Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | PEDRO MAURÍCIO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA BENS APREENDIDOS DIREITO DE RETENÇÃO DEPOSITÁRIO RESTITUIÇÃO DE RENDAS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/02/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - O poder de apreensão resulta da própria declaração de insolvência, devendo o administrador da insolvência diligenciar no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues, para que deles fique depositário, sem prejuízo do disposto nos nºs. 1 e 2 do art. 756º do C.P.Civil de 2013 (cfr. art. 150º/1 do C.I.R.E.). II - Nos casos em que o bem apreendido é objeto de direito de retenção, em consequência de incumprimento contratual judicialmente verificado, o depositário é o próprio retentor (cfr. alínea c) do nº1 do referido art. 756º), não cabendo, portanto, tal cargo ao administrador da insolvência. III - O direito de retenção encontra-se previsto, em termos gerais, no art. 754º do C.Civil, e, em termos especiais, no art. 755º do mesmo diploma legal, traduzindo-se no direito conferido ao credor, que tem a posse de uma coisa e está obrigado a entregá-la a outrem, de a reter enquanto não lhe for satisfeito aquilo que, em ligação com ela, lhe é devido, incorporando uma dupla função: por um lado, a função coercitiva do cumprimento e, por outro, a função de garantia do crédito. IV - Como decorre do art. 759º do C.Civil, o direito de retenção de coisas imóveis destina-se, não a proporcionar o gozo ou fruição da coisa ao titular desse direito, mas sim e apenas a permitir-lhe a execução da coisa retida e o pagamento sobre o valor dela com preferência sobre os demais credores. V - O direito de retenção não configura um direito real de gozo, sendo que só este tipo de direito confere um poder de utilizar uma coisa e também o de apropriação dos frutos que a coisa produza. VI - Sendo proferida sentença que reconhece aos Requeridos o direito de retenção sobre dois bens imóveis para garantia do pagamento de um crédito sobre a insolvência e encontrando-se esses bens apreendidos a favor da Massa Insolvente, por força do disposto no art. 756º/1c) do C.P.Civil de 2013, os Requeridos assumem a qualidade de depositário desses bens, passando a serem simples detentores de tais bens, possuindo-os em nome de outrem (da Massa Insolvente), em conformidade do disposto no art. 1253º/c), parte final, do C.Civil. VII - Uma vez que os Requeridos são depositários de tais bens, por força da obrigação imposta ao depositário nos termos do art. 1187º/c) do C.Civil, os mesmos estão obrigados a restituir à Massa Insolvente as rendas que receberam em virtude de terem procedido ao arrendamento desses bens. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, * * * 1. RELATÓRIO1.1. Da Decisão Impugnada Por sentença proferida em 23/11/2011, nos autos principais, P... CONSTRUÇÕES, LDA foi declarada insolvente. No apenso A, na data de 16/02/2012, foi junto Auto de Apreensão de Bens, nos termos do qual, na data de 09/02/2012, a Administradora de Insolvência procedeu, para além de outros, à apreensão dos seguintes bens: “Bens Imóveis VERBA Nº1 Prédio urbano, de ... e andar, destinado a habitação, inscrito na matriz sob o art. ...77º, da freguesia ..., concelho ... sito no lote ..., ..., com o V.P. ----€ 61.312,36. VERBA Nº2 Prédio urbano, de ... e andar, destinado a habitação, inscrito na matriz sob o art. ...78º, da freguesia ..., concelho ... sito no lote ...0, ..., com o V.P. ---€ 61.312,36”. Através do apenso E, na data de 26/11/2012, AA e BB, instauraram contra a Insolvente P... CONSTRUÇÕES, LDA, os Credores da massa Insolvente da P... CONSTRUÇÕES, LDA, e a Massa Insolvente de P... CONSTRUÇÕES, LDA, acção declarativa de condenação, pedindo que «na procedência da acção, se julgue: a) verificados os créditos dos Autores, um, deduzido condicionalmente, no montante de 174.579,26 €, o qual tem natureza de crédito garantido, por corresponder ao valor do contrato promessa, garantido por direito de retenção sobre os dois imóveis construídos e entregues aos AA; outro de 90.000,00 €, com a natureza de crédito comum, a serem graduados no local próprio; estes 90.000,00 €uros são a soma de 30.000,00 € do custo das obras feitas nas casas traditadas para corrigir os defeitos encontrados com 60.000,00 € correspondentes aos 22% da construção a levar a cabo na parte do prédio vendido a terceiro e que aos AA. cabia conforme cláusula quatro a) do contrato promessa de 27.7.1999, crédito este impossibilitado pela venda da parte do prédio a terceiro – fls. 49. b) Na hipótese de os prédios cuja transmissão de propriedade para os Autores se reclama se encontrarem apreendidos para a Massa, declarada a sua separação da mesma e a restituição aos Autores». No referido apenso E, na data de 23/11/2015, em sede de saneador, foi «julgado improcedente o pedido de separação e restituição aos AA. dos bens apreendidos para a massa insolvente sob os n.ºs 1 e 2 do auto de apreensão e aqui em litígio». Esta decisão foi objecto de recurso, o qual foi julgado improcedente por Acórdão de 03/03/2016. No mesmo apenso E, na data de 28/04/2016, foi proferida sentença, com o seguinte decisório: «A – Julgo reconhecido e verificado o crédito dos Autores sobre a insolvência, do montante de 174.579,26 €uros; B – Reconheço e declaro que este crédito dos Autores está garantido por direito de retenção, nos termos do disposto no artº 755º, nº 1, alínea f) e 759.º, do Código Civil, sobre os seguintes bens imóveis: Artigo 1277 Sito no Lugar ..., lote ..., confrontando de norte com P... CONSTRUÇÕES, LDA e CC, sul com caminho público, nascente com CC e terreno do domínio público e poente com lote ..., de cave, ... e ... andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no ... e três divisões e duas casas de banho no ... andar – fls. 129/130. Art°. 1278 Sito no Lugar ..., lote ...0, confrontando de norte com P... CONSTRUÇÕES, LDA e CC, sul com caminho público, nascente com CC e terreno do domínio público e poente com lote ..., de cave, ... e ... andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no ... e três divisões e duas casas de banho no ... andar – fls. 131/132. C – Mando que este crédito dos Autores seja pago pelo produto da venda dos imóveis identificados na alínea anterior, após graduação do mesmo crédito, nos termos dos art.ºs 759 e 751, ou seja, a seguir a privilégios especiais mas antes de eventual crédito hipotecário, ainda que este tenha sido antes registado. D) – Mais reconheço aos AA. o crédito comum de 90.916,70 €uros, a ser pago com os mais créditos comuns, rateadamente, se necessário». No apenso K, relativo à liquidação, na data de 14/03/2019, a Administradora da Insolvência apresentou requerimento, no qual, para além do mais, consignou: “...os membros da Comissão de Credores, os credores a quem foi reconhecido o direito de retenção e o credor hipotecário foram já notificados nos termos do artº 164º nºs 3 e 4 CIRE, tendo os credores AA e DD apresentado uma proposta para a aquisição das verbas nºs 1 e 2 pelos valores de 92.290,00€ e 93.810,00€, respectivamente e, por serem de valor igual ao patrimonial, foram aceites”. No mesmo apenso K, em 09/03/2020, a Administradora da Insolvência informou que “os credores a quem foi reconhecido o direito de retenção relativamente às verbas nºs 1 e 2, vieram pedir a adjudicação das mesmas, que foi aceite, com dispensa do depósito do preço (…) Uma vez que o Tribunal despachou no sentido dos compradores procederem ao depósito de 20% do preço, os mesmos já o fizeram e a escritura de compra e venda foi celebrada no dia 5 de Março de 2020, conforme cópia que junta”. Nos autos principais, na data de 19/05/2021, a Administradora de Insolvência apresentou requerimento com o seguinte teor: “Aquando da elaboração do rateio final, a signatária apercebeu-se que o valor de rendas das verbas 1 e 2 que os compradores tinham de devolver à massa, ainda não foi entregue, e irá alterar os valores a ratear, pelo que, nesta data insistiu com o I. Mandatário, aguardando-se resposta. Assim, requer prazo de 15 dias para vir prestar esta informação e, subsequentemente, apresentar proposta de rateio”. Nos autos principais, na data de 01/07/2021, a Administradora de Insolvência apresentou requerimento com o seguinte teor: “A signatária apercebeu-se que o valor de rendas das verbas 1 e 2 que os compradores tinham de devolver à massa ainda não foi entregue, pelo que notificou o I. Mandatário, que veio informar que os S/s constituintes não têm qualquer obrigação de procederem ao pagamento das rendas recebidas indevidamente. Assim, vem a signatária requerer a V/Excia que se digne mandar notificar os compradores: AA e DD…”. Notificados, AA e DD apresentaram requerimento, na data de 08/07/2021, com o seguinte teor: “Embora o requerimento sob análise seja omisso quanto à pretensão que nele se quer transmitir, os requerentes interpretaram-no como expressando o propósito de lhes ser exigido, enquanto compradores de dois prédios que lhe foram vendidos, o pagamento das rendas que os requerentes arrecadaram por terem arrendado esses prédios, em data anterior à aquisição dos mesmos. No entanto, os requerentes nada devem, como a senhora administradora, de resto, bem sabe, e como inequivocamente resulta do que do processo consta. 1. De facto, os requerentes compraram os dois prédios em causa, por escritura de compra e venda celebrada em 05/03/2020, na Conservatória do Registo Predial ..., perante a senhora EE Dra. FF (doc. n.º... junto que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais). As contas entre vendedora, massa insolvente de P... CONSTRUÇÕES, LDA, e os requerentes, enquanto compradores, ficaram completamente saldadas e reciprocamente quites. Como da escritura em causa resulta, os requerentes compraram duas casas de habitação, ambas de cave, ..., andar e logradouro, inscritas na matriz urbana sob os artigos ...77... e ...78.º da freguesia ..., do concelho ... e descritas na Conservatória do Registo Predial respetivamente sob os números ...17 - ... e ...17 – .... Tais casas tinham o valor patrimonial, que foi simultaneamente o valor atribuído, de 92.290,00€ e 93.810,00€ e correspondiam aos lotes n.ºs ... e ...0 do alvará de loteamento 42/2000 de 4 de Agosto. Sempre conforme o mesmo documento, a primeira interveniente, administradora da insolvência, declarou vender ao segundo interveniente, o requerente marido, esses imóveis pelo preço global de 186.100,00€, que foram integralmente pagos, e já estavam até integralmente pagos, quanto a 10% no montante de 18.610,00€, por transferência bancária que teve lugar no dia 23 de Janeiro transato, e quanto aos restantes 90% porque o preço correspondente estava dispensado, nos termos do n.º1 do artigo 815º do Código de Processo Civil, por remissão para o artigo 165º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas. Os imóveis foram vendidos livres de ónus ou encargos, porque aqueles que então constavam do registo tinham o seu cancelamento assegurado, nos termos do artigo 824, n.º2 do Código Civil e 101º, n.º5 do Código do Registo Predial. Ambas as partes declararam aceitar o negócio e foi verificado cumprimento das obrigações fiscais correspondentes à transmissão. Do exposto resulta que, como parece óbvio, as contas recíprocas das partes ficaram saldadas, até porque se alguma coisa os requerentes devessem, a senhora administradora da insolvência não deixaria de lhes exigir então o pagamento do que fosse devido, até porque o negócio podia não interessar aos requerentes se estes tivessem de suportar outros encargos, que não lhe foram exigidos. Tanto basta para o requerimento não poder proceder. 2. Os requerentes assumiram, porém, no processo uma outra qualidade que poderia justificar, mas não justifica, a exigência de rendas correspondentes aos dois prédios transmitidos. De facto, através do processo n.º 3158/11...., apenso a estes autos, e tramitado, como estes na Instância Central, 2ª Secção do Comércio – J1, os requerentes instauraram contra a insolvente P... CONSTRUÇÕES, LDA., os credores da massa insolvente e a própria massa insolvente, uma ação, na qual pediram, no que interessa ao objeto do requerimento a que se responde, a condenação dos réus a reconhecerem que fossem verificados determinados créditos dos autores sobre a insolvente, um deles, no montante de 174.579,26€, garantido por direito de retenção sobre os dois imóveis que viriam a ser objeto da venda acima citada, e que os autores há muito ocupavam. Essa ação foi julgada nessa parte procedente, com trânsito em julgado, através de sentença de 28/04/2016, que condenou os réus a reconhecer o crédito dos autores sobre a insolvência no montante de 174.579,26€, reconhecido e declarado como garantido por direito de retenção, nos termos do disposto no artigo 755.º, n.º1, alínea f) e 759.º do Código Civil, sobre os seguintes dois prédios, que mais não são do que os acima referidos: Artigo 1277º Sito no Lugar ..., lote ..., confrontando de norte com P... CONSTRUÇÕES, LDA e CC, sul com caminho público, nascente com CC e terreno do domínio público e poente com lote ..., de cave, ... e ... andar destinado a uma habitação composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no ... e três divisões e duas casas de banho no ... andar – fls. 129/130; Artigo 1278º Sito no Lugar ..., lote ...0, confrontando a norte com P..., Lda. e CC, sul com caminho público, nascente com CC e terreno do domínio público e poente com lote ..., de cave, ... e ... andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no ... e três divisões e duas casas de banho no ... andar – fls. 131/132. Forçoso se torna, pois, concluir que se aos requerentes foi assegurado que tinham direito de retenção sobre os imóveis até serem pagos do seu crédito, não podem ser simultaneamente devedores de quaisquer rendas que pela ocupação desses imóveis nesse período tenham auferido: tais rendas são propriedade, e propriedade exclusiva, dos requerentes. O direito de retenção consiste, como a doutrina tem sustentado, na faculdade que a lei atribui ao detentor da coisa de a não entregar, mantendo-a na sua posse, a fim de constranger o credor ao cumprimento de uma obrigação que se encontra constituído para com ele (cfr., entre muitos, Almeida Costa, Noções de Direito Civil, edição de 1980, página 228). Assim, não tem a massa insolvente, não pode ter, qualquer crédito a tal respeito sobre os requerentes. 3. Mas a falta de direito da massa insolvente resulta ainda de outras circunstâncias, que se vão enumerar. Na verdade, e mesmo sem recorrer ao fastídio que seria a transcrição integral da matéria de facto provada naquele processo e que, em consequência faz inequivocamente caso julgado contra a insolvente, importa lembrar que estão assentes na referida ação os seguintes factos: a) a P... CONSTRUÇÕES, LDA, em 27/07/1999, havia celebrado por escrito com os requerentes um contrato promessa de compra e venda de um prédio que lhes pertencia, sem pagamento de qualquer preço, mas com a obrigação, também constante de promessa, de dar em pagamento os dois prédios supra citados, apesar de que nunca cumpriu a promessa, tendo embora recebido o prédio dos requerentes e construído nele o loteamento pretendido (factos B, C, D, E, F, K, M, N); b) Ante o incumprimento da P... CONSTRUÇÕES, LDA, os requerentes propuseram contra eles uma ação que correu termos pela 2ª Vara Cível do Tribunal Judicial de Guimarães pedindo a condenação da ré a, verificado o incumprimento, obter sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial da faltosa, transferindo a propriedade daqueles prédios para os autores, nos termos do artigo 830.º do Código Civil, ação essa que, nessa parte, foi julgada improcedente em 1ª instância, procedente em 2ª instância e improcedente no Supremo (factos O, P, R, S, T, e U). c) Imediatamente após a notificação da decisão da 2ª instância, a P... CONSTRUÇÕES, LDA procedeu à entrega das chaves dos dois prédios aos requerentes, que, em consequência da entrega, procederam à regularização fiscal das transmissões, o que aconteceu em Janeiro de 2010, tendo então os ora requerentes ocupado os prédios e fazendo-os seus, com animo de quem usa e frui coisas próprias, na convicção de não lesarem direitos de outrem, sem oposição de ninguém, exercendo essa posse à vista de toda a gente incluindo os réus e quem nos factos descritos mais diretamente pudesse estar interessado, tendo os autores interpelado por diversas vezes a P... CONSTRUÇÕES, LDA para que designasse qualquer Cartório Notarial para fazer a escritura, mas sempre sem sucesso, o que levou a que os imoveis litigados fossem apreendidos para a insolvência em 09/02/2012 (factos V, LL, n.º1,2, e 3). Do exposto inequivocamente resulta que os requerentes ficaram na posse pública continua, pacífica e de boa fé dos referidos imóveis, cujas chaves lhes foram entregues pela P... CONSTRUÇÕES, LDA, e que pagaram a transmissão fiscal para si dos referidos imóveis, de onde resulta também que podiam dispor deles, desde que não afetassem os direitos da apreensão para a insolvência, e daí que nada a tal respeito a massa insolvente pode pedir-lhes, uma vez que era ela, indiscutivelmente a faltosa, como a sentença reconheceu. 4. Há, porém, ainda mais e pior. Com efeito, os prédios foram entregues aos autores, com inúmeros defeitos de construção e conservação que eles imediatamente denunciaram à P... CONSTRUÇÕES, LDA, sem que esta nada fizesse para os tornar aptos a serem utilizados (facto LL, n.ºs 4 e 5), o que levou os requerentes a terem de ser eles a fazer as obras, para poderem ocupar os prédios e arrendá-los (factos 8, 9 e 10). Assim: a) Na casa construída no lote n.º..., defeitos no pavimento da garagem, manchas nas paredes e tinta a descascar, falta de automatismo, falta de limpeza geral de todo o prédio, logradouro com necessidade de desmatação e limpeza, com vegetação de altura superior a 1m (facto 6, alienas a), n.ºs I. II. III, al. d), n.ºs II e III); b) Na casa construída no lote n.º...0, defeitos no pavimento da garagem e respetivas paredes, falta de automatismo do portão, necessidade de limpeza geral e desmatação e limpeza, bem como falta de construção do muro de vedação (facto 7, alíneas a) I e II, IV, al. d), n.ºs II, III, e IV). Com as obras efetuadas pelos requerentes nas duas referidas casas, estes gastaram pelo menos 18.191,70€ (factos 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14). Daí que os prédios ainda que tivessem sido devolvidos à massa insolvente só podiam ser objeto de arrendamento se a massa despendesse pelo menos o indicado valor, pelo que só com esse dispêndio era possível arrendá-los – e esse dispêndio foi feito pelos requerentes - pelo que seria verdadeiramente escandaloso, constituindo autentico abuso de direito, que a massa insolvente pudesse beneficiar, sem qualquer dispêndio do resultado do uso dos prédios. De resto, a mesma sentença reconheceu aos requerentes um crédito comum, no valor de 90.916,70€, a ser pago com os demais créditos comuns, e, como é obvio, os requerentes não receberam a tal título 1 centavo que fosse, e desse valor fazia parte o por eles gasto nas obras. 5. Nunca à massa insolvente podia ser reconhecido qualquer crédito relativo às rendas cobradas pelos requerentes ao abrigo do seu direito de retenção, tampouco, e mesmo que não fossem exatos os factos provados e acima resumidos, ainda que nos situássemos apenas dentro das regras estritas do direito falimentar. Com efeito: a) o artigo 17.º, n.º1 do CIRE prescreve que os processos que esse diploma regula se regem pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as suas disposições. Isso significa que ao processo é aplicável o disposto no artigo 274.º, n.º2 do CPC, que impõe a necessidade de serem comunicadas pelo tribunal aos serviços competentes as infrações que o tribunal constate. Ora, a massa insolvente está a reclamar o pagamento de rendas, mas nem tinha a posse fiscal do imóvel nem tinha pago o IMI correspondente a essas rendas. Demonstrada já que a massa insolvente não pagou quaisquer impostos referentes aos prédios em causa, designadamente o IMI relativo aos vários anos, e ainda que quem procedeu ao pagamento desses impostos foram sempre os requerentes (docs. n.ºs ... a ...0 juntos que aqui se dão por integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais), nunca a massa insolvente podia atrever-se a fazer o pedido de pagamento de rendas sem regularizar essa situação, e, tendo-o feito, o tribunal teria de participar a omissão à Repartição de Finanças competente. b) O artigo 51.º do CIRE considera que são dívidas da massa insolvente, além de outras, as dívidas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente (al. c) ), as dívidas resultantes da atuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções (alínea d), qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador de insolvência (al. f) ) e as dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente (alínea i). Ora, na sentença atrás referida encontra-se provado que (alíneas GG, HH, II, JJ e K) os autores abordaram a senhora administradora de insolvência propondo-lhe negociar extrajudicialmente a fixação de um preço de venda das frações, sem que ela respondesse, e propuseram mesmo alterar o contrato inicial por forma a receberem os prédios e renunciarem a qualquer indemnização que lhes seria devida pela impossibilidade de receberem 22% da construção futura que lhes era devida, tendo a administradora de insolvência muito tardiamente recusado essa possibilidade de transação. É evidente, pois, que a senhora administradora de insolvência agiu em prejuízo da massa, e pretende locupletar-se à custa dos requerentes, ficcionando uma situação que só poderia conduzir à apropriação das rendas em causa, em termos que tivessem por fonte o enriquecimento sem causa. Do mau resultado do uso dos seus poderes de administração, não pode resultar nunca o remendo que agora se pretende suscitar. c) O artigo 172.º, n.º1 do CIRE sempre imporia à administradora da insolvência que, se quisesse exigir o pagamento de quaisquer rendas aos requerentes, estivesse prevenida com os bens necessários para pagar as dividas da massa necessárias para garantir esse direito (dívidas fiscais suportadas pelos requerentes, e dividas de reconstrução dos prédios sem as quais estes nunca poderiam ter sido arrendados). Sucede que a administradora de insolvência não deduziu da massa insolvente quaisquer bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, pelo que já não o podendo fazer, não pode exigir dos requerentes quaisquer créditos, que só poderiam surgir a partir de dispêndio que deveria cobrir previamente. 6. Por fim, ainda que as razões supra invocadas não pudessem justificar o não pagamento à massa insolvente de qualquer importância a título de rendas, o muito que aos requerentes podia ser exigido, designadamente face ao comportamento descrito da senhora administradora, era que prestassem contas, por forma a que ao ativo formado pelas rendas arrecadadas, fosse deduzido o passivo formado pelo valor das obras suportado pelas requerentes e pelo valor dos compromissos fiscais por estes assumidos, e é bom de ver que o saldo seria manifestamente favorável aos requerentes. Termos em que o requerido deve improceder na totalidade”. Nos autos principais, na data de 12/07/2021, a Administrador de Insolvência apresentou requerimento com o seguinte teor: “o facto de a signatária ter celebrado a escritura de compra e venda das verbas nOs 1 e 2, não significa que as rendas devidas fossem "perdoadas", nunca tal foi dito ou referido, nem os requerentes poderiam presumir tal facto, uma vez que as rendas são rendimentos da massa insolvente; aliás, havia já um despacho do D. Tribunal nesse sentido. Acresce que, o requerimento dos requerentes é extemporâneo, uma vez que, por despacho de 20 de Março de 2019, que já transitou em julgado, o D. Tribunal diz que, uma vez que esses imóveis foram apreendidos para a massa insolvente, têm igualmente de ser depositadas na conta da massa as rendas que daí advêm. De referir ainda que não assiste razão aos requerentes, pois, no âmbito do processo de insolvência, o direito de retenção não dá o poder ao possuidor de um bem de poder mantêlo na sua posse até cumprimento da obrigação, atribuindo apenas o direito do credor ser pago em primeiro lugar pelo produto dessa venda. Pelo exposto, requer a V/Excia se digne mandar notificar os requerentes para procederam ao depósito do valor das rendas que indevidamente retiveram, aceitando que deve ser descontado o valor do IMI por si pago após a declaração de insolvência”. Na data de 15/09/2021, o Tribunal a quo proferiu decisão, que aqui se transcreve (na parte que releva): «No entanto, não pode colher esta tese de que foi assegurado que direito de retenção sobre os imóveis até serem pagos do seu crédito, porquanto tal direito, previsto nos artigos 754º e seguintes do Código Civil, consiste na faculdade de não restituir uma coisa, enquanto o credor dessa restituição não cumprir, por seu turno, a obrigação que tem para com o retentor. Com base nessa garantia, é conferido ao retentor o direito de se fazer pagar preferencialmente pelo valor da coisa retida. Não confere, portanto, perdão de dívida sobre as rendas devidas pela ocupação desses imóveis. Nesse sentido pode ler-se no Ac. da Relação do Porto, de 19-12-20 o seguinte sumário: O direito de retenção constitui um direito de garantia que confere preferência no pagamento, mas não confere qualquer direito de gozo sobre o bem, que fica como os demais bens do devedor sujeito à apreensão para a massa insolvente, não constituindo fundamento para separação dos bens da massa insolvente. E, no seu corpo, Como se observa no Ac. STJ de 06 de março de 2014, Proc. 652/03.0TYVNG-Q.P1.S1 (acessível em www.dgsi.pt): “[o] direito de retenção é um direito real de garantia (especial) das obrigações e não um direito real de gozo. É conferido ao promitente-comprador para lhe garantir o crédito pela indemnização por incumprimento do contrato-promessa, e não para lhe conceder o gozo da coisa objeto da promessa cuja tradição obteve. Como resulta do texto do da al. f) transcrita, o direito de retenção visa garantir o crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º, isto é, o crédito que representa o dobro do sinal, o do aumento do valor da coisa ou a indemnização estipulada pelas partes, nos termos previstos no n.º 4 do dito artigo. Em causa estará, portanto, o crédito do promitente-comprador correspondente à indemnização devida pela outra parte em razão do seu incumprimento, isto é, o crédito “derivado do incumprimento definitivo, de que o direito de retenção constitui garantia acessória”, sendo que, por isso que o direito de retenção surge apenas para garantia do crédito gerado por um incumprimento definitivo do contrato-promessa.[…] Daí que, como vem decidido, tal “posse” seja inócua, a não ser para efeitos de invocabilidade do direito de retenção, que não implica a aquisição da posse sobre a coisa prometida vender, mas apenas a sua entrega ao promitente-comprador pelo promitente-vendedor, em termos de lhe facultar uma detenção lícita do bem, como beneficiário da garantia”. Com efeito, dispõe o artigo Artigo 36,1,g) CIRE - Sentença de declaração de insolvência que 1 - Na sentença que declarar a insolvência, o juiz - g) Decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 150.º. Por seu turno, e no mesmo sentido, estatui o 149.º do mesmo diploma legal - Apreensão dos bens – que: 1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido: a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social; b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil. A partir deste momento, o possuidor, neste caso os requerentes, perdem a sua boa fé, passando a meros detentores - Artigo 1253.º CC - (Simples detenção) São havidos como detentores os possuidores precários: a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito; c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem. E, consequentemente, nos termos do disposto no art.º 1271.º (Frutos na posse de má fé): O possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde, além disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido. E se dúvida houvesse sobre se as rendas percebidas se enquadram no conceito de frutos, as mesmas ficam dissipadas por recurso ao artigo 212,2.º - (Frutos) 2. Os frutos são naturais ou civis; dizem-se naturais os que provêm directamente da coisa, e civis as rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica. Em suma, improcede o requerido por AA e mulher DD, que deverão proceder à entrega do valor das rendas percebidas, indevidamente, tal como ordenado pela Sr.ª AI. Proceda-se à elaboração de mapa de rateio». * 1.2. Do Recurso dos RequeridosInconformado com a referida decisão, os Requeridos interpuseram recurso de apelação, pedindo que «o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que, julgue procedente o requerido pelos ora recorrentes, a quem deve ser reconhecido o direito de fazerem suas as rendas percebidas em relação aos prédios que adquiriram», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações: “1ª – Os recorrentes compraram, por escritura de compra e venda celebrada em 05/03/2020, à Massa Insolvente da P... CONSTRUÇÕES, LDA, dois prédios urbanos situados na freguesia ..., concelho ..., tendo na escritura a Massa Insolvente concedido integral quitação do que por eles era devido, mas, posteriormente, veio a administradora da insolvência a notifica-los para procederem ao pagamento à Massa das rendas que em momento anterior à escritura eles haviam arrecadado, por estarem na posse dos prédios, que lhes fora transmitida pela proprietária em momento anterior à declaração de insolvência, que teve lugar por sentença de 23 de Novembro de 2011, o que os recorrentes recusaram. 2ª – Em face dessa recusa, o douto despacho de que se recorre julgou improcedente a recusa dos recorrentes e determinou que eles “deverão proceder à entrega do valor das rendas percebidas, indevidamente, tal como foi ordenado pela Sra. AI”, para o que sustentou, em resumo, que a ocupação dos imóveis, a partir da data da apreensão dos bens para a Massa Insolvente, que ocorreu em 9 de Fevereiro de 2012, teve como consequência que os ora recorrentes, passaram a possuir os bens de má fé, sendo deles meros detentores, o que confere à Massa Insolvente, nos termos dos artigos 1271º e 212º nº2 o direito de fazer seus os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse, sendo as rendas frutos civis. 3ª – No requerimento dos recorrentes que assim foi decidido, estes invocaram, por um lado, que a quitação integral e sem reserva dada na escritura de compra impedia a Massa Insolvente de posteriormente fazer qualquer exigência, e, por outro lado, a impossibilidade de exigência do que quer que fosse aos recorrentes sem estarem cumpridas as obrigações fiscais, em obediência ao disposto no artigo 274º nº2 do Código do Processo Civil, e nem uma nem outra dessas questões foi objeto de decisão no despacho de que se recorre. 4ª – Essa falta de decisão integra, assim, duas nulidades previstas pelo artigo 615º nº1 alínea d) do Código do Processo Civil, por omissão de pronúncia, nulidades de que importa conhecer e serem supridas por forma a julgar-se que a Massa Insolvente já concedeu quitação integral do devido e nada mais pode exigir, mais a mais quando o processo já está em fase de rateio, e que a pretensão da Massa Insolvente teria, de qualquer modo, de levar o tribunal a comunicar aos serviços fiscais a violação dos seus deveres tributários, uma vez que não participou quaisquer rendas nem pagou o IMI correspondente, que, pelo contrário, foi suportado pelos recorrentes. 5ª – Sem prescindir, a decisão recorrida é, de qualquer modo, mal fundada, quer porque os recorrentes sempre tiveram a posse pública e de boa fé dos prédios em questão, como foi decidido com trânsito em julgado no processo nº 3158/11...., apenso a este, quer porque, ainda que devessem ser considerados possuidores de má fé isso não os obrigava a devolver o valor das rendas recebidas, mas apenas a devolver o valor dos rendimentos, se os houvesse, uma vez que o artigo 215º do Código Civil determina que quem for obrigado por lei à restituição de frutos tem direito a ser indemnizado das despesas efetuadas para os obter e, no caso, os recorrentes para poderem arrendar as casas, como arrendaram, tiveram de fazer nelas obras de adaptação ao arrendamento e de pagar, ano a ano, o Imposto Municipal sobre Imóveis correspondente. 6ª - Com efeito, encontra-se provado no processo E apenso, por sentença de 28 de Abril de 2016, que “os imóveis litigados foram apreendidos para a insolvência em 8.2.2012” e que, “depois de lhes serem entregues as chaves das casas pela P... CONSTRUÇÕES, LDA, os autores ocuparam os prédios fazendo-os seus no mês de Janeiro de 2010” e “desde então, os autores, a quem a ré P... CONSTRUÇÕES, LDA, fez a entrega das chaves dos referidos prédios, encontram-se na posse dos mesmos prédios, com animo de quem usa e frui de coisas próprias, na convicção de não lesarem direitos de quem quer que seja, sem oposição de ninguém, exercendo-a à vista de toda a gente, incluindo os réus e quem nos factos descritos mais diretamente pudesse estar interessado” o que significa que, não obstante a apreensão dos prédios, por decisão transitada em julgado, muito posterior à apreensão, os recorrentes foram considerados possuidores de boa fé (artigo 1260º nº1 do Código Civil e acórdãos da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 1979, BMJ 284,286 e do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 1980, BMJ 293,378). 7ª – De resto, nunca seria possível julgar que a posse dos recorrentes pudesse ser de má fé, porquanto eles haviam vendido, anos antes à P... CONSTRUÇÕES, LDA, um prédio rústico onde esta construiu um bairro de casas e o preço da venda era representado pela entrega das duas casas em causa quando construídas, entrega que sem justificação a P... CONSTRUÇÕES, LDA recusou, o que levou os recorrentes a demanda-la judicialmente, tendo obtido uma decisão do Tribunal da Relação (depois revogada pelo STJ) determinando a imediata entrega dos prédios aos recorrentes, o que a empreiteira então cumpriu, sendo esta entrega o fundamento da invocada posse, e só não foi formalizada a aquisição porque a empreiteira entretanto foi declarada insolvente. 8ª – A circunstância de os recorrentes terem de ser considerados como possuidores de boa fé significa que a sua posse se encontra a coberto da doutrina do artigo 1270º do Código Civil, que lhes confere o direito de fazer seus os frutos civis correspondentes a essa posse, e daí o direito de não os atribuírem à Massa Insolvente, que não tem qualquer direito a percebê-los. 9ª – Mas a decisão recorrida nunca seria justificável porquanto ignorou o disposto no artigo 215º do Código Civil que dispõe que quem for obrigado por lei à restituição de frutos percebidos tem o direito de ser indemnizado das despesas necessárias para esses frutos serem obtidos, desde que essas despesas não sejam superiores ao valor dos frutos, naturais ou civis, o que tem como consequência que se os recorrentes tivessem, por serem possuidores de má fé, de entregar à Massa Insolvente o valor das rendas recebidas, teriam o direito de da Massa Insolvente receber o valor das despesas efetuadas para poderem fazer frutificar os prédios e o valor dos encargos fiscais inerentes à posse e por si suportados, direitos que já lhes foram reconhecidos, por decisões transitadas em julgado. 10ª – É que, como também está provado nos autos citados com trânsito em julgado: a) “Aquando da entrega e da ocupação dos prédios, pelo autores, constataram estes que os mesmos apresentavam defeitos de construção e de conservação que imediatamente denunciaram à P... CONSTRUÇÕES, LDA”, o que levou os recorrentes a, ante a inércia da empreiteira, levar a cabo nos prédios obras indispensáveis ao seu arrendamento posterior (pavimentos na garagem, manchas nas paredes, pintura, limpeza geral dos prédios, desmatação, falta de automatismo no portão, falta de muros de vedação), que a mesma sentença transitada em julgado descreveu e julgou necessárias, fixando-lhes o preço de 18.191,70€; b) Os recorrentes após receberem as chaves dos dois prédios, “procederam à regularização fiscal das transmissões”, o que significa que, conforme aliás está provado também, os recorrentes ficaram desde então a pagar o Imposto Municipal sobre Imóveis correspondente. 11ª – Sem prescindir do exposto, mesmo em sede estrita de direito falimentar, a Massa Insolvente nunca podia exigir dos recorrentes as rendas por estes recebidas, porquanto (sentença citada alíneas GG, HH, II, JJ, e K) encontra-se definitivamente provado que os recorrentes há muito pretenderam negociar com a administradora da insolvência a fixação de um preço de venda das frações e alteração do contrato, o que ela sempre recusou, e não cumpriu tampouco o disposto no artigo 172º nº1 do CIRE que lhe imporia que, se quisesse exigir o pagamento de quaisquer rendas aos recorrentes, devia ter-se prevenido com os bens necessários a pagar as dívidas da Massa que pudesse garantir esse direito, mas não constituiu qualquer provisão para esse efeito e já não o pode fazer”. Não foram apresentadas contra-alegações. * O recurso foi admitido como de apelação, a subir em imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.Foram colhidos os vistos legais. * * * 2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIRPor força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013). Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis”António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139. (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorridaAc. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.). Neste “quadro legal” e atentas as conclusões do recurso de apelação interposto pelos Requeridos/Recorrentes, são duas as questões a apreciar e a decidir: 1) Se a decisão recorrida padece de nulidade processual em razão do «juiz ter deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar»; 2) E se existe, ou não, obrigação dos Requeridos/Recorrentes restituírem à Massa Insolventes o valor das rendas que receberam relativamente aos imóveis que adquiriram na respectiva liquidação e se tal valor deve ser deduzido de despesas. Frise-se que, embora juntem documentos com as alegações, como alegam e se verificam, todos eles reportam-se a meras cópias de documentos que já foram oportunamente juntos aos autos (quer nos principais, quer nos apensos), pelo que não se coloca qui qualquer questão sobre a sua admissibilidade (não são «novos documentos»). * * * 3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOOs factos que revelam para a presente decisão são os que se encontram descritos no relatório que antecede. * * * 4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO4.2. Da Nulidade da Sentença Recorrida Importa ter presente que as nulidades da decisão (sentença, ou despacho) constituem vícios intrínsecos da própria, deficiências da respectiva estrutura, o que não é confundível com o erro de julgamento, ou sequer com um alegado erro na forma de processo. Como se explica no Ac. desta RG de 17/12/2018Juiz Desembargador José Moreira Dias, proc. nº1867/14.0TBBCL-F.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg., “Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no referido art. 615º, do CPC, e reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronúncia ultra petitum. Trata-se de vícios que «afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)» (Abílio Neto,… Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na sentença/decisão recorrida, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa. Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), sequer do poder à sombra do qual a sentença é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso (Ac. STJ. 08/03/2001…”. Prescreve o art. 615º do C.P.Civil de 2013: “1 - É nula a sentença quando:… d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;…”. Quanto à causa de nulidade prevista na alínea d), a sua razão advém do incumprimento do disposto no art. 608º/2 do C.P.Civil de 2013 que estatui que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Sobre a interpretação desta causa de nulidade, na vertente «omissão de pronúncia» continuam a relevar os ensinamentos de Alberto dos ReisIn Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1984, p. 143.: “... são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão…” (o sublinhado é nosso). Na mesma linha de entendimento, Lebre de Freitas e Isabel AlexandreIn Código de Processo Civil Anotado, 1ºVolume, 4ªedição, 2018, p. 737. explicam que, “… devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado…” Neste exacto sentido, decidiu-se no Ac. do STJ de 03/10/2017Juiz Conselheiro Alexandre Reis, proc. nº2200/10.6TVLSB.P1.S1, disponível em www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel_2017_10.pdf. que “II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia”. Importa frisar que, para apreciar e determinar se existe omissão de pronúncia, há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando a fundamentação e a decisãoCfr. Ac. STJ 23/01/2019, Juiz Conselheiro Júlio Gomes, proc nº4568/13.3TTLSB.L2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.. Em sede de recurso, nas conclusões 3ª e 4ª, os Requeridos/Recorrentes invocam (na parte que releva) que a decisão recorrida padece de nulidade porque «No requerimento dos recorrentes que assim foi decidido, estes invocaram, por um lado, que a quitação integral e sem reserva dada na escritura de compra impedia a Massa Insolvente de posteriormente fazer qualquer exigência, e, por outro lado, a impossibilidade de exigência do que quer que fosse aos recorrentes sem estarem cumpridas as obrigações fiscais, em obediência ao disposto no artigo 274º nº2 do Código do Processo Civil, e nem uma nem outra dessas questões foi objeto de decisão no despacho de que se recorre; essa falta de decisão integra, assim, duas nulidades previstas pelo artigo 615º nº1 alínea d) do Código do Processo Civil, por omissão de pronúncia». Vejamos. Dúvidas não existem sobre a questão que é colocada pela Administradora de Insolvência nos seus requerimentos de 19/05/2021 e de 01/07/2021: os Requeridos/Recorrentes deverão (ou não) restituir à Massa Insolvente o valor das rendas que auferiram dos arrendamentos dos imóveis que só posteriormente vieram a comprar no âmbito do incidente de liquidação destes autos. Ora, considerando o teor da resposta apresentada pelos Requeridos/Recorrentes através do articulado datado de 08/07/2021, verifica-se que, para além do mais, estes alegaram que «através da compra e venda, e da respectiva escritura, as contas recíprocas das partes ficaram saldadas, até porque se alguma coisa os requerentes devessem, a senhora administradora da insolvência não deixaria de lhes exigir então o pagamento do que fosse devido, até porque o negócio podia não interessar aos requerentes se estes tivessem de suportar outros encargos, que não lhe foram exigidos» (sob o ponto «1») e que «ao processo é aplicável o disposto no artigo 274.º, n.º2 do CPC, a massa insolvente não pode o pedido de pagamento de rendas sem regularizar a situação fiscal, e, tendo-o feito, o tribunal teria de participar a omissão à Repartição de Finanças competente» [sob ponto «5a)]. Esta matéria de defesa configura, manifestamente, matéria de excepção peremptória, uma vez que, no primeiro caso, alega-se factualidade como causa extintiva do direito da Massa Insolvente à restituição das rendas e que, no segundo caso, alega-se factualidade como causa impeditiva daquele direito. Deste modo, configuram verdadeiras questões (e não meros fundamentos ou argumentos) colocadas pelos Requeridos que têm que ser objecto de apreciação (conhecimento) pelo Juiz. Analisando a decisão recorrida, é inequívoco que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre estas duas excepções/questões: embora conste da mesma o concreto conhecimento da questão da restituição das rendas e das questões do direito de retenção e da posse (que configuram outras excepções deduzidas pelos Requeridos/Recorrentes naquele articulado de resposta), inexiste no seu seio qualquer apreciação mínima das duas excepções/questões supra indicadas. Aliás, tal omissão de pronúncia acaba por ser reconhecida pelo próprio Tribunal a quo quando proferiu o despacho exigido pelo nº1 do art. 617º do C.P.Civil de 2013 (na data de 18/07/2022): por um lado, neste despacho, o Tribunal a quo afirma expressamente que “parece-nos despicienda a pronúncia sobre o cumprimento das obrigações tributárias, como invocado pelo requerente, ao abrigo do disposto no art.º 274,2 Código de Processo Civil”, ou seja, reconhece que não se pronunciou sobre esta questão); e, por outro lado, ao invés de se pronunciar sobre a verificação ou não da nulidade arguida, nesse despacho, o Tribunal a quo procede à apreciação da questão/excepção das «contas terem ficado saldadas na escritura» (“No que toca à questão da quitação, a que se refere no recurso, não antevemos que tal possa ser extraído do texto da escritura junta. A isso acresce a menção expressa nesse sentido da Sr.ª AI, no referido requerimento de 12-7-21, ou seja, que com a realização da escritura se não pretendia perdoar os valores das rendas em dívida”), ou seja, admitindo assim, ainda que de forma implícita, que havia omitido tal conhecimento na decisão recorrida. Nestas circunstâncias e sem necessidade de outras considerações, a decisão impugnada configura um óbvio e inequívoco caso de «omissão de pronúncia» já que, apesar de ter apreciado outras questões, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre as duas questões/excepções supra identificadas, que foram suscitadas e das quais tinha que tomar conhecimento, o que, por si só, basta para se ter por verificada a nulidade prevista na 1ªparte da alínea d) do nº1 do art. 615º. Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, atento o disposto na 1ªparte da alínea d) do nº1 do art. 615º do C.P.Civil de 2013, a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, o que se declara, procedendo a nulidade arguida pelos Requeridos/Recorrentes. * 4.2. Do Direito da Massa Insolvente às Rendas Recebidas pelos Requeridos/RecorrentesTendo em consideração que a conclusão que supra se alcançou no sentido da decisão recorrida ser nula, coloca-se a questão de se saber se este Tribunal ad quem pode substituir-se ao Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do art. 665º/1 do C.P.Civil de 2013, o qual dispõe: “Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação”. Resulta deste normativo, a anulação da decisão não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do recurso, excepto quando não disponha dos elementos necessários, sendo que só neste caso (falta de elementos) se justifica a devolução do processoAntónio Abrantes Geraldes, in obra referida, p. 381.. Como se decidiu no Ac. do STJ de 21/01/2021Juiz Conselheiro Ferreira Lopes, proc. nº268/12.0TBMGD-A.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj., que “Se a Relação declarar a nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito, deve conhecer do objecto da apelação em substituição do tribunal recorrido, nos termos do art. 665º do CPC, salvo se não dispuser dos elementos necessários”. No caso em apreço, este Tribunal ad quem entende que os autos reúnem todos os elementos necessários ao conhecimento do objecto do recurso, o que de imediato se passará a fazer. Nos termos do art. 1º/1 do C.I.R.E., “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista no plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”. Por força do disposto no art. 36º/1g) do C.I.R.E., na sentença que declarar a insolvência, o juiz decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, “dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 150.º”. Em estrita consonância com tal normativo, estatui o art. 149º do C.I.R.E. que “1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido: a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social; b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil. 2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido”. O poder de apreensão resulta da própria declaração de insolvência, devendo o administrador da insolvência diligenciar no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues, para que deles fique depositário, sem prejuízo do disposto nos nºs. 1 e 2 do art. 756º do C.P.Civil de 2013 (cfr. art. 150º/1 do C.I.R.E.). Com efeito, nos casos em que o bem apreendido é objeto de direito de retenção, em consequência de incumprimento contratual judicialmente verificado, o depositário é o próprio retentor (cfr. alínea c) do nº1 do referido art. 756º), não cabendo, portanto, tal cargo ao administrador da insolvência. Neste sentido, decidiu o Ac. da RC de 25/06/2013Juiz Desembargador Moreira do Carmo, proc. nº3439/11.2TJCBR-F.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.: “Em processo de insolvência, apreendido um imóvel para a massa insolvente, deve ser constituído fiel depositário do mesmo o credor titular de direito de retenção sobre o referido imóvel, que tenha visto esse direito de retenção ser reconhecido judicialmente, e não o administrador da insolvência, nos termos do art. 839º, nº 1, c), do CPC ex vi do art. 150º, nº 1, do CIRE” (o referido art. 839º do C.P.Civil na versão de 2013, corresponde ao actual art. 756º do C.P.Civil de 2013). Mas, apesar do retentor ser o depositário, tal como decorre da alínea a) do nº4 do referido art. 150º, o bem (ou bens) deve passar a estar disponível e à ordem exclusiva do administrador da insolvênciaCfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3ª Edição, 2015, Quid Júris, p. 567.. O direito de retenção encontra-se previsto, em termos gerais, no art. 754º do C.Civil, e, em termos especiais, no art. 755º do mesmo diploma legal, traduzindo-se no direito conferido ao credor, que tem a posse de uma coisa e está obrigado a entregá-la a outrem, de a reter enquanto não lhe for satisfeito aquilo que, em ligação com ela, lhe é devido, incorporando uma dupla função: por um lado, a função coercitiva do cumprimento e, por outro, a função de garantia do crédito. Nas palavras de L. Miguel Pestana de VasconcelosIn Direito das Garantias, 2013, 2ª edição, Almedina, p. 359-360., o direito de retenção caracteriza-se nos seguintes termos: “consiste ao mesmo tempo num direito real de garantia legal e de um meio de compelir o devedor ao cumprimento através da recusa licita de cumprir a obrigação de entrega de uma coisa, que lhe pertence, por parte do credor que a tem (a coisa) em seu poder, enquanto o primeiro não realizar a sua prestação. Desempenha, pois, uma função de garantia e uma função coercitiva. O titular deste direito tem essencialmente duas faculdades. Por um lado, pode recusar-se licitamente a entregar a coisa ao credor (da entrega) enquanto este não cumprir a obrigação garantida. Este aspeto tem um caráter compulsório e é aquele que está na origem da figura (…). Por outro lado, pode executar a coisa nos mesmos termos que um credor pignoratício ou hipotecário, a que lei o equipara, consoante a coisa seja móvel ou imóvel (respetivamente, artigos 758º e 759º). Tem assim o direito a ser pago com preferência pelo valor da coisa aos demais credores do devedor”. A previsão legal do direito de retenção constitui, inequivocamente, uma excepção ao princípio geral consagrado no art. 1305º do C.Civil que confere ao proprietário o gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa sobre que versa aquele direito, ressalvadas as limitações legais. O direito de retenção depende da verificação de três requisitos: 1) a detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem; 2) apresentar-se o detentor, simultaneamente, credor da pessoa com direito à entrega; e 3) a existência de uma conexão directa e material entre o crédito do detentor e a coisa detida, isto é, resultante de despesas realizadas com ela ou de danos pela mesma produzidosCfr. Ac. STJ 08/10/2015, Juiz Conselheiro João Camilo, proc nº6998/13.1TBBRG.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj. (art. 754º), ou resultante dos créditos ou despesas discriminadas nas alíneas a) do nº1 do art. 755º. No que concerne ao direito de retenção sobre coisa imóvel, prescreve o art. 759º do C.Civil que o respectivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor (nº1), sendo que o direito de retenção prevalece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente (nº2). Como decorre, claramente, deste art. 759º, o direito de retenção de coisas imóveis destina-se, não a proporcionar o gozo ou fruição da coisa ao titular desse direito, mas sim e apenas a permitir-lhe a execução da coisa retida e o pagamento sobre o valor dela com preferência sobre os demais credoresCfr. Antunes Varela, in RLJ, 119º, p. 204/205, Ac. RC 12/09/2017, Juiz Desembargador António Carvalho Martins, proc nº362/06.6TBANS.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc, e Ac. RL 28/04/2005, Juiz Desembargador Ilídio Sacarrão Martins, proc nº2396/2005-8, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.. Portanto, o direito de retenção para além de ser uma causa legítima de não cumprimento, atribui ao seu titular um direito real de garantia, ou seja, a possibilidade de o seu titular se pagar com preferência aos outros credores sobre o valor da coisa retida, jamais configurando um direito real de gozo: com efeito, os direitos reais de gozo são aqueles que conferem um poder de utilizar, total ou parcialmente, uma coisa e, por vezes, também o de apropriação dos frutos que a coisa produza; já os direitos reais de garantia são direitos que conferem o poder de, pelo valor de uma coisa ou pelo valor dos seus rendimentos, um indivíduo obter, com preferência sobre todos os outros credores, o pagamento de uma dívida de que é titular activo, sendo precisamente um exemplo, entre outros, o direito de retençãoMota Pinto, in Direitos Reais, preleções, 1970-1971, p. 134 e 166.. No caso específico do processo de insolvência, como refere Soveral MartinsIn Um Curso de Direito da Insolvência, 2ª ed., p. 194., “Existindo direito de retenção, isso não afasta a apreensão da coisa pelo administrador da insolvência. O que permite, isso sim, é reclamar um crédito garantido que será assim tratado no processo de insolvência”. Nesta mesma linha de entendimento, decidiu-se no Ac. da RP de 08/05/2017Juiz Desembargador Jorge Seabra, proc. nº989/07.9TBMCN-Y.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp. que “O direito de retenção é um direito real de garantia, cuja função social não é proporcionar ao retentor o gozo da coisa mas apenas servir de garantia de pagamento de um crédito, pelo que, em caso de venda coerciva do bem sobre que esse direito incide, tal direito não obsta à apreensão nem à venda do bem, transferindo-se a garantia para o produto da venda”No mesmo sentido, Ac. RP 07/03/2013, Juiz Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida, proc. nº652/03.0TYVNG-R.P2, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp., explicando-se: “Através dos direitos reais de garantia, o credor garante-se quanto à obtenção da satisfação do seu crédito através do valor do bem objecto da garantia. O seu interesse é puramente acessório ou instrumental, na medida em que a sua finalidade não é a de assegurar um autêntico gozo dos bens mas antes assegurar o cumprimento de outro direito (de crédito)… o direito de retenção reconhecido ao promitente-comprador nas condições em análise, não visa proporcionar-lhe a fruição de qualquer direito de gozo sobre o imóvel retido, mas antes garantir o pagamento do seu crédito emergente do incumprimento da promessa imputável ao promitente-vendedor que recebeu o sinal. Conferindo o direito de retenção ao seu titular, o direito de preferência que se sobrepõe, até, ao crédito hipotecário, a penhora/apreensão judicial, não afectando tal garantia, assegura, ainda, ao credor/retentor o poder de reclamar os seus créditos em sede executiva para poder receber o seu crédito pelo produto da venda. A penhora/apreensão deixa intocado, não só o crédito como a garantia do promitente-comprador, que serão chamados à reclamação e à graduação preferencial do que lhes é devido… também no processo de insolvência e na venda coerciva nele realizada os bens são vendidos livres de ónus e encargos e os direitos dos credores transferem-se para o produto da venda, naturalmente com as características e as preferências de pagamento de que dispunham anteriormente…”. Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que, após a declaração de insolvência da sociedade P... CONSTRUÇÕES, LDA, na data de 09/02/2012 a Administradora de Insolvência procedeu (para além de outros) à apreensão de dois bens imóveis: «VERBA Nº1 Prédio urbano, de ... e andar, destinado a habitação, inscrito na matriz sob o art. ...77º, da freguesia ..., concelho ... sito no lote ..., ..., com o V.P. ----€ 61.312,36. VERBA Nº2 Prédio urbano, de ... e andar, destinado a habitação, inscrito na matriz sob o art. ...78º, da freguesia ..., concelho ... sito no lote ...0, ..., com o V.P. ---€ 61.312,36» (cfr. Auto de Apreensão de Bens junto ao apenso A, na data de 16/02/2012). E mais se verifica que, no apenso E, relativo a acção interposta na data de 26/11/2012, pelos aqui requeridos contra a Massa Insolvente e outros, na data de 28/04/2016, foi proferida sentença que (para além do mais) «julgou reconhecido e verificado o crédito dos aqui Requeridos sobre a insolvência, do montante de € 174.579,26, e reconheceu e declarou que este crédito estava garantido por direito de retenção, nos termos do disposto no artº 755º, nº 1, alínea f) e 759.º, do Código Civil, sobre os dois imóveis que integram as supra referidas verbas nºs. 1 e 2 do Auto de Apreensão, mais determinando que este crédito seja pago pelo produto da venda dos dois imóveis após graduação do mesmo crédito, a seguir a privilégios especiais mas antes de eventual crédito hipotecário, ainda que ainda que este tenha sido antes registado». Deste modo, embora em data posterior à data da sua apreensão para a Massa Insolventes, certo é que, em consequência de incumprimento contratual que foi judicialmente verificado, foi também judicialmente reconhecido que os Requeridos/Recorrentes são titulares de um direito de retenção sobre os dois bens imóveis que constituem as verbas nºs. 1 e 2 do Auto de Apreensão, para garantia de um crédito do montante de € 174.579,26. E no âmbito da respectiva liquidação, na data de 05/03/2020, os Requeridos/Recorrentes adquiriram aqueles dois bens imóveis que constituem as verbas nºs. 1 e 2 do Auto de Apreensão (cfr. informação e escritura junta aos autos que constituem o apenso K, na data de 09/03/2020). Resulta dos requerimentos da Administradora da Insolvência datados de 19/05/2021 e 01/07/2021 e da resposta dos Requeridos/Recorrentes datada de 08/07/2021, uma total consonância na verificação da seguinte factualidade: embora estivessem apreendidos para a Massa Insolvente, antes de os adquirirem no âmbito da liquidação, os Requeridos/Recorrentes procederam ao arrendamento dos dois bens imóveis que constituem aquelas verbas nºs. 1 e 2 do Auto de Apreensão e receberam as rendas originadas por tais arrendamentos. É precisamente sobre se o valor de tais rendas deve, ou não, ser entregue/restituído pelos Requeridos/Recorrentes à Massa Insolvente que reside a discórdia e a divergência. O Tribunal a quo, na decisão recorrida, determinou que «AA e DD deverão proceder à entrega do valor das rendas percebidas, indevidamente, tal como ordenado pela Sr.ª AI», com base, essencialmente, na seguinte fundamentação: “… Com base nessa garantia, é conferido ao retentor o direito de se fazer pagar preferencialmente pelo valor da coisa retida. Não confere, portanto, perdão de dívida sobre as rendas devidas pela ocupação desses imóveis… 1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido: a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for… A partir deste momento, o possuidor, neste caso os requerentes, perdem a sua boa fé, passando a meros detentores… E, consequentemente, nos termos do disposto no art.º 1271.º (Frutos na posse de má fé): O possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde, além disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido…”. Em sede de recurso, os Requeridos/Recorrentes refutam a sua obrigação de entrega/restituição do valor das rendas, aduzindo, essencialmente, cinco fundamentos: - «quitação integral e sem reserva dada na escritura de compra impedia a Massa Insolvente de posteriormente fazer qualquer exigência» (cfr. conclusão 3ª); - «impossibilidade de exigência do que quer que fosse aos recorrentes sem estarem cumpridas as obrigações fiscais, em obediência ao disposto no artigo 274º nº2 do Código do Processo Civil» (cfr. conclusão 3ª); - «no processo E apenso, por decisão transitada em julgado, muito posterior à apreensão, os recorrentes foram considerados possuidores de boa fé, o que lhes confere o direito de fazer seus os frutos civis correspondentes a essa posse; nunca seria possível julgar que a posse dos recorrentes pudesse ser de má fé» (cfr. conclusões 5ª a 8ª); - «a decisão recorrida ignorou o disposto no artigo 215º do Código Civil que dispõe que quem for obrigado por lei à restituição de frutos percebidos tem o direito de ser indemnizado das despesas necessárias para esses frutos serem obtidos; se os recorrentes tivessem, por serem possuidores de má fé, de entregar à Massa Insolvente o valor das rendas recebidas, teriam o direito de da Massa Insolvente receber o valor das despesas efetuadas para poderem fazer frutificar os prédios e o valor dos encargos fiscais inerentes à posse e por si suportados» (cfr. conclusões 5ª e 8ª a 10º); - e «não foi cumprido o disposto no artigo 172º nº1 do CIRE que imporia que, se quisesse exigir o pagamento de quaisquer rendas aos recorrentes, a administradora da insolvência devia ter-se prevenido com os bens necessários a pagar as dívidas da Massa que pudesse garantir esse direito, mas não constituiu qualquer provisão» (cfr. conclusão 11ª). Analisemos, separadamente, cada um dos fundamentos. Quanto à «quitação» («saldar de contas»). Como os próprios Requeridos/Recorrentes identificam no articulado de resposta datada de 08/07/2021), analisando a respectiva escritura de compra e venda (junta ao apenso K em 09/03/2020, junção repetida com as alegações), facilmente se percebe as únicas declarações produzidas pela Administradora da Insolvência, em representação da Massa Insolvente, que relevam para a questão aqui em apreço foram as seguintes: “… a primeira interveniente, administradora da insolvência, vende ao segundo interveniente, os imóveis supra identificados pelo preço global de CENTO E OITENTA E SEIS MIL E CEM EUROS, tendo sido já pago dez por cento, no montante de dezoito mil seiscentos e dez euros…, estando dispensado do pagamento da restante parte do preço… Declara, ainda, que os imóveis são vendidos livres de ónus ou encargos, designadamente das penhoras, hipotecas e da declaração de insolvência referidas… As partes declaram aceitar o negócio, nos termos exarados…”. Reclamam aqueles que as declarações supra transcritas significam que «as contas entre vendedora, massa insolvente de P... CONSTRUÇÕES, LDA, e os requerentes, enquanto compradores, ficaram completamente saldadas e reciprocamente quites… até porque se alguma coisa os requerentes devessem, a senhora administradora da insolvência não deixaria de lhes exigir então o pagamento do que fosse devido, até porque o negócio podia não interessar aos requerentes se estes tivessem de suportar outros encargos, que não lhe foram exigidos» (cfr. resposta que apresentaram em 08/07/2021). Importa recorrer às regras legais da interpretação da declaração negocial estabelecidas no art 236º do C.Civil: «1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida». O nosso ordenamento jurídico consagrou no nº1 deste art. 236º do C.Civil, a “teoria da impressão do destinatário”, segundo a qual nela deve prevalecer o sentido objectivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto, supondo-o uma pessoa razoável, sendo que, para o efeito, «considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente, mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável»Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 4ªedição, p. 447. Portanto, na interpretação do referido preceito legal deve ter-se em conta o homem normal e médio e os elementos que teria para tirar conclusões, quando colocado na posição do declaratário - «A interpretação a que se refere o nº1 do artigo tem lugar, tratando-se de declarações receptícias de vontade, quando ambas as partes não tenham entendido do mesmo modo a declaração e é, então, de fazer no sentido que o declaratário, com base em todas as circunstâncias por ele conhecidas ou reconhecíveis por um declaratário normal colocado na sua posição, podia e devia entender, conforme o teria feito um declaratário normal»Cfr. RLJ, 110º, p. 351.. Na ausência de oposição à vontade real do declarante (cfr. nº2 deste art. 236º), o declaratário está obrigado a procurar entender a declaração colocado na sua situação concreta, atendendo, por isso, às circunstâncias por ele conhecidas e às que seriam conhecidas por um tal declaratário, de modo a determinar, através desses elementos, o sentido querido pelo declarante, ou seja, do referido nº2 resulta que se o declaratário entendeu a declaração no sentido querido pelo declarante, é neste sentido que é de interpretar a declaração. Em conclusão, o referido art. 236º formula duas regras: a da interpretação objectivista ou normativa da declaração negocial, nos termos da mencionada “doutrina da impressão do destinatário” (nº1); e a da interpretação, segundo a vontade real do declarante, quando o declaratário tenha conhecido essa vontade (nº2), explicando-se no Ac. do STJ de 10/12/2009Juiz Conselheiro Pinto Hespanhol, disponível na INTERNET in http://www.dgsi.pt./jstj.: «… A interpretação de um contrato consiste em «determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir em conformidade com tais declarações»… De harmonia com a regra estabelecida naquele n.º1, em caso de divergência das partes, a declaração negocial deve ser interpretada no sentido que um declaratário normal, com base em todas as circunstâncias por ele conhecidas ou susceptíveis de o serem, podia e devia entender como sendo a vontade do declarante. É a chamada teoria da impressão do destinatário que, pelo seu carácter eminentemente objectivista, se entende ser aquela que dá «tutela plena à legítima confiança da pessoa em face de quem é emitida a declaração»… Este critério objectivista da interpretação é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista: é o que sucede quando o declaratário conheça a vontade real do declarante, caso em que a declaração valerá de acordo com essa vontade (artigo 236.º, n.º2, do Código Civil). Não destacando a lei quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação, deverão ser havidas como tal todas aquelas que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz teria efectivamente considerado. Entre elas, salienta VAZ SERRA, «os termos do negócio, os interesses nele compreendidos, o seu mais razoável tratamento, o objectivo do declarante, as negociações preliminares e os usos»…”. Na interpretação de declaração negocial, importa ainda ter presente o disposto no art. 237º do C.Civil que estipula «Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações», e o disposto no art. 238º do C.Civil que estatui: «1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade». Resumindo esta actividade interpretativa, explica-se no Ac. do STJ de 12/06/2012Juiz Conselheiro Nuno Cameira, disponível na INTERNET in http://www.dgsi.pt./jstj. : «… II - As regras constantes dos arts. 236.º a 238.º do CC constituem directrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela actividade interpretativa, e o que basicamente se retira do art. 236.º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). No entanto, a lei não se basta com o sentido realmente compreendido pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário). III - Em termos práticos, o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição do declaratário real. IV - Se não se afigurar viável chegar a um resultado suficientemente claro sobre a interpretação do negócio jurídico, pois tanto a 1.ª como a 2.ª instâncias, raciocinando sobre os mesmos dados de facto e aplicando-lhes idênticas regras de direito, tiraram consequências opostas - sendo certo que de nenhuma delas se pode dizer, com segurança, não ter captado o sentido objectivo correspondente à impressão do destinatário - há que lançar mão do art. 237.º do CC, que dispõe para os casos duvidosos…». Ponderando este “quadro legal”, o expresso teor das declarações supra transcritas, e o conteúdo do articulado de resposta datado de 08/07/2021, mostra-se inequívoco que o entendimento defendido pelos Requeridos/Recorrentes não tem um mínimo de cabimento legal. Por um lado, estes nada alegaram (e, por via disso, nada poderiam provar) sobre a sua vontade real e/ou sobre a vontade real da Administradora da Insolvência, nomeadamente, nada alegaram no sentido de que, através daquela escritura, para além de pretenderem realizar o negócio de compra e venda, também pretendiam «saldar (dar quitação) todas as contas que existiam entre as partes, incluindo as relativas às rendas que os Requeridos auferiram dos arrendamentos dos dois imóveis em causa» (frise-se que, para além desta total ausência de alegação, no aludido articulado de resposta, limitaram-se a conjecturar - “o negócio podia não interessar aos requerentes se estes tivessem de suportar outros encargos” -, jamais invocando, de forma concreta, qual a sua vontade real). Logo, está afastada a aplicação da regra contida no nº2 do art. 236º (ou seja, interpretação segundo a vontade real do declarante quando o declaratário tenha conhecido essa vontade). Por outro lado, analisando o teor literal das declarações supra transcritas, é inequívoco de que inexiste no seu “seio” qualquer elemento que permita realizar (com um mínimo de fundamento) a “interpretação” defendida pelos Requeridos/Recorrentes, isto é, no sentido de que representavam (também) um «saldar (dar quitação) todas as contas que existiam entre as partes». Efectivamente, tais declarações incidem exclusivamente sobre o negócio de compra e venda (quem vende e quem compra, quais os imóveis abrangidos, qual o respectivo preço, e qual a sua forma de pagamento), não contendo uma única palavra relativa a «acerto recíproco de contas entre as partes» (designadamente, não há uma única referência a um «saldar de contas» e/ou a uma «quitação») e a que negócios/contratos dizem respeito tais «contas», tal como não contêm uma única palavra relativa aos arrendamentos dos dois imóveis e/ou às rendas recebidas por via desses arrendamentos. Aliás, quer no articulado de resposta, quer no recurso, os Requeridos/Recorrentes nada concretizaram nesta matéria, não identificando um único segmento de tais declarações que permitisse a um homem normal e médio, no âmbito de uma escritura de compra e venda, entender que tais declarações também visavam «saldar (dar quitação) todas as contas que existiam entre as partes, incluindo as relativas às rendas auferidas dos arrendamentos dos imóveis» (frise-se que a referência, no articulado de resposta, a que “se alguma coisa os requerentes devessem, a senhora administradora da insolvência não deixaria de lhes exigir então o pagamento do que fosse devido”, para além de não ter qualquer correspondência com o teor daquelas declarações, mostra-se completamente ininteligível já que, estando em causa um negócio de compra e venda e inexistindo qualquer referência mínima a qualquer outro tipo de negócio/contrato, não se compreende como poderia a Administradora poderia pensar e querer abranger no mesmo uma «quitação» relativa às rendas). E relembre-se que, nos negócios formais (como é o caso de um contrato de compra e venda) não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento (cfr. art. 238º do C.Civil). Nestas circunstâncias, numa análise estritamente objectiva, jamais se pode atribuir a qualquer das expressões que integram as declarações supra transcritas o sentido “reclamado” pelos Requeridos/Recorrentes, por não ser esse o sentido objectivo que se pode e deve obter do ponto de vista do declaratário concreto, supondo-o uma pessoa razoável. É inequívoco único sentido que um homem normal e médio, perante os elementos que tinha para tirar conclusões e colocado na posição do declaratário, podia razoavalmente extrair, configurar, representar e prever é precisamente de que tais declarações se reportam apenas aos elementos do contrato de compra e venda a que se reporta a escritura de formalização do mesmo, jamais abrangendo qualquer outro negócio e/ou qualquer acerto/saldo/quitação de contas. Deste modo e sem necessidade de outras considerações, tem que improceder integralmente este fundamento. Quanto ao fundamentado da «impossibilidade de exigência das rendas por incumprimento do art. 274º/2». Prescreve o art. 274º do C.P.Civil de 2013: “1 - Não obsta ao recebimento ou prosseguimento das ações, incidentes ou procedimentos cautelares que pendam perante os tribunais judiciais a falta de demonstração pelo interessado do cumprimento de quaisquer obrigações de natureza tributária que lhe incumbam, salvo nos casos em que se trate de transmissão de direitos operada no próprio processo e dependente do pagamento do imposto de transmissão. 2 - A falta de cumprimento de quaisquer obrigações tributárias não obsta a que os documentos a elas sujeitos sejam valorados como meio de prova nas ações que pendam nos tribunais judiciais, sem prejuízo da participação das infrações que o tribunal constate. 3 - Quando se trate de ações fundadas em atos provenientes do exercício de atividades sujeitas a tributação e o interessado não haja demonstrado o cumprimento de qualquer dever fiscal que lhe incumba, a secretaria ou o agente de execução deve comunicar a pendência da causa e o seu objeto à administração fiscal, preferencialmente por via eletrónica, sem que o andamento regular do processo seja suspenso”. Explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís SousaIn Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ªedição, p.353 e 354.: “O preceito procura compatibilizar o exercício do direito de ação ou de defesa com o cumprimento de obrigações de natureza tributária, não se justificando efectivamente que na relação jurídico-processual interfira uma relação de natureza tributária. Por isso, a falta de cumprimento de obrigações tributárias apenas colide com o prosseguimento da instância quando esteja em causa a transmissão de um bem ou direito dependente do pagamento de imposto de transmissão, como ocorre com o IMT... O regime semelhante quando se trate da apresentação de documentos que revelem o incumprimento de obrigações fiscais, cuja valoração probatória não é impedida por esse facto, sem embargo da participação da infração que eventualmente tenha sido cometida. Outrossim nos casos em que o litígio incida sobre atos inseridos numa atividade sujeita a tributação. Verificado o incumprimento de alguma obrigação fiscal, basta-se a lei com a comunicação oportuna à administração fiscal, para os efeitos que esta apreciará, sem que isso determine a suspensão da instância”. Como se decidiu no Ac. do STJ de 14/11/2013Juiz Conselheiro Álvaro Rodrigues, proc. nº156/09.7TBCNT.C1.S1, disponível na INTERNET in http://www.dgsi.pt./jstj., “As obrigações fiscais que a lei põe a cargo de cada um dos sujeitos da relação tributária e o seu cumprimento ou incumprimento, constituem assunto que diz respeito unicamente ao credor ou ao devedor de tal relação tributária, não afectando, salvo demonstração em contrário, nem a validade intrínseca ou extrínseca do seu objecto nem a eficácia do negócio jurídico-civil celebrado e, muito menos, servindo de causa de exclusão da ilicitude para o incumprimento de uma das partes”. E na mesma linha de entendimento, pronunciou-se o Ac. RE de 05/11/2020Juíza Desembargadora Albertina Pedroso, proc. nº26229/19.0YIPRT.E1, disponível na INTERNET in http://www.dgsi.pt./jtre., “O incumprimento das obrigações fiscais que impendam sobre uma das partes, pode constituir infracção tributária desta, mas, não fazendo parte do sinalagma da relação contratual em litígio, a eventual falta tributária do contraente cumpridor não aproveita ao contraente faltoso na acção intentada para cumprimento da prestação, nunca podendo funcionar como uma espécie de excepção de não cumprimento do contrato, quando este, no concernente à relação entre as partes foi cumprido pelo obrigado que recorre a juízo, isto pela simples mas evidente razão de que não existe qualquer correspectividade ou equivalência substancial entre as prestações em confronto”. No articulado de resposta datada de 08/07/2021, os Requeridos/Recorrentes alegam que «ao processo é aplicável o disposto no artigo 274.º, n.º2 do CPC; a massa insolvente está a reclamar o pagamento de rendas, mas nem tinha a posse fiscal do imóvel nem tinha pago o IMI correspondente a essas rendas; quem procedeu ao pagamento desses impostos foram sempre os requerentes, nunca a massa insolvente podia atrever-se a fazer o pedido de pagamento de rendas sem regularizar essa situação, e, tendo-o feito, o tribunal teria de participar a omissão à Repartição de Finanças competente». Basta atentar na parte final da transcrita alegação para se concluir que os próprios Requeridos/Recorrentes reconhecem que este fundamento não produz qualquer efeito relativamente à pretensão da Massa Insolvente de entrega/restituição das rendas, sendo que a única e eventual consequência do mesmo será a participação do Tribunal à respectiva entidade fiscal. Só em sede de recurso é que os Requeridos/Recorrentes vêm invocar que tal omissão é impeditiva da formulação da pretensão de restituição/devolução das rendas. Para além de constituir uma absoluta contradição com o alegado no articulado de resposta (o que, aliás, até roça uma situação de litigância má fé), o invocado revela-se completamente infundado pelas seguintes razões: - em primeiro lugar, aqueles remetem para o teor do nº2 do art. 274º do C.P.Civil de 2013, o qual, como resulta de forma clara do seu teor, não prevê qualquer situação de impossibilidade de recebimento ou prosseguimento da acção (este normativo reporta-se apenas e tão só a documentos relativamente aos quais não foram cumpridas as respectivas obrigações tributárias, nele se estatuindo que os mesmos podem ser valorados como meios de prova, havendo lugar à mera participação da infração que o tribunal constate); - em segundo lugar, a previsão constante do nº1 do mesmo art. 274º não tem qualquer aplicação no caso em apreço uma vez que a pretensão da Massa Insolvente de entrega/restituição das rendas não configura uma situação de «transmissão de um bem ou direito dependente do pagamento de imposto de transmissão»; - e, em terceiro lugar, importa frisar que, tendo sido os Requeridos/Recorrentes quem procedeu ao arrendamento dos dois imóveis e quem recebeu as respectivas rendas, releva-se consentâneo que os mesmos também tenham procedido ao pagamento do respectivo Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), sendo certo que nunca alegaram terem reclamado da Massa Insolvente, em momento anterior, a devolução dos valores de tais impostos; ora, perante a pretensão formulada pela Massa Insolvente no sentido de lhe ser reconhecido o direito à entrega/restituição das rendas originadas por tais arrendamentos, só após o Tribunal reconhecer tal direito, poderá a Massa Insolvente proceder à regularização da respectiva situação fiscal (e isto independentemente da questão que adiante se apreciará sobre se o valor de tais IMIs deve ou não ser “descontado” no valor das rendas a entregar/restituir), pelo que, neste momento, nem sequer se pode concluir que Tribunal a quo já deveria ter feito alguma participação à Autoridade Tributária. Nestas circunstâncias, a invocada «omissão de cumprimento de obrigações fiscais por parte da Massa Insolvente» não configura qualquer impedimento (impossibilidade) legal desta exigir, em juízo, aquela entrega/restituição das rendas. Portanto, também este fundamento terá que improceder integralmente. Quanto aos «Requeridos/Recorrentes serem possuidores de boa fé». Importa começar por assinalar que, no âmbito das alegações deste fundamento, os Requeridos/Recorrentes incorrem em mais uma contradição. Com efeito, invocam que «nunca seria possível julgar que a posse dos recorrentes pudesse ser de má fé, porquanto eles haviam vendido, anos antes à P... CONSTRUÇÕES, LDA, um prédio rústico onde esta construiu um bairro de casas e o preço da venda era representado pela entrega das duas casas em causa quando construídas, entrega que sem justificação a P... CONSTRUÇÕES, LDA recusou, o que levou os recorrentes a demanda-la judicialmente, tendo obtido uma decisão do Tribunal da Relação (depois revogada pelo STJ) determinando a imediata entrega dos prédios aos recorrentes, o que a empreiteira então cumpriu, sendo esta entrega o fundamento da invocada posse, e só não foi formalizada a aquisição porque a empreiteira entretanto foi declarada insolvente» (o sublinhado é nosso) – cfr. conclusão 7ª. Daqui decorre que alicerçam a sua posse numa decisão do Tribunal da Relação que determinou a entrega dos dois imóveis, o que foi cumprido pela sociedade que posteriormente veio a ser declarada insolvente, mas também decorre que, como os próprios Requeridos/Recorrentes reconhecem, tal decisão do Tribunal da Relação foi revogada por decisão do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que, ao contrário do que querem fazer crer, inexiste no ordenamento jurídico qualquer decisão judicial que efectiva determine a entrega àqueles dos dois imóveis e, por via disso, a referida demanda judicial findou com o trânsito em julgado de uma decisão que não lhes reconheceu qualquer direito de posse sobre tais bens. Assim sendo, mostra-se totalmente contraditório pretender afastar uma situação de posse de má fé com a invocação de uma decisão que foi revogada (que não produz quaisquer efeitos no ordenamento jurídico). Acresce que numa conduta que roça a litigância de má fé, os Requeridos/Recorrentes omitiram que, na já referida sentença proferida em 28/04/2016 no apenso E, ficou provado (sob facto nº21) que «A então Massa Insolvente da "P... CONSTRUÇÕES, LDA", após a notificação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, pediu a devolução das chaves dos imóveis aos AA». Tendo consciência que a aludida demanda judicial não lhes reconheceu qualquer direito sobre os dois imóveis, os Requeridos/Recorrentes invocaram outra demanda judicial para sustentar que são possuidores de boa fé: a já supra referida sentença proferida no apenso E. Apesar de omitidos, na acção que correu termos sob o apenso E, existem dados que revelam importância para a questão em análise. Com efeito, nessa acção instaurada contra a Insolvente, Credores e Massa Insolvente, para além do mais, os Requeridos/Recorrentes formularam um pedido consistente em «b) Na hipótese de os prédios cuja transmissão de propriedade para os Autores se reclama se encontrarem apreendidos para a Massa, declarada a sua separação da mesma e a restituição aos Autores» (os sublinhados são nossos). Este concreto pedido foi objecto de decisão, proferida em 23/11/2015, em sede de saneador, que «jugou improcedente o pedido de separação e restituição aos AA. dos bens apreendidos para a massa insolvente sob os n.ºs 1 e 2 do auto de apreensão e aqui em litígio», decisão este que foi confirmada por Acórdão de 03/03/2016. Daqui resulta que, para além de estarem apreendidos como bens da Massa Insolvente desde 09/02/2012, esta decisão confirmou e manteve tal apreensão, e não declarou nem reconheceu qualquer direito aos Requeridos/Recorrentes relativamente à restituição dos dois bens. E como resulta da fundamentação desta decisão, em nenhum momento foi reconhecido àqueles um direito de posse (e muito menos de boa fé) sobre tais imóveis. Considerando agora a sentença proferida em 28/04/2016 na acção do apenso E, verifica-se que, para além do mais, esta decisão reconheceu aos Requeridos/Recorrentes «um crédito sobre a insolvência, do montante de 174.579,26 €» e que «este crédito está garantido por direito de retenção, nos termos do disposto no artº 755º, nº 1, alínea f) e 759.º, do Código Civil, sobre os bens imóveis nºs. 1 e 2 do auto de apreensão». E analisando, quer o decisório de tal sentença, quer a sua fundamentação de direito, não foi judicialmente declarado qualquer direito de posse daqueles sobre os referidos imóveis, sendo que, embora na fundamentação esteja consignado que «a entrega das chaves está assente como dito em V, entrega a que se seguiu a posse com animus sibi habendi – factos 2 e 3 – traditio», e independentemente da factualidade provada, em nenhum momento se apreciou e se decidiu concretamente se tal posse constituía uma posse de boa fé ou de má fé e quais os efeitos daí decorrentes. Neste “quadro”, ao contrário do que pretendem fazer crer em sede de recurso, em nenhuma das decisões proferidas no apenso E «foi decidido com trânsito em julgado que os Requeridos/Recorrentes sempre tiveram a posse de boa fé sobre os prédios em questão». Mas sempre importa realçar o seguinte: os Requeridos/Recorrentes sabem, desde 09/02/2012, que esses dois bens imóveis estavam apreendidos a favor da Massa Insolvente; sabem, desde 23/11/2015, que (por decisão judicial) tais bens integravam a Massa Insolvente e que não tinham direito à sua restituição; e sabem, desde 28/04/2016, que (por decisão judicial) apenas lhe assistia um direito de retenção sobre tais imóveis. Nestas circunstâncias, mostra-se inviável que, a partir de qualquer dos momentos temporais indicados, os Requeridos/Recorrentes pudessem ser considerados como possuidores de boa fé porque não ignoravam (nem podiam ignorar) que o direito de propriedade sobre esses bens era da titularidade da Massa Insolvente, e que não lhes assistindo tal direito (cfr. art. 1260º/1, a contrario, do C.Civil). De qualquer forma, os Requeridos/Recorrentes invocam erradamente a sua qualidade de «possuidores de boa fé», já que, por força do art. 150º/1 do C.I.R.E. e do art. 756º/1c) do C.P.Civil de 2013, estes tinham sim a qualidade de depositários dos dois bens imóveis que integram as verbas nºs. 1 e 2 do Auto de Apreensão. Efectivamente, como resulta da supra referida sentença que foi proferida em 28/04/2016 no apenso E, em consequência de incumprimento contratual judicialmente verificado, foi reconhecido aos Requeridos/Recorrentes o direito de retenção sobre tais dois bens imóveis para garantia do pagamento do crédito sobre a insolvência do montante de € 174.579,26. Logo, encontrando-se esses bens apreendidos a favor da Massa Insolvente desde 09/02/2012 (ao abrigo do disposto no art. 149º do C.I.R.E.), por força do reconhecimento daquele direito de retenção (a sentença foi proferida em 28/04/2016 mas a interposição da acção, em que está formulado o pedido de reconhecimento de tal direito, ocorreu em 26/11/2012) e por força do disposto no art. 756º/1c) do C.P.Civil de 2013, os Requeridos/Recorrentes assumiram a qualidade de depositário destes bens (nesta situação, a lei estatui que é o retentor que assume o cargo de depositário, e não o administrador de insolvência), passando, deste modo, a serem simples detentores de tais bens, possuindo-os em nome de outrem (da Massa Insolvente), aliás, total em conformidade do disposto no art. 1253º/c), parte final, do C.Civil (sobre o depositário ser um mero detentor, decidiu-se no Ac. da RP de 03/04/1990Juiz Desembargador Pereira Guedes, proc. nº0224418, disponível na INTERNET in http://www.dgsi.pt./jtrp. que “Sendo os bens entregues a um terceiro depositário, este é um mero detentor desses bens, possuindo-os em nome do proprietário que, assim, mantém a sua posse através dele como o permite o artigo 1252 do Codigo Cívil”). Sendo meros detentores dos bens, tal circunstância, por si só, impede que os Requeridos/Recorrentes fossem, ou sejam, possuidores em nome próprio e de boa fé, não assistindo qualquer razão aos mesmos quando argumentam serem possuidores de boa fé. Nos termos do art. 212º do C.Civil, diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância (nº1), sendo que os frutos são naturais ou civis: dizem-se naturais os que provêm directamente da coisa, e civis as rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica (nº2). Em face do disposto neste normativo, dúvidas não existem que as rendas recebidas pelos s Requeridos/Recorrentes, em virtude dos arrendamentos dos imóveis que integram verbas nºs. 1 e 2 do Auto de Apreensão, constituem frutos civis (o que, aliás, não foi colocado em causa por aqueles). E, assim sendo, uma vez que os Requeridos/Recorrentes são depositários de tais bens (e não possuidores de boa fé), por força da obrigação imposta ao depositário nos termos do art. 1187º/c) do C.Civil, os mesmos estão obrigados a restituir à Massa Insolvente as rendas (valores) que receberam em virtude daqueles arrendamentos, rendas essas que serão aquelas que tenham auferido desde a data da apreensão (09/02/2012) até à data em que adquiriram os bens (05/03/2020). Acresce que, como anteriormente já se explicou, o direito de retenção de coisas imóveis destina-se, não a proporcionar o gozo ou fruição da coisa ao titular desse direito, mas sim e apenas a permitir-lhe a execução da coisa retida e o pagamento sobre o valor dela com preferência sobre os demais credores, jamais configurando um direito real de gozo, sendo que apenas os direitos reais de gozo conferem um poder de utilizar, total ou parcialmente, uma coisa e também o poder de apropriação dos frutos que a coisa produza. Por conseguinte, o direito de retenção judicialmente reconhecido aos Requeridos/Recorrentes sobre os bens imóveis em causa não lhes confere qualquer direito ou poder de fazerem suas as rendas (frutos civis) originadas pelos respectivos arrendamentos. Nestas circunstâncias, e embora com fundamentação diversa da que consta da decisão recorrida (nesta parte), igualmente deverá improceder este fundamento. Quanto à «indemnização das despesas com IMI e obras». Prescreve o nº1 do art. 215º do C.Civil, sob a epígrafe «restituição de frutos»: “Quem for obrigado por lei à restituição de frutos percebidos tem direito a ser indemnizado das despesas de cultura, sementes e matérias-primas e dos restantes encargos de produção e colheita, desde que não sejam superiores ao valor desses frutos”. Os Requeridos/Recorrentes reclamam o direito a receber da Massa Insolvente o valor das despesas que suportaram com IMI dos dois imóveis e com as obras que realizaram nos mesmos. No que concerne às despesas com o IMI, verifica-se que aqueles alegaram, no articulado de resposta que apresentaram na data de 08/07/2021, foram sempre eles a procederem ao pagamento do IMI, o que foi reconhecido pela Administradora de Insolvência no requerimento datado de 12/07/2021, a qual inclusive aceitou e requereu que o valor dos IMI (pagos por aqueles após a declaração de insolvência) fossem descontados no valor das rendas a restituir. Mais se verifica que, embora o Tribunal a quo não se tenha pronunciado sobre se o valores dos IMI pagos Requeridos/Recorrentes devia ou não ser deduzido no valor das rendas a restituir, aquando da pronúncia nos termos e para os efeitos do nº1 do art. 617º do C.P.Civil de 2013, o Tribunal a quo acaba por “remeter” para a supra referida posição da Administradora (“… é reconhecido pela Sr. AI que são os recorrentes quem tem procedido ao pagamento das obrigações fiscais sobre as verbas 1 e 2, e como tal, afirma que esse valor terá que ser deduzido do valor das rendas, indevidamente retido”). E ainda mais se verifica que, com o referido articulado de resposta, os Requeridos/Recorrentes juntaram documentos comprovativos da realização desses pagamentos relativamente aos IMI do ano de 2012 ao ano de 2017. Afigura-se-nos que tal pagamento dos IMI pode ser enquadrado na expressão «dos restantes encargos de produção» contida no referido art. 215º/1 do C.Civil: por um lado, é inquestionável que o IMI configura um encargo inerente a qualquer bem imóvel e, por outro lado, caso seja omitido tal pagamento, ocorrerá a penhora e venda do respectivo bem no âmbito de um processo tributário, o que, em si mesmo, impedirá que o bem venha ou continue a ser arrendado e produza os respectivos frutos civis (ou seja, as rendas). Nestas circunstâncias, temos que concluir que, neste parte, assiste razão aos Requeridos/Recorrentes, tendo direito a serem indemnizados pela Massa Insolvente do valor dos IMI que pagaram relativamente aos imóveis que integram verbas nºs. 1 e 2 do Auto de Apreensão, desde a data da apreensão (09/02/2012) até à data em que adquiriram os bens (05/03/2020), valor indemnizatório este que deve ser deduzido no valor das rendas que os mesmos têm que restituir à Massa Insolvente e que tem como valor máximo o valor global das rendas (frutos) a serem restituídas (cfr. parte final do nº1 do art. 215º do C.Civil). No que concerne às despesas com obras, embora remetam para os factos provados na já referida sentença proferida em 28/04/2016 no apenso E, os Requeridos/Recorrentes olvidam que o valor das obras agora reclamadas no articulado de resposta (e no presente recurso) já foi reconhecida e considerada como um crédito a seu favor sobre a insolvência exactamente na referida sentença. Na verdade, no referido apenso E, para além do mais, um dos pedidos que aqueles formularam foi precisamente que «se julgue: a) verificados os créditos dos Autores… outro de 90.000,00 €, com a natureza de crédito comum, a serem graduados no local próprio; estes 90.000,00 €uros são a soma de 30.000,00 € do custo das obras feitas nas casas traditadas para corrigir os defeitos encontrados…». E, na referida sentença, considerou-se que «o custo das obras necessárias para reparar os defeitos que as casas» foi de «18.191,70 €uros» (coincidente com o valor agora novamente reclamado), tendo este valor sido incluído no crédito comum no total de 90.916,70 €uros que foi reconhecido a favor dos Requeridos/Recorrentes sobre a insolvência [cfr. ponto D) do decisório da sentença]. Constituindo um crédito comum da insolvência (cfr. art. 47º do C.I.R.E.), reconhecido por sentença transitada em julgado, está legalmente vedada a possibilidade dos Requeridos/Recorrentes reclamarem o mesmo crédito a título de indemnização prevista no art. 215º/1 do C.Civil e o seu pagamento pela Massa Insolvente, o que representaria uma verdadeira dívida da Massa Insolvente, quando é certo que não se integra em qualquer dos casos previstos nas diversas alíneas do nº1 do art. 51º do C.I.R.E. Acresce que, tendo sido alegado (e estando provado na acção referente ao apenso E) que tais obras respeitavam a defeitos de construção jamais poderiam ser enquadradas em qualquer das despesas elencadas no nº1 do art. 215º do C.Civil. Nestas circunstâncias e sem necessidade outras considerações, temos que concluir que não assiste, neste parte, qualquer razão aos Requeridos/Recorrentes, não tendo direito a serem indemnizados pela Massa Insolvente do valor reclamado a título de obras. Perante as conclusões alcançadas neste âmbito, o presente fundamento terá que proceder mas de forma parcial. Quanto «ao não cumprimento do artigo 172º nº1 do CIRE». Os argumentos em que os Requeridos/Recorrentes baseiam o presente fundamento são, em si mesmos, absolutamente inconsequentes e até ininteligíveis. Por um lado, não se vislumbra qual o efeito jurídico e qual a base legal para impedir, modificar ou extinguir o direito da Massa Insolvente à restituição das rendas em virtude da alegação de que «a Massa Insolvente nunca podia exigir dos recorrentes as rendas por estes recebidas, porquanto (sentença citada alíneas GG, HH, II, JJ, e K) encontra-se definitivamente provado que os recorrentes há muito pretenderam negociar com a administradora da insolvência a fixação de um preço de venda das frações e alteração do contrato, o que ela sempre recusou». Na verdade, nem aqueles concretizam ou justificam como é que o alegado «atraso» da Administradora na negociação e venda dos imóveis poderia conduzir, com base na lei, à extinção (ou inexistência) da sua obrigação de restituição das rendas. E, por outro lado, não se descortina nem se compreende, apesar do esforço desenvolvido, como é que o disposto no art. 172º/1 do C.I.R.E. (“Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo”) tem aplicação ao caso em apreço: com efeito, a alegação de que «não cumpriu tampouco o disposto no artigo 172º nº1 do CIRE que lhe imporia que, se quisesse exigir o pagamento de quaisquer rendas aos recorrentes, devia ter-se prevenido com os bens necessários a pagar as dívidas da Massa que pudesse garantir esse direito, mas não constituiu qualquer provisão para esse efeito e já não o pode fazer» não tem qualquer sentido, uma vez que estamos perante uma obrigação da restituição dos frutos civis (rendas) originados pelo arrendamento de dois imóveis que integram a Massa Insolvente, e não perante um caso de pagamento de créditos sobre a insolvência! Nestas circunstâncias, e sendo despiciendas outras considerações jurídicas, este último fundamento deverá improceder na íntegra. Cumpre fazer a seguinte nota final: embora no requerimento que apresentou na data de 12/07/2021, a Administradora de Insolvência referiu que «o requerimento dos requerentes é extemporâneo, uma vez que, por despacho de 20 de Março de 2019, que já transitou em julgado, o D. Tribunal diz que, uma vez que esses imóveis foram apreendidos para a massa insolvente, têm igualmente de ser depositadas na conta da massa as rendas que daí advêm». Sucede que, para além do Tribunal a quo não ter sequer referido tal «despacho» na decisão recorrida, apesar da verificação feita por este Tribunal ad quem quer nos autos principais, quer em todos os apensos, não foi detectado qualquer despacho datado de 20/03/2019 (ou de outra data) com tal teor. Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que os Requeridos/Recorrentes estão obrigados a restituírem à Massa Insolventes o valor das rendas advindas dos arrendamentos dos bens imóveis que integram as Verbas nºs. 1 e 2 do Auto de Apreensão, rendas essas que serão aquelas que tenham recebido desde a data da apreensão (09/02/2012) até à data em que adquiriram os bens (05/03/2020), às quais deve ser deduzido o valor total dos pagamentos de IMI, relativos mesmos imóveis, que os Requeridos/Recorrentes realizaram no mesmo período temporal, tendo esta dedução o limite máximo do valor global das rendas a serem restituídas e, por via disso, o recurso tem que proceder quanto a esta questão. * 4.3. Do Mérito do RecursoPerante as respostas alcançadas quanto às questões que se impunham decidir, deverá julgar-se procedente parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Requeridos/Recorrentes e, em consequência, deverá declarar-se a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia e, em substituição do Tribunal a quo, deverá determinar-se que os Requeridos/Recorrentes procedam à restituição à Massa Insolvente do valor total das rendas advindas dos arrendamentos dos bens imóveis que integram as Verbas nºs. 1 e 2 do Auto de Apreensão, rendas essas que serão aquelas que tenham recebido desde a data da apreensão (09/02/2012) até à data em que adquiriram os bens (05/03/2020), às quais será deduzido o valor total dos pagamentos de IMI, relativos mesmos imóveis, que os Requeridos/Recorrentes realizaram no mesmo período temporal, tendo esta dedução o limite máximo do valor global das rendas a serem restituídas. * 4.4. Da Responsabilidade quanto a CustasProcedendo de forma parcial e não tendo sido apresentadas contra-alegações, as custas do presente recurso ficarão a cargo dos Requeridos/Recorrentes quer porque numa parte dele tiraram proveito, quer porque noutra parte ficaram vencidos - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013. * * 5. DECISÃOFace ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos Requeridos/Recorrentes e, em consequência, mais decidem: 1) Declarar a nulidade da decisão recorrida (despacho de 15/09/2021) por omissão de pronúncia; 2) E em substituição do Tribunal a quo, determina-se que os Requeridos/Recorrentes procedam à restituição à Massa Insolvente do valor total das rendas advindas dos arrendamentos dos bens imóveis que integram as Verbas nºs. 1 e 2 do Auto de Apreensão, rendas essas que serão aquelas que tenham recebido desde a data da apreensão (09/02/2012) até à data em que adquiriram os bens (05/03/2020), às quais será deduzido o valor total dos pagamentos de IMI, relativos mesmos bens, que os Requeridos/Recorrentes realizaram no mesmo período temporal, tendo esta dedução o limite máximo do valor global das rendas a serem restituídas. Custas do recurso pelos Requeridos/Recorrentes. * * * Guimarães, 02 de Fevereiro de 2023. (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício; 1ºAdjunto - José Carlos Pereira Duarte; 2ºAdjunto - Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais. |