Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6395/19.5T8BRG.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE ARQUITETURA
ALTERAÇÃO DE PROJECTO: ALTERAÇÃO DO PRIMEIRO CONTRATO OU NOVO CONTRATO?
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
.1- O contrato pelo qual um arquiteto se obriga a efetuar projetos de arquitetura configura-se como um contrato de prestação de serviços atípico ou inominado.
.2- O acordo, pelo qual o Réu se obrigou a proceder a uma alteração de projeto que já havia elaborado e apresentado, objeto de contrato anterior, determinado pela vontade exclusiva dos mandantes que pretenderam a alteração da orientação solar dos quartos, não se traduz numa alteração do primeiro contrato, mas num novo contrato, pelo que o incumprimento das obrigações decorrentes do segundo contrato pelo arquiteto não deve ter como consequência a obrigação de devolução do pagamento do preço acordado para a realização do projeto original.
.3- Face ao disposto no § 3 do artigo 464º do Código Comercial, os atos inerentes ao exercício das profissões liberais não se equiparam ao exercício do comércio, para os efeitos da comunicabilidade da dívida contraída pelo cônjuge prevista na alínea d) do artigo 1691º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Apelantes:
Autor e reconvindo AA
Interveniente principal e reconvinda: BB

Apelados
Réus: CC, DD e B... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA,
Autos de: Apelação em ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

O Autor deduziu a presente ação declarativa de condenação sob a forma comum pedindo a condenação do Réus a:

“a) Reconhecerem o Autor dono e legítimo proprietário do prédio identificado nos itens 1º e 2º da presente peça;
b) Verem reconhecida resolução o contrato que celebraram com o Autor, com efeitos à data de 27 de fevereiro de 2018, data em que cessavam os 30 dias úteis concedidos pela DMUOP do Município ... para reformularem o projeto de arquitetura e que era do conhecimentos dos Réus;
c) Pagarem solidariamente ao Autor da quantia de € 14.427,26 (catorze mil e quatrocentos e vinte e sete euros e vinte e seis cêntimos), acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
d) Pagarem ao Autor a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença”
Alegou, para tanto e em súmula, que celebrou um contrato de prestação de serviços de arquitetura que os Réus não cumpriram integralmente, causando-lhe danos que pretende que sejam ressarcidos.
Os Réus contestaram, excecionando e impugnando; afirmaram que celebraram um contrato misto que incluía serviços de arquitetura, mas também de acompanhamento e gestão da obra e de empreitada, de que são atos preparatórios e demonstradores da sua existência a terraplanagem e remoção de terras do terreno e a elaboração de um mapa de acabamentos e de um mapa de quantidades que também realizaram. Aditam que elaboraram projeto de arquitetura que foi aprovado; só as respetivas alterações peticionadas posteriormente é que não tiveram a mesma sorte. Foi o Autor que incumpriu o contrato por não ter pago o mapa de quantidades, a terraplanagem e limpeza do terreno e o IVA sobre o valor dos desenhos em 3D.
Deduziram reconvenção, para o caso da ação não improceder, pedindo a condenação do A./reconvindo a pagar aos RR./reconvintes:
1. A importância de € 32.176,80 relativa aos trabalhos e serviços;
2. A importância que venha a apurar-se ser necessária para os ressarcir de todos os danos alegados, a liquidar em momento posterior;
E declarar-se extinto, na respetiva proporção, o crédito que venha a reconhecer-se deter o A. sobre os RR., por efeito da compensação com o crédito que venha a reconhecer-se que estes detêm sobre o primeiro.
O cônjuge do Autor foi chamada à ação como interveniente principal ativa.

O processo correu seus termos, realizou-se audiência final e veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão:

1..Condeno o réu CC a pagar aos autores AA e mulher BB a quantia de € 1230,00 (mil duzentos e trinta euros), absolvendo o réu dos restantes pedidos contra si formulados.
.2 Absolve-se a ré DD de todos os pedidos contra si formulados.
.3 Julga-se o pedido reconvencional deduzido parcialmente procedente por provado e, em consequência, condena-se os autores reconvindos AA e BB a pagar ao réu reconvinte CC a quantia de € 161.00 (cento e sessenta e um euro), absolvendo os autores dos restantes pedidos.
.4 Condeno as partes no pagamento das custas processuais na proporção do respetivo decaimento.”

É desta sentença que o Autor apela, com as seguintes
conclusões:
“1. O presente recurso de apelação vem interposto da decisão que julgou apenas parcialmente procedente por provada a ação e condenou o 1º réu a pagar aos autores a quantia de € 1230,00 (mil duzentos e trinta euros), absolvendo o 1º réu dos restantes pedidos formulados, absolvendo a 2ª ré de todos os pedidos,
2. bem como da sentença na parte em que julgou o pedido reconvencional parcialmente procedente por provado, e, em consequência, condenou os autores / reconvindos a pagar ao reconvinte a quantia de € 161,00 (cento e sessenta e um euros).
3. Desde logo, padece de nulidade a sentença, nos termos do artigo 615º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), por condenar para além do pedido ou em objeto diverso do pedido e por excesso de pronúncia, sendo que os reconvintes, no pedido reconvencional, não pedem a condenação no pagamento da quantia de € 161,00, nem esse valor resulta da soma das quantias ali expressas, não se tratando de quantia que devesse ser liquidada posteriormente, isto é, em execução se sentença.
4. Existe contradição entre os factos insertos nos pontos 8. e 9. dos factos provados, em concreto que “Em dia que não pode precisar, mas que ocorreu num dos meses de junho ou julho de 2017, o Autor contratou os serviços do 1.º Réu, como arquiteto, e este, por seu lado, aceitou conceber os projetos de arquitetura e de especialidades, no que se incluíam todas as peças escritas e desenhadas, alterações e aditamentos exigidos pela legislação vigente, para aprovação e licenciamento pela câmara Municipal ... (doravante CM...) da construção de uma moradia para habitação familiar do autor e seu agregado familiar, na parcela de terreno identificada em 1º” (facto provado 8.), que “O Autor e o 1.º Réu acordaram que a contrapartida devida ao 1.º Réu pela realização dos projetos de arquitetura e de especialidades em condições de serem aprovados e pelo subsequente licenciamento se cifraria no valor de 12.300,00 Euros (doze mil e trezentos euros), IVA incluído” (facto provado 9.) e o facto não provado no ponto 3. Dos factos provados, ou seja que “O 1º Réu vinculou-se a praticar a totalidade dos atos necessários e adequados para que todos os projetos exigidos viessem a ser aprovados e a construção da moradia licenciada pela câmara Municipal ...” (facto não provado 3.),
5. sendo certo que, sendo o pedido de licenciamento formal e tecnicamente instruído, entre outros elementos, com o projeto de arquitetura, incluindo memória descritiva, plantas, cortes, alçadas e pormenores de execução, e o projeto de especialidades, ao aceitar conceber os projetos de arquitetura e de especialidades … para aprovação e licenciamento pela câmara Municipal ... (…CM...) da construção de uma moradia para habitação unifamiliar do autor e do seu agregado familiar, ao acordar contrapartida pela realização dos projetos de arquitetura e de especialidades em condições de serem aprovados e pelo subsequente licenciamento, o 1º Réu se vinculou a praticar os atos necessários e adequados para que os projetos de arquitetura e especialidades (únicos exigidos) viessem a ser aprovados e a construção da moradia licenciada pela câmara Municipal ....
6. Foi incorretamente julgado como não provado o facto inserto no ponto 8. dos factos não provados (do autor), constituindo ponto de facto concreto em relação ao qual os recorrentes entendem haver erro de julgamento, a saber: “O projeto subscrito pelo 1º Réu, sem a respetiva aprovação camarária, não reveste qualquer interesse nem serve para o Autor”, constituindo meios de prova existentes no processo e que fundamentam a sua alteração e inclusão nos factos provados, a conjugação da notificação judicial avulsa, de cujo teor os requeridos foram notificados e tomaram conhecimento integral no dia 26 de fevereiro de 2018, designadamente na parte em que ficaram cientes de que “nada serve o projeto de arquitetura elaborado pelos requeridos sem a necessária aprovação camarária” e de que, se não reformulassem o projeto, o requerente ficaria lesado, “…pelo menos, no correspondente aos valores que entregou aos requeridos por conta dos projetos de arquitetura, especialidades e alterações / aditamentos”, com as declarações de parte do autor quando, à questão colocada pelo seu mandatário (minutos 57:22 e seguintes) – “Se este projeto não fosse aprovado, com aquela informação da Câmara e uma vez que não houve retificação, este projeto servir-lhe-ia para alguma coisa? – responde “Para nada” e à questão “O senhor contratou depois outro arquiteto?”, responde “Tive que contratar porque esse projeto não me servia para nada”, bem como com as declarações da interveniente principal que, à pergunta do mandatário do autor, “O senhor arquiteto comunicou convosco e se quisessem ele até passava a autoria do projeto para outros arquitetos?”, responde “Não”, à pergunta “O que é que este projeto sem aquela alteração valeria para vocês?”, responde “Ia morrer … completamente”, à pergunta “E para vocês perdeu interesse ou vocês continuaram com interesse neste projeto?” responde “Não, perdemos interesse em termos de projeto em si” e à pergunta “Tanto assim que contrataram outro arquiteto?” responde “Contratei outro arquiteto” - (declarações à 1 hora, minuto 26:30 do seu depoimento e final à 1 hora, 27 minutos e 12 segundos), assim como com o depoimento da testemunha EE, nomeadamente quando, com início ao minuto do seu depoimento, à questão do mandatário do autor, “…aquele primeiro projeto do senhor arquiteto CC, uma vez caducado, de que é que serviria ao senhor AA?, responde “Nada”, à questão “O projeto de arquitetura … mesmo que tivesse sido aprovada a arquitetura … sem as especialidades, a pessoa poderia iniciar, sem a aprovação das especialidades, podia iniciar a construção?”, responde “O processo de licenciamento é composto por várias especialidades, uma delas é que a arquitetura”, à questão “Mas só a arquitetura pura e dura?” responde “Não” e à questão “E um projeto de arquitetura com um aditamento que não foi aprovado de que é que serve?, responde “Nada” (fim do respetivo depoimento – minuto 19:59).
7. Ao contrário do decidido, impõe-se, pois, que seja alterado e dado como provado que “O projeto subscrito pelo 1º Réu, sem a respetiva aprovação camarária, não reveste qualquer interesse nem serve para o Autor” (facto constante do item 8. dos factos não provados).
8. Não é unívoco na doutrina e na jurisprudência o entendimento sobre a qualificação do contrato, sempre que está em causa qualquer obra de natureza intelectual, nomeadamente, a realização de um trabalho de arquitetura.
9. Segundo uma corrente, o conceito de obra previsto na empreitada é amplo e abarca as obras incorpóreas ou intelectuais, coadunando-se com o sentido corrente do termo. E, como a palavra “obra” utilizado no artigo 1207º do Código Civil não distingue entre obra material e obra de engenho ou intelectual, não existe razão para que alguma distinção seja feita pelo intérprete.
10. Defende outra corrente, um conceito restrito de “obra”, entendendo que a obra incorpórea ou intelectual se mostra subtraída do âmbito do contrato de empreitada, tal como o mesmo se mostra definido no Código Civil, no qual se omite, intencionalmente, a referência à prestação de um serviço.
11. As obrigações de resultado podem descrever-se como aquelas, em virtude das quais, o devedor fica adstrito, em benefício do credor, à produção de um certo efeito útil.
12. O não cumprimento ilícito e culposo das obrigações assumidas num contrato de prestação de serviços de arquitetura, por parte do arquiteto, implica a responsabilização deste pelos danos resultantes do desencontro objetivo entre a prestação devida e o comportamento observado, i.e., a falta de realização do resultado acordado entre as partes,
13. sendo certo que recaía sobre o arquiteto o ónus da prova do (in)cumprimento, face à presunção da culpa do nº1 do art. 799 do Código Civil.
14. O incumprimento do 1º réu arquiteto, “vinculado” à conceção / elaboração dos projetos de arquitetura e de especialidades, incluindo alterações e aditamentos, com vista à sua aprovação e licenciamento pela câmara Municipal ..., da construção de uma moradia de habitação unifamiliar do autor e seu agregado familiar – cfr. ponto 8. dos factos provados, conjugado com o ponto 3. dos factos não provados, cuja alteração para os provados deve acontecer – mostrando-se necessário que o arquiteto réu desse sequência às notificações enviadas (carta registada com aviso de receção e notificação judicial avulsa) para reformulação do projeto de arquitetura, como pretendido / solicitado pela(os) Divisão / serviços técnicos da câmara Municipal ..., através do Ofício nº ...18, responsabiliza-o pelos danos causados ao credor (autor(es), nos termos do arts. 798º, 801º e 804º do Cód. Civil.
15. Ao autor, que insistentemente, por carta registada com aviso de receção e por notificação judicial avulsa notificou os réus para, no prazo dado pela câmara Municipal ..., reformularem o projeto de arquitetura, em conformidade com o oficio notificação 236/2018, da câmara Municipal ..., nenhuma outra atuação lhes era exigível, nenhuma conduta culposa sendo exigível aos autores – não eram o(s) autor(es) que, depois de interpelarem os réus, deveriam correr atrás do prazo dado pela câmara Municipal ... para a reformulação do projeto, mas sim os réus, a quem foi dado prazo para o cumprimento, sendo que, esgotado o prazo, já não poderiam os autores socorrer-se de outro arquiteto.
16. Não demonstrou nem o 1º réu arquiteto nem nenhum dos outros réus que tivesse dado resposta aos pedidos efetuados pelo autor, nomeadamente no prazo por este fixado, reformulando ou retificando o projeto então elaborado,
17. ou que tivesse então apresentado razões justificativas, incluindo nomeadamente a autorização para a sua substituição, como autor do projeto, estando protegido pelo regime do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos que exige consulta prévia do autor do projeto – art. 60º - gerando o incumprimento da consulta prévia, antes da entrega do projeto a outro técnico, a responsabilidade civil do dono da obra pelas perdas e danos sofridos pelo autor do projeto,
18. sendo estas questões que nos autos a ele próprio arquiteto ou restantes réus importaria provar para afastar a sua responsabilidade e não a razão - ou a falta dela - das decisões dos órgãos camarários.
19. In casu, tendo a prestação de serviços sido acordada “em bloco”, incluindo projetos de arquitetura e de especialidades, no que se incluíam todas as peças escrita e desenhadas, alterações e aditamentos exigidos pela legislação vigente, para aprovação e licenciamento pela câmara Municipal ... da construção de uma moradia para habitação familiar do autor e seu agregado familiar, tratou-se de um único contrato de prestação de serviços de arquitetura.
20. O artigo 801º, nº 2, do Cód. Civil admite a cumulação da resolução do contrato com a indemnização.
21. A indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato.
22. Sendo a resolução equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade do negócio jurídico – art. 433º do Cód. Civil – tendo a nulidade efeito retroativo, deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente – art. 289º, nº1, do Cód. Civil, no caso devendo abranger todas prestações efetuadas, na medida em que entre estas e a causa de resolução existiu um vínculo que legitimou a resolução de todas elas – cfr- art. 434º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil.
23. No caso, deve o 1º e a 2ª ré serem condenados solidariamente no pagamento da quantia global de € 14.230,00, correspondendo € 12.300,00 ao projeto de arquitetura inicial, € 1.230,00 ao aditamento, € 700,00 às imagens 3D, € 150,60 às despesas com a notificação avulsa e os restantes euros a taxas, levantamento topográfico e outros, no âmbito do processo de licenciamento,
24. conquanto são casados, vivendo ambos em economia comum e dos rendimentos que retiram da atividade de arquitetura e consultoria arquitetónica, que constitui o objeto da 3ª Ré, B... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA, para fazer face aos encargos normais da vida familiar, entre eles não vigorando o regime da separação de bens, conforme factos provados nos pontos 4. e 5. dos factos provados, acrescidas de juros vincendos e encargos judiciais.
25. Dir-se-á por fim que, atento o consignado, não existiu nem é invocável in casu o instituto de enriquecimento sem causa.
26. Ao decidir como decidiu, o Tribunal violou, entre outros, o disposto nos artigos 615º, nº 1, als. c), d) e e) e 662º do Código de Processo Civil, o artigo 60º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, nºs 5 e 6 do artigo 10º do Regulamento de Deontologia e artigo 57º, al. b) do Estatuto dos Arquitetos, bem como os artigos 289º, 342º (ónus da prova), 433º, 434º, nºs 1 e 2, 798º, 799º, nº 1, 801º, 804º, nº 2, e 1154º, todos do Código Civil.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de v. Ex.ªs deve julgar-se procedente e provado o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e, por consequência, condenando-se o 1º e a 2ª ré, solidariamente, no pagamento do valor total de € 14.427,26 (catorze mil e quatrocentos e vinte e sete euros e vinte e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento”.
Os Recorridos responderam, defendendo a manutenção do decidido, terminando com as seguintes
conclusões:
“A) A douta sentença recorrida não é nula por suposta violação do artigo 615º, n.º 1 doCódigo de Processo Civil (CPC);
B) Os Apelados alegaram, expressamente, a falta de pagamento do IVA e consequente não emissão da fatura relativa aos desenhos 3D;
C) Inexiste qualquer erro ou vício da decisão de facto, por contradição entre os factos declarados provados e os declarados não provados, designadamente entre os factos provados 8º e 9º e o facto não provado 3º;
D) Com efeito, considerou o Tribunal a quo – e muito bem – que existiram dois contratos distintos: “Os factos provados e não provados permitem afirmar com segurança que entre as partes foram acordados dois contratos de prestação de serviço: o primeiro foi integralmente cumprido pelas partes, rectius, o réu elaborou o projecto de arquitectura, apresentou-o na CM... e logrou obter aprovação”; “Já quanto ao segundo contrato de prestação de serviço as coisas processaram-se de forma menos pacífica. O réu, a pedido dos autores, elaborou a alteração ao projecto e apresentou-a na CM.... Contudo, essa alteração não foi aprovada por omissão do réu que foi notificado para corrigir um problema técnico e não o fez.”;
E) Ou seja: a circunstância de se afirmar e dar como provado que o Réu se comprometeu em “...conceber os projetos de arquitetura e de especialidades, no que se incluíam todas as peças escritas e desenhadas, alterações e aditamentos exigidos pela legislação vigente, para aprovação e licenciamento pela câmara Municipal ... (doravante CM...) da construção de uma moradia para habitação familiar do autor e seu agregado familiar, na parcela de terreno identificada em 1º,
F) E que, na sequência do projeto elaborado pelo Réu, assinado e apresentado pelos Autores na câmara Municipal ..., foi o mesmo por esta entidade aprovado,
G) Em nada contradiz o facto não provado em 3º dos factos não provados: “O 1º Réu vinculou-se a praticar a totalidade dos atos necessários e adequados para que todos os projetos exigidos viessem a ser aprovados e a construção da moradia licenciada pela câmara Municipal ...”. (Sublinhado e negrito nossos);
H) É que uma coisa é afirmar que o Réu se comprometeu a elaborar um projeto de arquitetura para os Autores que fosse aprovado (como foi, diga-se) pela câmara Municipal ... (CM...);
I) Outra coisa é dizer-se que o Réu tinha obrigação e se comprometeu a atender a toda e qualquer pretensão dos Autores em relação a alterações ao primitivo projeto, o qual, como vimos já e além do mais, FOI APROVADO!!!
J) Destarte, é evidente que o que o Ilustre Julgador a quo quis significar foi que o Réu se comprometeu e tinha obrigação de fazer aprovar o primitivo projeto que, com a anuência expressa dos Autores – tanto é que o assinaram como requerentes –, submeteu a aprovação pela CM... (aprovação essa obtida);
L) Questão diferente é a do segundo contrato que o Tribunal recorrido entendeu ter existido e que consistiu numa alteração ao primitivo projeto, na figura de um aditamento ao mesmo, já depois de este ter sido aprovado pela CM..., tal qual o concebeu o Réu e o aceitaram os AA., aqui Apelantes;
M) É, assim, cristalino que inexiste qualquer contradição entre a matéria de facto dada como provada e a não provada;
N) Não há qualquer erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal a quo;
O) A fundamentação da douta sentença recorrida, na parte em que aprecia a prova produzida, a valoração da mesma que pelo Tribunal foi levada a cabo, as razões da credibilidade dada à versão dos Réus e não à dos Autores é, perfeitamente, inatacável;
P) Aliás, os Apelantes nem se deram ao trabalho de cotejar os depoimentos das partes e das testemunhas de um e outro lado (Apelantes e Apelados) e neles procurar discrepâncias!!!…;
Q) Limitaram-se a afirmar que o Tribunal devia ter dado como provada a sua versão dos factos. Sem qualquer justificação que não fosse a de que é essa a sua opinião e desejo, como é óbvio. Ponto!
R) Ora, como é consabido, não é, seguramente, a visão parcial de uma das partes e a sua opinião/análise sobre a prova produzida que impõe a um Tribunal superior a alteração da matéria de facto, seja em que sentido for;
S) Motivo pelo qual deve manter-se inalterada a matéria de facto, seja a dada comoprovada, seja a dada como não provada.
T) No mais e quanto à solução jurídica dada ao caso concreto pelo Ilustre Magistrado a quo, nada há a apontar;
U) A prestação de serviços de arquitectura, in casu, contemplando a elaboração de um projecto de construção de uma moradia unifamiliar, projecto esse que os Apelantes assinaram e entregaram na CM... e que, note-se, uma vez mais, veio a ser aprovado na íntegra, não pode contemplar sucessivas e inopinadas alterações e/ou aditamentos ao projecto inicial;
V) Uma coisa são as múltiplas conversações e alterações que, não raras vezes, sãosugeridas ou peticionadas pelos contratantes do projecto de arquitectura, outras vezes – tantas e tantas – até sugeridas pelos arquitectos, até se chegar a uma versão final e definitiva do projecto;
X) Questão bem diferente é defender-se que um arquitecto é obrigado a, já depois de um projecto aprovado, submeter um aditamento ao mesmo ou, e porque não e a aceitar a tese dos Apelantes – e não se aceita –, a submeter tantos aditamentos quantos os clientes quiserem!!!
Z) Uma tal afirmação é a mesma coisa que pretender que um Advogado que foi contratado para elaborar uma contestação a uma acção judicial tenha que, por força do mandato que lhe foi conferido e que aceitou, recorrer para um qualquer Tribunal da Relação e a seguir para o Supremo Tribunal de Justiça e, porque não, para o Tribunal Constitucional e não cobrar nem mais um cêntimo do que o montante que combinou para elaborar a contestação ou a petição inicial ou o que quer que seja;
AA) Bem se percebe pela simples leitura da douta sentença recorrida que foi precisamente isto que concluiu o Tribunal recorrrido;
AB) O Réu CC cumpriu a prestação a que se obrigou com a celebração do contrato de prestação de serviços de arquitectura; O que não fez foi terminar aquilo pelo qual se cobrou adicionalmente e que os Apelantes aceitaram pagar, note-se!!!… e que foi um aditamento ao projecto APROVADO.
AC) Por isso é que o Ilustre Magistrado recorrido condenou o Apelado CC na devolução do montante recebido a título da elaboração do aditamento que – este sim – não foi aprovado pela CM...”

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao teor das conclusões do recurso, são as seguintes as questões que cumpre apreciar, por ordem lógica, começando pelas que precludem as demais questões:

1 - se a sentença padece de nulidade por condenar para além do pedido ou em objeto diverso do pedido e por excesso de pronúncia;
2 - se deve proceder a impugnação da matéria de facto, quer quanto à invocada contradição entre os factos, quer quanto à diferente apreciação dos elementos probatórios;
3 - se as consequências do incumprimento contratual se devem alargar ao contrato inicial;
4 - se o facto dos primeiros Réus serem casados e viverem em economia comum implica que ambos sejam responsabilizados

III- Fundamentação de Facto

O tribunal a quo fixou da seguinte forma os factos provados relevantes para a decisão:
Factos provados

1. À data da interposição da ação, o direito de propriedade sobre o prédio urbano, constituído por parcela de terreno para construção, designada por lote ...9, sita no lugar da ... ou ..., união de freguesias ..., ... e ..., concelho ..., descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número ...75/..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...47, encontrava-se inscrito em nome dos autores.
2. O referido prédio urbano (parcela de terreno) adveio ao domínio, propriedade e posse do Autor por compra à sociedade “B...1 - Promoção Imobiliária, Lda”, titulada por escritura pública de compra e venda, de 28 de junho de 2017, do Cartório Notarial do notário .... FF, exarada a fls. 116 e seguintes do Livro ...41....
3. Por si e antepossuidores, encontrou-se na posse pacífica, pública, contínua e de boa-fé do referido prédio, ignorando lesar direitos de outrem, à vista de toda a gente, sem violência ou oposição de quem quer que seja e praticando sobre o mesmo os atos próprios de um proprietário.
4. O 1º Réu CC desempenha a sua atividade profissional como arquiteto e é sócio da 3ª Ré B... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA
5. A 2ª Ré é igualmente sócia da 3ª Ré B... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA, é casada com o 1º Réu, vivendo ambos em economia comum e dos rendimentos que retiram da atividade de arquitetura e consultoria arquitetónica, que constitui o objeto da 3ª Ré B... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA, para fazer face aos encargos normais da vida familiar, entre eles não vigorando o regime da separação de bens.
6. A 3ª Ré B... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA, dedica-se, entre outras, a atividades de arquitetura e técnicas afins, designadamente, consultoria arquitetónica no âmbito da elaboração de projetos de construção e transformação de edifícios e projetos similares.
7. O 1º Réu CC exerce de facto e de direito funções de gerência na 3ª Ré.
8. Em dia que não pode precisar, mas que ocorreu num dos meses de junho ou julho de 2017, o Autor contratou os serviços do 1.º Réu, como arquiteto, e este, por seu lado, aceitou conceber os projetos de arquitetura e de especialidades, no que se incluíam todas as peças escritas e desenhadas, alterações e aditamentos exigidos pela legislação vigente, para aprovação e licenciamento pela câmara Municipal ... (doravante CM...) da construção de uma moradia para habitação familiar do autor e seu agregado familiar, na parcela de terreno identificada em 1º.
9. O Autor e o 1.º Réu acordaram que a contrapartida devida ao 1.º Réu pela realização dos projetos de arquitetura e de especialidades em condições de serem aprovados e pelo subsequente licenciamento se cifraria no valor de 12.300,00 Euros (doze mil e trezentos euros), IVA incluído.
10. Depois de o projecto inicial ter sido apresentado na CM..., os autores solicitaram ao réu a alteração da disposição dos quartos, por forma a que os mesmos ficassem virados para sul e não para norte, como desenhados pelo arquiteto.
11. O projeto de arquitetura foi submetido para licenciamento na câmara Municipal ..., em 04 de agosto de 2017, tendo-lhe sido atribuída a referência de processo n.º ...17.
12. Posteriormente foi requerida a alteração da disposição dos quartos, através do aditamento a que acima se fez referência.
13. Pelo aditamento, o 1º e a 2ª Ré cobraram ao Autor, o valor de € 1.230,00 (mil e duzentos e trinta euros), IVA incluído.
14. Foi a 3ª Ré B... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA quem emitiu a fatura nº ...6, datada de 24/11/2017, no valor de € 1.230,00 (mil e duzentos e trinta euros), IVA incluído, com a descrição “Alteração a projeto de Arquitetura”.
15. O Autor pagou o valor de € 12.300,00 (doze mil e trezentos euros) titulado pela fatura nº ...2, em 13 de novembro de 2017, mediante transferência bancária para a conta com o IBAN ...02 2, indicado pelos 1º e 2ª Ré.
16. Como pagou o valor titulado pela fatura n.º ...6, ou seja, € 1.230,00 (mil e duzentos e trinta euros), IVA incluído, através de transferência bancária para a mesma conta e IBAN, em 24 de novembro de 2017.
17. Pelos pagamentos envolvidos nas faturas nºs ...2 e ...6, a 3ª Ré emitiu a favor do Autor o recibo nº ...17, no total recebido de € 13.530,00 (treze mil e quinhentos euros) – (€ 12.300,00 + € 1.230,00 = € 13.530,00), em 27 de dezembro de 2017.
18. Os Réus cobraram, ainda, ao Autor a quantia de € 700,00 (setecentos euros) mais IVA, a título de pagamento das imagens de arquitetura 3D (imagens a três dimensões), a qual foi paga, em numerário, no dia 23 de novembro de 2017, pela esposa do Autor, Eng.ª BB.
19. A acrescer às quantias acima referidas, o Autor incorreu ainda em gastos com as taxas municipais pagas à câmara Municipal ... no âmbito do processo de licenciamento do projeto de arquitetura e especialidades, do respetivo levantamento topográfico e do aditamento/alteração do referido projeto, no valor de € 47,20 (quarenta e sete euros e vinte cêntimos).
20. Por carta datada de 09 de janeiro de 2018, a DMUOP – Direção Municipal de Urbanismo, Ordenamento e Planeamento do Município ... notificou o Autor da intenção de indeferir o pedido de licenciamento apresentado pelo 1º Réu e referente à construção da moradia no mencionado lote ...9, pelo facto dos desenhos apresentarem uma desconformidade entre a planta proposta e a planta referente à sobreposição, com cores convencionais – cfr. ofício notificação nº 236/2018, do Municipal de ....
21. Conferindo ao Autor o prazo de 30 dias úteis, a contar da notificação, para apresentar alegações ou reformular o projeto de arquitetura sob pena de indeferimento.
22. Em 15 de janeiro de 2018, o Autor remeteu ao 1.º Réu Arquiteto CC, autor e subscritor do projeto, carta registada, com aviso de receção, com cópia do dito ofício notificação nº 236/2018, do Município ....
23. Em 21 de fevereiro de 2018, o Autor requereu a notificação judicial avulsa dos aqui 1º e 3ª Ré para, dentro do prazo que foi fixado pela câmara Municipal ..., procederem à reformulação do projeto de arquitetura.
24. Ambos os requeridos, ora 1ª e 3ª Ré, foram notificados e tomaram conhecimento integral do teor da notificação judicial avulsa no dia 26 de fevereiro de 2018.
25. Com a notificação judicial avulsa dos requeridos, ora 1º e 3ª Ré, o Autor suportou um custo € 150,06 euros (cento e cinquenta euros e seis cêntimos).
26. Nenhum dos Réus elaborou nem entregou na Câmara Municipal o projeto de arquitetura devidamente reformulado e em condições de merecer a aprovação pela DMUOP – Direção Municipal de Urbanismo, Ordenamento e Planeamento da Câmara Municipal ..., antes fazendo chegar ao conhecimento do Autor que o não iriam fazer.
27. Perante a situação descrita, o Autor comunicou à ..., ao Sr. Presidente da câmara Municipal ... e ao Presidente da Ordem dos Arquitetos o sucedido, tendo a comunicação dirigida à Ordem dos Arquitetos dado origem à abertura do processo disciplinar ...18, naquela ordem profissional, sobre o aqui 1.º Réu e ali arguido.
28. Não tendo nenhum dos réus dado resposta à solicitação que fora feita através do supra mencionado ofício ...18, com a notificação de intenção de indeferimento pelos factos e fundamentos constantes da informação, que se resumiam à desconformidade entre a planta proposta e a planta referente à sobreposição, com cores convencionais, o processo de construção da habitação do Autor não reuniu as condições de aprovação por parte da câmara Municipal ....
29. O Autor contratou a Arquiteta EE, para que lhe elaborasse um novo projeto de arquitetura e especialidades para construção de uma habitação familiar no mesmo lote identificado no art. 1.º da presente petição inicial, e o submetesse a licenciamento na câmara Municipal ....
30. Quem contactou a empresa Ré e os respectivos sócios (aqui RR.) é um Senhor GG (Agente Imobiliário), que sabe como a terceira Ré costuma trabalhar (ou compra ou promete comprar determinado terreno ou lotes de terreno, projecta moradias para implantar nesse terreno ou lotes, elabora 3D para promover a venda e, finalmente, constrói, as mais das vezes em regime de empreitada “com chave na mão).
31. Nessa ocasião (inícios de Maio de 2017), o Senhor GG pergunta aos sócios da 3ª Ré se, no Loteamento ... onde os RR. residem e onde tinham um lote, não haveria nenhuma moradia para vender.
32. O Sr. GG teve uma reunião com a D. BB (a esposa do A.) para ver um outro lote.
33. sequência, o casal dos RR., informa o casal do A. que tem apalavrada junto da B...1 - Promoção Imobiliária, Lda, mais propriamente com o sócio HH, a aquisição, precisamente, do lote ...9, exactamente aquele que o Autor veio a adquirir e que podia perfeitamente dentro do orçamento do A., desenhar uma moradia e construir a mesma no sistema “chave na mão”.
34. Uns dias depois, o mesmo Sr. GG leva a esposa do Autor para ver a casa dos RR., sendo que, logo após veio o marido Autor apreciar a residência dos 1º e 2º RR..
35. Nesta altura, final de Maio de 2017, sempre com a empreitada global em mente, a Ré Sociedade, por intermédio do seu sócio e arquitecto “encartado”, CC, começou a esboçar o projecto.
36. Nesse sentido e sempre com a colaboração do casal do A., elaborou o programa do projecto (número de quartos, n.º de WC’s, disposição inicial das assoalhadas, Etc.), escolheu equipamentos, acabamentos (que materiais iriam revestir as paredes, tipo de iluminação, móveis de casas de banho, tipo de torneiras, etc.), etc., com vista a manter a obra nos € 600.000,00.
37. Durante cerca de dez dias, realizaram-se várias reuniões com vista definir o mapa de acabamentos de acordo com as especificidades de alguns pedidos e exigências do casal do A., ainda que de uma forma genérica.
38. O autor apresentou a definição final do projecto na câmara Municipal ....
39. Só posteriormente é que a esposa do A. ligou à 2.ª Ré a dizer que tinha pensado melhor e que queria alterar a disposição dos quartos.
40. Entretanto, os intervenientes foram de férias.
41. O projecto foi aprovado tal qual foi elaborado pelo 1º R..
42. Só em Setembro se discutiam as alterações pretendidas ao projecto aprovado.
43. Só em Dezembro, já depois do projecto aprovado, o que acontece em 7 de Novembro de 2017, é que entra o aditamento.
44. Em Novembro, a 3.ª Ré (B... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA), emitiu a factura pelos serviços de arquitectura.
45. A intenção de indeferir o projecto respeita apenas e só ao aditamento ao mesmo.
46. Embora se recusando a proceder à correcção do aditamento, o 1º Réu nunca se negou a autorizar que outrem (leia-se outro arquitecto) o pudesse fazer por ele.
47. Os autores não pagaram o IVA sobre o valor dos desenhos em 3D (motivo pelo qual a 3ª Ré não emitiu a respectiva fatura).
48. A esposa do A., no dia 23 de Novembro, dirigiu-se aos escritórios da 3ª Ré para levantar cópia do aditamento ao projecto de arquitectura.
49. Limitou-se a pagar, em dinheiro e sem contar com o Iva, as imagens 3D.
50. O trabalho de remoção de terras e terraplanagem foi executado gratuitamente pela T... e como contrapartida pelas terras cedidas pelo A.
51. Quando o A. marido e a sua esposa se propuseram a arranjar outros orçamentos para a obra, os RR. chegaram a querer “cobrar” o equivalente a 14% (catorze por cento) sobre o valor de cada um desses orçamentos.

Factos não provados:

-- 1- Não provado que a alteração da disposição dos quartos, por forma a que os mesmos ficassem virados para sul e não para norte, como desenhados pelo arquiteto tivesse sido solicitada pelos autores quando o 1º Réu apresentou ao Autor o projeto de arquitetura, para discussão de pormenores.
-- 2. Embora o Autor tenha solicitado a alteração ao projeto de arquitetura ainda antes da entrada desse projeto na câmara Municipal ..., o 1º e a 2ª Ré convenceram o Autor de que, atenta a proximidade das férias, com o propósito de “ganharem tempo”, o melhor seria dar entrada do projeto tal qual apresentou (quartos voltados para norte) e posteriormente, aquando da apresentação dos projetos de especialidades, apresentariam um aditamento para alteração da disposição dos quartos.
-- 3. O 1º Réu vinculou-se a praticar a totalidade dos atos necessários e adequados para que todos os projetos exigidos viessem a ser aprovados e a construção da moradia licenciada pela câmara Municipal ....
-- 4. Apesar da prestação dos serviços ter sido contratualizada diretamente com o 1º e a 2ª Ré, foi a 3ª Ré B... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA quem emitiu a fatura n.º ...2, em 10 de novembro de 2017, no valor de € 12.300,00 (doze mil e trezentos euros), IVA incluído, como contrapartida pela realização dos projetos de arquitetura e especialidades em condições de serem aprovados e pelo subsequente licenciamento, fixando o prazo de 30 dias para pagamento.
-- 5. Realce-se que foi apenas nesta data que o Autor teve conhecimento de que era a 3ª Ré - e não o 1º Réu - quem emitiria as faturas no âmbito do referido projeto de arquitetura, uma vez que até então, o Autor desconhecia a existência dessa sociedade comercial, tendo sempre tratado de todo o contrato de arquitetura com o 1.º Réu e em nome individual deste.
-- 6. Não provado que a quantia de € 700,00 (setecentos euros), a título de pagamento das imagens de arquitetura 3D (imagens a três dimensões) tivesse o IVA incluído.
-- 7. Não obstante se terem comprometido a entregar o respetivo recibo de quitação ao Autor, a verdade é que nenhum dos réus o fez até hoje, apesar das insistências e interpelações para o efeito.
-- 8. O projeto subscrito pelo 1º Réu, sem a respetiva aprovação camarária, não reveste qualquer interesse nem serve para o Autor.
-- 9. Face ao incumprimento das obrigações e deveres impostos aos réus, com a urgência que tinha em realizar a construção da sua habitação, o Autor teve necessidade de contratar outro gabinete de arquitetura para a realização do serviço acima referido, tendo contratado a Arquiteta EE, enquanto sócio-gerente da sociedade comercial S..., Unipessoal, Lda..
-- 10. O processo de licenciamento do novo projeto de arquitetura e construção da habitação familiar no lote do Autor identificado no antecedente art. 1.º encontra-se, de momento, suspenso e o Autor impedido de iniciar a construção no lote que comprou em junho de 2017 (há mais de 2 anos, portanto).
-- 11. Apesar do Autor ter dado início ao novo processo de licenciamento há mais de um ano, ter requerido e obtido o deferimento de alteração ao alvará de loteamento n.º ...6, ao qual pertence o lote do Autor identificado no art. 1.º antecedente, o 1º Réu, juntamente com 4 proprietários de lotes, que persuadiu (mais precisamente 8 em 45 lotes), deu entrada de uma providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, no TAF ..., a qual se encontra a correr os seus termos identificada pelo n.º de processo 1382/19...., tendo o aqui Autor e a ali Ré já apresentado a sua oposição.
-- 12. Além disso, a situação descrita tem contribuído negativamente para o bem-estar psicológico do Autor, causando-lhe sentimentos de angústia, nervosismo, inquietação e ansiedade, que só terminarão quando o Autor puder iniciar a construção da sua moradia.
-- 13. Não provado que os autores tenham dito que procuravam uma casa até € 600.000,00.
-- 14. Em Junho de 2017, perante as plantas simples e o mapa de acabamentos, os AA., por mensagem sms, confirmam o negócio junto da sócia da 3ª Ré, de tal modo que, por e-mail de 19 de Junho, a Ré DD envia um e-mail à esposa do A. com a minuta do contrato de compra e venda do terreno.
-- 15. Já anteriormente, em reunião tida entre a esposa do A., os 1º e 2ª RR. e um dos sócios da sociedade proprietária do lote, havia sido decidido que o contrato de compra e venda do terreno se faria diretamente entre o casal do A. e a sociedade proprietária do dito lote, bem sabendo aqueles, no entanto, que o preço que os RR. queriam pelo mesmo terreno era € 20.000,00 superior ao preço pelo qual tinham apalavrado o terreno junto da sua proprietária, o que aqueles aceitaram.
-- 16. Aliás. é até o próprio sócio da dita sociedade proprietária do terreno que envia à ª Ré (e não ao A. marido) os elementos identificativos do imóvel.
-- 17. Ou seja, numa mudança ao inicialmente acordado, deduzir-se-ia ao custo global da empreitada o custo do terreno, sem prejuízo de o casal do A. se comprometer a pagar aos RR. o valor do lucro que estes teriam acaso tivessem alienado apenas o imóvel em questão.
-- 18. Mais tarde, a 29 de junho de 2017, por se ter chegado a um acordo de princípio quanto ao mapa de acabamentos e à proposta de orçamento para a empreitada e demais serviços a prestar pela 3ª Ré, a 2ª Ré remeteu à esposa do A. as minutas do contrato de empreitada e de prestação de serviços, as quais, debalde, nunca foram assinadas.
-- 19. Fizeram-se, nessa altura, várias reuniões, troca de emails, etc., no sentido de se chegar a uma versão final do projecto, do caderno de encargos, etc.
-- 20. A verdade é que, para além de nunca terem assinado os contratos que outorgaram, a esposa do A. ora não aceitava os fornecedores dos RR. ou queria mudar materiais por outros mais caros, etc., o que, obviamente, alterava o preço final da empreitada e contratos associados
-- 21. Todo o mês de Julho e primeiros dias de Agosto foram passados nisto.
-- 22. Na altura do indeferimento do aditamento ao projecto aprovado, já o A. marido e mulher se haviam recusado a pagar aos RR. a comissão de € 20.000,00 devida pelo terreno, já acusavam o 1º R. de ter vendido a terra que havia resultado da terraplanagem e limpeza do terreno (que também nunca pagaram) e já não queriam pagar, como não pagaram, o mapa de quantidades que, a seu pedido, os serviços da 3ª Ré haviam elaborado.
-- 23. Do que se alegou resulta evidente que o A. não cumpriu com as suas obrigações no âmbito de um contrato sinalagmático como o celebrado: não pagou o mapa de quantidades (documento contendo os cálculos da quantidade de materiais necessários à obra e essencial para solicitar orçamentos com rigor e de molde a evitar desvios orçamentais, muito mais comuns quando não existe um tal mapa de quantidades), não pagou a terraplanagem e limpeza do terreno.
-- 24. Isto para além de, injustificada e unilateralmente, ter desistido do contrato de empreitada que verbalmente já celebrara com a 3ª Ré.
-- 25. Também nessa altura e de forma absolutamente inopinada e surpreendente, informou a 2ª Ré que já não pretendia levar a cabo a empreitada, dizendo que o seu casal trataria de o fazer com os seus próprios fornecedores e orçamentos (fornecedores e orçamentos esses alguns dos quais fornecidos pela 3ª Ré!!!).
-- 26. Mas recusou-se a pagar o aditamento ao projecto, assim como não levantou o mapa de quantidades que havia solicitado.
-- 27. Perante tão malicioso comportamento, a 2ª Ré, logo no dia seguinte, remete ao A. e à esposa um e-mail (Doc. nº ...5) o mapa de quantidades que esta se recusara a pagar e a levantar e apresenta-lhe, igualmente, o valor a pagar por serviços já prestados no âmbito do projecto de arquitectura (as imagens 3D e o aditamento ao projecto), serviços prestados no âmbito da empreitada (movimentação de terras e limpeza do terreno e caderno de encargos e mapa de quantidades) e o valor correspondente ao que a 3ª Ré deixou de receber com relação ao terreno vendido ao A. e esposa (como acima se disse já, os RR. tinham reservado o terreno vendido ao A. por quantia superior em € 20.000,00 àquela pela qual o estavam dispostos a vender ao casal do A.
-- 28. Já no dia 23 de Novembro a 2ª Ré comunicara à esposa do A. que, perante a sua desistência do processo (mais de cinco meses depois do início do processo), teria que lhe liquidar não só o que sempre seria devido pelo projecto de arquitectura (imagens 3D e aditamento) como as despesas tidas com a empreitada propriamente dita (caderno de encargos e mapa de quantidades, movimentação de terras e limpeza do terreno), assim como a dita diferença de preço do terreno.
-- 29. Com efeito, os RR. só acederam à compra “direta” do terreno pelo casal do A. porque, no fundo, iriam “buscar” esse dinheiro no âmbito do contrato de empreitada.
-- 30. Nos primeiros “orçamentos indicativos” para o preço da empreitada sempre constou das várias rubricas o preço do terreno para, posteriormente e já depois de se ter acordado que o casal do A. adquiriria diretamente o terreno, ter mesmo existido um “orçamento” onde se referia expressamente a “comissão” ou “diferença no valor do terreno”.
-- 31. Nesse dia 23 de Novembro a esposa do A. afirmou que pagaria o dito valor de € 20.000,00, entregando € 10.000,00 ao Senhor GG e outros € 10.000,00 à 3ª Ré.
-- 32. O A. não pagou os serviços correspondentes à movimentação de terras e limpeza do terreno que adquirira, como não pagou a elaboração do caderno de encargos e mapa de quantidades, no valor total de € 6.160,00, acrescido de Iva, tudo no montante global de 7.576,80.
-- 33. De tudo isso estavam bem cientes o A. e esposa, já desde Junho de 2017, ocasião em que se decidiram, em que contrataram, em que acordaram que o 1º e 3ª RR. tratariam de absolutamente tudo quanto se relacionasse com a construção da sua moradia.
-- 34. Como bem sabiam que também os RR. com eles procederam com toda a correcção e dedicação, sempre tendo em vista o desiderato comum que era a realização da empreitada, o acompanhamento e fiscalização da obra, etc. e não um mero contrato de arquitectura.
-- 35. Os RR. estimam em cerca de cem horas o tempo despendido em todas essas reuniões, trabalhos realizados, e-mails, telefonemas, pedidos de orçamentos, etc., etc..
-- 36. Para além disso, é evidente que a concretização da empreitada, orçada em mais de € 400.000,00, traria aos RR. um evidente lucro, sem prejuízo das variáveis que sempre podem ocorrer numa empreitada (atrasos, erros da responsabilidade do empreiteiro, acidentes, etc.).
-- 37. Ainda assim, com todas as vicissitudes que pudessem suceder na construção da moradia do A., um tal lucro nunca seria inferior a 10% do valor total da empreitada.
-- 38. Arrogando-se proprietário, com a ré mulher, do lote ...9.
-- 39. Convencidos de que o lote ...9 pertencia aos réus marido e mulher e que estes contruiriam uma moradia com materiais do mesmo tipo, incluindo designadamente os referidos pavimentos, caixilharia, betão aparente, foram sendo trocados alguns emails entre o A., a sua mulher e o casal réu, emails, esses, onde são feitas referências a caderno de encargos e mapa de quantidades.
-- 40. Sucedeu que as minutas de documentos que o casal réu enviou e que designou de caderno de encargos e mapa de quantidades não passaram de minutas de documentos genéricos, muito vagos, com especificações do tipo "standard", que andam de atelier em atelier em copy & paste, com diversos erros e imperfeições e, acima de tudo, em muito diferentes ao que havia sido referido ao A. marido e à sua mulher, nomeadamente no que respeita aos materiais a utilizar.
-- 41. Para grande espanto do A., a minuta de caderno de encargos que os RR. Entregaram respeitava a umas moradias que o A. tem conhecimento de que tinham sido projetadas pelos RR., sitas na freguesia ..., que valiam cerca de metade do preço da moradia que o A. queria edificar e que o R. marido referiu se comprometia a construir,
-- 42. Por se revelar manhosa, desonesta e de má-fé, a atuação dos RR. serviu de alerta ao A. para não confiar nem contratualizar com qualquer dos RR. uma empreitada de valor mais ou menos elevado. Quanto àquilo que apelidaram de “mapa de quantidades”, os RR., astuciosamente, remeteram uma minuta por preencher, que configurava uma vez mais um modelo de mapa de quantidades que normalmente circula de gabinete em gabinete e é remetido a potenciais clientes no âmbito pré-contratual.
-- 43. Para além disso, contrariamente à expetativa de negócio que os RR. criaram no A. marido e na sua mulher, estes foram surpreendidos com o facto de lote ...9 não pertencer aos RR., o que desde logo inviabilizaria o contrato misto ou inominado que falam, do tipo “chave-na-mão”.
-- 44. Confrontados com o facto do lote ...9 pertencer a terceiro, a sociedade B...1 - Promoção Imobiliária, Lda que, sob o argumento de ter mais interessados, fixou um prazo curto para a escritura, o A. e a sua mulher tiveram que negociar diretamente todas as condições do negócio com aquela sociedade, por ser a proprietária, condições que incluíam o preço a pagar, o que fizeram sem intermediação de quem quer que fosse, nomeadamente dos RR. Ou de outro intermediário, fazendo constar tal facto da escritura pública de compra e venda.
-- 45. Aliás, caso pretendessem, os RR. poderiam comprar ou ter prometido comprar o lote ...9 à verdadeira proprietária e revendê-lo ao A., podendo obter o lucro de € 20.000,00 ou qualquer outro, já que do objeto social da sociedade B... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA, se veio a apurar, faz parte a “compra e venda de bens imóveis e revenda dos mesmos adquiridos para esse fim”, o que não fizeram.
-- 46. Nunca, repita-se, nunca o A. ou a sua mulher solicitou nem contratualizou com os RR. Os serviços respeitantes a um contrato de empreitada, que nunca foi confirmado por sms.
-- 47. Ademais, jamais o A. ou a sua mulher encomendaram ou aceitaram um caderno de encargos ou mapa de quantidades dos RR., com vista à construção da sua moradia, pois, que, como resulta do que acima se disse, com as suas atuações os RR. Defraudaram a confiança que o A. e a sua mulher tinham formado acerca da habitação e, em concreto, da quantidade e do tipo dos materiais a utilizar.
-- 48. De resto, quando os RR. tentaram entregar ao Sr. II, numa deslocação que este fez ao escritório dos RR., a solicitação do A. marido, para proceder ao levantamento do aditamento ao projeto de arquitetura, um mapa de quantidades, habilidosamente e com o argumento de que a mulher do A. se “havia esquecido de levar” prontamente o A. devolveu esse documento, tendo também enviado um email, em resposta ao email remetido pela Ré mulher e junto com o doc. 15º da contestação / reconvenção, dando conta da sua insatisfação com o sucedido e refutando qualquer dívida que os reconvintes alegam como sendo do reconvindo A..
-- 49. O projeto de arquitetura que tinha apresentado na entidade camarária desrespeitava as instruções e os pedidos do A. marido e da sua mulher, em concreto quanto à disposição dos quartos, precipitando a entrega do projeto oposto ao idealizado e transmitido pelo A. e pela sua esposa, com o argumento de que iria de férias e assim, isto é, dando entrada do projeto tal qual se encontrava elaborado, antes de ir de férias, ganhariam tempo, comprometendo-se a apresentar um aditamento que respeitasse as instruções do A. e da sua mulher quando viesse de férias.

IV- Fundamentação de Direito

.1- Da nulidade da sentença

.a) - por ter condenado o autor no pagamento do que não fora objeto do pedido.

Em primeiro lugar o Recorrente invoca que a sentença é nula, porquanto os Reconvintes não pediram a condenação do autor no pagamento da quantia respeitante ao IVA devido pela elaboração das imagens 3D (no montante de 161,00 €) e a sentença condenou-o nesse pagamento.
Afirma que desta forma a sentença conheceu de questão que não podia conhecer.
No despacho que admitiu o recurso o tribunal a quo, sem fundamentar, limitou-se a afirmar que entende que se não verifica qualquer nulidade.
Vejamos: no pedido reconvencional os Réus pedem a condenação do Autor a pagar-lhes “€ 32.176,80 relativos aos trabalhos e serviços melhor relatados e detalhados nos artigos 90 e 91 e 93 a 99”, a saber: “elaboração do caderno de encargos e mapa de quantidades, no que ao terreno adquirido pelos RR. concerne, € 20.000,00 , a acrescer de IVA, num total de € 32.176,80” e ainda “A importância que venha a apurar-se ser necessária para os ressarcir de todos os danos alegados, a liquidar em momento posterior”.
Embora ao longo do articulado se queixem que os Autores não lhe pagaram o IVA sobre o valor dos desenhos em 3D (como no artigo 68º da contestação), efetivamente não o incluem no pedido, como acabámos de ver.
As nulidades da decisão são apenas as que estão taxativamente previstas no artigo 615º do Código de Processo Civil, (cf., entre muitos, quanto à taxatividade, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/20/2021, no processo 1544/16.8T8ALM.L1.S1, sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano).
Entre elas está prevista a tomada de conhecimento questões de que não se podia tomar conhecimento e a condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
O artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil, que se debruça sobre as questões a resolver na sentença, determina que se conheçam todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; por outro lado, impede a pronúncia sobre questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
As questões a que se refere esta norma, que o Arguente entende ter sido violada, são os assuntos de fundo, que integram a matéria decisória, os pontos relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções.
Ora, no presente caso, o tribunal conheceu de matéria que, apesar de ter sido alegada, não foi apresentada como causa de pedir da ação. O pedido de condenação em quantias pecuniárias englobava a retribuição de um conjunto de trabalhos ou serviços: a elaboração do caderno de encargos, do mapa de quantidades, a participação na transmissão do terreno, mas neste não foi abarcado o IVA referente às imagens 3D.
Em consequência, o conhecimento da fonte desta obrigação não foi pedida pelos Reconvintes, pelo que o tribunal não podia apreciá-la e decidi-la por sua exclusiva iniciativa, condenando a parte contrária no pagamento de uma obrigação que não foi objeto do pedido.
Assim, procede a arguida nulidade por excesso de pronúncia, a qual conduz tão só à eliminação desta condenação no decisório.

.b) Erro ou vício da decisão de facto, por contradição entre factos declarados provados e os declarados não provados

Invoca o Recorrente que os pontos 8 e 9 estão em contradição com o ponto 3 da matéria de facto não provada.
Diz o ponto 8 da matéria de facto provada: "8. Em dia que não pode precisar, mas que ocorreu num dos meses de junho ou julho de 2017, o Autor contratou os serviços do 1.º Réu, como arquiteto, e este, por seu lado, aceitou conceber os projetos de arquitetura e de especialidades, no que se incluíam todas as peças escritas e desenhadas, alterações e aditamentos exigidos pela legislação vigente, para aprovação e licenciamento pela câmara Municipal ... (doravante CM...) da construção de uma moradia para habitação familiar do autor e seu agregado familiar, na parcela de terreno identificada em 1º” (sublinhado do Recorrente). Escreveu-se no ponto 9 da matéria de facto provada: “O Autor e o 1.º Réu acordaram que a contrapartida devida ao 1.º Réu pela realização dos projetos de arquitetura e de especialidades em condições de serem aprovados e pelo subsequente licenciamento se cifraria no valor de 12.300,00 Euros (doze mil e trezentos euros), IVA incluído”.
Já no ponto --3 da matéria de facto não provada negou-se que se tivesse demonstrado que: “O 1º Réu vinculou-se a praticar a totalidade dos atos necessários e adequados para que todos os projetos exigidos viessem a ser aprovados e a construção da moradia licenciada pela câmara Municipal ...”.
Lidos estes pontos, verifica-se que os provados e o não provado versam sobre matéria diferenciada: o ponto 3 afirma que o Réu se obrigou a realizar todos os projetos exigidos (já não pela legislação), mas pelo autor. Não há, assim, qualquer contradição entre a prova dos dois mencionados factos 8 e 9 e a falta de prova do ponto --3.
Improcede este argumento.

.2- Da impugnação da matéria de facto com base na diferente avaliação dos elementos probatórios

Os Recorrentes pretendem que se dê como provado que “O projeto subscrito pelo 1º Réu, sem a respetiva aprovação camarária, não reveste qualquer interesse nem serve para o Autor.”, o que foi dado como não provado no ponto --8.
É muito duvidoso que a falta de interesse ou de utilidade de um projeto seja um facto e não uma conclusão que se retira de um conjunto de factos (e circunstâncias) que determinam que se passe a entender que naquela conjuntura a parte não tiraria proveito do projeto por ocorrência imputável à contraparte.
Os Recorrentes não pretendem que se atenda a que não pode ser executado um projeto que não tenha aprovação camarária (consideração de Direito, que não deve ser levada à matéria de facto provada), mas querem alastrar à totalidade do projeto executado pelo Autor a incompletude do projeto de alterações, por este último não ter tido aprovação camarária.
No entanto, há nitidamente ainda uma vertente factual no que os Recorrentes pretendem que seja levado à matéria de facto provada, pelo que se analisarão os meios de prova em que se fundam para tal desiderato.
Em primeiro lugar, como elemento demonstrativo deste facto, os Recorrentes apelam à a notificação judicial avulsa, a qual conjugam com as declarações de parte do Autor e da Interveniente Principal e com o depoimento de EE, arquiteta contratada pelo Autor.
Ora, da notificação judicial avulsa resulta tão só que que o Autor invocou o que nele escreveu, não a sua veracidade. Entende o mesmo que o facto de ter afirmado que o projeto de arquitetura “de nada serve(ia)” sem a necessária aprovação camarária o transforma num facto de que deu conhecimento.
No entanto, mesmo que se considerasse que, sem mais explicitações, a falta de interesse ou de utilidade de um projeto é um facto, não se vê porque é que a sua enunciação por escrito nesta notificação lhe possa dar mais credibilidade, nem o Autor o explica.
É certo que o Autor afirmou que se o projeto não fosse aprovado não lhe serviria para nada e que teve que contratar outro arquiteto. Mas não atende a que o primeiro projeto foi aprovado e foi a sua alteração, pedida posteriormente, que não sofreu a chancela municipal. Assim, não é possível imputar a falta de interesse pelo projeto inicial à falta de aprovação camarária da alteração do projeto, mas a momento anterior ao pedido de modificação do projeto.
A eventual falta de interesse dos Autores em relação a tal projeto inicial deve-se à posição geográfica dos quartos, a qual só teve o seu desacordo manifestado no pedido de alteração do projeto depois deste estar concluído e apresentado à câmara Municipal ....
Da mesma forma, também a interveniente principal diz que perdeu o interesse no projeto, mas não explica em que se traduziu ou o que causou tal perda de interesse. Salienta que “não havia condições psicológicas para aproveitar” o projeto, salientando discussão com o Réu. Afirmou que “o arquiteto não promoveu qualquer entendimento para que isso pudesse ser feito” e que este teria dito que “iria dificultar toda e qualquer ação que eu pudesse ter para levar aquele projeto a cabo”, mas não enunciou qualquer ato que aquele poderia levar a cabo para impedir a sua implementação.
A própria Arquiteta contratada a seguir ao Réu, a testemunha EE, acaba por reconhecer que era possível responder à questão da Câmara para a aprovação da questão, apenas tendo que disso dar conhecimento ao Réu (“comunicar ao outro arquiteto“).
Assim, tal como consta da sentença, há que ter em conta que “autora esclareceu que “não tentaram sequer aproveitar o projeto por causa do desgaste emocional”, apresentando “uma componente psicológica para a sua pouco compreensível opção de apresentar um novo projeto” e que a testemunha EE clarificou que “os meus clientes disseram-me que o projeto tinha sido indeferido e eles também não se davam com o arquiteto” e “quiseram mudar de projeto.”
A testemunha JJ foi também clara no sentido de ser muito simples a alteração do arquiteto para promover a retificação da alteração do projeto (a qual, como resulta do documento nº ... junto com a petição inicial, não apresentava dificuldade de maior, tanto mais que o projeto inicial tinha sido aprovado, como resulta do documento ...3 junto com a contestação).
Assim, não há qualquer razão objetiva ou racional para que se possa dizer que “O projeto subscrito pelo 1º Réu, sem a respetiva aprovação camarária, não reveste qualquer interesse nem serve para o Autor”, uma vez que o primeiro projeto foi aprovado e a sua alteração foi pedida já após aquele ter sido elaborado.
Apenas está em causa a alteração do projeto que foi peticionada após a sua elaboração. Mas, independentemente do incumprimento do Réu, também o realizado ainda poderia ser aproveitado, mediante a realização da retificação exigida pela câmara Municipal ....
Enfim, não é possível dar-se como provado o facto pretendido.

.3- Aplicação do Direito aos factos apurados

.a)- classificação dos acordos celebrados entre as partes

O Autor pretende que não foram celebrados dois contratos, mas somente um, de prestação de serviços de arquitetura. Esclarece que este se configura como um contrato de prestação de serviços inominado. Defende que a inércia do 1º e 3ª réus perante as solicitações do autor e a concessão, sem êxito, de prazo para reformular o projeto (prazo que correspondia ao dado pela câmara Municipal ...), desencadeou o direito do autor à resolução do contrato, nos termos gerais decorrentes dos artigos 801º, nº 1, 804º, nº 2, e 808º, nº 1, todos do Código Civil.
Observada a matéria de facto provada verifica-se que:
Quer a sentença, quer os Recorrentes, quer os Recorridos, em consonância com a jurisprudência e doutrina dominantes, com os quais se alinha, estão de acordo que o contrato pelo qual um arquiteto se obriga a efetuar projetos de arquitetura se configura como um contrato de prestação de serviços.
No rigor, o mesmo não se integra em nenhuma das três modalidades típicas do contrato de serviço tipificados no Código Civil (mandato, depósito e empreitada), pelo que se pode concluir que estamos perante um contrato de prestação de serviços atípico ou inominado.
Com efeito, tem sido assumido que como está em causa a realização de um trabalho intelectual e incorpóreo (embora possa necessitar de um suporte material ou documental, que com ele se não confunde), não pode ser caraterizado como um típico contrato de empreitada. No entanto, atenta a sua semelhança com a empreitada, nos casos em que o seu objeto mediato visa a realização de um edifício e o processo das negociações e cumprimento de desenrola de forma semelhante, em função da obra final, tem sido admitido que em alguns aspetos se lhe aplique o regime do contrato de empreitada “A propósito da aplicação subsidiária do regime do contrato de empreitada ao aludido contrato de arquitecto, escreve Baptista Machado na RLJ, Ano 118, p. 278 (de resto também citado no Acórdão acima aludido): “(…) não hesitaríamos em aplicar a este contrato, com as devidas adaptações, o regime do contrato de empreitada no que concerne à responsabilidade por defeitos da obra (…) como o regime do mesmo contrato relativo à impossibilidade de execução (art.º 1227) e à desistência do dono da obra (art.º 1229) (…)”,como se salienta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/11/2022 74181/17.8YIPRT.P1.S1.
Esta posição já havia, aliás, sido adotada pelo mesmo tribunal nos acórdãos de 04/24/2012, no processo 683/1997.L1.S1 e de 12/14/2016, no processo 492/10.0TBPTL.G2.S1.

No presente caso, o que o Recorrente discute é se se está perante o que se deve considerar com um só contrato ou perante dois contratos distintos e caso se considere que há um só contrato se a falta de resposta dos Réus ao oficiado pela Câmara Municipal relativamente à alteração do projeto inicial se traduz num incumprimento que justifica a resolução da totalidade do contrato, com a inerente restituição de tudo que foi prestado entre as partes.
É pela análise da matéria de facto provada que há que verificar se se está perante um único contrato ou perante dois e as consequências do incumprimento.
Para tanto há que atentar na sua formação (a expressão do encontro de vontades ocorreu uma vez ou houve diversos acordos que foram celebrados) e na intenção das partes (estas pretenderam que ficasse apenas um contrato a regê-los, alterando o primeiro contrato com a subsequente expressão de vontades, ou ao invés, mantiveram a unidade de cada contrato). Há também que ter em atenção o que visavam as partes com a celebração dos acordos e o que destes resulta.
Da matéria de facto provado decorre que, em junho ou julho de 2017, o autor contratou com o 1º Réu os serviços de arquiteto, aceitando este último conceber os projetos de arquitetura e de especialidades, alterações e aditamentos exigidos pela legislação vigente, para aprovação e licenciamento pela câmara Municipal ... da construção de uma moradia para habitação familiar, tendo sido estabelecida a contraprestação por tais serviços. (pontos 9 e 10).
O projeto foi elaborado, apresentado à câmara Municipal ... em 4 de agosto de 2017 e aprovado em 7 de novembro de 2017. O Autor pagou o valor acordado em 13 de novembro de 2017.
Encontramos, pois, aqui um contrato de prestação de serviços, que foi integralmente cumprido por ambas as partes.
No entanto, resulta também da matéria de facto provada que depois desse projeto ter sido apresentado na câmara Municipal ..., mas antes da sua aprovação e pagamento, os autores solicitaram ao réu que procedesse à sua alteração, tendo também sido acordado para o mesmo uma contrapartida autónoma, de 1.230,00 €, a qual foi paga pelos Autores em 24 de novembro de 2017.
Pretendem os Recorrentes que este acordo, pelo qual o Réu se obrigou a proceder a uma alteração do projeto, se traduz numa alteração do primeiro contrato, pelo que incumprimento por parte deste das obrigações decorrentes desta alteração do projeto, junto da Câmara Municipal, devem ter repercussões também na obrigação de pagamento do preço acordado para a realização do projeto original, o que fazem afirmando que se está perante um só contrato.
É certo que o objeto do segundo projeto é o primeiro projeto, mas tal não significa que não tenha existido um segundo acordo de vontades, autónomo, que deve ser considerado como um segundo contrato atento o momento em que foi celebrado. Nada na matéria de facto provada nos leva a concluir que pelo segundo contrato as partes quiseram alterar as cláusulas contratuais do primeiro; tão só que os Autores após a apresentação do projeto na câmara Municipal ..., pretenderam a sua alteração, celebrando novo contrato com o Réu, para obter tal desiderato, estabelecendo um preço autónomo para tais serviços de alteração do projeto inicial.
Tanto assim é que o primeiro acordo celebrado foi cumprido por ambas as partes, logrando os Réus apresentar o projeto de arquitetura que foi aprovado e tendo os Autores pago o preço acordado. Tendo o primeiro contrato sido cumprido e o segundo tido origem no findar da execução do primeiro, por consistir num pedido de alteração do objeto do primeiro, não se deve alargar a conexão entre os dois após a extinção do primeiro, pelo cumprimento, havendo que separar o seu destino. Embora o segundo contrato nasça na sequência do cumprimento do primeiro, o desenvolvimento de ambos não é paralelo, por não existir entre a vida de ambos um vínculo ou nexo funcional, sendo um subsequente ao outro no que toca ao seu cumprimento.
Assim, concorda-se com a posição tomada na sentença quando autonomiza o segundo acordo em relação ao primeiro, afirmando que estamos perante dois contratos e não só um.

.b) - Das consequências do incumprimento e da resolução do contrato.

O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei - art. 406º, n.º 1, do Código Civil.
A cessação dos efeitos negociais pode dar-se por resolução, que se funda na lei ou em convenção das partes (art. 432º a 434º do Código Civil).
Um dos fundamentos para a resolução previstos na lei é quando ocorra impossibilidade da prestação por culpa do devedor nos contratos bilaterais – artigo 801º do Código Civil.
Há duas situações em que a lei equipara a mora ao não cumprimento definitivo (considerando-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação): se o credor, em consequência do atraso no cumprimento, perder o interesse que tinha na prestação (perda de interesse que se tem que apreciar objetivamente e não em termos meramente subjetivos), ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor – artigo 808º Código Civil).
Como é sabido, às clássicas circunstâncias justificadoras da resolução do contrato previstas no artigo 808º do Código Civil, a jurisprudência e a doutrina (por imposição da realidade) acrescentam uma: quando por comportamentos inequívocos e concludentes o faltoso demonstre que não cumprirá a obrigação a que se vinculara. “Quando o devedor toma atitudes ou comportamentos que revelem inequivocamente, a intenção de não cumprir a prestação a que se obrigou, porque não quer ou não pode, o credor não tem de esperar pelo vencimento da obrigação (se ainda não ocorreu), não tem de alegar e provar a perda de interesse na prestação do devedor, nem o tem de interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação” – Ac STJ de 01/10/2012 no processo 25/09TBVCT.G1.S1, disponível no portal dgsi.pt.
A sentença, tal como os Recorrentes, entendem que “Não há dúvida que o réu atuou de uma forma ilícita e em clara violação do que tinha acordado com os autores. O réu tinha a obrigação de responder à CM... concluindo dessa forma o projeto de arquitetura.”
Não há, pois, dúvidas, que a recusa do Réu em reformular a alteração do projeto da arquitetura, fazendo chegar ao conhecimento do Autor que o não iria fazer (pontos 26 e 27 da matéria de facto provada) se traduzem num incumprimento definitivo desse (segundo) contrato, e justificam a resolução do contrato pela parte cumpridora com base em tal incumprimento, o que foi confirmado pela sentença.
A divergência dos Recorrentes restringe-se às consequências da resolução. Afirmam que a “alteração / aditamento ao projeto inicial de arquitetura, que de nada serviu os propósitos do autor e da interveniente sem a pretendida reformulação, optando o autor pela resolução do contrato, a qual encerra a destruição da relação contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado.”
Tem sido discutido se a resolução do contrato é compatível com a indemnização pelo interesse contratual positivo (pela qual se visa colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido), sendo defendido que, sem dúvida, a mesma é compatível com a indemnização pelo interesse contratual negativo (embora seja claro que é impossível cumular ambas as indemnizações, como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2020 no processo 15940/16.7T8LSB.L1.S1). Dado que os Recorrentes pretendem ressarcidos pelo interesse contratual negativo, não há necessidade de entrar naquela discussão, mas tão só verificar o que, neste caso concreto, deve ser abarcado por tal indemnização.
Com esta visa-se colocar o credor na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido concluído. Na sentença condenou-se o Réu a entregar o montante pago a título de honorários pela alteração do projeto, no valor de 1.230,00 €, despesa que obviamente os Autores não teriam tido caso não tivessem celebrado tal contrato.
No entanto, os Recorrentes pretendem que se considere que também devem ser indemnizados do valor pago no âmbito do primeiro contrato, visto que entendem que o primeiro e segundo acordo fazem um só contrato.
Como vimos, não se entende assim: o primeiro contrato foi totalmente cumprido por ambas as partes; o segundo acordo, teve como objeto o resultado da execução do primeiro contrato, mas não se confunde com ele, nomeadamente quanto ao momento da celebração, visto que tal pedido de alteração só foi peticionado pelos autores já após o Réu ter executados os atos a que se obrigara e entregue o projeto para aprovação pela Camara Municipal .... Até o preço acordado foi estipulado e pago de forma independente.
A falta de interesse nesse primeiro projeto, como vimos, não terá vindo da falta de aprovação camarária (visto que a obteve), nem de qualquer comportamento do Réu, mas da vontade de alterar a orientação cardeal dos quartos.
Assim, apenas há que colocar os Recorrentes na situação em que se encontrariam caso o contrato de alteração do projeto não tivesse sido celebrado, este sim incumprido pelo Réu, não na situação em que estariam caso não tivesse sido celebrado o primeiro contrato relativo à elaboração do projeto de arquitetura da habitação. Não se pode, pois, determinar a devolução os primeiros honorários pagos, nem do custo dos trabalhos inerentes, como as imagens de arquitetura 3D e respetivo levantamento topográfico, bem como das taxas pagas pela entrada no processo da câmara Municipal ... a estas respeitantes.
Por outro lado, a responsabilidade obrigacional, para operar, com a consequente atribuição da indemnização, exige o ilícito (contratual), a culpa (que se presume), o dano e uma relação de causalidade adequada entre o evento e o dano. Ora, a decisão de enviar a notificação judicial avulsa não é uma consequência natural do incumprimento da contraparte, mas um expediente opcional do autor na fase extra judicial, a que o credor voluntariamente resolveu recorrer. Assim, não é indemnizável nesta sede.

d) Da responsabilidade da 2ª ré

Embora sem citar qualquer norma, os Recorrentes afirmam ainda que a 2ª Ré deve também ser condenada, porquanto é casada com o 1º Réu e “vivendo ambos em economia comum e dos rendimentos que retiram da atividade de arquitetura e consultoria arquitetónica, que constitui o objeto da 3ª Ré, para fazer face aos encargos normais da vida familiar, entre eles não vigorando o regime da separação de bens.”
A legitimidade de qualquer um dos cônjuges para contrair dívidas sem o consentimento do outro é hoje inerente ao nosso direito – artigo 1690.º, n.º 1 do Código Civil. Porém, há dívidas que, assumidas por um só cônjuge, serão da responsabilidade de ambos os cônjuges, as quais são enunciadas no artigo 1691º do Código Civil. Na alínea a) do nº 1 encontram-se as dívidas contraídas por ambos os cônjuges ou por um deles com o consentimento do outro; na alínea b) as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos normais da vida familiar. Aqui tem-se em conta o padrão de vida do casal, abarcando as despesas com o regular sustento dos membros da família. Na alínea c) as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração e na alínea d), as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se for demonstrado que não foram contraídas em proveito comum do casal, ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens. Na alínea al. e), preveem-se as dívidas que onerem doações, heranças ou legados, quando os respetivos bens tenham ingressado no património comum.
Face á inexistente justificação normativa desta pretensão, para afastar a inserção deste caso em qualquer uma destas situações, basta salientar que não se pode considerar que se está perante um dívida contraída por ambos os cônjuges, visto que o contrato foi celebrado só com o primeiro réu (ponto 9 da matéria de facto provada), que não resulta da matéria de facto provada qual o fim do contrato (o ponto 5 da matéria de facto provada, reporta os “encargos normais da vida familiar”, aliás um conceito tipicamente de direito, ao objeto da 3ª Ré, não ao concreto contrato de que curamos) e que atendendo ao disposto no § 3 do artigo 464º do Código Comercial os atos inerentes ao exercício das profissões liberais não se equiparam ao exercício do comércio. Não se preencheu qualquer uma das hipóteses previstas no artigo 1691º nº 1 do Código Civil.
Enfim, o recurso procede no que toca à arguida nulidade, mas não no demais.

V- Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a presente apelação, e mantendo o decidido quanto ao pedido da ação, anulam parcialmente a sentença e
-- absolvem os Autores reconvindos de todos os pedidos reconvencionais.
Condenam-se Recorrentes e Recorridos nas custas da ação e do recurso na proporção do decaimento (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil).
Guimarães, 15-12-2022

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves