Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE TEIXEIRA | ||
Descritores: | REGIME EXTRAORDINÁRIO DE PROTECÇÃO DE DEVEDORES DE CRÉDITO À HABITAÇÃO EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/05/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I- A suspensão automática do processo de execução hipotecário relativo às dívidas decorrentes do crédito à habitação, no âmbito do regime extraordinário de proteção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil, (Lei 58/2012) apenas se poderá verificar se a instituição bancária mutuante deferir o requerimento do mutuário no sentido de ser abrangido por aquele regime.
II- E não cabe ao tribunal onde corre termos a execução hipotecária, sindicar o mérito da decisão de indeferimento da instituição de crédito no âmbito da Lei 58/2012, pois que, como decorre do seu art.º 39.º n.º 6, é para o Banco de Portugal que o mutuário/consumidor pode reclamar relativamente ao cumprimento do regime em causa, sem prejuízo das sanções previstas no art.º 36.º III- O “ato tácito” traduz-se, no direito administrativo, em poder interpretar-se para certos efeitos e em certas circunstâncias previstas na lei a passividade ou o silêncio de um órgão administrativo como significando o deferimento ou indeferimento de uma pretensão formulada pelo interessado, quando a Administração tem a obrigação de se pronunciar, com vista a proteger o interessado contra uma tal passividade. IV- Todavia, à omissão de resposta escrita e fundamentada, por parte da instituição bancária, ao requerimento do mutuário para aplicação Regime Extraordinário de proteção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil, não pode ser conferido o valor de deferimento tácito, pois que, atuando o banco no âmbito exercício da sua normal atividade, não pratica atos de prossecução de interesses públicos, que tornasse inadmissível que lhe fosse permitido não responder aos cidadãos, sem que estes tivessem forma de defender os seus direitos. | ||
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO.
Recorrente: V… Recorrido: Caixa… Tribunal Judicial de Fafe – 2º Juízo.
V…, executado nos autos executivos que correm como principais, instaurou contra a exequente Caixa… , a seguinte oposição à execução alegando, em sumula, o seguinte: O Executado encontra-se divorciado da sua mulher e numa situação económica difícil. Devido a este estado de coisas, e porque preenchia todos os requisitos legais, apresentou na exequente um requerimento para accionamento do Regime Extraordinário de Protecção de Devedores de Crédito à Habitação em Situação Económica Muito Difícil. A Exequente não emitiu qualquer resposta a tal requerimento pelo que se deve considerar que existe um deferimento tácito. Com o deferimento tácito existente, a Exequente fica impedida de promover a execução da hipoteca até que cesse a aplicação das medidas de protecção previstas na lei. Conclui defendendo que a execução deve ser suspensa. Notificada que foi a Exequente ofereceu contestação, na qual, em sumula, se pronunciou pela improcedência absoluta da presente oposição porquanto a interpretação jurídica que o oponente faz do regime legal em causa não se afigura correcta. Foi proferido despacho saneador e dispensou-se a selecção da matéria de facto controvertida. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, tendo sido proferida sentença que julgou a oposição totalmente improcedente. Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso o Opoente/Executado, de cujas alegações extraíram, em suma, as seguintes conclusões: “I. Vem o presente recurso da douta da sentença que julgou a oposição à execução totalmente improcedente por não provada, e em consequência, determinou o prosseguimento da execução. II. Ora, salvo o devido respeito o tribunal interpretou, erradamente, o regime jurídico em apreço. III. A lei 58/2012 de 9 de Novembro, veio estabelecer um regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica difícil em (Artº 1º) tendo para o efeito estabelecido um procedimento excepcional, relativamente a situações de incumprimento de contratos de mútuo celebrados no âmbito do sistema de concessão de crédito à habitação, quando o imóvel em causa seja a única habitação do agregado familiar e tenha sido objecto de contrato de mútuo com hipoteca. IV. A importância desta lei no actual momento resulta desde logo do facto de a lei ter tornado o regime imperativo para as instituições de crédito (artº 2º nº 4) que por tal razão desde que verificados os respectivos requisitos de aplicabilidade do estabelecido no regime em causa, se não podem escusar a despoletar os procedimentos e efeitos previstos legalmente, assim é que, no lado oposto a lei prescreve que se trata de um direito do mutuário, o direito à aplicação de uma ou várias modalidades de protecção em caso de eventual execução de hipoteca de imóvel. V. Dispõe o mesmo Artº 9º no nº 1 que «com a apresentação pelo mutuário do requerimento previsto no nº1 do Artº 8º e da documentação referida no nº 1 do Artº 6º a instituição de crédito mutuante fica impedida de promover a execução. VI. Ora, o prazo concedido ao mutuário para deduzir junto da entidade bancária pedido de aplicação do regime especial, designadamente, que vai até à venda executiva do imóvel só faz sentido se da mera apresentação do requerimento se puder retirar algum efeito processual, mormente, o de se não realizar a venda até que o procedimento tenha decisão. VII. De resto, a interpretação desta lei não pode ser restritiva em relação ao mutuário porque tal redundaria em violação dos fins legais de protecção do mesmo, fins bem patentes no teor do diploma em causa, que é imperativo para as entidades bancárias, impondo-lhes inclusive, a par de outros deveres, a apresentação ao requerente (verificados os demais requisitos) de uma restruturação do crédito, tudo com o fim de evitar precisamente que as execuções hipotecárias neste domínio do crédito à habitação terminem em venda do imóvel) e inibindo-as de promoverem execução logo que apresentado o requerimento. VIII. Deste modo, a interpretação razoável da lei, nesta parte, só pode ser uma, é a de que uma vez apresentado o requerimento junto da entidade bancária exequente, pelo executado, a requerer a aplicação do regime da lei 58/2012, antes da venda executiva, esta não poderá realizar-se sem que haja decisão sobre o mesmo, neste sentido, vide, Ac. da Relação de Lisboa, datado 21-11-2013, Proc. Nº 6576/11.0TBSXL-B.L1-8, disponível in www.dgsi.pt. IX. São requisitos cumulativos da aplicabilidade deste regime (art.º 4.º). Face, à prova documental, junta aos autos, designadamente, o requerimento que consta de fls. 9 e seguintes, o tribunal deveria ter incluído nos factos provados o preenchimento desses requisitos e não o fez. X. A alínea a) do Art. 3º, vem definir o conceito de agregado familiar, e na sua alínea ii) define como: “o conjunto constituído por pessoa solteira, viúva, divorciada ou separada judicialmente de pessoas e bens, seus ascendentes e descendentes em 1º grau ou afins, desde que com ela vivam em comunhão de mesa e habitação no mesmo domicilio fiscal” (Negrito e sublinhado nosso). XI. Ora, estando divorciado e não tendo dependentes a seu cargo. Apenas a pessoa do recorrente, deverá ser considerada como a única pessoa que compõe o seu agregado familiar. XII. Mesmo que assim, não se entenda, de sublinhar que este regime contempla a pessoa divorciada e aplica-se, igualmente, no caso de pelo menos um dos mutuários se encontre numa situação de desemprego (Cfr. Art. 5º, nº 1 a) e ponto 2 dos factos provados). XIII. Pelo que, andou mal, o tribunal a quo, ao entender que o diploma legal teria de forçosamente de incluir os dois mutuários. XIV. Acresce que, nos 15 dias após o recebimento do requerimento ou após a entrega dos documentos, se for posterior, a instituição de crédito deve comunicar ao mutuário, por escrito e de forma fundamentada, o resultado da verificação dos requisitos de aplicabilidade previstos nos artºs 4.º e 5.º e, consequentemente, o deferimento ou indeferimento do pedido de acesso ao regime estabelecido na Lei 58/2012. XV. O deferimento do acesso ao regime em causa tem como efeito constituir a instituição bancária de crédito na obrigação de apresentar ao mutuário uma proposta de plano de restruturação, suspendendo-se automaticamente o processo de execução hipotecário relativo às dívidas decorrentes do crédito à habitação, devendo a instituição bancária comunicar esse deferimento ao tribunal em que corre o processo de execução (cf. Art.º 9.º n.º 2). XVI. Sucede que, desse requerimento não houve qualquer resposta. XVII. Ora, salvo o devido respeito não cabia ao tribunal sindicar o mérito da decisão do banco exequente. XVIII. Não lhe cabia, analisar ou não o preenchimento dos requisitos da aplicabilidade deste regime extraordinário. XIX. Esta análise dos requisitos cabia sim, à instituição bancária em primeiro lugar e face a uma reclamação caberia em segundo lugar ao Banco de Portugal. XX. Pressupõe assim, a existência prévia de uma resposta, caso contrário, por que razão viria o legislador contemplar a possibilidade do Banco de Portugal, sancionar as instituições de crédito, nos casos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do Artigo 36º, e ainda, prever no seu nº 2 a negligência, por parte da instituição de crédito?! XXI. Conforme resulta do art.º 39.º n.º 6 da Lei 58/2012, compete ao Banco de Portugal sindicar o cumprimento, pelas instituições de crédito, do regime extraordinário em causa, decidindo das reclamações apresentadas pelos consumidores e associações que os representam, sem prejuízo das sanções previstas no art.º 36.º da Lei 58, caso as instituições de crédito recusem infundadamente o acesso dos mutuários que o requeiram e que reúnam todas as condições previstas nos art.ºs 4.º e 5.º em qualquer das modalidades do regime estabelecido na dita Lei (cfr. art.º 36.º). XXII. A recorrida não emitiu qualquer resposta ao referido requerimento, pelo que o tribunal a quo deveria ter concluído pelo deferimento tácito. XXIII. Efectivamente, é da competência do Banco de Portugal, o exercício dos poderes sancionatórios e de supervisão das instituições bancárias, designadamente, o incumprimento do regime estabelecido na Lei 58/2012, de acordo com a sua Lei Orgânica (Aprovada pela Lei nº 5/98, de 31 de Janeiro). XXIV. O Banco de Portugal é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio. XXV. Assim, dos actos praticados pelo Conselho de Administração e demais órgãos do Banco de Portugal ou por delegação sua, no exercício de funções públicas de autoridade, cabem os meios de recurso ou acção previstas na legislação própria do contencioso administrativo. XXVI. Pelo que, é o Banco de Portugal, o órgão competente para decidir do mérito da aplicação deste regime e sendo o contencioso administrativo o meio processual adequado, deverá aplicar-se o Código de Procedimento Administrativo e por maioria de razão, deverão aplicar-se as regras do deferimento tácito. XXVII. Resumindo, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva “ a omissão administrativa, para ser juridicamente relevante, implica que tenha havido um pedido do particular, apresentado ao órgão competente e com o dever legal de decidir, não tendo havido qualquer decisão dentro do prazo legalmente estabelecido”. XXVIII. Assim, andou mal o tribunal em decidir do mérito do preenchimento ou não dos requisitos legais tendentes à aplicação do regime legal previsto na Lei 58/2012, por incompetente materialmente para o efeito. XXIX. Pelo que, ao decidir-se pela forma constante da decisão “a quo” violaram-se, por erro de interpretação e aplicação, os artigos da 2º, 4º, 5º, 8º, 9º e 36º da Lei nº 58/2012. XXX. Assim, impõe-se, por isso, a revogação da sentença recorrida, declarando suspensa a presente execução hipotecária relativa às dívidas decorrentes do crédito à habitação até que cesse a aplicação das medidas de protecção previstas na Lei nº 58/2012”. * A Apelada apresentou contra-alegações, pugnado pela improcedência total da apelação. * Colhidos os vistos, cumpre decidir. * II- DO OBJECTO DO RECURSO. Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, temos como questões a resolver nos presentes autos: - Do preenchimento ou não dos requisitos legais tendentes à aplicação do regime legal previsto na Lei 58/2012. - Saber se a não comunicação escrita da exequente implica o deferimento tácito de aprovação do aludido regime legal, requerido pelo oponente. * III- FUNDAMENTAÇÃO. Fundamentação de facto. Na decisão sob recurso consideraram-se provados e não provados os seguintes factos: Factos provados. 1. Os executados estão divorciados desde 3 de Julho de 2008. 2. O executado encontra-se numa situação de desemprego. 3. O oponente apresentou junto do Balcão de Fafe, da instituição bancária, Caixa…, SA, a 4 de Dezembro de 2012, o requerimento que consta de fls. 9 e seguintes. 4. O património do requerente é constituído unicamente pelo bem imóvel penhorado. 5. A Exequente no exercício da sua actividade bancária emprestou ao Executado/Oponente e sua ex-mulher/Executada a quantia de €: 49.879,79 para aquisição da sua habitação permanente. 6. O Executado foi contactado pelos serviços do balcão da Oposta para uma renegociação da dívida, tendo sido alertado de que, para tal, teria que estar acompanhado da sua ex-mulher, igualmente Executada nos autos principais do processo agora em causa. 7. Apesar de tal explicação, o Executado/Oponente insistia numa renegociação do contrato somente a ser efectuada por si. 8. A exequente nunca respondeu por escrito ao requerimento apresentado pelo oponente, constante de fls. 9 e seguintes dos autos, mas informou verbalmente o executado de que o accionamento do regime extraordinário implicava a participação da sua ex-mulher. Factos não provados. a) O litígio entre os executados levou ao incumprimento da transacção e respectivo plano de pagamentos que o executado tinha acordado nos autos acima melhor identificados. b) Os executados tenham deixado de pagar as prestações por conta do contrato de mútuo, na constância do matrimónio de ambos. Fundamentação de direito. Como inequivocamente resulta, quer do teor do próprio requerimento de oposição à execução, quer do conteúdo das alegações de recurso, aquilo que o Opoente/Executado pretende, ao invocar a aplicação do Regime Extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil, nos termos e para os efeitos no previsto no Decreto nº 88/XII, de 21 de Setembro, publicado através da Lei nº 58/2012, de 9 de Novembro de 2012, é a suspensão automática do processo de execução hipotecário relativo às dívidas decorrentes do crédito à habitação. Em conformidade com o preceituado no artigo 2, nº 1, desta última Lei, “O regime estabelecido na presente lei aplica-se às situações de incumprimento de contratos de mútuo celebrados no âmbito do sistema de concessão de crédito à habitação destinado à aquisição, construção ou realização de obras de conservação e de beneficiação de habitação própria permanente de agregados familiares que se encontrem em situação económica muito difícil e apenas quando o imóvel em causa seja a única habitação do agregado familiar e tenha sido objecto de contrato de mútuo com hipoteca”, estipulando o nº 2, do mesmo preceito, que “o regime estabelecido na presente lei é imperativo para as instituições de crédito mutuantes, nos casos em que se encontrem cumulativamente preenchidos os requisitos previstos no artigo 4.º”. Considera o Recorrente ter andado ”mal o tribunal em decidir do mérito do preenchimento ou não dos requisitos legais tendentes à aplicação do regime legal previsto na Lei 58/2012, por incompetente materialmente para o efeito”, pois que, em seu entender, “o exercício dos poderes sancionatórios e de supervisão das instituições bancárias, é da competência do Banco de Portugal, designadamente, o incumprimento do regime estabelecido na Lei 58/2012, de acordo com a sua Lei Orgânica (Aprovada pela Lei nº 5/98, de 31 de Janeiro)”, e “dos actos praticados pelo Conselho de Administração e demais órgãos do Banco de Portugal ou por delegação sua, no exercício de funções públicas de autoridade, cabem os meios de recurso ou acção previstas na legislação própria do contencioso administrativo”. Entende, assim, o Recorrente, por um lado, que “não cabia ao tribunal sindicar o mérito da decisão do banco exequente, ou seja, analisar o preenchimento ou não dos requisitos da aplicabilidade deste regime extraordinário”, e, por outro, que em face da ausência de reposta escrita e fundamentada, nos termos legalmente prescritos, ao requerimento que apresentou pedindo a aplicação do aludido Regime Extraordinário de protecção, por parte da Exequente, deveria o tribunal a quo ter concluído pelo seu deferimento tácito. Ora, começaremos por referir que, de facto, embora não concordando inteiramente com a abordagem levada a efeito pelo Recorrente, também se nos afigura que o modo como o tribunal a quo tratou, em termos de qualificação e integração jurídica, a questão submetida à sua apreciação, não terá sido, quer do ponto de vista formal, que da perspectiva substancial, a mais correcta. Na verdade, em concordância com a opinião expendida pelo Recorrente, temos também como assente que, efectivamente, não incumbia ao tribunal a quo, como também não cabe a este, sindicar o mérito da decisão do banco exequente, mas tão só decidir se deve ou não suspender-se automaticamente a execução a que respeita a presente oposição, dependendo esta suspensão da execução, do deferimento, por parte da instituição de crédito, do acesso do oponente, ao regime estabelecido na Lei 58/2012 - art.º 9.º. Todavia, o que se não pode esquecer é que a resolução desta questão passa, e tem como subjacente, a de indagar e esclarecer se, realmente, o Executado beneficia, ou pode, ou não, vir a beneficiar, do aludido Regime Extraordinário, pois que, como evidente resulta, não poderá operar o pretendido efeito suspensivo da execução, uma vez que tenha sido indeferido, pelo banco exequente o pedido do executado no sentido de beneficiar do Regime Extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil. Assim, sobre o Executado impendia apenas o ónus de alegar e demonstrar ter já efectuado esse pedido, com sucesso, ou, pelo menos, de que um tal pedido, já realizado, corria os seus normais termos, aguardando ainda resposta por parte da instituição bancária competente. Isto assente, vejamos então em que alicerçou o Executado a oposição que deduziu à execução. Ora, como supra se referiu, fundamento e, em síntese, alegou o Executado que se encontra divorciado da sua mulher e numa situação económica difícil, sendo que, devido a este estado de coisas, e porque preenchia todos os requisitos legais, apresentou na exequente um requerimento para accionamento do Regime Extraordinário de Protecção de Devedores de Crédito à Habitação em Situação Económica Muito Difícil. Sucede que a Exequente não emitiu qualquer resposta a tal requerimento razão por que, em seu entender, se deve considerar que existe um deferimento tácito, ficando, por isso, impedida de promover a execução da hipoteca até que cesse a aplicação das medidas de protecção previstas na lei. Daqui resulta que, como se deixou já dito, aquilo que se pretendeu submeter a apreciação do tribunal, através da dedução da oposição, foi o aquilatar da relevância jurídica do comportamento da Exequente – alegada e comprovadamente omissivo - em face do pedido de acesso ao Regime Extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação, que lhe foi efectuado pelo Executado, no sentido de ficar esclarecido se se podia entender que, em razão e por decorrência dessa omissão, se poderia considerar ter sido tacitamente deferido esse seu pedido, beneficiando ele, por consequência, desse regime, e, por decorrência, da suspensão da execução, até aplicação das aludidas medidas. E, assim sendo, efectivamente, a questão que ao tribunal foi submetida e que por ele deveria ter sido apreciada não se subsumia ou consistia na análise do mérito de eventual decisão proferida pelo Exequente, mas tão só na de saber se o Executado podia ou não beneficiar do aludido Regime Extraordinário. Na verdade, o efeito de suspensão de uma execução já instaurada, como se pretende seja decretada no presente caso, apenas pode ser obtido através da invocação e demonstração de que já beneficia do mencionado Regime, ou, pelo menos, de que já procedeu à formulação do pedido, que ainda aguarda decisão, da aplicabilidade do aludido Regime Extraordinário, não impendendo sobre o executado o ónus de alegar e proceder à subsequente demonstração judicial de todos os pressuposto de que depende a aplicabilidade de um tal regime, pois que, ao tribunal comum apenas compete a extracção de ilações de cariz processual - determinar a suspensão da instância até que cesse a aplicação das medidas de protecção - com relação a acções executivas em curso em que esteja em causa a cobrança de créditos desta natureza, e não, ou também, analisar se se verificam ou não os respectivos requisitos de concessão desse mesmo regime extraordinário de protecção. Assente o exposto, passemos então à análise da regulamentação ou do concreto regime extraordinário de protecção. Para acesso a esse regime, o mutuário que entenda reunir as respectivas condições de aplicabilidade deverá iniciar com a apresentação de requerimento junto da instituição de crédito que lhe concedeu o empréstimo, fazendo a devida prova documental demonstrativa de que satisfaz os critérios legais exigidos no diploma – artigo 8, nº 1, da referida Lei. Tal requerimento, como resulta do artigo 8º, nº 2, da mesma Lei, deverá ser apresentado pelo mutuário, até ao final do prazo para a oposição à execução hipotecária que esteja pendente em Tribunal ou até à venda executiva do imóvel, tendo como efeito impedir que a instituição de crédito promova a execução da hipoteca até que cesse a aplicação das medidas de protecção que venham a ser aplicadas - artigo 9º, nº 1. Após a entrega do requerimento junto da instituição de crédito, tem esta 15 dias para se pronunciar sobre o resultado da verificação dos requisitos de aplicabilidade das medidas de protecção, devendo essa comunicação ser efectuada por escrito e de forma fundamentada (artigo 8º, nº 3). Se a instituição de crédito entender que é presumivelmente viável o cumprimento por parte do mutuário, apresentará um plano de recuperação com uma ou várias das medidas constantes dos artigos 10º a 14º. Após a apresentação ao mutuário da proposta de plano de recuperação, a instituição de crédito e o mutuário dispõem, nos termos do nº 1 do artigo 16º, de 30 dias para negociar e acordar alterações a essa proposta do plano de reestruturação. Se o mutuário recusar ou não formalizar uma proposta de plano de reestruturação apresentada pela instituição de crédito e cujo cumprimento se presuma viável, o mutuário perderá o direito à aplicação das medidas substitutivas, excepto se a instituição de crédito mantiver a intenção de as aplicar. Sucede, porém, que pode haver lugar à aplicação de medidas substitutivas da execução hipotecária, sempre que o mutuário esteja abrangido pelo regime estabelecido na Lei nº 58/2012 e se verifique alguma das situações previstas no nº 1 do seu artigo 20º, designadamente se a instituição de crédito tiver comunicado ao mutuário a opção de não apresentar uma proposta de plano de reestruturação, elencando o nº 2 do citado normativo as situações em que a instituição de crédito pode recusar as medidas substitutivas. Ora, estabelecendo-se no artigo 8º, da mencionada Lei, que o mutuário, para aceder ao regime nela previsto, deverá dar entrada do requerimento junto da instituição de crédito até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca do crédito à habitação, caso não tenha havido lugar a reclamação de créditos por outros credores, dessa actuação procedimental decorrerão, necessariamente, efeitos processuais no que concerne à execução pendente. Temos assim que, uma vez demonstrada que seja, pelo mutuário/executado, a apresentação do requerimento junto da instituição de crédito (exequente na acção executiva), como efeito necessário decorrerá a suspensão da instância executiva, não podendo ser realizada a venda até que haja decisão da instituição de crédito, por escrito e fundamentada, sob pena de, se assim se não entender, ficar o regime decorrente da Lei nº 58/12 completamente esvaziado de conteúdo, redundando em violação dos fins ínsitos na aludida lei que visa a protecção do mutuário em situação económica muito difícil e que, como supra se realçou, é imperativa para as instituições de crédito, inibindo-as de promoverem a execução e obstaculizando à realização da venda do imóvel hipotecado. Destarte, e sem mais, como forçosa se impõe a conclusão de que, conforme se refere no acórdão da Relação do Porto, de 12/03/2014, “a existência de uma evidente interdependência entre o regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil e a execução hipotecária pendente em Tribunal, torna exigível que, para assegurar a eficácia deste regime excepcional, o julgador, logo que tenha conhecimento da pretensão do mutuário/executado de aceder ao aludido regime junto do banco/exequente, determine a suspensão da instância executiva, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 272º do NCPC, por se tratar de “um motivo justificado”, suspensão que se manterá até ao final das negociações previstas na Lei nº 58/2012, e observe um controlo efectivo dessas negociações e das razões do seu eventual fracasso, se tal assim vier a ocorrer, só então podendo ser ordenada a cessação da suspensão da instância executiva”.[1] No entanto, sendo este o processo a seguir, em conformidade com o que resulta do art.º 39.º, n.º 6, da Lei 58/2012, compete ao Banco de Portugal sindicar o cumprimento, pelas instituições de crédito, do regime extraordinário em causa, decidindo das reclamações apresentadas pelos consumidores e associações que os representam, sem prejuízo das sanções previstas no art.º 36.º da Lei 58, caso as instituições de crédito recusem infundadamente o acesso dos mutuários que o requeiram e que reúnam todas as condições previstas nos art.ºs 4.º e 5.º em qualquer das modalidades do regime estabelecido na dita Lei (cfr. art.º 36.º). Ora, na presente situação, não reconhecendo competência material ao tribunal comum para “decidir do mérito do preenchimento ou não dos requisitos legais tendentes à aplicação do regime legal previsto na Lei 58/2012”, pretende, no entanto, o Recorrente, que o mesmo e “incompetente” tribunal, considere ter havido um deferimento tácito do pedido de acesso ao Regime Extraordinário, sem curar de saber, por não o poder fazer, se se verificam ou não os respectivos pressupostos. E, salvo o devido respeito, em nosso entender, de facto, se não compete ao tribunal decidir da primeira, também se nos não suscitam quaisquer dúvidas de que, de modo algum poderá considerar verificada a segunda das referidas situações. Com efeito, perante a demonstrada omissão de resposta escrita e fundamentada, dentro do prazo legalmente previsto, sobre o resultado da verificação dos requisitos de aplicabilidade das medidas de protecção, por parte do Exequente, ao requerimento por si apresentado, e, designadamente, em face das informações verbais, prestadas pela Exequente, tendentes a explicar essa omissão com o facto de entender que o accionamento do regime extraordinário implicava a participação da sua ex-mulher, o que o Executado deveria ter feito era, ou fazer intervir a ex-esposa, ou, discordando da posição da Exequente quanto à necessidade dessa intervenção, em utilização dos mecanismos processuais ao seu dispor, apresentar reclamação para o Banco de Portugal, por recusa infundada de acesso ao regime estabelecido na Lei nº 58/2012. Defende o Recorrente, no entanto, que, a falta de resposta escrita e fundamentada da exequente deve ser interpretada como um deferimento tácito. E, em sustentação desta sua tese, alega ser da competência do Banco de Portugal, o exercício dos poderes sancionatórios e de supervisão das instituições bancárias, designadamente, o incumprimento do regime estabelecido na Lei 58/2012, pelo que, sendo este Banco uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, aos actos do seu Conselho de Administração e demais órgãos do Banco de Portugal ou por delegação sua, “no exercício de funções públicas de autoridade”, cabem os meios de recurso ou acção previstas na legislação própria do contencioso administrativo, razão pela qual, enquanto órgão competente para decidir do mérito da aplicação deste regime e sendo o contencioso administrativo o meio processual adequado, deverá aplicar-se o Código de Procedimento Administrativo e por maioria de razão, deverão aplicar-se as regras do deferimento tácito. Certo que em conformidade com o disposto, no artigo 268º, nºs 4) e 5), da Constituição da República Portuguesa, é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas. Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa que sejam lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. E, perante este quadro constitucional, o legislador português teve de conformar o sistema legal de modo ao particular ver garantidos os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, sendo nesse âmbito que se aparece e se inscreve o acto tácito. Assim, e de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), o “acto tácito” no direito administrativo traduz-se em poder interpretar-se para certos efeitos e em certas circunstâncias previstas na lei a passividade ou o silêncio de um órgão administrativo como significando o deferimento ou indeferimento de uma pretensão formulada pelo interessado, quando a Administração tem a obrigação de se pronunciar, com vista a proteger o interessado contra uma tal passividade.[2] Sucede no entanto e cumprirá realçar que, quem omitiu a resposta, “por escrito e de forma fundamentada“, foi a Exequente, Caixa Económica Montepio Geral, no âmbito exercício da sua normal actividade que, e contrariamente do que sucede com o Banco de Portugal, não pratica actos “no exercício de funções públicas de autoridade”, ou seja, no exercício de um actividade de administração pública, de prossecução de interesses públicos que lhe tenham sido cometidos, que tornasse inadmissível que lhe fosse permitido não responder aos cidadãos, sem que estes tivessem forma de defender os seus direitos. E se inequivocamente isto assim é, convirá, por outro lado realçar que, fora do âmbito da actividade da administração pública, com excepção das hipóteses previstas no artigo 218, do C. Civil, o silêncio não tem qualquer valor jurídico, não valendo como aceitação, nomeadamente, não são admissíveis, neste domínio, as presunções do julgador (presumptiones hominis), pelo que, não valendo aqui o silêncio como aceitação, obviamente, não se pode verificar o deferimento tácito. Na verdade, do teor deste último preceito, no qual se prescreve que “o silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção”, extrai-se de modo evidente “a regra de que o silêncio não vale como declaração, nada significa, salvo se por lei, uso ou convenção lhe for atribuído determinado significado negocial”[3]. Destarte, de tudo o acabado de expender, decorre, assim, que, realmente, o Executado logrou demonstrar ter efectuado o pedido de acesso ao Regime Extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação, bem como, que a Exequente omitiu resposta formalmente adequada, nos termos legalmente consagrados, já que o não fez por escrito e fundadamente. Contudo, o certo é que, não obstante essa omissão de resposta formal, e pese embora o tenha feito por meios e em moldes formalmente inadequados - dado que o fez verbalmente -, tendo a Exequente comunicado ao Executado o indeferimento, ou, pelo menos, as razões porque, dadas as circunstâncias e os termos em que foi efectuado, não concebia deferir o seu pedido – já que o informou de que para o accionamento do regime se tornava necessária a intervenção da sua ex-esposa, deixando, assim, em aberto, todas as possibilidades, e, portanto, até a de eventualmente, e uma vez regularizada a intervenção, vir a deferir esse pedido - aquele último, no entanto, perante esta informação, nada fez, ou seja, não provocou a intervenção da ex-esposa, nem apresentou qualquer reclamação para a entidade competente desse indeferimento. E assim sendo, porque não beneficia do aludido Regime Extraordinário, nem tem pendente qualquer pedido com vista a concretizar esse objectivo, que se encontre a aguardar decisão, inequivocamente resulta igualmente que não poderá o Opoente/Executado beneficiar da suspensão automática do processo de execução hipotecário relativo às dívidas decorrentes do crédito à habitação, decorrente da aplicação desse regime, consagrado na Lei 58/2012 de 9 de Novembro, ou, mais concretamente, previsto no respectivo artigo 9, n º2), alínea b), dessa mesma Lei. Improcede, assim, a presente apelação.
Sumário – artigo 663, nº 7, do C.P.C.. I- A suspensão automática do processo de execução hipotecário relativo às dívidas decorrentes do crédito à habitação, no âmbito do regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil, (Lei 58/2012) apenas se poderá verificar se a instituição bancária mutuante deferir o requerimento do mutuário no sentido de ser abrangido por aquele regime. II- E não cabe ao tribunal onde corre termos a execução hipotecária, sindicar o mérito da decisão de indeferimento da instituição de crédito no âmbito da Lei 58/2012, pois que, como decorre do seu art.º 39.º n.º 6, é para o Banco de Portugal que o mutuário/consumidor pode reclamar relativamente ao cumprimento do regime em causa, sem prejuízo das sanções previstas no art.º 36.º III- O “acto tácito” traduz-se, no direito administrativo, em poder interpretar-se para certos efeitos e em certas circunstâncias previstas na lei a passividade ou o silêncio de um órgão administrativo como significando o deferimento ou indeferimento de uma pretensão formulada pelo interessado, quando a Administração tem a obrigação de se pronunciar, com vista a proteger o interessado contra uma tal passividade. IV- Todavia, à omissão de resposta escrita e fundamentada, por parte da instituição bancária, ao requerimento do mutuário para aplicação Regime Extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil, não pode ser conferido o valor de deferimento tácito, pois que, actuando o banco no âmbito exercício da sua normal actividade, não pratica actos de prossecução de interesses públicos, que tornasse inadmissível que lhe fosse permitido não responder aos cidadãos, sem que estes tivessem forma de defender os seus direitos.
IV- DECISÃO. Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, mantendo-se, por consequência, e na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante. Guimarães, 05/06/2014 Jorge Teixeira Manuel Bargado Helena Melo _______________ [1] Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 20/03/2014, processo 1903/11.2TBMTJ-B.L1-2, www.dgsi.pt. [2] Cfr. STA, acórdão de 11.01.2005, processo nº 0560/04 e acórdão de 14.03.2006, processo nº 0762/05, ambos inwww.dgsi.pt. [3] Cfr. Acórdão do S.T.J., de 6/05/1998, C.J./STJ, 1998, 2º Vol., pg. 72. |