Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | CONCEIÇÃO SAMPAIO | ||
| Descritores: | STANDARD PROBATÓRIO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 01/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I – Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas se pronunciem sobre eles num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. II - Exista ou não univocidade no teor dos depoimentos das testemunhas, os motivos pelos quais se lhes confere credibilidade têm subjacente elementos de racionalidade e experiência comum, avaliando-se a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I- RELATÓRIO AA, BB, CC e DD, EE e, FF, todos, na qualidade de herdeiros da HERANÇA INDIVISA DE GG, intentaram a presente ação contra HH e mulher II, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade de GG, e, em virtude do seu óbito, da sua herança, sobre as quantias que se encontravam depositadas nas contas bancárias de que o falecido era titular na Banco 1..., S.A. e no Banco 2..., S.A., mais se reconhecendo que, dessas quantias, o réu transferiu para as suas contas pessoais a quantia global de € 71.000,00. Consequentemente, peticionam a condenação dos réus a restituir à herança aberta por óbito de GG a quantia de € 71.000,00, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento. * Os réus contestaram invocando a prescrição do direito dos autores, impugnando a factualidade em que estes fundam o pedido de restituição da quantia monetária e peticionando a condenação dos autores, como litigantes de má fé.* No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção de prescrição invocada pelos réus e foram os réus absolvidos do pedido de condenação como litigantes de má fé.* Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a ação procedente, por provada, e em consequênciaa) Declarou-se a herança aberta por óbito de GG proprietária das quantias que se encontravam depositadas nas contas bancárias de que o falecido era titular na Banco 1..., S.A., sob o n.º ...78, e no Banco 2..., S.A., sob o n.º ...90, b) Declarou-se que, das quantias referidas em a), o réu transferiu, ilegitimamente, para as suas contas pessoais, a quantia global de € 71.000,00, c) Em consequência, condenou-se os réus a restituir à herança aberta por óbito de GG a quantia de € 71.000,00, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal de 4% desde a citação até integral e efetivo pagamento, d) Condenaram-se os réus nas custas da ação. * Inconformados com a sentença, os réus interpuseram recurso, finalizando com as seguintes conclusões:(…) Pugnam os recorrentes pela procedência do recurso e, consequentemente, seja declarada nula a sentença recorrida ou, no menos, a mesma revogada e substituída por Acórdão que julgue a ação improcedente. * Os Recorridos apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso com a manutenção do decidido.* Foram colhidos os vistos legais.Cumpre apreciar e decidir. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSOAs questões a decidir que ressaltam das conclusões do recurso interposto são as seguintes: - Se a sentença é nula; - Se deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto; - Consequentemente, se deve ser alterada a decisão julgando improcedente a ação. * III- FUNDAMENTAÇÃO3.1. Os factos 3.1.1. Factos Provados Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade: 1. GG faleceu em ../../2015, no estado de viúvo de JJ. 2. GG não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, assim como não deixou descendentes nem ascendentes vivos. 3. Sucederam-lhe, como seus únicos e universais herdeiros, o seu irmão, KK, a sua sobrinha, LL, filha de MM, pré-falecida irmã do falecido GG, as suas sobrinhas, EE e FF, filhas de NN, pré-falecido irmão do falecido GG. 4. A herança aberta por óbito de GG permanece, até à presente data, indivisa. 5. Durante vários anos, GG viveu com um sobrinho, OO, que o auxiliava na administração dos seus bens, bem como na gestão da sua economia doméstica. 6. Para o efeito, GG deu acesso ao sobrinho às suas contas bancárias, de modo a que o mesmo pudesse proceder ao pagamento das despesas correntes do dia-a-dia do tio. 7. Isto porque GG não sabia ler, nem escrever, apenas assinava o seu nome e com bastante dificuldade, pelo que necessitava de ajuda em assuntos bancários, mormente o levantamento de dinheiro, sendo que, à data, também já apresentava bastantes dificuldades em deslocar-se, necessitando de auxílio de terceiro em algumas das suas tarefas diárias (como a alimentação). 8. Em 2012, o sobrinho de GG faleceu. 9. Após o falecimento do sobrinho, GG abriu novas contas bancárias, transferindo o saldo das contas existentes, em que era titular ele e o sobrinho falecido, para essas novas contas. 10. Em 28 de Setembro de 2012, GG procedeu à abertura da conta bancária da Banco 1..., S.A., sob o n.º ...78. 11. E, em 09 de Outubro de 2012, GG procedeu à abertura da conta bancária do Banco 2..., S.A., sob o n.º ...90. 12. Após a abertura das mencionadas contas, GG transferiu para as mesmas todos os valores que tinha depositados nas contas bancárias que anteriormente era titular e que eram geridas pelo sobrinho. 13. Sendo que nas mencionadas contas todos os valores que aí se encontravam depositados eram pertença de GG. 14. Ainda fragilizado com a morte do sobrinho, GG, necessitando de alguém que o ajudasse na movimentação das contas bancárias e não residindo nenhum dos seus familiares nas proximidades da sua residência, acabou por autorizar o réu a movimentar as duas sobreditas contas bancárias, o que veio a suceder em 22 de Outubro de 2012. 15. A autorização para a movimentação da conta do falecido foi concedida ao réu para que este, em caso de impossibilidade de GG, pudesse pagar os encargos correntes do dia-a-dia do falecido, na esteira do que o seu sobrinho anteriormente fazia. 16. A “autorização” concedida pelo falecido ao réu não previa que este utilizasse os saldos do falecido em seu proveito. 17. Todavia, contrariamente à Banco 1..., S.A., que tem a figura de “movimentador”, o Banco 2..., S.A. (na altura, ainda “Banco 3...”) não prevê semelhante figura. 18. Motivo pelo qual na conta bancária do falecido da Banco 1..., S.A., o réu ficou a constar como “autorizado”. 19. Enquanto na conta bancária do falecido no Banco 2..., S.A., face às limitações acima referidas, o réu ficou a constar como “2.º titular”. 20. O réu efectuou, no dia 09.01.2015, uma ordem de transferência no montante de € 40.000,00, da conta bancária do falecido na Banco 1..., S.A., sob o n.º ...78, para a sua conta bancária sob o n.º ...61. 21. E no dia 18.02.2015, efectuou uma ordem de transferência no montante de € 31.000,00, da conta bancária do falecido no Banco 2..., S.A., sob o n.º ...90, para a sua conta bancária sob o n.º ...71. 22. À data de 09 de Janeiro de 2015, GG já se encontrava hospitalizado e bastante debilitado, pelo que não estava em condições de autorizar tal transferência. 23. À data de ../../2015, GG já tinha falecido. 24. As transferências referidas em 20. e 21. foram efectuadas sem conhecimento nem consentimento do falecido GG. 25. E ao arrepio das instruções que haviam sido dadas pelo falecido ao réu aquando da emissão da autorização para movimentação de conta. 26. A “autorização” concedida pelo falecido ao réu não teve por objectivo fazer com que se atribuísse quaisquer saldos bancários ao mesmo. 27. Assim, o réu, aproveitando-se do debilitado estado de saúde do falecido e, depois, da sua morte, obteve ilegitimamente a quantia global de € 71.000,00. 28. Quantia que o réu retém para si desde então. 29. Os réus são casados sob o regime da comunhão de adquiridos. 30. As transferências bancárias referidas em 20. e 21. foram realizadas na constância do casamento dos réus. 31. Por missiva datada de 22 de Novembro de 2019, o 1.º autor, na qualidade de cabeça-de-casal da herança indivisa de GG e através do seu mandatário, notificou o réu para, no prazo de 15 dias, proceder à restituição das quantias ilegitimamente transferidas da conta bancária do falecido. 32. A referida carta veio devolvida, com a indicação de “objecto não reclamado”. 33. GG beneficiava, desde ../../2004, do serviço de Apoio Domiciliário da Santa Casa da Misericórdia de ... ao nível da alimentação, do tratamento de roupa, da higiene pessoal e habitacional. 34. Os réus transportavam o falecido GG ao médico e levavam-no a passear quando necessário. * 3.1.2. Factos Não ProvadosInversamente, foi dada como não provada a seguinte factualidade: a) O réu tinha livre acesso às contas bancárias do falecido por vontade/imposição deste e sem quaisquer restrições de movimentação de valores). b) A vontade do falecido GG era dar aos réus todos os seus dinheiros e os bens. c) Por várias vezes transmitiu essa vontade aos réus e aos vizinhos/amigos. d) Os autores, em vida de GG, não o visitavam e pouco ou nada o contactavam. e) Foram os réus quem cuidou do falecido GG ao longo dos seus últimos anos de vida. f) Os réus deram-lhe de comer, cuidavam da medicamentação, tratavam da sua higiene pessoal e da casa. g) O falecido GG referia, publicamente, que a única família que tinha eram os réus e que lhes ia deixar todo o seu património e dinheiro. h) Essa realidade é do conhecimento de toda a gente na povoação da ... e arredores. i) Uma parte considerável das poupanças do falecido GG respeitavam à venda, verbal, de terrenos que este, em finais dos anos oitenta, realizou aos réus. * 3.2. O Direito3.2.1. Da nulidade da sentença Consideram os recorrentes que a sentença é nula por, em relação aos factos provados nº.s 15, 16, 24, 25, 26 e 27, não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão. As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece, além do mais, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al.b)). O Prof. Castro Mendes[i], após a análise dos vícios da sentença, conclui que uma sentença é nula quando “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”. Na senda da delimitação do conceito, adverte o Prof. Antunes Varela[ii], que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”. Quanto ao vício de falta de fundamentação, ensina o Prof. Alberto dos Reis[iii], que “uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas”, conformemente a nulidade por falta de fundamentação só ocorre quando há “ausência total de fundamentos de direito e de facto”, sendo certo que “o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. Para que a sentença esteja eivada deste vício de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. Tendo presente estas noções, considera-se que a sentença de que se recorre não enferma da nulidade que lhe é apontada, visto que quanto aos factos indicados que consubstanciam a motivação subjacente à inclusão do réu nas contas do falecido GG, a motivação da sentença é clara e extensiva e nela se mostram devidamente especificados e explicados os fundamentos em que assenta a convicção do tribunal. Termos em que se julga improcedente a nulidade invocada. * 3.2.2. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de factoOs recorrentes consideram que foi incorretamente julgada a matéria dada como provada sob os nºs 13, 14, 15, 16, 22, 23, 24, 25, 26 e 27, a qual deveria ser dada como não provada e que os factos julgados como não provados e constantes das alíneas a) a h) deveriam ter sido julgados como provados. Fundamentam a alteração pretendida nos depoimentos das testemunhas PP, QQ, RR, II, SS e AA que não foram devidamente valorados pelo tribunal. Assim, a apreciação da impugnação situa-se no domínio da valoração da prova testemunhal em processo civil. Decorre do disposto no artigo 396º do Código Civil e do princípio geral enunciado no artigo 655º do Código de Processo Civil que o depoimento testemunhal é hoje um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, devendo este avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência.[iv] A convicção é o estado de certeza ou incerteza na verdade de um facto. No que toca à valoração da prova no âmbito de um processo judicial, este estado não pode ser um estado de fé, impõe-se que seja um estado crítico, formado de acordo com critérios de prudência.[v] Por consequência, o julgador é livre na valoração da prova, na justa medida em que os meios de prova sujeitos à sua apreciação não têm um valor legal predeterminado, mas a decisão não o é, pela simples mas determinante razão de que a convicção exteriorizável pela decisão não se subsume a uma “íntima convicção”, mas também não é uma “pura objetividade” lógico-racional, que se possa demonstrar. O estado de certeza da verdade, que há-de corresponder sempre a uma probabilidade, manifesta-se num juízo de certeza prático-emocional que, usando as palavras de Marta João Dias assente nos ensinamentos de Castanheira Neves em questão-de-facto - questão-de-direito ou o problema metodológico da juridicidade, p. 479, “não obstante a inapagável nota pessoal, não cai num subjectivismo arbitrário, mas é antes marcada pela “objectividade da vida”, isto é, no decidir, o julgador convoca a sua experiência ou vivência pessoal, o que mais não é do que o património de saberes e experiências comum ou da comunidade em que se insere e que viabiliza o nosso conviver, pelo que a verdade a emergir há-de ser a intersubjectivamente partilhada e experimentada”.[vi] Analisar criticamente as provas é valorá-las. Num sistema de prova livre, o legislador abstém-se, em abstrato, de determinar o valor da prova e reconduz essa tarefa ao julgador, a quem cabe aferir, em concreto, o “valor relativo” de cada meio de prova face ao conjunto, isto é, como refere Marta João Dias, o julgador terá que fazer um conciso dos meios de prova produzidos, ponderando o valor de cada e estabelecendo entre eles a hierarquia de valor determinante para a formação da sua convicção. Com isto está a “pesar” as provas[vii]. Quanto à prova testemunhal, há que referir que para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre eles num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.[viii] Exista ou não univocidade no teor dos depoimentos das testemunhas, os motivos pelos quais se lhes confere credibilidade têm subjacente elementos de racionalidade e experiência comum, avaliando-se a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante. Por isso, a atividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de fatores, que têm a ver com as razões de ciência, as garantias de imparcialidade, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as coincidências e contradições, ademais de os conjugar com os demais elementos objetivos. Compreende-se, em razão disso, que a lei disponha que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Certo, no entanto, como já se expressou, que a livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, mas apreciação que se realiza de acordo com critérios lógicos e objetivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objetivável e motivável[ix]. Na situação presente, os réus admitem que o dinheiro depositado nas contas bancárias pertencia a GG, tendo os réus transferido este dinheiro para as suas contas pessoais (em dois momentos, um pouco antes do GG falecer e outro logo após o seu falecimento), competia-lhes demonstrar o título legitimo para a transferência, a alegada doação ou instituição como herdeiros. Assim, a centralidade da questão incide na prova dessa causa legitima de apropriação do dinheiro. As testemunhas ouvidas, de laços familiares ou de vizinhança muito próxima dos réus, referiram que o GG sempre disse que tudo o que tinha seria para os réus. Quando questionados sobre os termos da concretização ou manifestação dessa intenção ou vontade, nada esclareceram, por nada saberem. Sem uma explicação credível e lógica a este facto concreto, os seus depoimentos revelaram-se inconsistentes e de pouca relevância, quedando-se por uma “repetida intenção de recompensa”, sem materialização concreta. O que a propósito foi declarado pelas testemunhas mostra-se infirmado pelo que resulta dos documentos quanto às anteriores contas bancárias que tinham o sobrinho do falecido como movimentador, para o auxiliar nos levantamentos necessários à gestão do seu quotidiano, à própria personalidade do falecido, por todos descrito como pessoa poupada e com uma vida regrada, que amealhou ao longo da vida para as suas necessidades futuras. Ora, para demonstração da versão dos réus, no que se conforma a sua impugnação de facto, estes testemunhos superficiais desacompanhados de elementos objetivos concretizadores daquela intenção de beneficiar os réus, revelaram-se manifestamente insuficientes. A prova de um facto requer o preenchimento do designado standard mínimo da prova.[x] A este propósito, exige-se que, através dos meios de prova que foram apresentados, seja possível afirmar que o facto é verosímil, no sentido de, como afirma Miguel Teixeira de Sousa, 'excluir, segundo o padrão que na vida prática é tomado como certeza, outra configuração da realidade dada como provada'.[xi] Exige-se também que seja possível elaborar um raciocínio lógico que permita justificar externamente esta verosimilitude, não se limitando ao mero convencimento subjetivo do julgador.[xii] A confirmação do facto deverá atingir este patamar mínimo - sufficiency of evidence - sob pena de a parte a quem compete o ónus da prova suportar a consequência jurídica da falta de confirmação. A prova produzida, considerada na sua globalidade e por referência às regras da experiência comum, não impõe decisão diversa (artigo 662º, nº 1, do Código de Processo Civil), pelo que os pontos relacionados com a impugnação não merecem acolhimento, sendo a decisão de facto correspondente à realidade processualmente adquirida. Nestes termos, a impugnação da decisão da matéria de facto terá de improceder. Pelo exposto, o recurso tem de improceder. * 3.2.3. Subsunção jurídica dos factos ao direitoOs réus interpuseram recurso de apelação, pretendendo ver declarada a nulidade da sentença, alterada a matéria de facto e consequentemente alterado o mérito da decisão no sentido da improcedência da ação. A nulidade foi julgada inverificada. Tendo sido julgada improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o quadro factual relevante com vista à subsunção jurídica é o mesmo que serviu de base à prolação da sentença recorrida. No nosso entender, a eventual alteração da solução jurídica alcançada na decisão impugnada dependia, na sua totalidade, da modificação da matéria de facto, o que não sucedeu, pelo que se considera necessariamente prejudicado o conhecimento do pedido de alteração do decidido naquela decisão, objeto do recurso interposto, o que aqui se declara, nos termos do disposto no artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, in fine, ambos do CPC. Não padecendo a sentença de qualquer erro de direito, o recurso improcede. * IV - DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelos Recorrentes (artigo 527º, nº1, do CPC). Guimarães, 23 de Janeiro de 2025 Assinado digitalmente por: Rel. – Des. Conceição Sampaio 1º Adj. - Des. Luís Miguel Martins 2º Adj. - Des. Margarida Pinto Gomes [i] In “Direito Processual Civil”, Vol. III, p. 308. [ii] In “Manual de Processo Civil”, p. 686. [iii] In “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, páginas 139 e 140. [iv] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 248/2009, de 15.06.2009, disponível em www.dgsi.pt. [v] Neste sentido, Marta João Dias, Julgar, N.º 13 – 2011, pag. 178. [vi] Ob. Cit. pag. 178/179. [vii] In Julgar Nº 13, 2011, pag. 194. [viii] Assim também acórdão da Relação de Évora de 09-01-2018, disponível em www.dgsi.pt. [ix] Neste sentido, acórdão do STJ de 4.11.98, Coletânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, III-201. [x] A este propósito, pode ver-se LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, in O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, disponível em www.trl.mj.pt, pág. 1 [xi] In As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, pág. 201. [xii] Como afirma GUILHERME RECENA COSTA, in Livre Convencimento e Standards de Prova, pág. 363, princípio da livre apreciação da prova corresponde a uma 'valoração segundo parâmetros racionais, objectivos e controláveis'. A este propósito, são particularmente expressivas as palavras de JOÃO DE CASTRO MENDES, in Do Conceito de Prova em Processo Civil, pág. 325, para quem 'quanto ao grau de convicção que é necessário para se falar em prova, diremos que é aquele que for necessário para justificar a decisão. (…) domina aqui a ideia de justificabilidade. Toda a prova é, portanto, uma prova bastante; bastante para justificar o acto que se vai praticar'. |