – qualificada como já vimos como condição resolutiva - é a da reversão dos lotes e de todos os direitos sobre eles constituídos a favor da entidade gestora do loteamento, ou seja o aqui A. (tal como indicado no artigo 2º do Regulamento).
Ou seja para além de a propriedade reverter a favor do vendedor, igualmente revertem a seu favor todos os direitos que a compradora tiver constituído sobre os lotes em questão que então poderiam ser considerados como benfeitorias e nessa perspetiva serem justificativos de pretensão indemnizatória.
Pretensão esta expressamente afastada pela cláusula do contrato de compra e venda, mencionada in fine no ponto 9) dos factos provados.
E da conjugação da leitura da al. b) do nº 2 do artigo 19º do Regulamento em causa com o clausulado do contrato de compra e venda, no que releva reproduzido em 9) dos factos provados, o que do mesmo se extrai com toda a clareza e seguindo as regras dos artigos 236º e 238º do CC é que a na verificação da condição resolutiva a propriedade do lote reverte a favor da aqui A. bem como todas as benfeitorias, sem qualquer direito de indemnização para a R..
Ou seja de todas as alíneas do artigo 19º do Regulamento resulta assim e sempre um sancionamento para o incumpridor.
A especificação da não indemnização por benfeitorias constante do clausulado do contrato de compra e venda tem precisamente a virtualidade de clarificar o sentido da sanção prevista na al. b) do nº 2 do artigo 19º relativa à reversão na mesma prevista.
O direito a indemnização por benfeitorias – este excluído - é coisa diversa do direito à devolução do preço decorrente dos efeitos retroativos da resolução do contrato.
Nada se depreende do texto de tal clausulado sobre a vontade das partes em afastar o efeito retroativo da resolução – à data da conclusão do negócio - que é a regra geral conforme decorre do artigo 276º do CC, certo que tão pouco a natureza do ato o impõe.
Assim e seguindo as regras da interpretação previstas nos artigos 236º e 238º do CC, entendemos assistir razão à recorrente neste ponto.
O declaratário normal, colocado na posição da R. não podia razoavelmente contar que o clausulado em questão tinha o sentido defendido pelo A. e que o tribunal a quo sustentou, nem o mesmo encontra um mínimo de correspondência no texto do documento.
As circunstâncias que precederam a celebração do negócio acima relatadas evidenciam a preocupação do autor em garantir a prossecução do fim visado pela implementação do seu Pólo Industrial acima já mencionado e nesse contexto a vinculação dos interessados a especificadas obrigações e sanções decorrentes nomeadamente do Regulamento que fez aprovar.
Essas sanções foram analisadas e aplicam-se à aqui R. – reversão da propriedade por via da verificação da condição resolutiva e exclusão de indemnização por benfeitorias realizadas no lote.
Das mesmas não se infere, nem o comportamento posterior da R. o indicia [pois que nas comunicações trocadas com o A. sempre foi declarando não aceitar a interpretação da cláusula no sentido pugnado pelo A. - vide comunicações a que se reportam os factos provados 22 a 28] ter sido afastado o efeito retroativo da resolução.
Sendo a resolução, quanto aos efeitos, equiparada à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico e não afastado pelas partes o efeito retroativo da resolução, tem como consequência da mesma de ser devolvido o preço pago pela R. ao autor, nos termos do artigo 276º e 289º do CC - € 330.652,00 tal como consta em 7) dos factos provados.
A que acrescerão juros de mora devidos desde a prolação da sentença recorrida, por tal ser a pretensão formulada pela recorrente, e até integral e efetivo pagamento à taxa legal (vide 559º nº 1 do CC).
Precludido fica assim o conhecimento das demais questões suscitadas pela recorrente.
Termos em que procede o recurso apresentado.
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a presente apelação, consequentemente e parcialmente revogando a decisão recorrida decide-se:
A) Condenar o A. a devolver à R. o valor por esta pago a título de preço - € 330.625,00 - acrescido de juros de mora desde a prolação da decisão de 1ª instância, conforme requerido pela recorrente, e até integral e efetivo pagamento.
B) No mais mantém-se o decidido pelo tribunal a quo.
C) Custas do recurso pelo recorrido e da ação por A. e R. na proporção do vencimento e decaimento.
Guimarães, 09 de novembro de 2017.

(Maria de Fátima Almeida Andrade)
(Alexandra Maria Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)