Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3798/09.7TBBRG-C.G2
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
REGIME DE BENS
SEPARAÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. No âmbito de execução movida contra um apenas dos cônjuges e em que se mostrem penhorados bens comuns do casal, deverá o cônjuge não executado ser citado para os fins previstos no art. 825º do CPC (na anterior redacção) ou no art. 740º do novo CPC.
2. Na sequência dessa citação, deverá o cônjuge citado, no prazo legal da oposição, comprovar a instauração de inventário para separação de meações ou juntar certidão judicial que comprove que se encontra já pendente acção de separação judicial de bens do casal.
3. Não sendo observado este ónus por parte do cônjuge do executado, a execução prosseguirá sobre os bens comuns penhorados.
4. No âmbito do inventário para separação de meações, proferida sentença homologatória de partilha e após o seu trânsito em julgado, passa a vigorar entre os cônjuges, a partir desta data, o regime da separação de bens, o que deverá ser oficiosamente comunicado à competente conservatória do registo civil ou, se tal suceder, por impulso de algum dos interessados.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório:

a)- No âmbito de inventário para separações, instaurado pelo cônjuge mulher, AA, ao abrigo do preceituado no art. 825ºdo CPC (na anterior redacção), vieram os autos a prosseguir os seus termos e, a 2.04.2013, foi proferida sentença homologatória da partilha dos bens do casal, que transitou em julgado.

b)- Após o aludido trânsito, veio a aludida AA formular, com data de 25.06.2014, requerimento a fls. 191, no sentido de ser «oficiado à Conservatória do Registo Civil da Póvoa do Lanhoso a alteração do seu regime de casamento, na sequência da sentença de homologação do mapa de partilha e determinação da separação de pessoas e bens, proferida nos autos

c)- O aludido requerimento veio a merecer o despacho do Sr. Juiz a quo a fls. 192 dos autos, datado de 26.06.2014, com o seguinte teor:

«Nos presentes autos de inventário judicial para separação de meações apenas se procedeu à partilha dos bens do casal, não tendo sido proferida qualquer decisão de alteração do regime de bens do casal, pelo que se indefere o requerido.

Notifique.»

d)- Inconformado com o dito despacho dele veio recorrer a aludida Maria Elisa R. Vieira da Silva, nele apresentando as seguintes conclusões recursivas:

1. Incide o presente recurso sobre o despacho proferido a 26 (vinte e seis) de Junho de 2014, com a referência n.º 13626721.

2. A separação de bens enunciada no art. 825.º do CPC concretiza-se, adjetivamente, através do processo de inventário, consagrado no art. 1460.º do CPC, com a anterior redação.

3. Isto é, o meio processual idóneo para o cônjuge do executado espoletar a separação de bens a que alude o art. 825.º do CPC (anterior redação), é através do processo de Inventário, nos termos do art. 1406.º e 1404.º, ambos do CPC. (anterior redação).

4. No entanto, se resulta pacifico que, processualmente, a separação de bens a que alude o art. 825.º do CPC (anterior redação) verifica-se mediante o processo de inventário (art. 1406.º e 1404.º do CPC, na sua anterior redação), inexistem igualmente dúvidas de que, substancialmente/materialmente, com o términus do processo de inventário para separação e partilha de meações verifica-se a alteração do regime de bens do casal.

6. Isto é, com a partilha dos bens do casal, decorrente da separação de bens através do processo de inventário, verifica-se, consequentemente, a alteração do regime de bens do casal, o qual passa a ser o da separação de bens (art. 1735.º do Código Civil).

7. Tanto assim é que, se assim não fosse, ou seja, se não se verificasse a alteração do regime de bens para o regime de Separação de Bens, cair-se-ia no cenário risível de os cônjuges partilharem os bens comum, todavia, manteria o regime da comum que advinha da celebração do matrimónio.

9. Destarte, é claro e cristalino que, feita a partilha das meações dos bens comuns do casal, in casu, da Apelante e do Requerido nos presentes autos, através dos presentes autos de inventários, nos termos do art. 825.º ex vi art. 1406.º e 1404.º do CPC, verifica-se uma alteração no regime de bens, passando a vigorar o regime de separação de bens, consagrado no art. 1735.º do Código Civil.

11. Pelo exposto, impõe a Verdade e o Direito que, a decisão a quo seja revogada e substituída por uma outra que, declare/reconheça a alteração do regime de bens da Apelante e do Requerido nos presentes autos, passando a vigorar, desde a partilha dos bens comuns do casal, o regime de separação, nos termos do art. 1752.º do Código Civil, oficiando-se, por conseguinte, à competente Conservatória do Registo Civil da Póvoa de Lanhoso a alteração do regime de bens.

12. Têm as presentes alegações de recurso conforto no art. 825.º, 1404.º, 1406.º do Código de Processo Civil, no art. 1735.º do Código Civil e, bem assim, nas demais disposições legais que V/ Exas. considerem aplicáveis in casu.

13. Termos em que, deverá a decisão a quo ser revogada e substituída por uma outra que, declare/reconheça a alteração do regime de bens da Apelante e do Requerido nos presentes autos, passando a vigorar, desde a partilha dos bens comuns do casal, o

regime de separação, nos termos do art. 1752.º do Código Civil, oficiando-se, por conseguinte, à competente Conservatória do Registo Civil da Póvoa de Lanhoso a alteração do regime de bens.


*
Não foram oferecidas contra alegações.
*

Após os vistos legais, cumpre decidir.
*

II. Fundamentos:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 3, e 639º, nºs 1 e 2, do NCPC.
*
No seguimento desta orientação, cumpre decidir.
Neste âmbito, não obstante tudo o esgrimido em sede de recurso, a única questão que importa dirimir é determinar se do trânsito em julgado de sentença homologatória de partilha (em inventário para separação de meações, instaurado na sequência da citação prevista no art. 825º do CPC - na redacção anterior) decorre uma alteração do regime de bens do casamento dos cônjuges, mais concretamente passando esse regime de bens da comunhão de adquiridos – como era o caso do regime que vigorava entre os cônjuges (vide art. 1717º do Cód. Civil) – para o regime da


separação de bens e, se, sendo assim, incumbia ao Sr. Juiz a quo oficiar, nesses termos, à competente Conservatória do Registo Civil.
Decidindo.
*
Liminarmente, cumpre dizer que assiste razão ao recorrente.

Vejamos.

i). Como é sabido, após a penhora dos bens do casal na execução, movida contra apenas um dos cônjuges, deve ter lugar a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens ou mostrar que ela já está requerida (artº 825º nº 1 do CPC, na redacção anterior, decorrente da redacção do DL n.º 38/2003 de 8.03.).

Citado o cônjuge do executado, no momento e com as garantias a que se refere o artº 864º, pode ele, no prazo de que dispõe para a oposição (artº 864º-A, n.ºs 1 e 2 do citado CPC) requerer a separação de bens, em processo de inventário nos termos do artº 1406º, o qual corre por apenso à execução, processo de inventário este que tem, entre outras, a particularidade de poder ser impulsionado, não só pelo cônjuge do executado, como parte principal, mas também pelo próprio exequente (credor), e de nele poderem ser ouvidos os credores conhecidos.

Em alternativa à propositura do dito processo de inventário pode o cônjuge do executado juntar aos autos certidão comprovativa da pendência de processo de separação de bens já instaurada (artº 825º, n.sº 1 e 5 do citado CPC.)

Se o cônjuge do executado não optar por qualquer uma das ditas alternativas, não instaurando o aludido inventário para separação de meações ou não comprovar a pendência de acção judicial de separação de bens, a execução prossegue sobre os bens comuns penhorados – cfr. artº 825º nº 4 do citado CPC.

Optando, ao invés, o cônjuge do executado por alguma das ditas alternativas, a execução é suspensa até que se verifique a partilha e se, nesta os bens penhorados não forem atribuídos ao cônjuge executado, poderão ser penhorados outros que lhe tenham cabido na dita partilha, permanecendo a anterior penhora até nova apreensão – cfr. art. 825º, n.º 7 do CPC.

Este regime processual veio, como se sabe, de encontro às acesas críticas que a solução anterior impunha aos credores do executado quando a execução era movida apenas contra o mesmo, sempre se exigindo (vide art. 1696º do Cód. Civil, na redacção anterior ao DL n.º 329-A/95 de 12.12.) a observação de uma moratória (normalmente prolongada) e uma vez que o cumprimento apenas seria exigível depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou a simples separação judicial de bens. Vide sobre a matéria, por todos, José Lebre de Freitas, “ A Acção Executiva – À luz do Código Revisto ”, Coimbra Editora, 2ª edição, 1997, pág. 183-188, A. Varela, “ Direito da Família ”, Liv. Petrony, 1999, pág. 411 e segs... e, ainda, Augusto Lopes Cardoso, “ Da responsabilidade dos cônjuges por dívidas comerciais ” – Temas de Direito da Família, Almedina, 1986, pág. 165 e segs... .

No caso em apreço, o inventário para separação de meções foi precisamente instaurado neste enquadramento, ou seja na sequência de penhora sobre bem comum do casal e sendo certo que era executado apenas o marido da ora recorrente.

ii). Porém, a questão que está em causa no recurso não se reporta propriamente a este tema - embora surja nela inserida (o que justifica a anterior exposição) -, mas, antes, como já se expôs, à questão de saber se homologada a sentença de partilha no inventário para separação de meações daí decorre uma alteração ao regime de bens do casamento dos cônjuges.

Decidindo.

Resulta do disposto no artigo 1714º, nº 1 do Cód. Civil que, fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados.

E, uma das excepções ao aludido princípio da imutabilidade, consagrada na alínea b) do nº 1 do artigo 1715º do mesmo Código, reside precisamente na simples separação de bens, através da qual se permitem alterações ao regime de bens.

São requisitos desta acção de simples separação de bens, prevista no artigo 1767º do dito Código, e que deverá ser proposta por um dos cônjuges contra o outro:

a) o perigo, por parte do cônjuge que não administra os bens, de perder o que é seu;

b) a relação de causalidade entre esse perigo e a má administração por parte do outro cônjuge.

Preenchidos que sejam tais requisitos, será decretada a separação judicial de bens, o que significa que o regime matrimonial passará a ser o da separação, procedendo-se, então, à partilha do património comum como se o casamento tivesse sido dissolvido.

Porém, além desta hipótese (que não está manifestamente em causa nos presentes autos), o aludido artigo 1715º, n.º 1 al. d)- do Cód. Civil admite, ainda, alterações ao regime de bens do casamento em todos os demais casos previstos na lei, de separação de bens na vigência da sociedade conjugal.

Como salientam Pires de Lima e Antunes Varela, “ Código Civil Anotado ”, Vol. IV, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 512-513, estão consagrados no artigo 1772º do Código Civil, os casos de separação não autónoma, assim chamada por a separação não constituir objecto duma acção especialmente destinada a obtê-la, mas sim a consequência indirecta de um procedimento judicial instaurado com outro fim. Contrapõe-se, assim, estes casos de separação não autónoma às acções autónomas previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 artigo 1715º do Cód. Civil.

O que vale por dizer que, embora não tendo o inventário para separação de meações – como é caso dos autos – por fim ou objecto directo o decretamento da instituição, a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória de partilha, do regime da separação de bens entre os cônjuges, esse é um efeito indirecto ou reflexo da dita partilha do património do casal.

Aliás, esta solução decorre expressamente do art. 1770º «ex vi» do art. 1772º, ambos do Cód. Civil – ambos inseridos no capítulo XI (simples separação judicial de bens) do Livro IV (Direito da Família) do nosso Código Civil.

Com efeito, preceitua o art. 1772º que «o disposto nos dois artigos anteriores (arts. 1771º e 1770º) é aplicável a todos os casos, previstos na lei, de separação de bens na vigência da sociedade conjugal.»

Ora, estando fora de dúvida que o inventário para separação de meações conduz à separação (ou partilha) dos bens do casal na vigência da respectiva sociedade/união conjugal, dúvidas também não restam que, em conformidade com o preceituado no art. 1770º (com as devidas adaptações), após o trânsito em julgado da sentença que homologar o mapa de partilha em inventário para separação de meações, «o regime matrimonial (...) passa a ser o da separação.» (sublinhado nosso).

Aliás, o próprio inventário para separação de meações pressupõe ou tem implícito uma manifestação de vontade nesse exacto sentido, pois que, como decorre da letra dos arts. 825º e 1406º do CPC, a partilha pressupõe que o outro cônjuge deduza pedido/requerimento de separação de bens, pedido este que se consubstancia no exercício de um direito dele (potestativo), gerado, precisamente, pela penhora dos bens comuns do casal, tendo em vista a alteração daquele regime de bens.
Desta forma, exercido tal direito à separação de bens pelo cônjuge do executado, esta separação é um efeito inelutável, independente da vontade do outro cônjuge, e sem necessidade de ser, expressa ou directamente, decretado pelo tribunal, não sendo o inventário/partilha mais do que a consequente execução dessa modificação do regime de bens. Por ser assim, aliás, a comunicação dessa alteração ao regime de bens ao Registo Civil é, por força do respectivo Código, oficiosa, devendo ser averbada ao respectivo assento de casamento – vide arts. 1º, al. e)-, 70º, n.º 1 al. h)- e 78º, n.º 1 do Código do Registo Civil.

E assim sendo, atento o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha no âmbito do presente inventário para separação de meações e uma vez que entre os cônjuges vigorava o regime de comunhão de adquiridos (vide assento de casamento a fls. 9 dos autos de inventário e o preceituado no art. 1717º do Cód. Civil), impõe-se reconhecer que, a partir da data daquele trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, passou a vigorar entre os cônjuges BB e AA o regime da separação de bens, o que deverá ser comunicado à competente Conservatória do Registo Civil, mesmo oficiosamente.


*

III. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido, devendo este ser substituído por outro em que se comunique à competente Conservatória do Registo Civil que, a partir do dia do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, passou a vigorar entre os cônjuges AA e BB o regime da separação de bens.
*
Sem custas, uma vez que não existe parte vencida.
*
Guimarães, 22.10.2015
*

Sumário:
1. No âmbito de execução movida contra um apenas dos cônjuges e em que se mostrem penhorados bens comuns do casal, deverá o cônjuge não executado ser citado para os fins previstos no art. 825º do CPC (na anterior redacção) ou no art. 740º do novo CPC.
2. Na sequência dessa citação, deverá o cônjuge citado, no prazo legal da oposição, comprovar a instauração de inventário para separação de meações ou juntar certidão judicial que comprove que se encontra já pendente acção de separação judicial de bens do casal.
3. Não sendo observado este ónus por parte do cônjuge do executado, a execução prosseguirá sobre os bens comuns penhorados.
4. No âmbito do inventário para separação de meações, proferida sentença homologatória de partilha e após o seu trânsito em julgado, passa a vigorar entre os cônjuges, a partir desta data, o regime da separação de bens, o que deverá ser oficiosamente comunicado à competente conservatória do registo civil ou, se tal suceder, por impulso de algum dos interessados.

*

Jorge Seabra

José Amaral

Maria Dolores Sousa