Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4809/19.3T8VNF.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: INSOLVÊNCIA
CRÉDITOS EMERGENTES DE DESPEDIMENTO
ENCERRAMENTO DO PROCESSO
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Ao abrigo do disposto no artigo 5 n.º 1 e 2 do Anexo ao DL.59/2015, de 21/04, não é exigível uma decisão judicial para comprovar os créditos emergentes de um despedimento laboral, quando sejam reclamados e reconhecidos no processo de insolvência.
II. A interpretação destas normas, que levou à conclusão plasmado no ponto 1, não é inconstitucional por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 3º da CRP.
III. O encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente não impede o apelante de requerer, perante o Fundo de Garantia Salarial, o seu crédito reclamado e reconhecido no processo de insolvência nem a interpretação das normas em que o tribunal se fundamentou viola o princípio da legalidade nem o do acesso ao direito.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães (1)

J. C. requereu a insolvência de F. C. Lda., que, devidamente citada, não contestou, sendo declarada insolvente a 9/10/2019, ao abrigo do disposto no artigo 20 n.º 1 al. b) do CIRE.

A 5/12/2019 foi realizada uma assembleia de credores para apreciação do relatório do AI ao abrigo do disposto no artigo 156 do CIRE, onde este, face ao teor do relatório, defendeu o encerramento do processo por insuficiência da massa.

O requerente, no uso da palavra, opôs-se ao encerramento do processo porque reclamou créditos que envolvem uma indemnização por ilicitude do despedimento e por antiguidade em função da transmissão de estabelecimento fabril, o que, de acordo com o disposto no artigo 389 do Código de Trabalho, estas questões necessitam de ser reconhecidas judicialmente, para que o Fundo de Garantia Salarial pague estes créditos reclamados, pelo que se impõe que o AI apresente a Lista definitiva de créditos nos termos do artigo 129 do CIRE para ser homologada por sentença.

O MP opôs-se à pretensão requerida, alegando, em síntese, que os elementos que constam dos autos são suficientes para o reconhecimento judicial dos créditos reclamados.

O AI comprometeu-se, em 5 dias, a juntar aos autos a Lista a que se refere o artigo 129 do CIRE e a proceder ao envio da certidão onde conste o crédito reconhecido ao credor/requerente J. C..

Oportunamente foi proferida decisão que declarou encerrado o processo por insuficiência da massa insolvente, julgando que não era justificável a continuação do processo para que se proferisse decisão homologatória do crédito reclamado e reconhecido porque o DL. 59/2015 de 24/04, que revogou os artigos 316 a 326 da Lei 35/2004 de 29/07, não exige decisão judicial para o pagamento dos créditos reclamados por parte do Fundo de Garantia Salarial, e não foi depositada qualquer quantia para garantia das custas, e a sua continuação com o propósito exclusivo de ser proferida decisão judicial de reconhecimento dos créditos reclamados tornar-se-ia num ato processual inútil, proibido por lei.

Inconformado com o decidido, o requerente interpôs recurso de apelação, formulando conclusões, de que ressaltam as seguintes questões:

1. Se é necessária, no processo de insolvência, uma sentença a definir os créditos reclamados por um trabalhador, emergentes de um despedimento, para os reclamar no Fundo de Garantia Salarial.
2. Se é inconstitucional a interpretação do artigo 5º n.º 2 als. a), b) e c) do DL. 59/2015 de 21/04 que substitui a imposição do artigo 389 do Código do Trabalho, por violação do princípio da legalidade previsto no artigo 3º da CRP.
3. Se é inconstitucional a interpretação do artigo 230 n.º 1 al. d), 232 n.º 2 e 233 n.º 2 do CIRE que permite o encerramento do processo por insuficiência da massa sem que seja permitido o reconhecimento judicial da ilicitude do despedimento e a consequente indemnização por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 3º da CRP.
4. E se viola o direito constitucional de aceder à justiça consagrado no artigo 20 da CRP.
5. Se a decisão recorrida veda ao recorrente o acesso à justiça quando invoca que não foi depositada, por este, qualquer quantia para suportar as custas, uma vez que não tem capacidade financeira como decorre do litigar com isenção de custas.

Damos como assente a facticidade acima relatada e consignamos a decisão recorrida:

“O requerente J. C. veio em assembleia de credores para apreciação do relatório opor-se ao encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente alegando ser ex-trabalhador da insolvente e reclamar créditos laborais na insolvência, entre os quais, a indemnização pela ilicitude do despedimento, invocando a antiguidade em função de uma transmissão do estabelecimento.
Entende o requerente que, por força das disposições previstas no Código do Trabalho as duas questões supra referidas necessitariam de ser reconhecidas judicialmente.
Mais alega que de acordo com acórdão uniformizador de jurisprudência face à insolvência do empregador, o trabalhador encontra-se impedido de intentar a respetiva ação no tribunal do trabalho uma vez que as questões relativas à relação contratual laboral passam a ser dirimidas no âmbito do processo de insolvência da empregadora.
Para além disso, o Fundo de Garantia Salarial apenas procede ao pagamento dos créditos reclamados, no que toca à indemnização por despedimento ilícito e à antiguidade, desde que a mesma se encontre reconhecida judicialmente.
Pelo que pede que antes de proceder ao encerramento do processo o senhor administrador apresente a lista de créditos definitiva nos termos do artigo 129º CIRE, devendo a mesma ser homologada por sentença.
Dada a palavra ao outro credor presente, o Ministério Público, veio pugnar pelo indeferimento da pretensão do requerente por entender estarem reunidos todos os pressupostos para que o credor requerente da insolvência possa fazer valer os seus direitos junto do Fundo de Garantia Salarial por ter sido o próprio que optou por requerer a insolvência e não por intentar a ação no juízo do trabalho, pelo facto de que a sentença de declaração de insolvência julga confessados todos os factos alegados pelo credor, e, como tal, a sua pretensão manifestada na petição inicial mostra-se inteiramente reconhecida judicialmente, e a homologação da lista do artigo 129º nº1 e 2 CIRE apenas será necessária quando tenham existido impugnações por os créditos reclamados terem sido reconhecidos de forma diversa, o que não acontece no caso pois o crédito reclamado foi inteiramente reconhecido judicialmente.
De seguida, o senhor administrador declarou que iria juntar dentro de 5 dias a lista a lista a que se refere o artigo 129º CIRE, bem como a certidão onde conste o crédito reconhecido ao aqui requerente, acompanhada do requerimento a ser entregue no Fundo de Garantia Salarial.
O requerente ainda juntou, posteriormente à realização da assembleia, documentos comprovativos de que o conselho de gestão do Fundo de Garantia Salarial exige o reconhecimento por sentença judicial.

Cumpre decidir.

Dispõe o artigo 336º do Código do Trabalho que: “O pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica”.

Esta matéria específica do Fundo de Garantia Salarial, que se encontrava regulada na Lei 35/2004 de 29-7, nos artigos 317º a 326º, foi revogada pela entrada em vigor do DL 59/2015 de 21-4, que aprovou o novo regime do Fundo de Garantia Salarial. O artigo 5º, nº2 do referido DL prevê expressamente que o Fundo efetua o pagamento dos créditos mediante requerimento do trabalhador que é instruído com (alínea a) declaração de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador emitido pelo administrador de insolvência ou (alínea b) declaração comprovativa da natureza e dos montantes dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, emitida pelo empregador ou ( alínea c) declaração de igual teor emitida pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, quando não seja possível obtenção dos documentos previstos nas alíneas anteriores”.

O trabalhador, não carece, assim, por lei, obrigatoriamente, de qualquer sentença para beneficiar do acesso ao Fundo. Como se afere da leitura da alínea c) acima referida, não havendo possibilidade de se obter declaração autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, tem de diligenciar pela obtenção dessa declaração junto da autoridade administrativa competente.
Pelo que os autos não podem prosseguir com o único intuito de conseguir para o trabalhador uma sentença para entregar junto do Fundo de Garantia Salarial. Não visando tal sentença de verificação e graduação de créditos qualquer finalidade intra-processual, pois a massa insolvente não tem suficiência nem sequer para pagar as custas do processo, proferi-la constituiria um ato processualmente inútil, que está vedado em processo civil- artigo 130º do CPC aplicável por força do artigo 17º CIRE.
Assim sendo, entendemos que com o encerramento dos autos não se viola o direito do requerente a obter do Fundo de Garantia Salarial a indemnização por despedimento que pretende pedir entregando junto do Fundo de garantia Salarial a declaração emitida pelo senhor administrador de insolvência ou mesmo solicitando a obtenção dessa declaração junto da autoridade administrativa competente.
Pelo exposto, indefiro o requerido, passando de imediato a proferir sentença de encerramento dos autos por insuficiência da massa insolvente.

# SENTENÇA
Nos termos do disposto no artigo 232º nº 2 do CIRE, tendo o administrador da insolvência dado conhecimento da insuficiência da massa insolvente ao Tribunal e ouvidos o devedor e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se ocorrer a circunstância prevista na parte final desta norma, ou seja, se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado como necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.

No caso em apreço, tal circunstância não se verifica, havendo elementos que permitem constatar que a massa insolvente é insuficiente para satisfazer as custas do processo e as demais dívidas da massa insolvente pois não existem quaisquer bens ou direitos que possam ser apreendidos para a massa insolvente, conforme parecer da senhora administradora.

Cumpridas as notificações do nº 2 do art. 232º do CIRE, nenhuma oposição foi deduzida, a não ser a adrede decidida.

Pelo exposto, nos termos conjugados dos artigos 230º, nº 1, d), 232º, nº 2, e 233º, nº 1, do CIRE, declaro encerrado o processo de insolvência da F. C., Lda.
Registe e Notifique. Cumpra o disposto no artigo 230º, nº2 CIRE. Valor: €5.000,01.

De acordo com o disposto no art.º 230.º, n.º 2 do CIRE, indicando a causa do encerramento do processo:

- notifique os credores, os insolventes e o Ministério Público - art.º 37.º, n.º 2 do CIRE; - afixe editas e publique anúncio no portal 3- art.º 37.º, n.os 7 e 8 do CIRE;
- remeta certidão à Conservatória do Registo Civil, registe no registo informático de execuções e na página informática do tribunal e comunique ao Banco de Portugal - art.º 38.º,nºs 2, alínea b) e 6, alíneas a), b) e c), todos do CIRE.
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Notifique a Sra. Administradora de insolvência para dar cumprimento ao disposto no artigo 233º, nº 5, do CIRE.
#

De harmonia com o disposto no artigo 233º, nº 6 do C.I.R.E., na redação aprovada pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, declaro o caráter fortuito desta insolvência.
Registe e notifique.”

Vamos conhecer das questões enunciadas.

1.Se é necessária, no processo de insolvência, uma sentença a definir os créditos reclamados por um trabalhador, emergentes de um despedimento, para os reclamar no Fundo de Garantia Salarial.

O tribunal recorrido argumentou no sentido de que o artigo 5º n.º 2 do anexo do DL. 59/2015 de 21/04 não exige uma sentença para a instrução do requerimento a pedir os créditos do trabalhador/requerente.

O apelante discorda e defende que é necessária uma decisão judicial que certifique os créditos emergentes da ilicitude do despedimento alegados e reclamados, sob pena de o Fundo de Garantia Salarial não os pagar.

A questão incide sobre a interpretação do mencionado normativo que refere o seguinte:

“1 — O Fundo efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual constam, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador e a discriminação dos créditos objeto do pedido.
2 — O requerimento é instruído, consoante as situações, com os seguintes documentos:
a) Declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório;
b) Declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída, emitida pelo empregador;
c) Declaração de igual teor, emitida pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área do emprego, quando não seja possível obtenção dos documentos previstos nas alíneas anteriores.”

O requerente de créditos emergentes do contrato de trabalho, quando tenha havido uma declaração judicial de insolvência da sua entidade patronal, terá de apresentar um requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial onde se identifica, discrimina os créditos que tem a haver e junta um documento comprovativo dos mesmos nos termos previstos numa das alíneas do n.º 2 . E em nenhuma das alíneas está explícita ou implícita a exigência de uma decisão judicial a elencar os vários créditos e a certificá-los. O que se depreende da al. a) é que basta uma declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência. E isto é suficiente, porque é um ato de mera credibilidade de que o requerente é credor reclamante no processo de insolvência, em que o juiz intervém, essencialmente, nos atos de natureza jurisdicional.

O Fundo de Garantia Salarial tem todas as possibilidades de controlar os créditos reclamados, porque é notificado da decisão que decreta a insolvência, que deverá ser acompanhada da petição inicial e dos respetivos documentos nos termos do artigo 1º n.º 1 al. a) e nº 2 al. a) do anexo ao DL. 59/2015 de 21/04. E além disso, se tiver dúvidas sobre a autenticidade do requerimento pode fazer funcionar o disposto no artigo 7º recusando ou reduzindo o pagamento dos créditos requeridos.

Daí que não seja exigível uma decisão judicial para determinar a ilicitude do despedimento e elencar qual o montante do crédito daí emergente, como o defende o apelante, invocando o disposto no artigo 389 do Código do Trabalho, ou o artigo 130 n.º 3 do CIRE, uma vez que se está perante um processo de insolvência, em que a lista de créditos reconhecidos pelo AI será homologada pelo tribunal.
Não resulta da letra nem do espírito do artigo 5º n.º 2 do citado diploma a exigência de uma decisão judicial a comprovar a existência dos créditos reclamados pelo trabalhador, neste caso do apelante, no processo de insolvência. O que é necessário é provar que o teor do requerimento apresentado pelo trabalhador seja genuíno. E o legislador bastou-se com a certificação por parte do AI. Esta dá-lhe a garantia de que o requerido foi reclamado e reconhecido como existente, não necessitando da garantia de um juiz.

2. Se é inconstitucional a interpretação do artigo 5º n.º 2 als. a), b) e c) do DL. 59/2015 de 21/04 que substitui a imposição do artigo 389 do Código do Trabalho, por violação do princípio da legalidade previsto no artigo 3º da CRP.

Não vislumbramos que a interpretação do artigo 5º n.º 2 als. a), b) e c) do DL.59/2015 de 21/04, nos termos expostos na decisão recorrida, viole o princípio constitucional da legalidade. E isto porque o artigo 389 do Código do Trabalho faz parte de uma lei emanada da Assembleia da República e o artigo 5º do DL. 59/2015 de 21/04, integra um diploma emanado do Governo. São dois diplomas proferidos por órgãos de soberania, no exercício das suas funções. E, uma vez publicados, estão sujeitos a interpretação e aplicação pelos tribunais, de acordo com as respetivas regras hermenêuticas, tendo sempre em vista os princípios constitucionais.

Julgamos que a interpretação que foi feita não fere o princípio da legalidade uma vez que ambas as normas emanaram de órgãos constitucionais no exercício das suas funções, não prevalecendo uma sobre a outra. Cada uma das normas tem a sua função. O artigo 389 do Código do Trabalho visa determinar, através de um tribunal, se um determinado despedimento foi lícito ou ilícito e daí retirar as devidas consequências, quando haja um conflito laboral. Por sua vez o artigo 5.º do DL. 59/2015 de 21/04 tem, como finalidade, garantir, dar credibilidade ao teor de um requerimento apresentado por um trabalhador a solicitar o pagamento de um crédito emergente da cessação ou violação do contrato de trabalho, numa situação de insolvência.

3. Se é inconstitucional a interpretação do artigo 230 n.º 1 al. d), 232 n.º 2 e 233 n.º 2 do CIRE que permite o encerramento do processo por insuficiência da massa sem que seja permitido o reconhecimento judicial da ilicitude do despedimento e a consequente indemnização por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 3º da CRP.
4. E se viola o direito constitucional de aceder à justiça consagrado no artigo 20 da CRP.
O apelante suscita a inconstitucionalidade da interpretação das normas indicadas que permite o encerramento do processo sem que seja proferida decisão judicial a reconhecer a ilicitude do despedimento e a correspondente indemnização, afastando a aplicação do artigo 389 do Código do Trabalho, por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 3º da CRP, para além de lhe impedir o acesso à justiça, violando o disposto no artigo 20 da CRP.

Quanto à violação do artigo 3º da CRP, julgamos que não se verifica, porquanto o que se discute é a interpretação de normas por um órgão constitucional, neste caso o tribunal. E fá-lo no exercício das suas funções. Cada uma das normas, em discussão, tem uma finalidade própria. Os artigos 230 n.º 1 al. d), 232 n.º 2 e 233 n.º 2 do CIRE inserem-se no CIRE, e fazem parte DL.53/2004 de 18/03, com várias alterações, e visam o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, não se justificando o seu prosseguimento porque o objetivo deste processo não é atingido. E, por razões de economia processual, o legislador optou por encontrar esta solução, que considerou a melhor para esta situação.

O tribunal, porque considerou que não era necessário proferir decisão judicial para que o requerente/apelante pudesse exercer o seu direito de requerer o pagamento dos seus créditos no Fundo de Garantia Salarial, decidiu encerrar o processo. Com isto não afastou a norma do artigo 389 do Código de Trabalho, que tem como finalidade conhecer da licitude ou ilicitude do despedimento de um trabalhador num conflito laboral, o que, no caso em apreço, o tribunal considerou não se verificar, porque os factos alegados na petição inicial não foram contestados pela insolvente.

E também julgamos que esta interpretação não põe em causa o direito de acesso à justiça previsto no artigo 20 da CRP, porque há outros meios previstos na lei para que o requerente/apelante possa requerer, perante o Fundo de Garantia Salarial, os seus créditos reclamados e reconhecidos no processo de insolvência, como acima o já referimos.

O facto de o Fundo de Garantia Salarial ter uma interpretação diversa, e haver algumas decisões do Tribunal Central Administrativo do Norte a exigir uma decisão judicial quando esteja em causa um crédito emergente da ilicitude de um despedimento, não significa que outros tribunais tenham de aderir a essa posição. Estamos perante decisões não vinculativas, pelo que o requerente/apelante não fica inibido de exercer o seu direito de acesso à justiça, como o fez ao propor a ação de insolvência, e obter um documento que comprova o seu crédito. Só terá de o reclamar perante o Fundo de Garantia Salarial.

5. Se a decisão recorrida veda ao recorrente o acesso à justiça quando invoca que não foi depositada, por este, qualquer quantia para suportar as custas, uma vez que não tem capacidade financeira como decorre do litigar com isenção de custas.

Julgamos, pela leitura da decisão recorrida, que a falta de depósito das custas para o prosseguimento do processo não foi o fundamento decisivo para o encerramento do processo. O processo foi encerrado porque não havia bens suficientes para suportar as custas e não se justificava que continuasse para o proferimento de uma decisão que não é indispensável para o exercício do direito do requerente. O processo, face às circunstâncias apresentadas pelo relatório do AI., iria ser encerrado. Só não ocorreria, se algum credor, neste caso o requerente/apelante, quisesse exercer o direito de prosseguir com o processo, requerendo que fosse fixado o montante de custas a depositar, o que não foi feito por nenhum credor, ao abrigo do disposto no artigo 232 n.º 2 do CIRE. E o requerente/apelante teve oportunidade de o fazer na assembleia de credores. E se entendesse que não tinha meios financeiros para suportar o montante do depósito das custas a fixar, deveria ter exercido o direito, alegando que queria que o processo prosseguisse, apesar de não ter meios financeiros para suportar o depósito, para que o tribunal se pronunciasse sobre esta questão.

Pois era nessa altura que poderia suscitar a questão da inconstitucionalidade da norma que o impedia de exercer o direito de prosseguir com os autos por falta de meios económico-financeiros.

Assim, a inconstitucionalidade suscitada nas alegações e conclusões do recurso traduz-se numa questão nova que o TRG está impedido de conhecer.

Além disso, o simples facto de litigar com isenção de custas não significa que não tenha capacidade financeira para suportar as custas a fixar. E isto porque a isenção de que goza advém-lhe do facto de ser trabalhador sindicalizado e ter assistência jurídica do sindicato nos termos do artigo 4 n.º 1 al h) do RCP e não através do regime jurídico de Acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado na Lei 34/2004 de 29/07.

Concluindo: 1. Considerou-se que ao abrigo do disposto no artigo 5 n.º 1 e 2 do Anexo ao DL.59/2015 de 21/04 não é exigível uma decisão judicial para comprovar os créditos emergentes de um despedimento laboral, quando sejam reclamados e reconhecidos no processo de insolvência.
2.E julgou-se que a interpretação destas normas, que levou à conclusão plasmado no ponto 1, não é inconstitucional por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 3º da CRP.
3. Considerou-se que o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente não impede o apelante de requerer, perante o Fundo de Garantia Salarial, o seu crédito reclamado e reconhecido no processo de insolvência, e que a interpretação das normas em que o tribunal se fundamentou não viola o princípio da legalidade nem o do acesso ao direito.


Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Reação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Sem custas porque o apelante está isento.
Guimarães,


1- Apelação 4809.19.3T8VNF.G1– 2ª
Insolvência
Tribunal Judicial Comarca Braga – V.N.Famalicão
Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Des. Eva Almeida e Luísa Ramos