Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO MATOS | ||
Descritores: | LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO CONFISSÃO JUDICIAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/10/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário (da relatora): I. Existe um litisconsórcio necessário natural quando um terceiro pretenda reagir ao arrolamento de contas bancárias alegadamente património comum de ex-casal, cujos elementos terá de demandar conjunta e simultaneamente, sob pena de qualquer sentença de procedência da acção não ser oponível ao ex-cônjuge ausente (já que não vinculado pelo caso julgado material formado sobre ela), nem ser exequível (ainda que parcialmente, pois os montantes depositados ou são do casal, no seu todo, ou não o são, de todo). II. A confissão judicial, por meio de depoimento de parte prestado em audiência de julgamento, de litisconsorte necessário, é ineficaz; e, por isso, não carece de ser reduzida a escrito. III. A inversão do ónus de prova autorizada pelo art. 344.º, n.º 2 do CC exige, não apenas um comportamento da parte contrária que inviabilize a produção da prova que onerava a sua contraparte, como ainda que o mesmo seja culposo, e que aquela inviabilidade seja absoluta ou, pelo menos, haja tornado excessivamente difícil ou frágil o remanescente acervo probatório. IV. A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie, global e genericamente, a prova valorada em primeira instância, o que justifica que se imponha ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. V. O ónus de impugnação previsto no art. 640º, nº 1, al. b) do C.P.C. exige que o recorrente especifique os meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em primeira Instância para cada um dos factos que pretende impugnar, não sendo suficiente a genérica indicação dos ditos meios de prova (isto é, desacompanhada do reporte a cada um dos facto sindicados, e antes oferecida para a totalidade da matéria de facto sob recurso). VI. Dependendo a apreciação do recurso pertinente à interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto, do prévio sucesso do simultâneo recurso interposto sobre a matéria de facto fixada, sendo este último julgado totalmente improcedente, fica necessariamente prejudicado o conhecimento daquele primeiro (arts. 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, in fine, ambos do C.P.C.). VII. Sendo desde logo pedida, em articulado de parte, a condenação da contrária como litigante de má-fé, e podendo esta responder então a essa possibilidade, ficou assegurado o cumprimento do princípio do contraditório, não se justificando a outorga de nova pronúncia relativa a uma decisão que já não será surpresa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO 1.1. Decisão impugnada 1.1.1. Delfina (..) (aqui Recorrente e Recorrida), residente na (…) freguesia de (..) em Fafe, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra José (…) (aqui Recorrido e Recorrente), residente na (…) , freguesia de (…), em Fafe, contra (…) (aqui Recorrida), residente em (…), França, e contra (…) SA, com sede na Rua do (…) , em Lisboa, pedindo que · os Réus fossem condenados a reconhecerem que as importâncias de € 317.688,60 e de € 24.762,17, tituladas respectivamente pelas contas n.ºs 90862326 e 238536193, abertas em nome do 1.º Réu (… ), na agência de Guimarães da 2.ª Ré (… ), são propriedade única e exclusiva dela própria; · os Réus fossem condenados a reconhecerem que cabe a ela própria o direito de dispor livremente desses valores, nos termos em que entender, designadamente levantando-os e fazendo-os seus; · os Réus fossem condenados a verem esses valores eliminados do processo de arrolamento movido pela 1.ª Ré (…) contra o 1.º Réu (…), sendo os mesmos excluídos do processo de partilha do património comum, a que ambos vêm procedendo. Alegou para o efeito, em síntese, terem sido arrolados, no âmbito do processo de divórcio entre o 1.º Réu (…), seu filho, e a 1.ª Ré (…), os saldos bancários referidos (em arrolamento promovido por esta contra aquele), por pretensamente pertencerem ao património comum do antes casal, e haver receio de dissipação respectiva por parte do 1.º Réu (…). Mais alegou ser ela própria a única e exclusiva proprietária daquelas quantias, fruto do seu trabalho e do seu falecido marido, bem como da herança de um terceiro. Por fim, alegou terem tais quantias sido depositadas em conta titulada pelo 1.º Réu (…) a pedido do mesmo, e apenas como forma de lhe viabilizar um financiamento bancário. 1.1.2. Os Réus foram pessoal e regularmente citados. 1.1.2.1. O 1.º Réu (…) não contestou a acção (o que esclareceu expressamente não pretender fazer), juntando apenas aos autos diversos documentos. 1.1.2.2. A 1.ª Ré (…) contestou a acção, pedindo: que fosse julgada totalmente improcedente, sendo os Réus absolvidos dos respectivos pedidos; e que a Autora (…) e o 1.º Réu (…) fossem condenados como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a seu favor, em montante não inferior a € 10.000,00. Alegou para o efeito, em síntese, serem as quantias aqui em causa, já arroladas no âmbito do seu processo de divórcio, resultantes dos proventos gerados por (…), Limitada, de que ela e o 1.º Réu (…) são únicos sócios, sendo este último ainda seu gerente. Mais alegou que as ditas quantias apenas estiveram transitoriamente depositadas em contas da Autora (Delfina) como forma de evitar a sua tributação em sede de IRC (na concretização de uma contabilidade paralela da dita Sociedade); e que regressaram a contas tituladas pelo 1.º Réu (José) quando um dos seus irmãos começou a pedir que fosse feita a partilha da herança do respectivo e comum pai (de que a Autora é viúva). A 1ª Ré (I. N.) alegou ainda que nunca o casal formado pela Autora (Delfina) e falecido marido exerceram profissões ou actividades que lhes permitissem amealhar tais quantias, nem beneficiaram de qualquer herança que igualmente justificasse a sua atribuição. Defendeu, assim, ter a Autora (Delfina) deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignoraria, fazendo-o em conluio com o 1.º Réu (José), seu filho; e com o exclusivo objectivo de a prejudicarem na partilha do património comum do casal, assim se justificando a respectiva condenação como litigantes de má-fé. 1.1.2.3. A 2ª Ré (Banco ..., SA) contestou a acção, pedindo que fosse julgada consoante a prova que viesse a ser produzida. Alegou para o efeito, em síntese, impugnar os factos alegados pela Autora (Delfina), em parte por serem falsos, e em parte por os desconhecer, sem obrigação do contrário; e, quanto aos remanescentes, não se pronunciar sobre eles por estarem a coberto do sigilo bancário. 1.1.3. Foi proferido despacho: fixando o valor da causa em € 342.450,77; dispensando a realização de uma audiência prévia; saneador (reconhecendo tabelarmente a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litígio («saber se os saldos depositados nas contas de depósitos à ordem do Banco ... com os n.ºs 90862326 e 238536193 são pertença da Autora») e enunciando os temas da prova («1. Rendimentos auferidos pela Autora e falecido marido», «2. Rendimento da herança de cerca de € 100.000,00 em França», «3. Contas titulada pela Autora», «4. Propriedade dos respectivos saldos», «5. Empréstimo do Banco ... ao Réu para compra de puncionadora», «6. Exigência do Banco ..., com condição do empréstimo e caução do bom cumprimento, da titularidade das contas abertas em nome da Autora», «7. Transferência, para esse efeito, das quantias de € 48.000,00, € 267.800,00 e € 49.880,00 para conta n.º 90862326, da titularidade do Réu», «8. Transferência, para esse efeito, da quantia de € 50.900,00 para a conta n.º 238536193, titulada pelo Réu», e «9. Utilização, pelo Réu, das contas tituladas pela Autora para depositar a aplicar os rendimentos não declarados nem registados, da empresa do 1.º Réu»); e apreciando os requerimentos probatórios das partes. 1.1.4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente e condenando a Autora (Delfina) e o 1º Réu (José) como litigantes de má-fé, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Dispositivo: Por tudo o exposto, julgo a acção improcedente e, em consequência: a). absolvo os Réus dos pedidos; b). condeno a Autora como litigante de má fé na multa de 40 (quarenta) UC e no pagamento de uma indemnização de € 5.000,00 (cinco mil euros) à Ré I. N.; c). condeno o Réu José como litigante de má fé na multa de 40 (quarenta) UC e no pagamento de uma indemnização de € 5.000,00 (cinco mil euros) à co-Ré I. N.. Custas a cargo da Autora. Registe, notifique e dê baixa. (…)» * 1.2. Recursos Inconformados com esta decisão, quer a Autora (Delfina), quer o 1.º Réu (José) interpuseram recursos independentes de apelação. * 1.2.1. Recurso da Autora 1.2.1.1. Fundamentos A Autora (Delfina), no recurso independente de apelação que interpôs, pediu que o mesmo fosse julgado procedente, sendo alterada a matéria de facto, ela própria absolvida da condenação respectiva como litigante de má-fé, e a acção julgada inteiramente procedente. Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões): 1. A autora propôs a presente acção, pedindo a condenação dos réus (um filho, a ex-nora e uma instituição bancária) a: a. Reconhecerem que as importâncias depositadas em contas bancárias tituladas actualmente pelo primeiro réu e abertas na agência de Guimarães do banco são da exclusiva propriedade dela autora; b. Reconhecerem que à autora cabe, e só a ela, o direito desses valores dispor livremente nos termos que entender, designadamente levantando-os e fazendo-os seus como e quando entender; c. Verem esses valores eliminados de um processo de arrolamento requerido pela segunda ré contra o primeiro réu e excluídos da partilha a que esses réus vêm procedendo. 2. Como fundamento, a autora alegou que o dinheiro existente nessas contas actualmente tituladas pelo primeiro réu provinha de anteriores contas suas, no mesmo banco, e correspondia ao valor arrecadado no decurso de uma vida de mais de 40 anos da sua actividade aqui e em França, justificando a transferência desses valores para uma conta do primeiro réu, com o argumento de que este lhe pedira que autorizasse essa transferência, durante o período necessário ao cumprimento de responsabilidades bancárias por si contraídas no mesmo banco, e como garantia de pagamento dessas responsabilidades. 3. A acção não foi contestada pelo primeiro réu que, porém, juntou aos autos um requerimento dizendo que não a contestaria, acompanhado de diversa documentação, foi contestada pelo banco, dizendo este que ignorava os factos, e, de qualquer modo, não podia pronunciar-se sobre alguns deles em virtude de estarem cobertos pelo sigilo bancário, e foi contestada pela segunda ré ex-mulher, sustentando esta que o dinheiro era pertença dela e do primeiro réu, porque este usava as contas da autora para movimentar em exclusivo como procurador as quantias provenientes da economia paralela de uma empresa, e que a autora nunca teve rendimentos bastantes para amealhar essas quantias. 4. Discutida a causa, o tribunal julgou a acção improcedente e não provada, absolvendo os réus dos pedidos e condenando a autora como litigante de má-fé, no pagamento de uma indemnização de 5.000,00€ à segunda ré, decisão com a qual a autora se não conformou, interpondo o presente recurso, no qual questionou a matéria de facto fixada e o enquadramento legal dos factos. 5. Na verdade: a. Tendo o primeiro réu confessado integralmente a matéria da petição inicial, não apenas por ter declarado não querer contestar a acção, mas também, por ter prestado depoimento de parte em que confessou essa matéria de facto (ata de audiência de julgamento, gravação da prova no CD n.º1 de 00:00:00 a 00:45:56), o tribunal deveria, só por isso, ter julgado provados os referidos factos, uma vez que ele tinha total legitimidade para fazer depósitos bancários em seu nome exclusivo e movimentá-los livremente, sem consentimento nem intervenção do cônjuge, nos termos do artigo 1680.º do Código Civil, o que lhe conferia também inteira liberdade para por si só subtrair os depósitos bancários por si constituídos às regras gerais relativas à administração dos bens do casal, porque “tinha o direito de sozinho e sem necessidade e autorização ou consentimento (da sua ex-mulher) movimentar ou levantar depósitos bancários e dispor deles livremente dando-lhes o destino que muito bem entendesse, inclusive dissipá-los” (Acórdão da Relação do Porto de 14-02-1984, in Col. Jurisp. 1984 I, pág. 238); b. Mercê do regime legal dos depósitos bancários constituídos por qualquer dos cônjuges, e nos termos do citado artigo 1680.º, independentemente do regime de bens do respectivo casamento, o primeiro réu tinha e tem plena disponibilidade jurídica das importâncias respectivas, sendo a sua confissão dos factos plenamente válida e eficaz, nos termos dos artigos 574.º, n.º2, 566.º, 567.º, n.º1, e 568.º do Código de Processo Civil, devendo, ademais, ser tido como dotado de capacidade para dispor por si só do direito a que os factos confessados se referem, nos termos do artigo 353.º, n.ºs 1 e 2, 354.º e 358.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil; c. De resto, fosse de quem fosse a propriedade do dinheiro existente na referida conta, uma vez que o primeiro réu determinou a sua transferência para a conta da autora e reconheceu a propriedade desta, a consequência legal seria sempre a mesma (reconhecimento de que a autora era proprietária dos saldos em questão) e, se se viesse a provar, em sede própria que não aqui, que esses valores eram propriedade do dissolvido casal, daí resultaria, como única e justa consequência, que o primeiro réu teria de compensar a segunda ré pela meação desta, perdida em consequência daquele ato. d. Mas, ainda que assim não fosse, nunca o tribunal podia considerar, como considerou, entre o mais, não se ter provado que os valores depositados não pertencem a qualquer dos réus, nem ao casal (facto não provado n.º1); que ambos os réus sabem que esses pertencem exclusivamente à autora (facto não provado n.º2); que a autora recebeu em França uma herança de um cidadão para quem trabalhava, cujo valor ascendia a cerca de 100.00,00€ (facto não provado n.º3); que foi com o conjunto desses valores e rendimentos que permitiu à autora depositar e manter aqueles valores (factos não provados n.ºs 4 e 5); que o réu José, quer enquanto trabalhador individual, quer enquanto sócio da sociedade que actualmente gere, nunca auferiu mais do que o seu salário, porque a sociedade não distribuiu lucros e nunca auferiu outros proventos (factos não provados n.ºs 6 e 7); que a conta de depósitos em causa foi movimentada pela autora a crédito e débito, e exclusivamente municiada com valores monetários que lhe pertenciam durante anos, tendo sido ela que mandou efectuar a transferência para o nome do réu, sendo a transferência feita a pedido deste para ajudar a viabilizar um mútuo junto do banco réu, conforme conselho do próprio banco (factos não provados n.ºs 8, 9, 10, 11, 12, 13, 16, 19, 20 e 23); que a autora tivesse determinado ao banco o encerramento da conta e que a transferência tivesse ocorrido em 9-5-2008 (factos não provados n.ºs14 e 15); que a conta tinha um saldo antes da transferência de 25.580,00€ e que o réu sempre reconheceu que a autora era a dona dos valores envolvidos (factos não provados n.ºs17 e 18); que a autora entregou ainda ao primeiro réu mais 50.900,00€ e que as contas em causa foram sempre e exclusivamente provisionadas com valores das pensões e rendimentos auferidas pela autora (factos não provados n.ºs 21 e 22); que o primeiro réu ficou procurador da conta devido à idade da autora, receosa de ser acometida de qualquer doença incapacitante e por nele depositar toda a confiança para movimentar as contas no interesse da autora e conforme as suas conveniências (factos não provados n.ºs 24, 25 e 26); e. Com efeito, não apenas, como se disse, essa matéria de facto foi objecto de confissão integral e sem reservas do primeiro réu marido que tinha inteira legitimidade formal e substancial para o fazer, como resultou inequivocamente do depoimento de parte do primeiro réu, e dos depoimentos, que o não contrariaram, da segunda ré I. N. (registo digital da prova, CD n.º1 do início a 00:21:39, sobretudo a 00:21:05), da testemunha A. F. (registo digital da prova, CD n.º1 do início a 00:12:48, sobretudo a 00:01:18), do depoimento da testemunha M. C. (registo digital da prova, CD n.º1 do início a 00:20:33, sobretudo a 00:08:20 e 00:08:22) e da testemunha A. C. (registo digital da prova, CD n.º1 do início a 00:28:30, sobretudo a 00:12:57). f. Para além dessas circunstâncias, a matéria do facto não provado nº3 foi objecto de confissão parcial da segunda ré, no seu articulado (artigo 44.º da contestação, em que demostrou saber, pelo menos, que a autora recebera uma herança em França), e estão juntos aos autos um conjunto de documentos, subscritos por primeiro e segunda ré, comprovativos de que a empresa de que são sócios nunca distribuiu lucros (docs. n.ºs 1 a 13 juntos com o requerimento inicial do primeiro réu), do valor irrisório da carreira contributiva do primeiro réu desde 1973 (doc. nº 14 junto com o requerimento inicial do primeiro réu), comprovativos de que o primeiro réu nunca fez qualquer pagamento ou depósito a partir das contas questionadas ou nestas (documentos n.ºs 15 a 18 juntos com o requerimento inicial do primeiro réu), pelo que não se vê como podia a acção ter sido julgada improcedente. 6. Por outro lado, não obstante o disposto no artigo 463.º, n.º1 do Código de Processo Civil, que determina que do depoimento de parte seja lavrada assentada, quando houver confissão do depoente, ou quando se narra factos ou circunstâncias que impliquem a indivisibilidade da declaração confessória, o tribunal decidiu não lavrar qualquer assentada, nem em relação ao depoimento de parte do primeiro réu (com o fundamento de que “não se reduz a escrito o que eventualmente se possa considerar como confissão do depoente desde logo porque o mesmo tem posição nos autos coincidente com a autora e além do mais as suas declarações e depoimentos estão gravados, afigurando-se inútil proceder a qualquer transcrição das suas declarações”), nem em relação ao depoimento de parte da autora (com o fundamento de que “uma vez que o depoimento se encontra gravado, afigura-se-nos inútil proceder a qualquer assentada relativamente à matéria que possa constituir confissão, pelo que não se procederá à mesma tendo em conta que o disposto no artigo 130.º do CPC proíbe a prática de actos inúteis”) o que para além de constituir um antecipado juízo de valor ilegítimo sobre a valorização da confissão, integra duas nulidades, nos termos do artigo 615.º, n.º1, als. c) e d) do Código de Processo Civil, de que importa conhecer, com a consequência de ser anulada a decisão recorrida e repetido o julgamento para serem lavradas as devidas assentadas. 7. A recorrente impugnou a matéria de facto que foi considerada não provada, e, para isso, argumentou com a confissão expressa do primeiro réu, a omissão da afirmação de factos concludentes pela segunda ré, tendo ainda, em rigoroso cumprimento do artigo 640.º do Código de Processo Civil, indicado os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo e do registo de gravação da prova que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto que foram impugnados, a decisão que no seu entender devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, sempre indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, fazendo-o acompanhar de transcrição dos excertos que considera relevantes. 8. Sem prescindir, o tribunal decidiu que a propriedade dos saldos das contas não pôde ser apurada porque os documentos juntos pelo banco réu “não permitem descortinar a origem dos primitivos depósitos nas contas n.º 908623326 e 238536193, nem a data de abertura dessas contas” de onde extraiu a conclusão de que os fundos dessas contas provieram “da esfera jurídico-económica do réu José e não de qualquer rendimento da autora”, o que é duplamente errado, quer porque da falta de prova do facto em causa não podia resultar a prova do facto inverso, quer porque, atendendo às circunstâncias concretas, o tribunal devia ter julgado invertido o ónus da prova e se entendesse que esse facto se não provou, daí devia ter concluído pela improcedência da tese da segunda ré, que não provara os factos nucleares da sua pretensão. 9. Com efeito, no seu requerimento de prova, a autora pediu a notificação do banco réu para “juntar aos autos todos os documentos e informações concretas e detalhadas sobre quem são os titulares das contas supre referidas e qual foi, verba por verba, a origem dos fundos nelas aplicadas, bem como, se tiveram origem noutras contas, quem era o seu titular e quem nelas fez desde a abertura até ao encerramento movimentos de depósitos ou levantamentos”, o que o tribunal deferiu, tendo, contudo, o banco notificado, após juntar apenas extractos das contas entre 31-10-2006 e 30-04-2009, e ter pedido, em 22-06-2018 e em 20-09-2018, prazo para cumprir a notificação em relação aos depósitos precedentes, declarado que já não tinha esses documentos no seu arquivo e tinha mesmo destruído os micro-filmes que a lei lhe impõe manter, nos termos do Decreto-lei 279/2000, de 10-11, razão pela qual foi sancionado por falta da colaboração devida. 10. Em virtude dessa omissão do banco réu tornou-se impossível à autora proceder à prova do montante do valor inicial depositado, da sua proveniência e das sucessivas vicissitudes que as suas contas sofreram até ao encerramento, facto que implica, o que devia ter sido julgado, a inversão do ónus da prova, porquanto “quando a prova não for possível ou se tornar muito difícil àquele que segundo as regras do artigo 342.º daquele código teria de a fazer, o ónus da prova deixa de impender sobre ele, passando a recair sobre a outra parte” de onde o tribunal devia ter concluído que deixou de ser da autora o ónus da prova desses seus depósitos anteriores àquela data, passando a competir à segunda ré, e, não tendo esta provado o que a sentença considerou relevar, daí resultaria seguramente provado o direito que a autora pretende ver reconhecido. 11. De novo sem prescindir, é verdadeiramente incompreensível a razão pela qual o tribunal decidiu a condenação da autora como litigante de má-fé, desde logo porque lendo-se e relendo-se os factos que o tribunal deu por provados (e são todos os que constam do n.º1 ao n.º 21) em nenhum deles o tribunal fez constar nada, mas mesmo nada, que permitisse valorizar como litigância de má-fé qualquer comportamento da autora, permitindo-se até desses factos extrair indícios acerca da probidade processual da autora, pois, ainda assim o tribunal considerou que o primeiro réu é procurador da mãe nas referidas contas (facto 11) e se é procurador da mãe, deve poder concluir-se que o dinheiro não lhe pertence, a ele primeiro réu, devendo ter-se igualmente por excluída a possibilidade de condenação da autora como litigante de má fé, uma vez que essa condenação não foi precedida e teria de sê-lo para ser sustentada da notificação expressa para se pronunciar, notificação essa que foi omitida (cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 357/98 de 12-05, 289/2002 de 3-07-2002 in, respectivamente, acórdãos do Tribunal Constitucional, 40, pág. 275, e Diário da República de 13-11-2002, bem como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2010, proc. 3272/04.8TBAVR.C2.S1.dgsi.net). 12. Tendo-se por boa a solução adoptada pela sentença recorrida, segundo a qual estamos perante um depósito irregular, disciplinado na medida do possível pelas normas do mútuo, não se percebe a razão pela qual o tribunal não considerou a aplicação do artigo 1144.º do Código Civil que estabelece que as coisas mutuadas se tornam propriedade do mutuária pelo facto da entrega, de onde deveria resultar que a simples transferência ou entrega ou ordem de transferência do dinheiro da titularidade do primeiro réu para a titularidade da autora tinha o inequívoco significado de que esta passaria a ser sua proprietária. 13. Tendo a matéria em causa, no entanto, assento próprio no artigo 1680.º do Código Civil, inserido no conjunto de regras legais que disciplinam a administração dos bens no casamento, que expressamente prescreve que “qualquer que seja o regime de bens pode cada um dos cônjuges fazer depósitos bancários em seu nome exclusivo e movimentá-los livremente”, o que significa, como já se disse, que o primeiro réu podia dar aos depósitos feitos em seu nome - o mesmo sucedendo até se fossem depósitos comuns – o destino que entendesse, sem necessitar de consentimento do seu cônjuge. 14. Por último, insistindo-se em que a ré mulher não fica impedida pela procedência da acção, de reivindicar do primeiro réu o que entende pertencer-lhe, deve, considerando-se as normas invocadas julgar-se que a confissão feita pelo primeiro réu numa situação de litisconsórcio voluntário, uma vez que ele tem a plena disponibilidade do dinheiro depositado e a confissão não recai sobre direitos indisponíveis tendo, por isso, força probatória plena, importa ainda, para justificar uma parcela da procedência da acção, salientar que, como foi decidido pelo acórdão do STJ de 08 de Maio de 1997, in BMJ 467-495 que a ré mulher não podia, mesmo invocando fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, requerer qualquer arrolamento, mas apenas, e quando muito, uma providência cautelar não especificada. * 1.2.1.2. Contra-alegações A 1.ª Ré (I. N.) contra-alegou, pedindo que se julgasse totalmente improcedente o recurso. * 1.2.2. Recurso do 1º Réu (José) 1.2.2.1. Fundamentos O 1.º Réu (José), no recurso independente de apelação que interpôs, pediu que o mesmo fosse julgado procedente, sendo reconhecidas as nulidades nele invocadas, alterada a matéria de facto, e ele próprio absolvido da condenação respectiva como litigante de má-fé. Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões): 1. A Autora Delfina propôs a presente acção, pedindo a condenação dos réus (um filho, o aqui Recorrente, a ex-nora Co-Ré I. N. e o Banco...) a: a. Reconhecerem que as importâncias depositadas em contas bancárias tituladas actualmente pelo primeiro réu e abertas na agência de Guimarães do banco são da exclusiva propriedade dela autora; b. Reconhecerem que à autora cabe, e só a ela, o direito desses valores dispor livremente nos termos que entender, designadamente levantando-os e fazendo-os seus como e quando entender; c. Verem esses valores eliminados de um processo de arrolamento requerido pela segunda ré contra o primeiro réu e excluídos da partilha a que esses réus vêm procedendo. 2. A Autora alegou que o dinheiro existente nas referidas contas, na actualidade tituladas pelo Primeiro Réu e aqui Recorrente, provinha de anteriores contas suas, no mesmo banco, e correspondia ao valor arrecadado no decurso de uma vida de mais de 40 anos da sua actividade aqui e em França, justificando a transferência desses valores para uma conta do mesmo Primeiro Réu e aqui Recorrente, com o argumentário de lhe ter este pedido que autorizasse essa transferência, durante o período necessário ao cumprimento de responsabilidades bancárias por si contraídas no mesmo banco, e como garantia de pagamento dessas responsabilidades. 3. A acção não foi contestada pelo Primeiro Réu e aqui Recorrente, que juntou aos autos requerimento em que afirmou que a não contestava, sendo que requereu a junção de diversos documentos. 4. A acção foi contestada pelo banco Co-Réu, defendendo este que ignorava os factos, e, não se podia pronunciar sobre alguns deles em virtude de estarem cobertos pelo sigilo bancário. 5. A acção foi contestada pela Co-Ré, ex-mulher do aqui recorrente, sustentando esta que o dinheiro era pertença dela e do Primeiro Réu e aqui Recorrente, porque este usava as contas da Autora Delfina para movimentar em exclusivo como procurador as quantias provenientes da economia paralela de uma empresa, e que a mesma Autora Delfina nunca teve rendimentos bastantes para amealhar tais quantias. 6. Discutida a causa, o tribunal julgou a acção improcedente e não provada, absolvendo os réus dos pedidos e condenando quer a Autora Delfina, quer Primeiro Réu e aqui Recorrente como litigantes de má-fé, no pagamento, cada um, de 40 UC’s e uma indemnização de 5.000,00€ à Co-Ré I. N., decisão esta que aqui é impugnada pelo presente recurso no qual se questiona a matéria de facto fixada e o enquadramento legal dos factos. 7. Ora, o Primeiro Réu e aqui Recorrente, confessou integralmente a matéria da petição inicial, não apenas por ter declarado não querer contestar a acção, mas também, por ter prestado depoimento de parte em que confessou essa matéria de facto (ata de audiência de julgamento, depoimento gravado digitalmente no Habilus - Citius, in registo digital da prova, in cd n.º 1 de 00.00.00 a 00.55.46). 8. Por outro lado, não obstante o disposto no artigo 463.º, n.º1 do Código de Processo Civil, que determina que do depoimento de parte seja lavrada a competente assentada, quando houver confissão do depoente, ou quando se narra factos ou circunstâncias que impliquem a indivisibilidade da declaração confessória, o tribunal decidiu não lavrar qualquer assentada, nem em relação ao depoimento de parte Primeiro Réu e aqui Recorrente (com o fundamento de que “não se reduz a escrito o que eventualmente se possa considerar como confissão do depoente desde logo porque o mesmo tem posição nos autos coincidente com a autora e além do mais as suas declarações e depoimentos estão gravados, afigurando-se inútil proceder a qualquer transcrição das suas declarações”), nem em relação ao depoimento de parte da Autora Delfina (com o fundamento de que “uma vez que o depoimento se encontra gravado, afigura-se-nos inútil proceder a qualquer assentada relativamente à matéria que possa constituir confissão, pelo que não se procederá à mesma tendo em conta que o disposto no artigo 130.º do CPC proíbe a prática de actos inúteis”) 9. Decidindo e despachando como o fez, no que respeita, quer aos depoimentos de parte do aqui Recorrente, quer ao depoimento de parte da Autora Delfina, entende-se que o tribunal não se pronunciou, sobre questão que devia apreciar, ou, pelo menos, agiu com ambiguidade ou obscuridade, ocorrendo nulidades da sentença nos termos do nº. 1, als. c) e/ou d) do art. 615º Código de Processo Civil, nulidades que este Tribunal pode e deve apreciar, com as devidas cominações legais, o que sempre se requer. 10. Ora, a declaração de tais nulidades acarreta a anulação do julgamento, devendo ser o mesmo repetido com renovação dos depoimentos prestados e redução dos mesmos a escrito, e dada possibilidade às partes ou seus mandatários de fazerem as reclamações que entenderem. 11. Compulsando-se singelamente os autos, verifica-se que o aqui Recorrente não chegou a ser notificado do teor das contestações deduzidas pelos Co-Réus I. N. e Banco ... Banco ... SA, 12. Não obstante ter sido ordenado, como aliás, consta da conclusão de 1/6/2018 com a referência citius nº 158563858: Notifique as contestações a todos os co-Réus. dn. 13. Acresce ainda que o aqui Recorrente não foi notificado igualmente do despacho saneador. 14. Assim, o Primeiro Réu e aqui Recorrente, nunca chegou a ficar ciente que contra si havia sido deduzida pela Co-Ré I. N., na sua contestação, alegação de litigância de má-fé, bem como pedido indemnizatório, ou sequer o que no despacho saneador constava no que respeita ao objecto de litígio da “existência de um conluio entre a A. e o Ré José a sustentar um pedido de indemnização por litigância de má-fé em valor não inferior a €10.000”. 15. Este Venerando Tribunal já prolatou douto Acórdão, proferido em 17/01/2019, in Proc. nº 7070/17.0T8VNF.G1, publicado in www.dgsi.pt, relatado por Margarida Sousa, sobre situação idêntica à dos autos, onde foi decidido, a propósito de um caso de condenação que assentou em fundamento factual distinto do invocado pelo peticionante que (e transcreve-se): II - Nessas circunstâncias, deve o julgador conceder previamente ao suposto litigante de má-fé oportunidade para, querendo, se pronunciar sobre as razões – de facto e de direito – que, na sua perspectiva, são susceptíveis de conduzir à dita condenação; III - Não o fazendo, a decisão respeitante à má-fé é nula, porquanto, ao assim proceder, o julgador incumpre um dever processual que se reflecte na decisão, fazendo com que a mesma padeça de excesso de pronúncia; 16. Com tal omissão de notificações, deverá ser declarada nulidade decorrente da falta de notificação do aqui Recorrente para se pronunciar sobre os motivos que conduziram à sua condenação como litigante de má-fé, devendo ser invalidada a sentença de condenação, ou, se assim se não entender, ser pelo menos sendo declarada a nulidade da sentença recorrida na parte em que decidiu sobre a litigância (multa e indemnização) sem se proceder à audição do recorrente a respeito de tal matéria. 17. Na verdade, a sentença recorrida enferma de nulidade processual decorrente de decisão condenatória proferida com excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC, por ter a sentença conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento. Tal nulidade é aqui expressamente invocada pelo Primeiro Réu e aqui Recorrente. 18. Mercê da confissão efectuada pelo Primeiro Réu e aqui Recorrente e ainda pelos depoimentos de parte prestados por si e pela Autora Delfina, o Tribunal deveria, só por isso, ter julgado provados os factos atinentes às contas bancárias em discussão, uma vez que o aqui Recorrente tinha total legitimidade para fazer depósitos bancários em seu nome exclusivo e movimentá-los livremente, sem consentimento nem intervenção do cônjuge, nos termos do artigo 1680.º do Código Civil. 19. Tal circunstância conferia-lhe também inteira liberdade para por si só subtrair os depósitos bancários por si constituídos às regras gerais relativas à administração dos bens do casal, porque “tinha o direito de sozinho e sem necessidade e autorização ou consentimento (da sua ex-mulher) movimentar ou levantar depósitos bancários e dispor deles livremente dando-lhes o destino que muito bem entendesse, inclusive dissipá-los” (Acórdão da Relação do Porto de 14-02-1984, in Col. Jurisp. 1984 I, pág. 238); 20. Por via do regime legal dos depósitos bancários constituídos por qualquer dos cônjuges, e nos termos do citado artigo 1680.º, independentemente do regime de bens do respectivo casamento, o Primeiro Réu e aqui Recorrente tinha e tem plena disponibilidade jurídica em relação às importâncias respectivas, sendo a sua confissão dos factos plenamente válida e eficaz, nos termos dos artigos 574.º, n.º 2, 566.º, 567.º, n.º 1, e 568.º do Código de Processo Civil, devendo, ademais, ser tido como dotado de capacidade para dispor por si só do direito a que os factos confessados se referem, nos termos do artigo 353.º, n.ºs 1 e 2, 354.º e 358.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil; 21. Depois, fosse de quem fosse a propriedade do dinheiro existente na referida conta, uma vez que o aqui Primeiro Réu e Recorrente determinou a sua transferência para a conta da autora e reconheceu a propriedade desta, a consequência legal seria sempre a mesma (reconhecimento de que a Autora I. N. era proprietária dos saldos em questão). 22. Mas, ainda que não operasse a confissão e os depoimentos de parte prestados nos termos supra expostos, nunca o tribunal a quo podia considerar, como considerou, entre o mais, não se ter provado que os valores depositados não pertencem a qualquer dos réus, nem ao casal (facto não provado n.º1); que ambos os réus sabem que esses pertencem exclusivamente à autora (facto não provado n.º2); que a autora recebeu em França uma herança de um cidadão para quem trabalhava, cujo valor ascendia a cerca de 100.00,00€ (facto não provado n.º3); que foi com o conjunto desses valores e rendimentos que permitiu à autora depositar e manter aqueles valores (factos não provados n.ºs 4 e 5); que o réu José, quer enquanto trabalhador individual, quer enquanto sócio da sociedade que actualmente gere, nunca auferiu mais do que o seu salário, porque a sociedade não distribuiu lucros e nunca auferiu outros proventos (factos não provados n.ºs 6 e 7); que a conta de depósitos em causa foi movimentada pela autora a crédito e débito, e exclusivamente municiada com valores monetários que lhe pertenciam durante anos, tendo sido ela que mandou efectuar a transferência para o nome do réu, sendo a transferência feita a pedido deste para ajudar a viabilizar um mútuo junto do banco réu, conforme conselho do próprio banco (factos não provados n.ºs 8, 9, 10, 11, 12, 13, 16, 19, 20 e 23); que a autora tivesse determinado ao banco o encerramento da conta e que a transferência tivesse ocorrido em 9-5-2008 (factos não provados n.ºs14 e 15); que a conta tinha um saldo antes da transferência de 25.580,00€ e que o réu sempre reconheceu que a autora era a dona dos valores envolvidos (factos não provados n.ºs17 e 18); que a autora entregou ainda ao primeiro réu mais 50.900,00€ e que as contas em causa foram sempre e exclusivamente provisionadas com valores das pensões e rendimentos auferidas pela autora (factos não provados n.ºs 21 e 22); que o primeiro réu ficou procurador da conta devido à idade da autora, receosa de ser acometida de qualquer doença incapacitante e por nele depositar toda a confiança para movimentar as contas no interesse da autora e conforme as suas conveniências (factos não provados n.ºs 24, 25 e 26); 23. Com efeito, não apenas, como se disse, essa matéria de facto foi objecto de confissão integral e sem reservas do aqui Primeiro Réu e Recorrente que tinha inteira legitimidade formal e substancial para o fazer, como resultou inequivocamente do depoimento de parte por si prestado, e dos depoimentos, que o não contrariaram, designadamente do depoimento e declarações de parte prestados pela Co-Ré I. N. (Depoimento gravado digitalmente no Habilus - Citius, in registo digital da prova, in cd n.º 1 de 00.00.00 a 00.21.39, sobretudo a 00:21:05), do depoimento de parte do aqui Recorrente / Co-Réu José (depoimento gravado digitalmente no Habilus - Citius, in registo digital da prova, in cd n.º 1 de 00.00.00 a 00.55.46), do depoimento de parte da autora Delfina (depoimento gravado digitalmente no Habilus - Citius, in registo digital da prova, in cd n.º 1 de 00.00.00 a 00.40.00), do depoimento da testemunha A. F. (depoimento gravado digitalmente no Habilus - Citius, in registo digital da prova, in cd n.º 1 de 00.00.00 a 00.12.48, sobretudo a 00:01:18), do depoimento da testemunha M. C. (depoimento gravado digitalmente no Habilus - Citius, in registo digital da prova, in cd n.º 1 de 00.00.00 a 00.20.33, sobretudo a 00:08:20 e 00:08:22) e do depoimento da testemunha A. C. (depoimento gravado digitalmente no Habilus - Citius, in registo digital da prova, in cd n.º 1 00.00.00 a 00.28.30, sobretudo a 00:12:57). 24. Para além dessas circunstâncias, a matéria do facto não provado nº 3 foi objecto de confissão parcial da segunda ré, no seu articulado (artigo 44 da contestação, em que demostrou saber, pelo menos, que a autora recebera uma herança em França), e estão juntos aos autos um conjunto de documentos, subscritos pelo aqui Primeiro Réu e Recorrente e Co-Ré I. N., comprovativos de que a empresa de que são sócios nunca distribuiu lucros (docs. n.ºs 1 a 13 juntos com o requerimento inicial do primeiro réu), do valor irrisório da carreira contributiva do primeiro réu desde 1973 (doc. nº 14 junto com o requerimento inicial do primeiro réu), comprovativos de que o Primeiro Réu e Recorrente nunca fez qualquer pagamento ou depósito a partir das contas questionadas ou nestas (documentos n.ºs 15 a 18 juntos com o requerimento deduzido pelo aqui Primeiro Réu e Recorrente). 25. O aqui Recorrente impugnou a matéria de facto que foi considerada não provada, e, para isso, argumentou com a boa tese da plena validade a confissão expressa do aqui Primeiro Réu e Recorrente, a omissão da afirmação de factos concludentes pela Co-Ré I. N., tendo ainda, dado integral cumprimento do disposto in art. 640.º do Código de Processo Civil, procedendo-se à indicação dos concretos pontos de facto que têm por incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo e do registo de gravação da prova que impõem decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto que foram impugnados, a decisão que no seu entender devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, sempre indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, fazendo-o acompanhar de transcrição dos excertos que considera relevantes. 26. A condenação do aqui Primeiro Réu e Recorrente é de todo incompreensível e infundada por ausência de razões sérias e explicativas na sentença recorrida. 27. Dos factos que o tribunal deu por provados (os numerados de 1 ao 21), o tribunal nada fez constar que permitisse valorizar como litigância de má fé qualquer comportamento quer da Autora Delfina, quer do aqui Primeiro Réu e Recorrente. 28. De tais factos é até de concluir pelo contrário (inexistência de litigância de má fé) pois que o tribunal considerou que o Primeiro Réu e Recorrente é procurador da mãe, a Autora Delfina, nas referidas contas (facto 11) e se é procurador da mãe, deve poder concluir-se que o dinheiro não lhe pertence, a ele Primeiro Réu e aqui Recorrente, devendo ter-se igualmente por excluída a possibilidade de condenação da Autora e do aqui Recorrente como litigante de má fé, uma vez que essa condenação não foi precedida e teria de sê-lo para ser sustentada da notificação expressa para se pronunciar, notificação essa que foi omitida (cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 357/98 de 12-05, 289/2002 de 3-07-2002 in, respectivamente, acórdãos do Tribunal Constitucional, 40, pág. 275, e Diário da República de 13-11-2002, bem como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2010, proc. 3272/04.8TBAVR.C2.S1.dgsi.net). 29. A talho de foice devem aqui sobrenadar as considerações expendidas na fundamentação do Acórdão deste Venerando Tribunal, proferido em 18/10/2018, in Proc. nº 88/17.5T8ALJ.G1, publicado in www.dgsi.pt, relatado por Fernanda Proença Fernandes, onde de lê no seu sumário. “III. Não se pode confundir litigância de má-fé com lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer” 29. Depois, tendo-se por boa a solução adotada pela sentença recorrida, segundo a qual estamos perante um depósito irregular, disciplinado na medida do possível pelas normas do mútuo, não se percebe a razão pela qual o tribunal não considerou a aplicação do artigo 1144.º do Código Civil que estabelece que as coisas mutuadas se tornam propriedade do mutuário pelo facto da entrega, de onde deveria resultar que a simples transferência ou entrega ou ordem de transferência do dinheiro da titularidade do Primeiro Réu e aqui Recorrente para a titularidade da Autora Delfina tinha o inequívoco significado de que esta passaria a ser sua proprietária. 30. A matéria em questão tem disciplina própria no artigo 1680.º do Código Civil, inserido no conjunto de regras legais que disciplinam a administração dos bens no casamento, que expressamente prescreve que “qualquer que seja o regime de bens pode cada um dos cônjuges fazer depósitos bancários em seu nome exclusivo e movimentá-los livremente”, o que significa que sempre o que o Primeiro Réu e aqui Recorrente podia dar aos depósitos feitos em seu nome – o mesmo sucedendo até se fossem depósitos comuns – o destino que entendesse, sem necessitar de consentimento do seu cônjuge. * 1.2.2.2. Contra-alegações A 1.ª Ré (I. N.) contra-alegou, pedindo que se rejeitasse o recurso do 1.º Réu (José), por ilegitimidade (quanto ao mérito da causa), e por intempestividade (quanto à respectiva condenação como litigante de má-fé); e, subsidiariamente, se julgasse o mesmo totalmente improcedente. * II - QUESTÃO PRÉVIA - (In)Admissibilidade do recurso de apelação do 1º Réu (José) 2.1. Legitimidade e Oportunidade (para recorrer) 2.1.1. Legitimidade Lê-se no art. 631.º, n.º 1 do CPC que «os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido». Logo, a regra geral é a de que só a parte principal que tenha ficado vencida na causa pode recorrer. Nos casos, porém, em que «nem sequer existe verdadeiro conflito de interesses, a legitimidade para interposição de recurso depende, em primeira linha, da afirmação da legitimidade ad causam, conjugada com o prejuízo que emana da decisão» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, p. 66). Precisa-se, a propósito, que a legitimidade não é uma qualidade pessoal das partes (como a capacidade), mas uma certa posição delas em face da relação material litigada. Ela corresponde, grosso modo, ao conceito civilista de poder de disposição, ampliado porém de forma a abarcar, v. g., a faculdade de constituir uma dada relação jurídica, e não apenas a de a modificar ou extinguir. É o poder de dispor do processo - de o conduzir ou gestionar no papel de parte» (apud Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, p. 84). Dir-se-á, por isso, que a «legitimidade para o recurso radica, portanto, na necessidade de tutela, ou mais precisamente, na tutela que a decisão do recurso pode disponibilizar ao recorrente, e na utilidade que, para o impugnante, resulta da procedência do recurso» (Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, p. 154). Compreende-se, assim, que se afirme que o pressuposto base à legitimidade para recorrer seja o gravame ou prejuízo sofrido pelo pretendido recorrente: se este não existe, também não se verifica o interesse de agir que possa suportar a impugnação. Compreende-se, igualmente, que se afirme ainda que, se «nas situações normais a legitimidade para recorrer se afere através de um critério formal, verificando se o recorrente é parte no processo e conferindo o resultado da lide», outras situações há em que se torna necessário recorrer a um critério material, nomeadamente «nos casos em que o recurso advenha de terceiro directamente prejudicado», em que se pode impor então «a demonstração dos factos onde assente o alegado interesse, o que, sem embargo dos poderes de averiguação do tribunal, deve ser feito pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso (arts. 637º, nº 2, 641º, nº 2, al. a)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, p. 66-68). Por outras palavras, a «doutrina segue, maioritariamente, um critério material, atendendo apenas à desconformidade da decisão com aquela que seria mais favorável à parte, reconhecendo, consequentemente, legitimidade ad recursum a quem a decisão desfavorável causa um prejuízo, abstraindo da conduta dessa parte no tribunal a quo»; mas isso sem prejuízo da regra ser «da coincidência entre a legitimidade formal e a material, uma vez que a parte a quem a decisão causa prejuízo é aquela que ainda não conseguiu na acção aquilo que pediu» (Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, p. 154). * 2.1.2. OportunidadeLê-se no art. 638.º, n.º 1 do CPC que o «prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previsos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º». Mais se lê, no art. 644.º, n.º 2, al. e), do CPC que cabe «recurso de apelação da decisão «do tribunal de 1.ª instância» que «condene em multa ou comine outra sanção processual»; e no anterior art. 542.º, n.º 3 do mesmo diploma lê-se que, independentemente «do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé». Dir-se-á que, nos «casos em que seja aplicada multa, à admissibilidade imediata do recurso preside o interesse na efectividade dessa decisão como reflexo do incumprimento de deveres ou de ónus processuais. Nos demais casos, a interposição de recurso tem como objectivo a reponderação dos efeitos sancionatórios declarados» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, p. 157). * 2.1.3. Consequência processual Lê-se no art. 641.º, n.º 2, al. a), do CPC que o «requerimento [de interposição de recurso] é indeferido quando se entenda (…) que foi interposto fora de prazo ou que o requerente não tem as condições necessárias para recorrer». Logo, compete ao juiz a quo emitir despacho sobre o requerimento de interposição de recurso, nomeadamente conhecendo, ainda que de forma oficiosa, as questões ligadas à sua admissibilidade, aqui se incluindo a legitimidade do pretendido recorrente. Mais se lê, no n.º 5 do art. 641.º citado, que a «decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior». Compreende-se, por isso, que se leia, no art. 652.º, n.º 1, al. b), do CPC que, o juiz [do tribunal ad quem] a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso». Logo, a «decisão de admissão do recurso não é definitiva, tal como não são definitivas as decisões a fixar a espécie do recurso e a determinar o efeito que lhe compete. Tais decisões não são susceptíveis de impugnação por recurso, mas o tribunal ad quem pode decidir não conhecer do recurso, (…) ou alterar o efeito, um vez que não esta vinculado pela decisão do tribunal a quo» (José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 69). Por fim, lê-se no n.º 3 do art. 652.º do CPC que, «quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária»; e da decisão depois proferida pela conferência poderá a parte recorrer nos termos gerais (conforme n.º 5, al. b), do mesmo artigo). Compreende-se, por isso, que se afirme que a «apreciação genérica e tabelar de aspectos formais relacionados com a admissibilidade ou com o regime do recurso não produz efeito de caso julgado formal, não precludindo a possibilidade de posterior pronúncia de sentido diverso, seja por iniciativa do próprio relator, seja por sugestão dos adjuntos. Por exemplo, o facto de o relator ter declarado na intervenção liminar que não se verificavam obstáculos à admissibilidade do recuso não impede que posteriormente inverta o sentido da decisão, concluindo que obsta ao prosseguimento do recurso o facto da acção ter um valor inferior ao da alçada do tribunal ou de o recorrente não ter a posição de vencido. Já nos casos em que o relator tenha incidido especificamente sobre alguma questão, a título oficioso ou a requerimento de alguma das partes, sem reclamação para a conferência, estará impedida a posterior modificação, na medida em que por aquela via se esgotou o poder jurisdicional» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, pp. 187-8. No mesmo sentido, Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex - Edições Jurídicas, 1992, p. 202, onde se lé que o «despacho positivo do relator limita-se a assegurar a continuação do processo de recurso em ordem ao julgamento», sem que todavia faça «caso julgado formal, não deixando definitivamente assente que a conferência conhecerá do objecto do recurso»). Logo, cumprindo ao juiz desembargador relator «apreciar os pressupostos do recurso ou outros requisitos formais», a sua «apreciação genérica» não produzirá «efeitos de caso julgado formal, o qual apenas se constitui quando a apreciação incide especificamente sobre alguma questão, sem reclamação para a conferência» (António Santos Abantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, p. 787). * 2.2. Caso concreto (subsunção ao regime legal aplicável)2.2.1. Legitimidade Concretizando, verifica-se que, sendo o 1.º Réu (José) parte principal nos autos, teria legitimidade para recorrer de decisão em que ficasse vencido. Contudo, tendo a acção sido julgada totalmente improcedente, e sendo ele próprio (juntamente com os demais co-Réus) absolvido de todos os pedidos, não poderia - natural e necessariamente - recorrer dessa decisão de mérito; e nem recorrer de quaisquer decisões interlocutórias, por não lhe terem causado afinal qualquer definitivo gravame ou prejuízo (face, nomeadamente, ao resultado daquela outra). De outro modo se terá, porém, de entender, relativamente à condenação respectiva como litigante de má-fé, face à qual teria indesmentível legitimidade para recorrer. * 2.2.2. Oportunidade Concretizando novamente, verifica-se que, relativamente ao recurso de apelação interposto da condenação própria como litigante de má-fé, o 1.º Réu (José) tê-lo-ia que ter apresentado nos 15 dias seguintes a ter sido notificado da sentença proferida pelo Tribunal a quo. Ora, quando em 26 de Março de 2019 o 1.º Réu (José) veio recorrer daquela decisão, há muito que se mostrava esgotado o prazo autorizado por lei para o efeito. * 2.2.3. Consequência processualFalecendo legitimidade ao 1.º Réu (José) para recorrer da decisão sobre o mérito da causa, em tudo o que excedesse a sua condenação como litigante de má-fé, e tendo o recurso de apelação por si interposto - exclusivamente admissível quanto a esta última matéria - sido apresentado depois de integralmente decorrido o prazo legal previsto para o efeito, não pode deixar de ser rejeitado. A decisão anteriormente proferida pela aqui Relatora (de admissão dos recursos interpostos nos autos) foi de natureza tabelar, como claramente resulta do seu próprio texto, não se tendo por isso formado sobre ela qualquer caso julgado. * Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, não se admite o recurso de apelação independente interposto pelo 1.º Réu (José).* III - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR3.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC). Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação). * 3.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciarLimitado o objecto da apreciação deste Tribunal ad quem ao recurso de apelação interposto pela Autora (Delfina), mercê do mesmo 04 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal: 1ª - É a sentença recorrida nula, nomeadamente por ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível (subsumindo-se, desse modo, ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), II parte, do CPC), ou por o juiz ter deixado de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar (subsumindo-se, desse modo, ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), I, parte, do CPC) ? 2ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque . violou regras de direito probatório material (em sede de confissão das partes - omitindo inclusivamente a redução a escrito da realizada judicialmente, por meio de depoimento de parte - , de admissão de factos em articulados, e de ónus de prova); . e a prova produzida impunha que se dessem como demonstrados todos os factos não provados enunciados na sentença recorrida (sob os números 1’ a 26’), à excepção do aí enunciado sob o número 27’ («As pensões referidas em I.17 são no valor de 326,40 €, 59,47€ e 266,35€ e de 147,83€») ? 3ª - Deverá ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita), por forma a que se julgue a acção procedente? 4ª - Deverá ser alterada a decisão que condenou a Autora (Delfina) como litigante de má fé ? * IV - NULIDADES da sentença 4.1. Conhecimento de nulidades da sentença – Momento 4.1.1. Lê-se no art. 663.º, n.º 2 do CPC que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º». Mais se lê, no art. 608.º, n.º 2 do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». * 4.1.2. Concretizando, tendo sido invocada pela Autora (Delfina) recorrente a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes objecto da sua sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais (neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).* 4.2. Nulidades da sentença 4.2.1.1. Vícios da sentença - Nulidades versus Erro de julgamento As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por ter-se errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo). Precisando novamente, e para este feito, entende-se por: deficiência, o não ter sido dada resposta a todos os pontos de facto controvertidos ou à totalidade de um facto controvertido; obscuridade, o haver respostas ambíguas ou pouco claras, permitindo várias interpretações; contradição, o colidirem entre si as respostas dadas a certos pontos de facto, ou colidirem essas respostas com factos antes dados como assentes, sendo entre si inconciliáveis; e falta de fundamentação, o não ter o Tribunal fundamentado, ou fundamentado devidamente, as respostas ou alguma delas (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 664). Não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades». Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 132 e 133). * 4.2.1.2. Nulidades da sentença 4.2.1.2.1.1. Ininteligibilidade (art. 615.º, n.º 1, al. c), II parte, do CPC) Lê-se no art. 615º, nº 1, al. c), na sua II parte, do CPC, que «é nula a sentença quando»: 4 . ininteligibilidade - «(…) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível». A redacção em causa surge pela primeira vez com o novo CPC, face ao fim do anterior pedido de aclaração da sentença (uma vez que, se a sentença é ininteligível, passa agora a ser nula). Precisando, a «sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, Limitada, pg. 151, com bold apócrifo). Por outras palavras, «a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos», e «a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença» (Remédio Marques, Ação Declarativa À Luz Do Código Revisto, 3.ª edição, p. 667, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 693, quando se lê que «o pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)»). Ocorrerá, então, a dita ininteligibilidade da decisão quando não se consiga perceber o que se decidiu; ou quando o que se escreveu é passível de mais do que uma interpretação, ou de um sentido diverso e, porventura, oposto. * 4.2.1.2.1.2. Omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC)Lê-se no art. 615º, nº 1, al. d), I parte, do CPC, que «é nula a sentença quando»: . omissão de pronúncia - «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar». Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art. 608.º, n.º 2 do CPC, que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p.143, com bold apócrifo). Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, op. cit., p. 54). Logo, «as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões» (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido). Por outras palavras, as «partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a «questão» da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido dependa da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense» (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, Lisboa, pág. 228, com bold apócrifo). Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (cfr. Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ, n.º 439, pg. 526, Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, p. 161, Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, p. 105, e Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira). Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo). Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo n.º 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277). Igualmente «não se verifica a nulidade de uma decisão judicial – que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) – quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou» (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1). * 4.2.1.2.2. Caso concreto (subsunção ao direito aplicável) Concretizando, dir-se-á serem inexistentes as nulidades arguidas pela Recorrente, uma vez que: . ininteligibilidade - a sentença mostra-se perfeitamente inteligível (e por isso a Autora detalhadamente a sindicou no seu recurso), permitindo aferir: qual o raciocínio seguido pelo Tribunal a quo na valoração da prova produzida; quais os factos que por isso considerou provados e não provados; quais as normas que entendeu estarem em causa, e como as interpretou; qual a subsunção que fez às mesmas da prévia matéria fáctica apurada; e qual a conforme decisão final que desse modo proferiu. . omissão de pronúncia - a sentença conheceu de todas as questões enunciadas (nomeadamente, as convocadas pelos pedidos formulados pela Autora, e pela condenação respectiva como litigante de má-fé, pedida pela 1.ª Ré). Logo, as denunciadas nulidades com que a Recorrente acusa a sentença proferida radicam antes no facto do Tribunal a quo não ter reduzido a escrito as alegadas confissões resultantes dos depoimentos de parte prestados, em sede de audiência de julgamento, por ela própria e pelo 1.º Réu (José). Contudo, e como reiteradamente afirmado, essa omissão não consubstancia qualquer nulidade da sentença proferida nos autos, devendo antes ser conhecida em sede de alegada violação de regras de direito probatório. Improcede, assim, na sua totalidade, a arguição de nulidades que alegadamente afectariam a sentença recorrida. * V - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO5.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1ª Instância 5.1.1. Factos Provados Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1ª Instância, resultaram provados os seguintes factos: 1 - Delfina (aqui Autora) é mãe de José (aqui 1.º Réu), nasceu no dia 30/08/1933, no Lugar …, da freguesia de ..., concelho de Fafe, e casou canonicamente com José M., casamento que se dissolveu por óbito do cônjuge marido em ../../1995. 2 - O 1.º Réu (José) é filho da Autora (Delfina), nasceu no dia ../../1954, na mesma freguesia de ..., e casou com I. N. (aqui 1.ª Ré) em ../../1980, casamento esse que foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de ../../2012, do Tribunal de Guimarães, Instância Central, 3ª Secção de Família e Menores. 3 - O casal tem uma única filha, de 36 anos, C. A., nascida na freguesia e concelho de Fafe no dia 09/06/1981. 4 - Banco ..., SA (aqui 2.ª Ré), através de carta registada de 7 de Março de 2011, comunicou ao 1.º Réu (José) que, de acordo com o decidido pelo Mmo. Juiz de Direito da 1.ª Vara das Varas de Competência Mista de Guimarães, processo n.º 102/11.8TCGMR, ficaram arrolados à ordem daquela entidade, os valores que se encontram depositados nas contas bancárias abaixo referidas das quais esse 1.º Réu é titular, ficando esses valores à ordem da entidade judicial em causa: - conta de depósitos à ordem nº 90862326 – saldo 317.688,60 €; - conta de depósitos à ordem nº 238536193 – saldo 24.762,17 €. 5 - A Autora (Delfina) foi posteriormente informada pelo 1.º Réu (José) de que, como acto prévio ao divórcio e com vista a posterior partilha dos bens pertencentes a ele próprio e à 1.ª Ré (I. N.) - que se divorciaram -, esta requerera o arrolamento dessas contas, identificando-as como propriedade do ex-casal. 6 - O inventário pende actualmente na notária S. M., com cartório na Rua … Fafe, no processo nº 4136/15, 7 - A Autora (Delfina) abriu em 17/10/2006 uma conta no Banco ..., agência de Guimarães, à qual foi atribuído o n.º 45321693248, conta essa que manteve até 16 de Abril de 2009, data em que foi encerrada. 8 - Em 12 de Setembro de 2008 foi transferido o saldo da conta n.º 45321693248 para a conta titulada pelo 1.º Réu (José) no mesmo banco, nº. 90862326. 9 - Nessa data, a conta titulada pelo 1.º Réu (José) no mesmo banco, nº. 90862326 tinha um saldo à ordem de € 980,16 e um saldo de depósito especial de € 267.800,00. 10 - A Autora (Delfina) era a única titular da conta de depósitos à ordem n.º 45321693248 no Banco ..., agência de Guimarães. 11 - O 1.º Réu (José) figurava como procurador da conta n.º 45321693248. 12 - Em 29 de Abril de 2010, foram transferidos 50.900,00 € da conta nº. 90862236 para a conta com o n.º 238536193. 13 - Quer a Autora (Delfina), quer seu marido, trabalharam mais de 40 anos em França, ele na construção civil, ela como empregada de limpeza; e, sendo ambos pessoas poupadas, conseguiram auferir um pecúlio. 14 - Por sua vez, o 1.º Réu (José) começou a trabalhar com 19 anos, em 1973, como empregado metalúrgico, numa empresa de Guimarães, onde auferiu sempre apenas o salário mínimo nacional. 15 - Após, o 1.º Réu (José) passou a trabalhar de conta própria na mesma actividade de metalurgia, em 1982, e em sociedade, para o que montou um negócio com mais dois sócios, na freguesia de … do concelho de Guimarães. 16 - Posteriormente, em data não concretamente apurada mas cerca de 1999, o 1.º Réu (José) constituiu uma sociedade denominada X, Fábrica de Móveis Frigoríficos, Lda., esta com sede em …, no concelho de Guimarães, onde ainda hoje se emprega e da qual é sócio. 17 - A Autora (Delfina) vive de pensões de reforma provenientes de França e de uma pensão de reforma da Segurança Social portuguesa. 18 - O 1.º Réu (José) usava a conta da Autora (Delfina), segundo afirmava, para depositar dinheiro proveniente da empresa e não declarado, nem registado na sua empresa. 19 - Em 23 de Outubro de 2006, na conta com o n.º 45321693248 foi efectuado o primeiro movimento a crédito, por transferência, da quantia de € 42.114,54 proveniente da conta nº. 238536193, da titularidade do 1.º Réu (José). 20 - Em Novembro de 2006, o 1.º Réu (José) endossou o produto renda certa 2ª série a favor da Autora (Delfina) (conforme documento de fls.192, e extracto nº. 2006/003 de fls.158) no valor de € 49.880,00. 21 - Os depósitos a prazo nº. 2189844744, nº. 738291542 e nº. 2007259607 tiveram todos origem na mesma conta de depósito à ordem com o nº. 238536193, de que era titular o 1.º Réu (José). * 5.1.2. Factos não provados Na mesma decisão, o Tribunal de 1ª Instância considerou não provados os seguintes factos (aqui apenas identificados com uma acrescida «’»): 1’ - Os valores depositados não pertencem ao 1.º Réu (José), nem à 1.ª Ré (I. N.), nem ao casal. 2’ - Ambos os Réus sabem que esses valores pertencem exclusivamente à Autora (Delfina). 3’ - A Autora (Delfina) recebeu em França uma herança de um cidadão para quem trabalhava e que, não tendo parentes sucessíveis, resolveu contemplá-la num acto de gratidão pelos serviços que ela lhe prestou, e o activo dessa herança fez acrescer àquele património, após liquidação, cerca de mais 100.000,00 €. 4’ - Foi o conjunto desses valores e rendimentos que a Autora (Delfina) amealhou, ao longo de uma vida de trabalho que lhe permitiu depositar e manter aqueles valores nas referidas contas bancárias. 5’ - O resultado do referido em I.13 corresponde ao depósito feito e mantido pela Autora (Delfina) nas referidas contas. 6’ - Desse conjunto de actividades, designadamente das referidas sociedades, o 1.º Réu (José) nunca auferiu mais do que o seu salário, uma vez que aquelas não distribuíam lucros. 7’ - O 1.º Réu (José) nunca auferiu quaisquer proventos que lhe pudessem assegurar rendimentos extra ou valores que se aproximassem sequer dos saldos daquelas contas, o mesmo sucedendo com a 1.ª Ré (I. N.). 8’ - A conta referida em I.7 foi movimentando pela Autora (Delfina), a crédito e débito, e exclusivamente municiada com valores monetários que lhe pertenciam, durante anos. 9’ - Foi a Autora (Delfina) quem mandou efectuar a transferência referida em I.8. 10’ - A transferência referida em I.8 foi feita a pedido do 1.º Réu (José) e para ajudar a viabilizar um mútuo que ele aí queria efectuar. 11’ - Nos últimos meses do ano de 2008 ou princípios do ano de 2009, o 1.º Réu (José) resolveu comprar uma máquina necessária para a sua actividade industrial, denominada “puncionadora”, que custava, a preço de mercado, cerca de 200.000,00€, importância de que não dispunha e que pediu emprestada ao Banco ..., SA (aqui 3.ª Ré). 12’ - Como condição do empréstimo o Banco mutuante exigiu ao 1.º Réu (José), em caução do bom cumprimento do negócio de mútuo que para o efeito lhe fez, e em garantia da devolução da quantia mutuada, que durante o tempo em que a dívida permanecesse em cobrança, a titularidade das contas que sabia estarem então abertas em nome da Autora (Delfina). 13’ - Por tal motivo, o 1.º Réu (José) pediu à Autora (Delfina) sua mãe que autorizasse a transferência para conta dele dos fundos necessários para assegurar e manter a garantia que o banco lhe exigia como condição de viabilização do negócio 14’ - Mercê do pedido do 1.º Réu (José), a Autora (Delfina) determinou ao Banco o encerramento da sua conta n.º 45321693248, encerramento que teve lugar em 21/04/2008. 15’ - A transferência ocorreu em 09/05/2008. 16’ - Assim cumprindo o projecto deste de lhe garantir a sustentabilidade financeira para comprar a referida máquina. 17’ - Antes da transferência, a conta n.º 90862326 tinha um saldo de 25.580,00 €. 18’ - O 1.º Réu (José) sempre reconheceu que a Autora (Delfina) sua mãe era a única dona e possuidora dos valores envolvidos. 19’ - Tais valores destinavam-se exclusivamente a servir de caução, em garantia do bom pagamento do mútuo que a 2.ª Ré (Banco ..., SA) lhe fez. 20’ - Ficaram então em nome do 1.º Réu (José) para unicamente o referido efeito de caucionar a sua dívida ante a 2.ª Ré (Banco ..., SA), os seguintes valores: 48.000,00 €, oriundos da conta de depósitos a prazo nº 2357560169; 267.800,00 € oriundos de um depósito especial, e 49.880,00 € de seguros de poupança …, todos transferidos para a conta nº 90862326, em nome do 1.º Réu (José). 21’ - Nessa ocasião, e pelo mesmo motivo, a Autora (Delfina) entregou ainda ao 1.º Réu (José) 50.900,00 €. 22’ - As duas referidas contas abertas no Banco ... foram sempre e exclusivamente provisionadas com valores das pensões e rendimentos auferidas pela Autora (Delfina). 23’ - O referido em I.11 ocorreu conforme conselho do próprio banco. 24’ - O 1.º Réu (José) é o único filho da Autora (Delfina). 25’ - O 1.º Réu (José) ficou como “procurador” da conta devido à idade da Autora (Delfina) e por estar sempre receosa de ser acometida de qualquer doença incapacitante. 26’ - E por nele depositar toda a confiança para o efeito de movimentar as contas no seu interesse e conforme as suas conveniências. 27’ - As pensões referidas em I.17 são no valor de 326,40 €, 59,47€ e 266,35€ e de 147,83€. * 5.2. Modificabilidade da decisão de facto - Erro de julgamento 5.2.2. Erro de julgamento - Incorrecta apreciação da prova legal 5.2.2.1. Poder oficioso do Tribunal da Relação - Direito probatório material Lê-se no art. 607.º, n.º 5 do CPC que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art. 389.º (para a prova pericial), art. 391.º (para a prova por inspecção) e art. 396º (para a prova testemunhal). Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art. 607.º do CPC citado, com bold apócrifo). Mais se lê, no art. 662.º, n.º 1 do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607.º, n.º 4 do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2 do mesmo diploma). Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no C.C.), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo. Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art. 574.º, n.º 2 do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358.º do CC, e arts. 567.º, nº 1 do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351.º e 393.º, ambos do CC). Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados). * 5.2.2.2. Confissão 5.2.2.2.1. Lê-se no art. 352º do CC que confissão «é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária». Logo, a confissão tem forçosamente que incidir sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis à parte contrária: «a confissão constitui prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária; portanto recai necessariamente sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis ao seu adversário» (José Alberto dos Réis, Código Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 70). Sendo realizada em juízo, diz-se judicial (art. 355.º, nº 2 do CC). Sendo judicial, pode ainda ser espontânea - nomeadamente, a «feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual» -, ou provocada - nomeadamente, a «feita e depoimento de parte» (arts. 356.º, n.º 1 e n.º 1, do CC). Recorda-se, a propósito, que se lê no art. 567.º, nº 1 do CPC que, se «o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa (…), consideram-se confessados os factos articulados pelo autor»; e que se lê, no art. 454.º, nº. 1 do CPC, que o «depoimento [de parte] só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente devia ter conhecimento», sendo que, de acordo com o art. 453.º, n.º 3 do CPC, a parte não pode requerer o seu próprio depoimento, mas apenas o da parte contrária e dos seus compartes. Com efeito, «sobre um dado facto quesitado só pode ser requerido o depoimento de uma das partes, a parte contra quem o facto foi alegado, e não a parte que o invocou ou alegou», já que, caso contrário, o depoente «iria, pois, pronunciar-se sobre a própria matéria de facto que alegou, donde, obviamente, não pode falar-se em confissão» (Ac. da RL, de 15.06.1979, CJ, 1979, Tomo 3, p. 814). Mais se lê, no art. 463.º, nº 1 do CPC que o «depoimento de parte é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente, ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória». Compreende-se que assim seja, uma vez que só a «confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente» (art. 358.º, nº 1 do CC)», e não também a meramente gravada em registo áudio; e, por isso, se «finda a prestação do depoimento de parte, o depoente não confirmar a assentada, rectificando-a nos termos do nº 3 do artigo 563º do CPC, não haverá confissão judicial escrita na parte questionada, devendo a eventual confissão judicial ser livremente apreciada pelo tribunal» (Ac. da RL, de 19.04.2007, Jorge Leal, Processo n.º 317/07-2). Lê-se ainda, no art. 353.º do CC, que a «confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade para dispor do direito a que o facto confessado se refira» (n.º 1); e que a «confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente», e «não o é, se o litisconsórcio for necessário». Compreende-se que assim seja, uma vez que naquele primeiro - litisconsórcio voluntário -, embora se esteja perante uma relação material controvertida que respeita a várias pessoas, a mesma pode ser judicialmente feita valer, ou defendida, por um só dos interessados, conhecendo então o juiz apenas da respectiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade comum (art. 32.º do CPC); mas já no segundo - litisconsórcio necessário -, as acções que afectem a dita relação material controvertida única têm que ser propostas por, ou contra, todos os respectivos titulares, que só desse modo podem dispor dela, ou vê-la afectada (art. 33.º do CPC). O litisconsórcio necessário pode ter origem na lei, em negócio jurídico, ou assentar na natureza jurídica da relação litigada, sendo neste caso exigido para que a decisão a proferir produza o seu efeito útil normal, isto é, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (art. 33.º do CPC). O «litisconsórcio necessário natural deve», porém, «ser encarado com excecionalidade verificando-se apenas quando a sentença que porventura vier a ser proferida fique numa situação instável em face de outra eventual sentença que venha ser proferida noutra ação com intervenção de outros interessados». Logo, «o litisconsórcio natural existe quer quando a repartição dos interessados por acções diferentes impeça a composição definitiva entre as partes, quer quando obste a uma solução uniforme entre todos os interessados (Teixeira de Sousa, ob. cit., p. 70). Com tal exigência procura-se evitar que a sentença nem sequer entre os sujeitos vinculados consiga produzir o seu efeito útil normal, o qual “consiste na composição definitiva do litígio entre as partes relativamente ao pedido formulado, de modo a que o caso julgado material possa abranger todos os interessados, evitando tornar-se incompatível (porque contraditório, total ou parcialmente) com a decisão eventualmente obtida noutra acção” (Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª ed., p. 380). Será, pois, em função de cada litígio que poderá determinar-se se uma projectada sentença de mérito tem ou não validade para, de modo definitivo, resolver o litígio entre as partes, ainda que porventura esteja pendente ou venha a ser instaurada outra acção com outros sujeitos do lado ativo ou passivo (Paulo Pimental Processo Civil Declarativo, 2.ª ed., pp. 81 e 82)» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2018, p. 63-4, com bold apócrifo). Assente, dir-se-á ainda que, não oferecendo a interpretação do art. 353º do C.C. «dificuldades de maior, (…) apenas que se aplica à confissão espontânea em articulado, tal como às restantes modalidades de confissão, mesmo quando, em consequência do ónus da contestação ou da impugnação especificada, poderia, em caso de litisconsórcio necessário, parecer o contrário: se um dos réus litisconsortes confessar expressamente determinado facto, enquanto o outro não contesta ou, contestando, omite a impugnação desse facto, a confissão do primeiro não deixa de ser ineficaz, mas equivalendo esta ineficácia à falta duma tomada de posição sobre a verdade da afirmação do autor, o facto por este alegado fica provado por admissão concorde dos réus; e só se esta concordância não se verificar (por hipótese, um dos três litisconsortes confessa e outro admite, mas o terceiro impugna o facto) é que a lei expressa (C.P.C., art. 485-a, no caso da revelia) ou a própria natureza da relação jurídica em causa impõe que o facto se tenha por impugnado, relativamente a todos os réus» (José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, p. 81). Por outras palavras, em caso de litisconsórcio necessário, «se, em vez de impugnar, o réu contestante confessar determinado facto, não sendo esta confissão eficaz (C.C., art. 353-2), a omissão de impugnação, combinada com a omissão de contestação do réu revel, resulta em se dever dar o facto como provado por admissão concorde, a mesma solução jogando se o réu contestante omitir qualquer referência ao facto em causa» (José Lebre de Freitas, op. cit., p. 477, nota 45). * 5.2.2.2.2. Concretizando, verifica-se que, na presente acção, movida pela Autora (Delfina) - inicial e simultaneamente - contra o 1.º Réu (José) e a 1.ª Ré (I. N.), antes casados entre si e hoje em processo de partilha do antes património conjugal, pretende aquela que se reconheça ser ela a proprietária das quantias existentes em duas contas bancárias tituladas exclusivamente pelo 1.º Réu, seu filho; e se eliminem as mesmas do arrolamento promovido pela 1.ª Ré, por alegado receio de dissipação de tais valores.Dir-se-á, assim, que ainda que o 1.º Réu (José) pudesse dispor livremente de tais quantias (nos termos do art. 1680.º do CC, citado para o efeito pela Autora nas suas alegações de recurso), não tendo por isso que ser aqui necessariamente demandado com a 1.ª Ré (I. N.) à luz do regime próprio aplicável à legitimidade dos cônjuges, previsto no art. 34.º do CPC, sempre teria que o ser para que a decisão a proferir produzisse o seu efeito útil normal, conforme art. 33.º, n.º 2 e n.º 3 do CPC. Com efeito, tendo o arrolamento a que a Autora (Delfina) reage sido fundado na alegada natureza comum das ditas quantias (depositadas em instituição bancária), com vista à sua partilha em sede de inventário instaurado para dissolução do património conjugal, não podiam os dois ex-cônjuges deixarem de ser aqui - inicial e simultaneamente - demandados; e isto sob pena de qualquer sentença de procedência da acção não ser oponível ao outro (ausente, e por isso não vinculado pelo caso julgado material formado sobre ela), nem ser exequível (ainda que parcialmente, pois os referidos montantes ou são do casal, no seu todo, ou não o são, de todo). Dir-se-á, assim, que o 1.º Réu (José) e a 1ª Ré (I. N.) se encontram em litisconsórcio necessário natural; e, por isso, a eventual confissão realizada por aquele primeiro em sede de audiência de julgamento, por meio de prestação de depoimento de parte, é ineficaz, isto é, não produz qualquer efeito enquanto tal. Logo, não tinha igualmente (e apenas por este motivo, que não o seu registo áudio, conforme explicitado supra) que ser reduzida a escrito. * Concretizando novamente, e agora relativamente à inicial falta de contestação da acção por parte do 1.º Réu (José), dir-se-á que, tendo a 1.ª Ré (I. N.) contestado os autos, e impugnado a factualidade aduzida pela Autora (Delfina) para fundar a sua pretensão, ficou desde logo essa factualidade controvertida, e não assente, conforme arts. 567.º, n.º 1 e 568.º, al. a), ambos do CPC.Logo, também aqui inexiste qualquer válida e eficaz confissão (judicial), por parte do 1.º Réu (José), aos factos que fundamentavam a procedência da pretensão da Autora. * Concretizando uma derradeira vez, e agora quanto à alegada falta de redução a escrito da confissão judicial da Autora (Delfina), em sede de depoimento de parte prestado em audiência de julgamento, recorda-se que a dita confissão teria que ser necessariamente «o reconhecimento que a parte faz de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária» (art. 532.º do CC).Logo, e para este efeito, apenas se poderia atender ao depoimento prestado sobre o tema da prova 9, único que resultou da alegação da 1ª Ré (I. N.) («9. Utilização, pelo Réu, das contas tituladas pela Autora para depositar a aplicar os rendimentos não declarados nem registados, da empresa do 1.º Réu»), excluindo-se necessariamente o prestado sobre os temas da prova 1, 3, e 4, que resultaram da sua própria alegação («1. Rendimentos auferidos pela Autora e falecido marido», «3. Contas titulada pela Autora», «4. Propriedade dos respectivos saldos»); e aquele primeiro (único susceptível de confissão por parte da Autora) muito expectavelmente não foi confirmado pela depoente (inexistindo, por isso, qualquer confissão). Dir-se-á ainda que o conhecimento desta questão jamais teria qualquer efeito útil teria para pretensão recursória da Autora (Delfina), que, recorda-se, visa a alteração da sentença que julgou a acção totalmente improcedente, por meio da sua substituição por um acórdão que a julgue totalmente procedente. Com efeito, a força probatória plena própria da confissão judicial reduzida a escrito, de quaisquer factos alegados pela 1.ª Ré (I. N.) que a Autora tivesse assumido como verdadeiros, apenas confirmaria aquele anterior - e sindicado - juízo de procedência da acção, tornando definitivamente impossível a sua revogação, por meio da indemonstração da sua própria tese fáctica. Por outras palavras, a impugnação da decisão de não reduzir a escrito a eventual (já vista como inexistente) confissão judicial que a Autora haja realizado, não se justifica a se, de forma independente e autónoma da alteração da decisão de facto; e esta assume um carácter instrumental face à decisão de mérito. Precisando, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo). Assim, e por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (conforme Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1). Compreende-se, por isso, que se afirme que, se «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 6628/10.3TBLRA.C1, onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação»). Concluindo, a apreciação da questão relativa à falta de redução a escrito da eventual confissão que a Autora houvesse realizado em sede de depoimento de parte, prestado em audiência de julgamento, sempre seria irrelevante para o desfecho da sua pretensão recursória - recorde-se, «a matéria de facto ser alterada nos termos propugnados, a autora ser absolvida da condenação como litigante de ma fé e a acção sempre ser julgada, em qualquer dos casos, inteiramente procedente e provada». * Deverá, assim, decidir-se em conformidade, julgando que inexistiu, por parte do Tribunal a quo, qualquer violação de direito probatório material, relativo a confissão - válida, eficaz e relevante para a pretensão recursória sub judice -, realizada quer pela Autora (Delfina), quer pelo 1º Réu (José), nos respectivos articulados, ou por meio de depoimento de parte, prestado em audiência de julgamento. * 5.2.2.3. Admissão de factos feita em articulado 5.2.2.3.1. Lê-se, no art. 574.º do CPC que, ao «contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor» (n.º 1), considerando-se «admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou só puderem ser provados por documento escrito» (n.º 2). Mais se lê, no art. 587.º, n.º 1 do CPC, que «a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574.º». Logo, a regra é a que a não impugnação especificada de um facto no articulado seguinte àquele em que foi alegado resulta em ter-se o dito facto por assente. Esta cominação «é consequência da inobservância dum ónus intimamente ligado ao princípio dispositivo, no seu aspecto de adução material de facto a utilizar na decisão do litígio», considerando ser este «o incentivo mais poderoso para [as partes] coadjuvarem a descoberta da verdade sobre a matéria de facto, não porque possam dispor a bel-talante do matéria fáctica do processo, mas de acordo com a noção de auto-responsabilidade inerente ao seu poder de iniciativa» (José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, p. 468 e 469). Recorda-se que a confissão espontânea realizada em articulado, «segundo as restrições da lei processual», «tem força probatória plena contra o confitente» (arts. 356.º, n.º 1 e 358.º, n.º 1, ambos do CC). Procurando distinguir o comportamento omissivo da parte, quando não impugna os factos alegados pela contrária, da verdadeira confissão, há quem apelide aquele primeiro de «admissão», assim as distinguindo, «de acordo com o puro dualismo declaração expressa/silêncio»: confissão será «uma declaração representativa (sobre a realidade dum facto)» e admissão será «a omissão duma declaração desse tipo» (José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, p. 472). Contudo, precisa-se que «a declaração de que se quer conceder ou de que não se quer impugnar um facto, tal como a de que não se impugna um facto, sendo neutra do ponto de vista da realidade, não tem qualquer valor autónomo ou sequer relevância no nosso sistema jurídico, pelo que, se for acompanhada da declaração de que o facto é verdadeiro, equivale a uma confissão e, se não for acompanhada de qualquer outa declaração, resulta numa admissão (por omissão); e, perante o critério de distinção adoptado, a declaração de que se concede certo facto que, porém, se afirma não ser verdadeiro não constitui uma admissão, ainda que ineficaz, uma vez que não estamos perante a omissão duma declaração sobre a realidade» (José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, p. 473-4). Dir-se-á, ainda, que «a admissão constitui mesmo uma prova pleníssima (e não apenas plena) porquanto os factos em causa ficam definitivamente provados no processo, não podendo o réu vir posteriormente negá-los. A admissão identifica-se, assim, com uma presunção inilidível» (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 292 e 293). * 5.2.2.3.2. Concretizando, verifica-se que a Autora (Delfina) alegou, na sua petição inicial, que de «outra fonte de rendimentos beneficiou ainda a autora, uma vez que recebeu em França uma herança de um cidadão para quem trabalhava e que, não tendo parentes sucessíveis, resolveu contemplá-la num acto de gratidão pelos serviços que ela lhe prestou, e o ativo dessa herança fez acrescer àquele património, após liquidação, cerca de mais 100.000,00€» (artigo 15º); e que foi «o conjunto desses valores e rendimentos que a autora amealhou, ao longo de uma vida de trabalho, que lhe permitiu depositar a manter aqueles valores nas referidas contas bancárias» (artigo 16.º).Mais se verifica que, na sua contestação, a 1.ª Ré (I. N.) impugnou especificadamente esta factualidade (conforme artigos 8º e 9º da mesma): e precisou enfaticamente no seu artigo 44º que «tanto a A. como o seu falecido marido não beneficiaram, de qualquer outro rendimento extraordinário, quer enquanto estiveram emigrados, quer depois do regresso, designadamente o descrito no artigo 15º da petição inicial - embora seja verdade que referiam [a Autora e o seu marido] ter recebido, de alegado benemérito, algumas “pequenas” prendas como uma máquina de lavar e até uma pequena motorizada» (artigo 44º da contestação). Logo, e salo o devido respeito por opinião contrária, não admitiu/confessou a 1.ª Ré (I. N.), no seu articulado contestação, ou em qualquer outro, esta matéria. * Deverá, assim, decidir-se em conformidade, julgando que inexistiu, por parte do Tribunal a quo, qualquer violação de direito probatório material, relativo a confissão - válida e eficaz, realizada pela 1ª Ré (I. N.), nos respectivos articulados. * 5.2.2.4. Ónus de alegação e prova - Inversão 5.2.2.4.1. Lê-se no art. 5.º, n.º 1 e nº 2 do CPC que às «partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas», sendo que, além «dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz» os «factos instrumentais que resultem da instrução da causa», os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar», e os «factos notórios e aquele de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções». Consagra-se, assim, o princípio do dispositivo (em sede de composição do litígio), afirmando-se por isso um ónus de alegação (de factos) a cargo das partes. Mais se lê, no art. 342.º do CC que àquele «que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (n.º 1), sendo que a «prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» (n.º 2), devendo - em caso de dúvida - os factos ser considerados como constitutivos do direito (n.º 3). Assim, enquanto que o autor terá de alegar a matéria de facto que integra a previsão da norma jurídica que tutela a sua pretensão, o réu terá depois que contradizê-la, ou aduzir outra que contrarie eficazmente os efeitos pretendidos extrair daquela primeira, defendendo-se por impugnação (no primeiro caso), ou por excepção (no segundo). Precisa-se, a propósito, que a impugnação que o réu faça dos factos, quando negue a sua verificação, pode ser por: negação directa (ou inexactidão absoluta), em que nega, rotunda e genericamente, os factos, apelidando-os de falsos, porque constituem puras inverdades (o réu ataca de frente o pedido, contradizendo os factos aduzidos pelo autor como constitutivos do seu direito); ou por negação indirecta ou motivada (ou inexactidão relativa), em que nega os factos indirectamente, isto é, integrando-os numa outra panorâmica fáctica, apresentando uma contraversão ou contra-exposição dos mesmos factos, porque não se passaram da forma alegada (mas sim de outra, geradora de distinto resultado). Contudo, em qualquer destas duas formas de impugnação, há sempre uma negação dos factos, ou dos seus efeitos jurídicos, que se traduz na alegação de outros factos novos, distintos e opostos àqueles, dando-se uma nova versão da realidade. Já quando o réu se defende por excepção peremptória (o que às vezes se torna difícil de distinguir da impugnação motivada), aceita os factos alegados pelo autor, invocando porém outros novos, que se destinam a impedir, a modificar ou a extinguir os efeitos jurídicos pretendidos extrair pelo autor da sua alegação inicial. Contudo, como a distinção entre defesa por impugnação motivada e defesa por excepção peremptória é, por vezes, difícil de fazer na prática, e tem consequências processuais graves, entende-se que, na dúvida, a defesa dever ser qualificada como impugnação, pela maior garantia dada à verdade material em face dos efeitos resultantes da falta de resposta (Ac. do STJ, de 18.02.1997). Cada «uma das partes terá assim (o ónus) de alegar e provar os factos correspondentes à previsão da norma que aproveita à sua pretensão ou à sua excepção», isto é, cada uma das partes tem de provar os factos que constituem os pressupostos da norma que lhe é favorável» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 455). Lê-se ainda, no art. 414.º do CPC, que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Compreende-se, por isso, que se afirme num sistema processual híbrido como o nosso, que, «respeitando embora o princípio dispositivo no tocante à alegação dos factos», aceita «uma linha de orientação diferente (o princípio inquisitório) em relação à prova dos factos alegados», o ónus da prova deixe de constituir o encargo lançado sobre a parte de, não «só alegar o facto» que lhe aproveita, como de «carrear, por si mesma, para o processo, todos os elementos capazes de convencer o juiz da realidade desse facto, sob pena de se ter como assente o facto oposto. O ónus da prova passa antes a significar a situação da parte contra quem o tribunal dará como inexistente um facto, sempre que, em face dos elementos carreados para os autos (seja pela parte interessada na verificação do facto, seja pela parte contrária, seja pelo próprio tribunal), o juiz se não convença da realidade dele» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 450-451, com bold apócrifo). Por outras palavras, quando o julgador se veja perante esta hipótese, de dúvida irredutível sobre a realidade de um facto (pressuposto da aplicação de uma norma jurídica) - ponto de chegada após a valoração da prova - terá de recorrer ao ónus da prova objectivo, isto é, considerando não provado o facto alegado pela parte que dele aproveitava (arts. 342.º, n.º 1 e 346.º, ambos do CC). Por isso se afirma que o «ónus da prova, em vez de revestir um sentido marcadamente subjectivo, como ocorre nos sistemas assentes sobre o princípio do dispositivo, passa a ter, nos regimes temperados pelo princípio do inquisitório, uma feição acentuadamente objectiva, que só por via reflexa atinge a actividade (probatória) das partes. O que relava, no julgamento, já não é tanto a actuação subjectiva da parte, quanto a situação objectiva, o non liquet do facto, resultante da instrução da causa» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 450-451, com bold apócrifo). Por fim, e no que ora nos interessa, lê-se no art. 344.º, n.º 2 do CC que há «inversão do ónus a prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado». Esta inversão «acontece quando a recusa impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (exs.: art. 313-1 CC; art. 364 CC), já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos (por exemplo, a destruição, pelo condutor do automóvel, logo após o acidente, dos indícios da sua culpa no acidente de viação, o obstáculo eficaz erguido à deslocação a tribunal de uma testemunha da parte contrária ou a não apresentação dum documento na posse da parte pode, se outra prova dos factos em causa não existir ou, existindo, for insuficiente, dar lugar à inversão do ónus da prova, que ficará a cargo da parte não cooperante)» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Almedina, Março de 2018, pp. 222-3. No mesmo sentido, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, Almedina, 2.ª edição, 2004, pp. 454-5). «À impossibilidade de prova por atuação culposa da parte não colaborante deve equiparar-se uma colaboração reticente ou parcialmente inviabilizadora da prova, desde que dessa fala de colaboração resulte, comprovadamente, fragilidade probatória causada pelo recusante (STJ 31-3-09, 09A197). No caso específico das acções de investigação de paternidade, a conduta do investigado progenitor de recusa injustificada de realização de exame de sangue pode dar azo a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344.º, n.º 2, do CC, como se decidiu em STJ 16-10-12, 194/08 e STJ 17-5-16, 8928/11» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2018, p. 491). * 5.2.2.4.2. Concretizando, e atentos os concretos pedidos formulados pela Autora (Delfina) - de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre quantias depositadas em contas bancárias tituladas elo 1.º Réu (José), seu filho, e de eliminação das mesmas do arrolamento promovido pela 1ª Ré (I. N.) contra este, no âmbito da partilha dos bens comuns do casal por eles antes formado -, verifica-se que sobre a Autora recaía o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do alegado direito de propriedade próprio sobre tais montantes.Mais se verifica que, na contestação que apresentou, a 1ª Ré (I. N.) defendeu-se por mera impugnação (art. 571.º, n.º 1 e n.º 2, I parte, do CPC), ainda que motivada, impugnando os factos alegados pela Autora conducentes àquele direito de propriedade, e aduzindo outros tendentes a demonstrar terem tais montantes sido gerados pela actividade empresarial desenvolvida por Sociedade detida por ela própria e pelo 1.º Réu (José), então seu marido; e, por isso, integrando o património comum do agora dissolvido - por divórcio - casal. Do mesmo modo procedeu a 2ª Ré (Banco ..., SA), na contestação que apresentou, isto é, apenas impugnou na mesma a versão dos factos apresentada pela Autora (Delfina), sem mesmo lhe contrapor outra. Logo, não deduziram as Rés contestantes, relativamente ao direito invocado pela Autora, qualquer excepção peremptória, tendente a impedi-lo, modificá-lo ou extingui-lo (arts. 571.º, n.º 1 e n.º 2, II parte, e 576.º, n.º 1 e n.º 3, ambos do C.P.C.); e também não formularam qualquer pedido reconvencional (art. 266.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C.). Caberia, assim, à Autora (Delfina), depois da sua alegação inicial, fazer prova dos factos constitutivos do seu direito (por ela, prévia e correctamente, alegados), condicionantes da procedência da acção; e às Rés bastaria opor contraprova a respeito dos mesmos factos (tendo essa contraprova nomeadamente por objecto os factos integrantes da impugnação motivada, ou da impugnação simples, que, prévia e correctamente, cada uma deles apresentara), já que lhes bastaria tornar duvidosos aqueles primeiros para obter a improcedência da acção, e não também lograr a demonstração certa e segura dos que a primeira delas alegara (arts. 342.º, n.º 1 e 346.º, ambos do CC). Por fim dir-se-á que, não tendo efectivamente a 2ª Ré (Banco ..., SA) juntado aos autos documentação bancária que tinha sido solicitada pela Autora, por ter destruído a microfilmagem respectiva ao fim de dez anos, não foram alegados - ou provados - outros factos que, com aqueles, permitam a inversão do ónus de prova, prevista no art. 344.º, n.º 2 do CC. Com efeito, tendo a 2ª Ré (Banco ..., SA) agido convicta de que estava autorizada para aquela destruição pelo art. 40º. do Código Comercial, de outro modo o entendeu o Tribunal a quo, e extenso e bem fundamentado despacho, ao defender aplicar-se ao caso o Decreto-Lei nº 279/2000, de 10 de Novembro (lei especial, que prevalece sobre aquela geral); e citando em seu abono o Acórdão do STJ, de 04.10.2011, Processo nº 3200/04.0TVLSB.L1.S1. Contudo, ele próprio, considerando ter sido violado o dever de colaboração da parte, apenas condenou a 2ª Ré (Banco ..., SA) em multa, aliás, tal como exclusivamente peticionado antes pela Autora. Compreende-se, e reitera-se, a sua decisão, já que a actuação da 2ª Ré (Banco ..., SA) foi feita ao abrigo da mais generalizada interpretação da lei comercial; e sem que tenha sido oportunamente alegado, e demonstrado, que desse modo ficou a Autora impossibilitada de produzir prova sobre a sua pretensão, assim se compreendendo que muita outra haja arrolado e efectivamente produzido. * Deverá, assim, decidir-se em conformidade, julgando que inexistiu, por parte do Tribunal a quo, qualquer violação de direito probatório material, relativo ao ónus de prova, que no decurso dos autos não sofreu qualquer autorizada inversão, nomeadamente a radicada em conduta processual da 2ª Ré (Banco ..., SA). * 5.2.3. Erro de julgamento - Incorrecta livre apreciação da prova5.2.3.1.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação Lê-se no nº 2, als. a) e b), do art. 662º do CPC, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)». «O actual art. 662º representa uma clara evolução [face ao art. 712º do anterior C.P.C.] no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis. (…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, nº 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 225-227). É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, nº 44, p. 29 e ss.). * 5.2.3.1.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnaçãoContudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios. Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recuso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 228, com bold apócrifo). Lê-se, assim, no art. 640º, n 1 do C.P.C. que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas». Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (art. 640º, nº 2, al. a) citado). Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c) do nº 1 do art. 640º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 129, com bold apócrifo). Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo). Por outras palavras, se o dever - constitucional e processual civil - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, in www.dgsi.pt, como todos os demais sem indicação de origem). Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655). «É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325). «Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 591, com bold apócrifo). Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 281). É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise critica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, p. 595, com bold apócrifo). De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes). Importa, porém, não esquecer - porque (como se referiu supra) se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 609). * 5.2.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)5.2.3.2.1. Incumprimento (do ónus de impugnação) Concretizando, considera-se que a Recorrente (Autora) não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art. 640.º, n.º 1 do C.P.C., nomeadamente por não ter indicado - devida e suficientemente - os «concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida». * Com efeito, reconhece-se que a Recorrente (Autora) indicou, quer no corpo das alegações do seu recurso, quer nas respectivas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (todos os factos não provados enunciados na sentença recorrida, à excepção do último).A Recorrente (Autora) indicou ainda com exactidão as passagens da gravação dos depoimentos seleccionados para fundar a sua sindicância, procedendo simultaneamente à transcrição das mesmas, no corpo das alegações do seu recurso. Já relativamente ao juízo crítico próprio da Recorrente (Autora), assentou o mesmo na reclamação de uma diferente valoração a fazer dos depoimentos e documentos que seleccionou como base para a sua sindicância. Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos, e analisou os documentos escolhidos, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face à demais prova produzida e às regras da experiência. Assim, pretendendo a Recorrente (Autora) sindicar este juízo, importaria que indicasse as razões objectivas pelas quais entende que à prova pessoal e documental que seleccionou deveria ter sido dada outra relevância (nomeadamente, refutando de forma fundada as razões objectivas apresentadas pelo Tribunal a quo em sentido contrário). Contudo, não o fez correcta e eficazmente, limitando-se grosso modo a reiterar (subjectiva, genérica e conclusivamente) a suficiência dos depoimentos das ditas partes e testemunhas para sufragarem a sua tese. Recorda-se, porém, que vem a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a defender que a menor suficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (conforme o já citado Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1). Por fim, e no que ao efectivo cumprimento do ónus de impugnação previsto no art. 640º, n.º 1 e n.º 2 diz respeito, dir-se-á que a Recorrente (Autora) indicou a decisão que, no seu entender, se impunha (o darem-se como demonstrados os factos provados enunciados na sentença sob os números 1’ a 26’, inclusive). * Contudo, e relativamente à imperativa indicação dos concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, a Recorrente (Autora) fê-lo apenas de forma genérica, sem a necessária individualização quanto a cada um dos pontos de facto impugnados.Por outras palavras, a Recorrente (Delfina) estribou o seu recurso sobre a matéria de facto numa diferente valoração dos depoimentos prestados por ela própria, pelo 1º Réu (José), pela 1ª Ré (I. N.), e pelas testemunhas A. F., M. C. e A. C., e nos documentos por si escolhidos; mas fê-lo sem reportar cada um desses depoimentos e documentos aos diferentes e múltiplos factos impugnados, ou demonstrar/justificar que cada um deles suportaria a impugnação de todos e qualquer um daqueles factos. Ora, recorda-se que «a impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão». Compreende-se, por isso, que se defenda que se «a recorrente identificou os pontos de facto que considera mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, mas limitou-se a indicar os depoimentos prestados e os documentos que listou, sem fazer a referência indispensável àqueles pontos de facto, especificando que concretos meios de prova impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado», incumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art. 640.º, n.º 1, al. b), do C.P.C. (Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1, com bold apócrifo). Aceita-se que assim seja, já que a «delimitação [do objecto do recurso] tem de ser concreta e específica e o recorrente tem de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco». Por isso, e de novo, se a «recorrente (…) não especifica os meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos que pretende impugnar» incumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art. 640.º, nº1, al. b), do CPC (Ac. da RG, de 24.01.2019, Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha, Processo n.º 3113/17.6T8VCT.G1). * 5.2.3.2.2. Consequência Lê-se no art. 640.º, n.º 1, intróito, do C.P.C. que a obrigatória especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que impõem que sobre eles seja proferida uma decisão diferente, e da decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, é imposta «sob pena de rejeição» do recurso sobre a matéria de facto. Com efeito, e ao contrário do que sucede com o recurso relativo à decisão sobre a matéria de direito (previsto no art. 639.º do C.P.C.), no recurso relativo à matéria de facto (previsto no art. 640.º do C.P.C.) não se admite despacho de aperfeiçoamento. «Esta solução é inteiramente compreensível e tem a sustentá-la a enorme pressão (geradora da correspondente responsabilidade) que durante décadas foi feita para que se modificasse o regime de impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliassem os poderes da Relação a esse respeito, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitiria corrigir. Além disso, pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção de prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. Enfim, a comparação com o disposto no art. 639º não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria de direito» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 128). Logo, não tendo a Autora recorrente (Delfina) indicado, correcta e suficientemente, os concretos meios probatórios que, relativamente a cada um dos múltiplos factos que impugnou, imporia uma decisão diferente da proferida sobre eles pelo Tribunal a quo, e não sendo permitida a emissão de um qualquer despacho de aperfeiçoamento (destinado a suprir o incumprimento do ónus de impugnação que lhe estava cometido), ficou este Tribunal da Relação impedido de apreciar a impugnação da matéria de facto por ela apresentada. Pelo exposto, face à falta de requisitos legais de admissibilidade, rejeita-se o recurso sobre a decisão de facto apresentado pela Recorrente (Delfina), na parte pertinente à sindicância da valoração da prova livre (não tabelada). * Mantém-se, assim, integralmente inalterada a decisão sobre a matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo.* 5.2.4. Improcedência (subsidiária) da modificabilidade da concreta decisão de facto Dir-se-á, porém e sinteticamente, que, ainda que assim se não entendesse, sempre a impugnação de facto realizado pela Recorrente (Autora) estaria destinada a improceder na sua totalidade, face nomeadamente ao acerto do juízo probatório realizado pelo Tribunal a quo, que a audição integral da prova pessoal produzida por este Tribunal ad quem verificou. Precisando, começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, tendo a mesma ponderado para este efeito: «(…) III. Análise Crítica das Provas: A convicção do julgador que fundamenta o juízo probatório positivo sobre a factualidade provada e, bem assim, sobre toda a factualidade não provada, resultou da apreciação crítica e conjugada de todos os meios de prova produzidos, nomeadamente, do teor dos documentos juntos aos autos, das declarações e depoimentos de parte com os depoimentos testemunhais recolhidos em sede de audiência de julgamento. Assim, o assento de nascimento de fls.9 verso comprova o vertido em I.1. A prova do constante em I.2 resulta do teor do assento de nascimento de fls.10, sendo o facto referido em I.3 comprovado pelo teor do assento de nascimento junto a fls.11. A missiva junta a fls.67 demonstra a factualidade julgada como provada em I.4. A prova dos factos constantes em I.5 resulta da consideração das declarações de Autora e Réu que confirmaram tal factualidade de modo coincidente e sem que nada se provasse em contrário. O mesmo se diga, aliás, quanto ao vertido em I.13 a I.16, matéria para a qual foi também relevante o depoimento da testemunha A. F., que foi sócio do Réu e é seu amigo, o qual acompanhou o percurso profissional do Autor. O teor do documento de fls.106 verso é bastante para a prova dos factos referidos em I.6. Na prova do constante em I.7 a I.12 lançou-se mão do teor dos extractos das respectivas contas juntos aos autos a fls.36 e seg., e a fls.156 e seg. e, bem assim, nas informações prestadas pelo Banco ... a fls.155 verso e a fls.187 verso e seg., as quais estão suportadas documentalmente naqueles extractos e, bem assim, nos documentos juntos a fls.189 verso e seguintes. Esta documentação não confirma, por seu turno, a factualidade inserta em II.14, II.15, II.17 e II.21, o que determinou a respectiva não prova. Na prova do vertido em I.17 tomou-se em consideração as declarações da Autora, sendo certo que esta indicou valores de reforma actuais bem superiores aos constantes em II.27, o que determinou a respectiva não prova. Já no que tange à propriedade dos saldos das contas em causa nos autos, é de salientar, desde logo, que as informações prestadas pelo Banco ... e os documentos juntos por esta entidade bancária não permitem descortinar a origem dos primitivos depósitos nas contas nºs. 908623326 e 238536193, nem a data de abertura destas contas. Contudo, do que não há dúvidas, conforme informação prestada pelo Banco ..., a fls.205 dos autos, é que os depósitos a prazo nº. 2189844744, 738291542 e 2007259607 tiveram todos origem na mesma conta de depósito à ordem com o nº. 238536193, de que era titular o Réu José – cfr. ponto I.21 dos factos provados. Ademais, os extractos, documentos e informações bancárias comprovam inequivocamente que a conta da Autora com nº. 45321693248 foi aberta em apenas em 17/10/2006, figurando o Réu como procurador da mesma e que o primeiro movimento a crédito de tal conta é uma transferência de € 42.114,54, datada de 23 de Outubro de 2006, proveniente da conta nº. 238536193, da titularidade do Réu (cfr. extracto nº. 2006/001, a fls.156 verso dos autos) – cfr. ponto I.19 dos factos provados. Contemporaneamente, com data de Novembro de 2006, o Réu endossou o produto renda certa 2ª série a favor da Autora (cfr. documento de fls.192 e extracto nº. 2006/003 de fls.158) no valor de € 49.880,00 – cfr. ponto I.20 dos factos provados. Do expendido se conclui, com evidente clareza, que os fundos com que foi provisionada a conta nº. 45321693248 da Autora eram proveniente da esfera jurídico-económica do Réu José e não de qualquer rendimento da Autora, nomeadamente, pensões. Aliás, os extractos juntos aos autos são elucidativos quanto à ausência de quaisquer movimentos a crédito na conta nº. 45321693248 da Autora, nomeadamente depósitos de pensões ou de quaisquer valores em numerário. Os movimentos de tal conta, como se vê da simples leitura dos respectivos extractos, consistiam, essencialmente, na liquidação e constituição de novos depósitos a prazo e no crédito de rendimentos das aplicações e dos seguros, pelo que se teve como não provada a factualidade constante em II.8 e II.22. Ademais, atenta a data em que a conta foi aberta e a proveniência dos fundos com que foi inicialmente provisionada, afigura-se de todo impossível que qualquer rendimento do trabalho obtido em França (ou quaisquer montantes eventualmente obtidos por doações ou heranças) fosse creditado naquela conta da Autora, ademais porque esta há muito tinha regressado de França. Com efeito, da prova produzida, em especial das próprias declarações da Autora e do Réu, resultou evidente que a Autora regressou da diáspora há cerca de trinta anos, pelo que os fundos alegadamente trazidos de França nunca poderiam ser depositados numa conta só aberta posteriormente em 2006. É manifesto, portanto, que a Autora faltou frontalmente à verdade quando afirmou que os fundos angariados em França eram, nessa época, transferidos para o Banco ..., sendo que as suas declarações nenhuma credibilidade mereceram, tanto mais que nem sequer conseguiu concretizar o valor dos rendimentos que obtinha em França, revelando, ademais, incapacidade total de responder quando confrontada com determinados pormenores que se afastavam da linha de factos já anteriormente relatados pelo Réu. Aliás, também o Réu faltou manifestamente à verdade ao declarar, em sede de depoimento de parte, que nunca depositou nada seu “nestas contas”, sendo tal ostensivamente desmentido pelo teor dos extractos e informações bancárias. Diga-se, ainda, que a coerência entre os depoimentos de Autora e Réu só existiu em determinados pontos, mas rapidamente se esbateu quando em confronto com circunstâncias muito relevantes e que permitiriam corroborar indirectamente a veracidade das respectivas afirmações, o que é bastante elucidativo. Acresce que os extractos, informações e documentos bancários demonstram, de modo linear que, aquando do encerramento da conta da Autora com o nº. 45321693248 (em 12 de Setembro de 2008) foi transferido o saldo existente nessa conta à ordem para a titulada pelo Réu José no mesmo banco, com o nº. 90862326. E, seguindo o mesmo, caminho, também pela mesma época (mais concretamente em 8 de Setembro de 2008), o produto renda certa 2ª série, com o valor de € 49.880,00, foi endossado pela Autora ao Réu, regressando, assim, à origem. Ou seja, findo o período de vida daquela conta nº. 45321693248, os fundos que nela foram depositados regressaram à esfera e titularidade do Réu José que, aliás, sendo procurador da Autora naquela conta, sempre pôde movimentar a referida conta de acordo com as suas conveniências. O movimento circular de “vai e volta” destes fundos só encontra explicação plausível na justificação dada pela Ré e que, em boa verdade, acabou por ser confirmada pelo próprio Réu em depoimento de parte quando admitiu que as “finanças andavam em cima de mim”, do que se pode concluir, em face do demais contexto da prova produzida e vistos os evidenciados movimentos, que aquela conta da Autora serviu o propósito exclusivo do Réu de «parquear» temporariamente os fundos da sua propriedade, de modo a ocultar das finanças, por igual período temporal, a real dimensão do seu património bancário. Note-se, neste particular, que o Réu não era co-titular da conta nº. 45321693248 (como acontecia com a conta nº. 0300056549900 da Caixa ..., da titularidade da Autora e onde, efectivamente, esta recebia as reformas – cfr. documento de fls.98 e seg.) mas apenas procurador, o que mais indicia a intenção de ocultar a efectiva titularidade dos fundos nela depositados, logrando, do mesmo modo, manter a intacta a livre movimentação dos fundos da conta (o que, em conjugação com o demais já referido, determinou a não prova do vertido em II.9, II.25 e II.26) Nessa medida, não podia ser outra a decisão referida em I.18, tanto mais que o Réu isso confidenciou à Ré, como esta afirmou, no que foi corroborada pelo depoimento da testemunha A. C., amiga da Ré, a qual confirmou, em data que naturalmente não logrou precisar face ao tempo decorrido (mas que situou entre 2000 a 2005 por ainda estar em Fafe) que a Ré lhe tinha segredado que o Réu pretendia colocar o dinheiro em nome de outras pessoas. Também a testemunha M. N., irmã da Ré, confirmou que a Ré lhe chegou a dizer que talvez precisasse de colocar dinheiro em nome dela porque o Réu estava com medo das finanças. É certo que a testemunha M. C., que faz a contabilidade da empresa do Réu, depôs no sentido de afastar a possibilidade de tal empresa não declarar correctamente os seus proveitos, mas também acabou por admitir que a contabilidade é elaborada de acordo com os documentos que lhe são apresentados e que, se não forem facturadas parte das compras das matérias primas e parte do produto final, não é possível a quem elabora a contabilidade aperceber-se das “vendas por fora”. De todo o modo, há que afirmar, com frontalidade, que a versão da Ré e das supra identificadas testemunhas por ela arroladas não é fantasiosa. Bem pelo contrário. Desde logo os saldos das contas do Réu são elucidativos quanto ao poder financeiro do Réu, sendo certo que não lhe é conhecida outra actividade senão a da empresa X! Ou seja e recorrendo a um brocardo popular hoje muito em voga, podemos dizer “que quem cabritos vende e cabras não tem de algum lado lhe vem”. Com efeito, do histórico de remunerações junto pelo Réu a fls.33, verifica-se que, até 2005, o Réu auferiu como gerente sempre menos de € 30.000,00 anuais, montante de todo insuficiente, vistas as normais despesas de um casal com uma filha, para lograr amealhar, com base nesse parco salários, as elevadas quantias que já possuía em depósitos no Banco ... em 2006. Não se olvida que o Réu tentou justificar o amealhar de fundos pelo facto de não despesas e “tudo ser pago pela empresa”. Contudo, se a empresa, como diz, não distribuía lucros e nem dava, em vários exercícios, lucros, resta inexplicável como conseguia o Réu justificar contabilisticamente na empresa determinadas despesas como sejam de vestuário, calçado, escolares da filha, água, luz e gás da habitação e outras ou como conseguia adquirir vários veículos eventualmente em nome da empresa face ao parco desempenho financeiro da X. Em face disso, tais valores só podem ter como origem lucros e rendimentos provenientes da empresa X, vistas as regras da experiência e a normalidade do acontecer e o facto já sublinhado de não ser conhecida qualquer outra actividade ao Réu e de não haver também notícia de que o mesmo tenha sido bafejado pela sorte em qualquer concurso, jogo de casino ou lotaria (tudo o que determinou a não prova do constante em II.6 e II.7). De resto, só assim se explica o nível de vida que os Réus patenteavam enquanto casados, o que foi bem evidenciado nos depoimentos das testemunhas A. C., M. N. e G. S. e de que são exemplo: compras de casacos por € 2.250,00 e de botas por € 700,00; compras sucessivas de viaturas da marca BMW, em número de cinco; férias da Ré em cruzeiros com amigas e pagas pelo Autor; operações plásticas no Brasil e férias no Brasil; compras de apartamentos em Fafe e na Amadora (cfr. fls.236 e seg.) para a filha; oferta de jantares ao casal amigo; fins de semana frequentes em Espanha; oferta de carros em segunda mão ao sogro e a um sobrinho… Já por seu turno a prova produzida não evidenciou qualquer sinal exterior de riqueza por banda da Autora. Desde logo, é de recordar que em 1995, aquando da apresentação da relação de bens por morte do seu falecido marido, a Autora não declarou qualquer saldo de depósito bancário, nem qualquer quantia aproximada aos € 100.000,00 que alegou ter recebido por herança, sendo certo que, em face do regime da comunhão bens (cfr. documento de fls.123), teria sempre que declarar metade de tais bens, caso efectivamente os tivesse recebido. De facto, apenas a Autora e o Réu confirmaram interessadamente tal recebimento de herança, mas nenhum elemento de prova objectivo corrobora tais afirmações, as quais, inclusivamente, como se viu, são frontalmente desmentidas pelo teor daquela relação de bens apresentada pela própria Autora, pelo que não podia ser outra a decisão plasmada em II.3 dos factos não provados. Por outro lado e pese embora tenha, juntamente com o marido, construído duas casas e adquirido uma outra (sendo cada um para cada um dos seus três filhos, como declarado pela própria Autora), a Autora nunca alegou em juízo (até ao presente e em face da prova produzida) ser detentora de elevadas quantias em dinheiro ou elevados saldos bancários, nem mesmo ter recebido quaisquer heranças. Efectivamente, no processo 102/11.8TCGMR (cfr. fls.98 e seg.) limitou-se a expor os valores que recebia de pensões e referiu que tais pensões eram depositadas na conta nº. 0300056549900 da Caixa .... Por outro lado, nenhuma das testemunhas inquiridas fez alusão a qualquer modo de vida da Autora indiciador de elevado padrão económico. Bem pelo contrário, da prova produzida o que resultou é que a Autora, para angariar dinheiro, arrendava quartos a um elevado número de estudantes na sua própria residência, o que, salvo melhor opinião, é pouco ou nada compatível com a efectiva detenção de elevadas quantias em dinheiro e com uma posição financeira desafogada. Por tudo o expendido, o julgador não ficou convencido da factualidade constante em II.1, II.2, II.4 a II.7, o que determinou a respectiva não prova. Também não foi feita prova do vertido em II.10 a II.13, II.16, II.19 e II.20. Efectivamente e para além de tudo o já referido quanto ao percurso circular do dinheiro pelas contas identificadas nos autos, temos que o próprio Réu negou tal factualidade ao dizer que não chegou a comprar qualquer máquina, pelo que não foi concretizado qualquer empréstimo. De resto, inexiste nos autos qualquer prova documental de tal empréstimo ou sequer de qualquer proposta de compra da máquina ou orçamento que pudesse indiciar a veracidade da factualidade em apreço. Sublinhe-se, ademais, que ainda que fosse essa a intenção do Réu (posto que depois não concretizada a compra e o empréstimo da máquina por qualquer razão), o que seria lógico e previsível, de acordo com a normalidade do acontecer, era o retorno dos saldos à conta da Autora, o que nunca veio a acontecer, tendo a conta nº. 45321693248 sido mesmo encerrada aos 16 de Abril de 2009 (cfr. declaração do Banco ... a fls.189 verso), o que se afigura também de todo incompatível com a alegada provisão dessa conta com os rendimentos normais e as poupanças da Autora. Em consequência, ficou também prejudicada qualquer outra decisão relativamente à factualidade constante em II.23, de que, aliás, nenhuma prova foi feita, posto que o único funcionário do Banco ... que foi arrolado como testemunha nada adiantou sobre tal matéria, tanto mais que nem sequer é (e nunca foi) o gestor das contas do Réu José. Do constante em II.18 não foi feita qualquer prova. Bem pelo contrário: das cópias dos requerimentos apresentados em juízo pelo Réu em parte alguma se vê qualquer declaração do Réu a reconhecer o que quer que seja como sendo da propriedade de sua mãe. Acresce, ainda, que o Réu admitiu e confirmou que chegou a pedir prazo para tentar um acordo com vista à divisão do dinheiro arrolado, confirmando, assim, o teor do documento junto a fls.94 verso (acta de tentativa de conciliação) e a respectiva finalidade, o que se mostra incompatível com o alegado reconhecimento da propriedade da Autora sobre os referidos saldos. Por outro lado, nenhuma das testemunhas arroladas confirmou tal factualidade, sendo certo que não deixa de ser estranhamente curioso que tendo o arrolamento sido notificado ao Réu em 7 de Março de 2011 (cfr. fls.67) só agora este venha a juízo dizer que os saldos das contas são pertença de sua mãe e até pedir a funcionários do banco para serem “suas” testemunhas (como foi confirmado pela testemunha R. P.), embora arroladas pela Autora. A não prova da factualidade constante em II.24 assentou nas declarações e depoimentos de parte de Autora e Réus, dos quais resultou inequívoco que a Autora tem mais dois filhos, nada se tendo apurado em contrário. (…)» Ora, face a esta sustentada - e bem fundada - apreciação da prova, a Recorrente (Autora): . reitera o teor e a importância do seu próprio depoimento de parte, e do prestado pelo 1º Réu (José), seu filho - mas sem que, porém, contrarie e demonstre a falta de razão do Tribunal a quo para os desvalorizar, alicerçado na demais prova - pessoal e documental -, e nas regras da experiência: . invoca o depoimento da testemunha A. F. - que apenas reproduziu o que o próprio 1.º Réu lhe teria dito; . desvaloriza o depoimento da testemunha A. C. - precisa (e contraditoriamente) por alegadamente a mesma apenas ter reproduzido o que a 1ª Ré (I. N.) lhe teria dito; . invoca o depoimento da testemunha M. C., contabilista da Sociedade dos 1º (José) e 2ª (I. N.) Réus, que não conhecia qualquer caso azul daquela - deixando sem qualquer referência a reconhecida e endémica fuga ao fisco das empresas nacionais (justificativa de sucessivas alterações legislativas, e reforço de meios da Autoridade Tributária), e sem contrariar tudo o demais aduzido pelo Tribunal a quo, a propósito do desconhecimento de outras fontes de rendimento do 1.º Réu, em contraponto com o nível de vida de que usufruía, e com o património que amealhou. Concluiu-se, assim, que ainda que o recurso sobre a matéria de facto da Autora, (Delfina) no que à livre apreciação da prova tange, não tivesse sido rejeitado (por incumprimento do ónus de impugnação que lhe estava cometido), não deixaria de soçobrar. * VI - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 6.1. Mérito da causa - Prejudicado o seu conhecimento O pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, dependia absolutamente do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, não se revestindo de autonomia. Com efeito, e ao contrário do sustentado pela Autora (Delfina) nas suas alegações de recurso e ao arrepio do que ela próprio entendeu até então nos autos (por isso tendo alegado e tentado provar outra e distinta matéria de facto), nada permite concluir, face ao disposto no art. 1144º e 1680º, ambos do CC (que citou para o efeito) que «a simples entrega ou transferência do dinheiro da titularidade do primeiro réu para a autora tinha o inequívoco sentido de esta última passaria a ser proprietária»; e, a ser assim, então também a posterior transferência pela mesma das quantias em causa para as contas do 1 Réu - onde ainda hoje se encontram ! - justificaria idêntico raciocínio (que, porém, a Autora nunca aqui subscreveu antes, nomeadamente defendendo ter-lhe doado desse modo tais montantes). Logo, não tendo sido provido o recurso sobre a matéria de facto da Autora (Delfina) - e ficando desse modo inalterada a decisão sobre a matéria de facto constitutiva do direito que alegara -, declara-se necessariamente prejudicado o conhecimento do decidido pelo Tribunal a quo sobre a matéria de direito, nos termos do art. 608º, n.º 2 do C.P.C., aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma. * 6.2. Litigância de má féVeio, porém, a Autora (Delfina) insurgir-se, no ponto 7 das suas alegações (sob a epígrafe «O DIREITO APLICÁVEL. 7.1. A CONDENAÇÃO DA AUTORA COMO LITIGANTE DE MÁ-FÉ») contra a respectiva condenação como litigante de má-fé, nomeadamente porque: «À autora já chegava que o tribunal entendesse que ela não provou os factos fundamentadores do seu direito, o que lhe parece errado, para poder ainda ter de suportar o labéu de que mentiu, sem que o tribunal desse por provada qualquer mentira, a partir do conjunto de factos que fixou no probatório»; e torna-se necessário «lembrar que o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 357/98, de 12 de Maio de 1998 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional 40, página 275), interpretou a norma da anterior versão do Código de Processo Civil correspondente à mesma matéria no sentido de que só pode ser condenada como litigante de má-fé a parte que sobre essa condenação seja previamente ouvida, o que, no caso de todo foi omitido (esta tese foi sustentada posteriormente pelo menos no acórdão n.º 289/2002 do mesmo Tribunal Constitucional, de 03 de Julho de 2002, publicado no Diário da República de 13 de Novembro de 2002, página 18789 e o Supremo Tribunal de Justiça também já se pronunciou no mesmo sentido no seu acórdão de 12 de Janeiro de 2010, Proc. 3272/04.8TBAVR.C2.S1.dgsi.net)». Dir-se-á, a propósito, não corresponde à verdade que não tenha ficado provado nos autos que a Autora (Delfina) mentiu efectivamente, já que ficou demonstrado que as quantias que temporariamente ficaram depositadas em contas suas provieram de conta de que o 1º Réu (José) era exclusivo titular, conforme facto provado enunciado sob o número 21 (não impugnado). Compreende-se, assim, que se leia na sentença recorrida: «(…) Já no que tange à propriedade dos saldos das contas em causa nos autos, é de salientar, desde logo, que as informações prestadas pelo Banco ... e os documentos juntos por esta entidade bancária não permitem descortinar a origem dos primitivos depósitos nas contas nºs. 908623326 e 238536193, nem a data de abertura destas contas. Contudo, do que não há dúvidas, conforme informação prestada pelo Banco ..., a fls.205 dos autos, é que os depósitos a prazo nº. 2189844744, 738291542 e 2007259607 tiveram todos origem na mesma conta de depósito à ordem com o nº. 238536193, de que era titular o Réu José – cfr. ponto I.21 dos factos provados. Ademais, os extractos, documentos e informações bancárias comprovam inequivocamente que a conta da Autora com nº. 45321693248 foi aberta em apenas em 17/10/2006, figurando o Réu como procurador da mesma e que o primeiro movimento a crédito de tal conta é uma transferência de € 42.114,54, datada de 23 de Outubro de 2006, proveniente da conta nº. 238536193, da titularidade do Réu (cfr. extracto nº. 2006/001, a fls.156 verso dos autos) – cfr. ponto I.19 dos factos provados. Contemporaneamente, com data de Novembro de 2006, o Réu endossou o produto renda certa 2ª série a favor da Autora (cfr. documento de fls.192 e extracto nº. 2006/003 de fls.158) no valor de € 49.880,00 – cfr. ponto I.20 dos factos provados. Do expendido se conclui, com evidente clareza, que os fundos com que foi provisionada a conta nº. 45321693248 da Autora eram proveniente da esfera jurídico-económica do Réu José e não de qualquer rendimento da Autora, nomeadamente, pensões. Aliás, os extractos juntos aos autos são elucidativos quanto à ausência de quaisquer movimentos a crédito na conta nº. 45321693248 da Autora, nomeadamente depósitos de pensões ou de quaisquer valores em numerário. Os movimentos de tal conta, como se vê da simples leitura dos respectivos extractos, consistiam, essencialmente, na liquidação e constituição de novos depósitos a prazo e no crédito de rendimentos das aplicações e dos seguros, pelo que se teve como não provada a factualidade constante em II.8 e II.22. Ademais, atenta a data em que a conta foi aberta e a proveniência dos fundos com que foi inicialmente provisionada, afigura-se de todo impossível que qualquer rendimento do trabalho obtido em França (ou quaisquer montantes eventualmente obtidos por doações ou heranças) fosse creditado naquela conta da Autora, ademais porque esta há muito tinha regressado de França. Com efeito, da prova produzida, em especial das próprias declarações da Autora e do Réu, resultou evidente que a Autora regressou da diáspora há cerca de trinta anos, pelo que os fundos alegadamente trazidos de França nunca poderiam ser depositados numa conta só aberta posteriormente em 2006. É manifesto, portanto, que a Autora faltou frontalmente à verdade quando afirmou que os fundos angariados em França eram, nessa época, transferidos para o Banco ..., sendo que as suas declarações nenhuma credibilidade mereceram, tanto mais que nem sequer conseguiu concretizar o valor dos rendimentos que obtinha em França, revelando, ademais, incapacidade total de responder quando confrontada com determinados pormenores que se afastavam da linha de factos já anteriormente relatados pelo Réu. (…)» Relativamente à alegada violação do princípio do contraditório, sobre a possibilidade da sua condenação como litigante de má fé, dir-se-á que, tendo sido a mesma desde logo peticionado pela 1.ª Ré (I. N.) na contestação respectiva, e podendo ela própria ter-lhe então respondido, ficou tal princípio imediatamente respeitado. Compreende-se, assim, que já se tenha decidido que, constatando-se «que a exequente pediu, na sua contestação à oposição, a condenação da executada/opoente como litigante de má fé e tendo a opoente sido disso notificada, torna-se desnecessário, à luz do disposto no nº 3 do art. 3º do C. P. Civil, a realização de nova notificação da opoente para efeitos de se pronunciar sobre aquele pedido bem como a concessão de prazo para responder e oferecer as provas que tiver por convenientes» (Ac. da RG, de 02.07.2013, Rosa Tching, Processo n.º 39/12.3TBMNC-A.G1). * Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto pela Recorrente (Delfina), confirmando-se integralmente a sentença recorrida.* VII – DECISÃOPelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora (Delfina) e, em consequência, em · Confirmar integralmente a sentença recorrida. * Custas da apelação pela Autora (art. 527.º, n.º 1 do CPC).* Guimarães, 10 de Julho de 2019. O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha. |